Com o grito de ‘Basta!”, Gaviões da Fiel surpreende com desfile de protesto impactante
Segunda agremiação a entrada no Sambódromo do Anhembi, os Gaviões da Fiel trouxeram como enredo a palavra “Basta!”. Propondo-se a iniciar uma revolução em plena avenida, a escola não economizou na crítica e procurou chocar o público escancarando a dura realidade que muitas pessoas enfrentam todos os dias, além de relembrar os vários crimes cometidos contra a humanidade ao longo da história, como a escravidão, genocídios e devastação. * VEJA FOTOS DO DESFILE
Cercado de muitas dúvidas por conta do grande atraso nos preparativos e as polêmicas que cirundaram todo o pré-carnaval da escola, a sensação foi de que um milagre aconteceu. A Torcida que Samba passou completa na avenida, com alegorias belas e de fácil leitura, e um conjunto de quesitos que surpreendeu até o corinthiano mais pessimista. Grande destaque para todo o elenco performático, da comissão de frente, passando pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira e o teatro em cima das alegorias. Poucos esperavam alguma coisa positiva dos Gaviões, e isso pode ter sido um gás extra nas impressões positivas de todos que a viram passar no Sambódromo do Anhembi.
Comissão de Frente
A Fiel Torcida iniciou sua apresentação do povo oprimido que luta pela liberdade, representado por Gaviões, contra os Monstros da opressão, em coreografia orquestrada por Sérgio Cardoso. O repertório foi nomeado como “Basta! Pela Liberdade!” e foi dividido em três momentos diferentes, onde os integrantes contracenaram com elementos cênicos móveis, que juntos formavam celas de um presídio. O primeiro ato representou o povo oprimido, com as aves se mantendo presas na clausura com suas asas abaixadas. Na segunda parte, eles alçam voo e iniciam um confronto com as criaturas malignas. Finalizando, os protagonistas, de asas abertas, aprisionam os vilões simbolizando a mensagem principal de “basta!” do enredo.
A coreografia encaixou com sucesso de acordo com o ensaiado. Os componentes se esforçaram bastante em transmitir suas expressões nos mínimos detalhes. A transição entre os atos da encenação ocorreu sem dificuldade e contagiou o público. As três partes da apresentação ocorreram ao longo de duas passagens do samba e foram de fácil acompanhamento. Quesito sempre muito aguardado da escola, não desapontaram em nenhum momento.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Wagner Lima e Gabriela Mondjian foram os responsáveis por carregar o pavilhão principal dos Gaviões da Fiel. Representando o “Tributo Gavião”, que fez alusão à ancestralidade africana, o casal aproveitou da energia da comissão para apresentar uma dança deslumbrante e de muita sincronia. Os movimentos se conversavam com tranquilidade, e nos momentos-chave do samba faziam gestos de protesto com os punhos cerrados. A grande atuação levantou ainda mais o público.
Harmonia
Um verdadeiro calcanhar de Aquiles da escola, esperava-se que não seria diferente com base nos ensaios técnicos. Mas o grito de “basta!” parecia entalado na garganta, e o canto aconteceu na avenida. Muitos componentes dentro das alas cantaram o samba com gosto e formaram um belo coral na avenida.
Enredo
Os Gaviões da Fiel trouxeram para a avenida um desfile bastante crítico, com ausência praticamente total de elementos que costumam marcar o carnaval. A intenção foi de fato chocar ao retratar a dura realidade que pessoas pelo mundo todo encaram diariamente, e propor ao público do Sambódromo do Anhembi a se juntarem à escola na promoção de uma revolução contra essa situação inaceitável.
Partindo da herança africana, a realeza ancestral é mostrada em sua opulência anterior ao processo de escravidão. O Abre-alas faz uma transição entre esse momento e a população negra já no Brasil, onde essas pessoas seguem lutando dia após dia para consolidar seu lugar de fala. O segundo setor apresenta a desigualdade social, com enfoque principal na miséria das pessoas que sofrem nas ruas e favelas, enquanto ricos, por cima deles, desfrutam de suas regalias com pessoas morrendo pela fome e doenças, como a Covid-19. Da opressão aos menos favorecidos até a destruição de aldeias indígenas são marca do terceiro ato da apresentação da escola, que em apenas duas alas mostram várias fantasias para encravar com impacto quem oprime e quem é oprimido, encerrando com a devastação do meio ambiente em mais uma alegoria impactante. Encerrando a apresentação, grandes nomes da história do Brasil e do mundo são relembrados como exemplos de inspiração para um novo tempo, com as crianças representando a esperança de um futuro melhor através da educação, e encerrando a passagem com uma mensagem de paz.
De leitura fácil, o enredo cumpriu a missão de passar o recado ao longo de toda apresentação. Os setores centrais da escola causaram bastante comoção, e foram o ponto alto do desfile dos Gaviões
Evolução
Ao longo de todo o desfile os Gaviões conseguiram andar na pista com fluidez e tranquilidade. Em um momento no terceiro módulo, porém, houve uma abertura de buraco na frente do Abre-alas que pode custar alguns décimos caso outras falhas foram percebidos pelos demais jurados.
Samba-Enredo
O samba dos Gaviões é uma das mais belas obras da safra de 2022. Porém, como foi apresentado ainda em 2020, houve a substituição do carnavalesco Paulo Barros por Zilkson Reis, e é um tema que trata uma realidade em constante atualização, essas mudanças acabaram fazendo com que elementos na pista não fossem ouvidos nos versos da música. A explosão de casos da pandemia do novo coronavírus, por exemplo, ocorreu após a divulgação da letra e contou com representação no segundo carro, mas nada é citado a respeito nos versos.
Ernesto Teixeira impressionou como sempre e liderou o carro de som da escola com a maestria de um grande veterano. O samba foi de fácil entendimento pelo público, que começou a cantar com a escola progressivamente ao longo do desfile. A trilha sonora da Fiel Torcida foi parte importante para dar o tom do ambiente proposto pelo enredo.
Fantasias
O conjunto de fantasias da escola chamou atenção por trazer uma organização e distribuição incomuns. A escola veio com apenas 11 alas, incluindo a Velha Guarda, ala de convidados e a bateria. As demais oito alas vieram distribuídas pelos quatro setores perceptíveis, que não possuíam uma divisão delimitada, e as alas de números 5, 6 e 7 vieram com várias fantasias diferentes, com similaridades entre si ao longo de cada segmento. Lembrou brevemente a ousadia proposta pela Beija-Flor de Nilópolis no carnaval carioca de 2017 com seus grupos cênicos.
No geral simples, mas de fácil leitura, as fantasias conseguiram ser compreensíveis mesmo nos setores em que se misturavam. Alas grandes, mas com diferentes elementos, ajudaram a transmitir uma visão diferente de se ver o setor na avenida e conseguiram agradar sem faltar com a mensagem que pretendiam passar.
Alegorias
Muito comentadas no pré-carnaval pelos boatos acerca do atraso na concepção, as alegorias dos Gaviões da Fiel procuraram transmitir mensagens claras e impactantes. O Abre-alas contou com um primeiro módulo representando a realeza africana junto da ave símbolo da escola, enquanto o segundo procurou relatar, através de grupos cênicos, quatro situações: Reis e rainhas antes da chegada dos europeus, o período da escravidão, o racismo estrutural dos dias de hoje e a conquista da igualdade em solo brasileiro.
O segundo carro, com uma mensagem de muito impacto visual, levou uma gigante escultura de uma criança esquelética representando a fome, e teve sua parte inferior tomada por favelas, a miséria dos que moram na rua e das vítimas causadas pela má gestão da saúde, inclusive na pandemia. Acima de todos esses elementos, o luxo da vida de um pequeno grupo de ricos, que se esbanjavam de toda fartura. Foi a alegoria mais marcante de todo desfile, mesmo com o acabamento mais simples.
A terceira alegoria representou a devastação ambiental na forma de uma floresta tomada por chamas, indígenas sendo “queimados” por labaredas saindo do chão e enormes serras giratórias. Foi outro carro de grande destaque, e fechou os atos de drama e suspense com chave de ouro.
Encerrando o desfile, o último carro trouxe o Dia da Revolução proposta pelos Gaviões, na forma de uma alegoria toda trabalhada na cor branca e com imagens de grandes representantes da luta pela liberdade e democracia ao longo da história.
Outros destaques
A rainha veio! Sabrina Sato marcou presença na frente da bateria Ritimão e foi aplaudida pelo público. Ainda haviam dúvidas sobre sua presença no desfile, afinal ela também é a majestade principal da Unidos de Vila Isabel, no Rio de Janeiro.
Mas o maior destaque de todo o desfile sem dúvidas foram as encenações dos componentes por toda a avenida. Repleta de diferentes interpretações, no segundo carro dos Gaviões da Fiel pessoas dramatizavam comer restos de lixo, uma mãe com seu filho morrendo em seus braços durante uma troca de tiros, e pra finalizar, um homem morrendo sufocado por falta de oxigênio. O carro arrancou lágrimas do público e foi ovacionado na avenida em um momento para entrar na história.
O carnavalesco Zilkson Reis, que na parte final dos preparativos foi muito bem substituído pelo enredista Júlio Poloni após o caso ocorrido na quadra da escola, não deixou de ser homenageado. Ernesto Teixeira desejou pronta recuperação ao artista, e dedicou o desfile da escola a ele.
‘Estar ao lado do Dudu foi de extrema importância pra mim’, diz Carlinhos Brown sobre desfile da Mocidade
No carnaval de 2022 a Mocidade Independente de Padre Miguel veio para a avenida homenageando Oxossi, o orixá protetor da escola. Na sua bateria, a verde e branca apostou no resgate da própria história e resolveu homenagear sua ancestralidade. A homenagem emocionou a todos que estiveram na avenida, inclusive Carlinhos Brown, que saiu a frente dela ao lado do mestre de bateria Dudu.
“Foi muito bom estar na avenida com essa bateria que traz o toque do agueré. Não podia ser diferente no terreiro de Tia Xica, essa Yalorixá que potencializou a Mocidade Independente, assim como fez tantos outros como Quirino, Miquimba, Mestre André. Estar ao lado do Dudu foi de extrema importância para mim”, respondeu Carlinhos Brown em entrevista a equipe do site CARNAVALESCO.
Carlinhos também chamou atenção para o fato do carnaval de 2022 estar com muitos enredos referentes às ancestralidades pretas do povo brasileiro. A Marquês de Sapucaí se transformou numa enorme macumba.
“Parece que as escolas do Rio se encontram no Orúm e decidiram todas falar da ancestralidade. A Mocidade trouxe Oxóssi para falar da nossa origem em África, para desmistificar um olhar equivocado que se tem sobre nossas crenças”, completou Carlinhos ao site CARNAVALESCO.
Quem também falou sobre a ancestralidade que marca a homenagem da Mocidade, foi o mestre de bateria Dudu. Relembrou de seu pai e outros bambas que marcaram presença na história da Mocidade. Dudu ainda contou ao site CARNAVALESCO sobre a dificuldade de raspar a cabeça de toda a bateria e inclusive a própria.
“Convencer a galera a raspar a cabeça foi mais fácil do que imaginei. Eu também raspei e eu não raspava a cabeça desde 2001. Confesso que me surpreendi, foi tranquilo e agora estamos com uma representatividade incrível”, afirmou mestre Dudu.
“Raspar a cabeça foi um pouco difícil, porque eu tinha muito cabelo, mas como todo mundo topou eu encarei o desafio também. Teve gente que sofreu mais, como meu irmão que tinha um cabelo enorme, mas agora estamos todos nos divertindo com o resultado”, contou o ritmista Caíque que é original de São Paulo e desfila pela primeira vez na Mocidade.
Os ritmistas do carnaval carioca reclamam da pouca valorização do seu trabalho a algum tempo, portanto, a Mocidade que é conhecida pelas suas inovações mais uma vez marcou pontos preciosos ao passar na Avenida exaltando seus próprios ritmistas e mestres. Deixou mestre Dudu e companhia tocados.
“A escola acertou no enredo e um belo samba que nos trouze muito orgulho. Esse ano em especial mexeu muito comigo, porque falamos do meu pai, falamos do Jorjão, do mestre André, então emociona e causa orgulho não só para mim, mas para todos os integrantes da bateria”, afirmou mestre Dudu.
“Sou filho do Wilson Martins, tenho envolvimento com a escola desde cedo, então passei sete anos na Estrelinha e estou a 10 anos na Mocidade. Estar nesse ano que enaltece a história da bateria da escola é muito emocionante para mim”, contou Geovani Martins, que desfilou sete anos pela Estrelinha e chegou ao seu décimo primeiro ano na Mocidade.
Geovani também comentou sobre a fantasia deste ano. Sempre uma das maiores curiosidades do ritmista e motivo de preocupação, pois é necessário que a fantasia não atrapalhe o desempenho da bateria. Realizar algo leve e pouco volumoso, mas que chame atenção do público e jurados é um desafio do carnaval carioca.
“A fantasia ficou linda e não atrapalhou no desempenho na avenida. Esse ano tivemos a questão da careca também, foi difícil raspar, mas todo mundo topou e ficou tudo incrível”, informou Geovani.
Bela e sombria, a terceira alegoria da Mocidade gerou sentimentos controversos
Neste sábado, 23 de abril, aconteceu o último dia de desfiles do grupo especial do Rio de Janeiro. Terceira escola a passar na avenida, a Mocidade Independente de Padre Miguel apresentou o enredo ‘Batuque ao caçador’, uma homenagem ao orixá Oxossi. Representado pela imagem de um caçador que carrega um arco e uma flecha, ele é visto como o orixá da prosperidade.
Os orixás são figuras que formam uma das bases da cultura Iorubá. Os Iorubá são um dos maiores grupos étnicos da África negra, estão a sudoeste da Nigéria, no Togo, Gana, Costa do Marfim e Benin. É exatamente no Benin onde localizamos a cidade de Ketou, antigo Ketu, reino de mais de seiscentos anos de história e objeto de inspiração para a terceira alegoria da Mocidade.
Com aspecto sombrio, o carro é uma metáfora da destruição do antigo reino de Ketu. Há muitas histórias a respeito de Ketu, mas o carro da Mocidade mostra referência a narrativa em que após anos de conflitos entre Ketu e o reino de Daomé, os europeus que chegaram lá pensando no aumento do comércio de cativos, aproveitou a instabilidades dos reinos, dominou Daomé e levou destruição até os vizinhos em Ketu.
A ganância do homem branco foi vista por meio de enormes cabeças de navegadores europeus ao redor da alegoria, essas cabeças estavam com as bocas abertas e de lá saíam inúmeros crânios que simbolizavam os povos mortos naquela região. Nas duas laterais do carro uma série de tambores imitavam os tambores da madeira de Iroko, árvore sagrada encontrada no antigo reino de Ketu e junto a cada tambor vinha o seu respectivo Ogã, em Iorubá a palavra significa ‘aquele que bate, toca e canta’.
Em entrevista para a equipe do site CARNAVALESCO, Camilo Zamora, colombiano desfilando pela quarta vez na escola de Padre Milguel, disse que foi graças ao carnaval do Rio de Janeiro que ele ouviu sobre os orixás e uma ancestralidade preta diferente da dele. Também contou que se sente feliz de poder ter participado deste enredo que ajuda a contar mais sobre a história dos povos que formam o Brasil.
“Estou adorando estar aqui, da Colômbia eu comecei a escutar sobre Oxossi e os orixás através do carnaval do rio e passei a gostar, então estou muito feliz de estar aqui agora” contou Camilo ao site.
“Esse carro e esse enredo são a história do Brasil! História das pessoas macumbeiras, das pessoas pretas e a história que a gente tem que conhecer. Nós temos que conhecer a história preta do Brasil.” Afirmou ao complementar seu pensamento a respeito do enredo.
A fantasia de Camilo é diferente da roupa da maioria dos componentes vindo em cima do carro. Preta e verde, ela tem detalhes em dourado e simboliza antigos guerreiros europeus. Sendo assim, também há uma espécie de proteção no peitoral e abdômen, assim como um chapéu de navegador. Ambos prateados, assim como a espada empunhada.
“No meu caso, os negros foram domesticados, então eu estou representando essa parte negra que traiu os próprios negros” respondeu Camilo, quando perguntado o que representa a fantasia.
O carro estava lindo, mas sua representação sombria não deixou todos os componentes totalmente confortáveis para o desfile. Camilo Zamora estava tranquilo, mas Paulo Augusto, embora feliz, comentou do seu desconforto ao site CARNAVALESCO.
“O carro me impactou muito quando eu fui ensaiar. Ele é lindo, mas eu sei que ele vem representando a guerra. Eu confesso que tenho medo da morte, mas pela Mocidade a gente vai” disse Paulo.
Análise da bateria da Portela no desfile de 2022
A bateria Tabajara do Samba de Mestre Nilo Sérgio fez uma boa apresentação. A boa afinação de surdos propiciou base grave sólida para que a terceira portelense brilhasse com seu toque envolvente. Além dos repiques e das primorosas caixas de guerra da bateria da Portela. Aquele molho peculiar e inconfundível das caixas da Portela foi notado. Peças leves preenchendo com consistência a equalização do ritmo. Tamborins tocando firme e com bom volume sonoro, fazendo um toque notável de 1 x 1, dando uma sonoridade exemplar no trecho do refrão do meio. A batida 1 x 1 consiste no mesmo toque das frigideiras e foi repetido também em trechos da primeira e segunda do samba.
Agogôs pontuaram melodicamente o samba com eficácia, além de uma ala de chocalhos com firmeza e coesão. A paradinha do refrão principal exibiu um arranjo musical soberbo, se destacando na narrativa musical apresentada pela bateria da Portela. Já a bossa do refrão do meio uniu musicalidade e movimentos dançantes para um lado e pro outro.
As apresentações nas cabines de julgadores ocorreu com solidez e sem nenhum transtorno musical evidenciado na pista de desfile. A melhor apresentação foi na última cabine dupla de julgadores, recebendo aplausos, num retorno visivelmente positivo do júri. A ressalva negativa fica para um chapéu de altura elevada, incomodando ritmistas e fazendo com que o trabalho de diretores fosse dobrado para sinalizarem as paradinhas de modo visível.
Erros em Evolução comprometem desfile da Portela caprichado no visual
No segundo ano do casal Lage, a Portela, mais uma vez, apresentou um bonito conjunto de fantasias e alegorias para trazer para a Sapucaí a árvore sagrada da vida, o Baobá. No entanto, diversos problemas resultaram também em dificuldades no quesito Evolução. O samba, não muito destacado na época da escolha, confirmou o crescimento durante estes meses e passou bem na Passarela do Samba, impulsionado por mais uma boa atuação da Tabajara do Samba e por Gilsinho. Outro ponto alto do desfile foi o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Marlon Lamar e Lucinha Nobre, que fizeram uma coreografia com muita garra e vigor. Com o enredo ” Igi Oṣè Baobá”, a Portela foi a segunda escola a pisar na Sapucaí na última noite de desfiles do Grupo Especial encerrando a sua apresentação com 68 minutos. * VEJA FOTOS DO DESFILE

Comissão de Frente
Coreografada por Leo Senna e Kely Siqueira, o grupo apresentou o retorno às origens dos povos africanos, um encontro com a energia dos antepassados fundadores da Portela com um ritual em memória dos escravizados. O ponto de partida é a cidade de Ajudá, que concentrou grande parte do tráfico de seres humanos da costa sul da África Ocidental A primeira cena é a chegada dos guerreiros guiados por um sacerdote, que invoca espíritos ancestrais. Estes espíritos saem do elemento cenográfico criando um bonito efeito de ventania. Reunidos, eles preparam o terreiro em frente ao templo, representado pelo elemento alegórico.
Apesar da beleza do recurso, um dos integrantes tomou um tombo na saída da cenografia na primeira cabine de julgamento, e na segunda, outro ficou perto de cair. Após a invocação, os guardiões da noite, estruturas feitas de palhas, saíam do elemento cenográfico e participavam do ritual. Por fim, Oxumaré se personifica em seu aspecto principesco, aparecendo após um efeito de fumaça no alto do tripé da comissão, arrancando aplausos do público. Ele vive no Baobá, a árvore da vida ancestral dos povos africanos, um símbolo de resistência que faz a ligação entre o céu e a terra.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal da Portela, Marlon Lamar e Lucinha Nobre, vestiu a fantasia ” Entre o Céu e a Terra”, representando, segundo a mitologia Iorubá, as grandes árvores sagradas que são pontes de contato entre o Orun e o Ayê, isto é, o mundo dos vivos e dos mortos, ou o material e o sobrenatural. A dupla iniciou sua coreografia e os integrantes da comissão de frente se viraram para acompanhar a apresentação.
O casal mostrou uma dança com muito vigor, intensidade, mas também delicadeza. Lucinha que é uma porta-bandeira muito reconhecida pela sua intensidade nos movimentos, em diversas momentos apresentou uma doçura na dança alternando com muita energia na bandeirada. O ponto alto da apresentação era quando a dupla fazia um gingado mais afro na bossa da bateria que remetia a um Ijexá.
Harmonia
Mesmo com os problemas de evolução no início, a escola cantou e fez jus ao que sempre foi visto nos ensaios de quadra, rua e na própria Marquês de Sapucaí. No segundo setor, algumas fantasias estavam mais pesadas e alguns componentes pareciam mais cansados próximo à terceira cabine de julgamento, mas mesmo assim, o canto apresentava um bom nível. Destaque neste setor para a ala das baianas “Nana” e para a velha guarda “sabedoria ancestral”, que além de tudo estavam muito elegantes. Em outros setores, pode-se destacar as alas “Rei guezo”, “Griots”, do departamento feminino, “resistência” e “jongo”.
Enredo
A Portela trouxe para a Sapucaí “Igi Oṣè Baobá” apresentando a história dos Baobás, árvores testemunhas dos tempos imemoriais, acompanhando a sucessão de gerações, ancestrais vivos, que nos remetem ao princípio da criação. Na abertura do desfile, a escola pediu licença aos “Guardiões da noite” para entrar no território por eles vigiado, evocando a força da ancestralidade, buscando a comunicação com a energia criadora dos antepassados e organizando um grande Xirê para isso. Neste setor, a Portela também enfatizou a arte iorubana.
No segundo setor, a escola trouxe “Oxalá”, o orixá mais velho, mais respeitado do panteão africano. No próximo setor, a “árvore mãe”, fez-se referência exatamente à importância dos Baobás para a sobrevivência da fauna e das comunidades humanas. Em seguida, o enredo mostrou como o simbolismo dos Baobás esteve presente no cruel comércio de escravizados, acompanhando a diáspora africana e chegando às Américas.
No quinto e último setor, “Árvore de muitos frutos”, a Portela encerrou o desfile com as ricas manifestações culturais afro-brasileiras que surgiram com o passar dos anos, trazendo em sua essência as raízes do “Berço do mundo”. Enredo de fácil leitura e com boa conexão entre os setores.
Evolução
Uma das principais preocupações para a Portela neste desfile, o quesito acabou sendo bastante afetado pelos problemas com as alegorias. Quando o segundo carro teve problemas para entrar na Sapucaí, a escola não segurou as alas que vinham na frente, o que gerou um buraco que pegou o primeiro módulo de jurados. Depois, problemas no quarto carro, fizeram com que a escola ficasse por algum tempo parada.
Outra questão que impactou um pouco na evolução foram as fantasias principalmente do segundo setor que impediam que os componentes evoluíssem de uma forma mais espontânea e leve. A fantasia da ala “omolu” limitava um pouco a visão dos componentes, que tiveram dificuldades mais próximo ao setor 10 onde havia na lateral uma elevação na lateral da pista. Como destaque positivo os babalorixás e ialorixá na primeira ala que executavam uma coreografia religiosa. No último setor, a ala “jongo” fazia uma bonita coreografia com as mulheres de vestido e os homens segurando tambores.
Samba
O samba, que não foi dos mais festejados na sua escolha em setembro do ano passado, confirmou o bom rendimento que já vinha acontecendo nos ensaios de rua, beneficiado pelo andamento cadenciado produzido pela Tabajara da Samba de mestre Nilo Sérgio e pela excelente condução de Gilsinho por mais um ano. O intérprete se destacava com sua poderosa voz em relação ao restante do carro de som, ainda que as vozes de apoio também tenham feito um excelente trabalho, deixando o cantor mais à vontade para fazer alguns poucos e pertinentes cacos. Destaque para o trecho “Meu povo é resistência feito um nó na madeira do Cajado de Oxalá”, trecho cantado com força pelos desfilantes, além do refrão principal. O refrão do meio também se destacava pelo seu estilo mais melódico.
Fantasias
As fantasias concebidas e idealizadas pelo casal Lage mais uma vez foram destaque no desfile da Portela. Com um conjunto estético de muito bom gosto e volume e satisfatória leitura. Os tons de marrom aliados a outras cores, principalmente o azul da Portela, utilizados em um enredo que fala sobre o Baobá, foi bastante pertinente. A crítica fica para as fantasias do segundo setor que estavam um pouco pesadas em demasia atrapalhando a evolução dos foliões, e para alguma repetição de costeiros que pode tirar décimos da escola como em 2020. Outro ponto de preocupação a ser citado foi o fato de um componente da ala “resistência” perder a fantasia na frente dos jurados próximo à primeira cabine. Destaque positivo para a ala das baianas “Nana”, nos tons de roxo, trazendo o orixá feminino relacionado à origem do homem na Terra.
Alegorias
A Portela apresentou em seu conjunto alegórico 5 carros e 1 tripé. O quesito foi o principal calcanhar de aquiles da escola, apesar de diversos carros apresentarem uma estética muito bonita. Diversos carros tiveram elementos que se quebraram na Sapucaí. No terceiro carro “Pela vastidão da Savana” que trazia animais estilizados, uma escultura de bicho caiu antes de entrar e teve que ser recolocada na entrada da escola. O globo que vinha no final da alegoria acabou passando com uma clara danificação.
O abre-alas, “Berço do Mundo”, que fazia uma referência à arte e a cultura Iorubá, com a cor branca predominante também chegou a agarrar próximo a torre de imprensa no setor 10 e passou desacoplado, o que não deve preocupar em obrigatoriedades devido ao fato de a agremiação ter trazido apenas cinco carros. Outro problema, aconteceu no segundo carro “Baobá , templo e altar”, que trazia a árvore representada no enredo, quando uma cabeça de fantasia foi esquecida no teto.
O quarto carro “travessia” tinha problemas de acabamento nas bandeiras traseiras. Destaque positivo para o tripé “raiz da criação”, que trouxe o louvor a Obatalá para buscar a energia primordial dos povos africanos. O carro abre-alas , etéreo, remetendo à espiritualidade e para o abre-alas que trazia sobre um tronco que se estendia até o céu, a Águia da Portela fazendo a união entre os mundos, evocando ancestralidade.
Outros destaques
A bateria “Tabajara do samba”, de mestre Nilo Sérgio, veio de “Oxossi”, orixá protetor da bateria da Portela, o caçador da flecha certeira. O prefeito Eduardo Paes veio à frente da bateria com uma camisa da Portela. A rainha, Bianca Monteiro” veio de Otim, orixá feminino que habita nas matas, mais uma vez esbanjou simpatia e samba no pé. O jogador Cafu, capitão do penta, foi outra celebridade que veio junto com a escola. A última alegoria “Ancestralidade do samba” indicou os portelenses como legítimos herdeiros dos povos africanos,trazendo a velha guarda, e no alto, uma escultura de Mestre Monarco, a essência da ancestralidade da Portela.
Ala das baianas da Mocidade emociona ao homenagear todas as ialorixás
A ala das baianas da Mocidade Independente de Padre Miguel presta homenagem a todas as ialorixás – as mães de Santos, sacerdotisas dos terreiros.
Em entrevista ao CARNAVALESCO, Tia Nilda, responsável pela ala há tantos anos e referência na escola, contou o que achou da escolha do enredo da Mocidade para esse carnaval.
“Esse enredo é maravilhoso, é de alma. As pessoas precisam aprender a respeitar as religiões alheias. Eu não sou macumbeira, sou espírita do Candomblé, e com muita honra”, desabafou.
“Estou muito agradecida ao nosso Pai maior por estarmos de volta depois desses dois anos. Já tomei remédio, já me tremi, estou realmente muito emocionada. Quantos se foram não é mesmo? Vocês não medem o sentimento de ter sobrevivido a isso tudo”, concluiu emocionada.
A baiana Isabel Miguel, desfilante da escola há mais de 20 anos, afirmou ter gostado da fantasia, apesar de não ser tão leve.
“Esse ano não está tão leve não, não vou mentir. Mas independente disso, está linda e ideal para uma boa evolução na Avenida”.
“Eu amei esse enredo, é a cara da escola. Já chorei muito hoje, estar de volta era tudo que eu queria, a saudade foi de apertar o coração. Mesmo com os tempos difíceis, foi lindo demais ver todo mundo se reencontrando e dando a vida pela escola que a gente tanto ama e defende todos os anos”, contou a baiana com 22 anos de escola Nilda Barra da Silva.
Alegoria da Mocidade faz homenagem aos Mestres de Bateria que fizeram história na escola
Com enredo em homenagem a bateria da própria escola, o quinto e último carro da Mocidade Independente de Padre Miguel reforça esse prestígio. Composta por mestres lendários estampados nos tambores da alegoria, o batuque se conecta com a ancestralidade, o terreiro de fé e do samba, onde toda alma independente, incluindo famílias e tradições, perpetuam o conhecimento transmitido por gerações.
A alegoria é composta por alternância de cores branca e diferentes tons de verde. Na lateral, os desenhos feitos pela desenhista Orádia ilustrando mestres de bateria que marcaram a escola, como: Mestre Jorjão, Mestre Coé, Mestre Bira, Quirino da Cuíca, Mestre Dudu e Mestre André.
Um dos representantes da alegoria, Mário Sérgio, contou ao CARNAVALESCO a mensagem que a última alegoria gostaria de passar.
“A alegoria veio representando a bateria e os mestres que deixaram muito trabalho para termos chegado até hoje. O carro é lindo, muito detalhado. Sou bastante antigo na escola, trabalho em alegoria há muitos anos, sempre é uma emoção muito forte, esse ano acredito que tenha sido ainda maior”, afirmou Mário Andrade.
A componente Roberta Cavalcante, de 39 anos, também demonstrou muito agrado quanto a alegoria.
“O carro está lindo, muito brilhoso, do jeito que a Mocidade merece. Minhas expectativas são as maiores possíveis. Tenho certeza de que voltaremos como campeã no sábado”.
Estreando na escola, Janaína Cristina, afirmou estar muito satisfeita com o trabalho da escola.