A partir de 3 de fevereiro, a TV Brasil transmite, em parceria com as emissoras da Rede Nacional de Comunicação Pública (RNCP), uma programação especial de Carnaval com shows e desfiles ao vivo de diversos locais do país. A agenda inclui as transmissões ao vivo da festa em Salvador (BA) e o desfile das escolas campeãs de São Paulo (SP), além de produções próprias.
Vitória (ES)
A programação do especial Carnavais do Brasil começa com a transmissão no sábado (3), a partir das 22h, para todo o país, do Desfile do Grupo Especial de Vitória, no Espírito Santo, em parceria com a TVE ES. Direto do Sambão do Povo, o público vai assistir às apresentações do Andaraí, Mocidade da Praia, Imperatriz do Forte, Independente de São Torquato, Império de Fátima, Unidos de Barreiros e Independente de Eucalipto.
Salvador (BA)
Já na semana do Carnaval, a festa começa na quinta-feira (8), com a folia em Salvador. Em parceria com a TVE Bahia, a TV Brasil traz para o público de casa as apresentações dos circuitos Barra-Ondina, Campo Grande e do Pelourinho. De 8 a 13 de fevereiro, a emissora transmite shows ao vivo dos grandes nomes do Carnaval baiano – mais de 170 atrações musicais e culturais se apresentam nos três circuitos. Na quinta e sexta-feira a partir de 21h, e de sábado a terça a partir das 16h.
São Paulo (SP)
Também no dia 3, a partir das 21h, exclusivamente para São Paulo, a TV Brasil transmite o Desfile das Escolas do Grupo II de Acesso da capital paulista. Passarão pela avenida Unidos de São Miguel, Unidos de São Lucas, Imperatriz da Pauliceia, Amizade Zona Leste, Uirapuru da Mooca, X-9 Paulistana, Camisa 12, Primeira da Cidade Líder, Imperador do Ipiranga, Morro da Casa Verde e Unidos do Peruche. Já no dia 11, é a vez das escolas do Grupo de Acesso I entrarem na avenida, também com transmissão pela TV Brasil, a partir das 20h com Dom Bosco de Itaquera, Torcida Jovem, Nenê de Vila Matilde, Pérola Negra, Colorado do Brás, Unidos de Vila Maria, Estrela do Terceiro Milênio e Mocidade Unida da Mooca.
E para fechar as celebrações da festa paulistana, no dia 17 de fevereiro, sábado, ao vivo para todo o país, a TV Brasil transmite o Desfile das Escolas Campeãs do Grupo Especial, ao vivo direto do Sambódromo do Anhembi.
Rio de Janeiro (RJ)
Nos dias 13 e 16 de fevereiro, exclusivamente para o Rio de Janeiro, a emissora pública transmite o desfile das escolas de samba da Série Prata, direto da Estrada Intendente Magalhães, na Zona Norte carioca. Ao vivo da Passarela do Povo, o público vai conferir aos desfiles das escolas com flashes comandados pelo apresentador Murilo Ribeiro, o Muka. Na terça-feira (13), a partir das 19h e na sexta-feira (16), às 21h.
Oswaldo Cruz
E para fechar as celebrações carnavalescas, no dia 18 (domingo), a TV Brasil exibe o documentário “Estação Osvaldo Cruz”, às 20h30. A produção leva o espectador para um passeio pelo bairro que é o berço do samba carioca, guiado pelo sambista e compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz. Há quase 30 anos, ele organiza o Trem do Samba, festa inspirada pelo pioneiro Paulo da Portela, que todo dia 2 de dezembro leva milhares de pessoas às ruas do bairro para celebrar o Dia Nacional do Samba.
Serviço
Desfile do Grupo Especial do Carnaval de Vitória
3 de fevereiro (sábado), às 22h para todo o país
Desfile das Escolas do Grupo de Acesso do Carnaval de São Paulo
3 de fevereiro (sábado), às 21h, exclusivo para São Paulo
11 de fevereiro (domingo), às 20h, para todo o Brasil
Desfile das Campeãs do Carnaval de São Paulo
17 de fevereiro (sábado), às 21h, para todo o país
Carnaval de Salvador
8 e 9 de fevereiro (quinta e sexta-feira), às 21h, para todo o país
10, 11, 12 e 13 de fevereiro (sábado a terça-feira), às 16h, para todo o país
Desfile das Escolas de Samba da Série Prata do Rio de Janeiro (Intendente Magalhães)
13 de fevereiro (terça-feira), às 19h, exclusivo para o Rio de Janeiro
16 de fevereiro (sexta-feira), às 21h, exclusivo para o Rio de Janeiro
Documentário Estação Oswaldo Cruz
18 de fevereiro (domingo), às 20h30
Há poucos dias do começo do carnaval paulistano, a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo (Liga-SP) lançou mais um grande produto. O documentário “Os bastidores do carnaval de São Paulo”, dirigido por Jairo Roizen e Guma Sena, teve pré-estreia no shopping Bourbon, na Zona Oeste da capital paulista, com cobertura in loco do CARNAVALESCO. Pouco antes da exibição da película, o Gerente de Comunicação da instituição (que também é um dos diretores da obra), falou, em entrevista exclusiva, sobre a área e, também, sobre algumas temáticas mais gerais sobre a folia.
De São Paulo para o mundo
Um dos temas mais factuais no carnaval paulistano no pré-carnaval são as reforms estruturais realizadas no Anhembi. Na visão de Jairo, todas elas buscam agradar tanto os fãs dos desfiles quanto quem não é tão próximo, mas tem interesse na folia de Momo: “A Liga-SP tem, cada vez mais, buscado se aproximar do público e das pessoas que ainda não conhecem o carnaval. Isso é evidente nas nossas ações, como no projeto do Esquenta, das transmissões… tivemos coisas muito interessantes esse ano. Tivemos, até mesmo, propaganda na Times Square, em New York, divulgando o carnaval de São Paulo. Vamos ter muita novidade esse ano no Sambódromo, muita mesmo. Teremos um local completamente diferente, com uma roupagem diferente do que foi nos outros anos. Esse ano é um projeto que será aprimorado nas próximas temporadas. Com a reforma do espaço, ficou um pouco difícil fazer do jeito que queríamos; mas, no lado da Marginal, nos setores A, B, C, D e E, teremos um grande boulevard. Os setores serão interligados, não vai ter mais a separação entre as pessoas que comparam um ingresso para o setor E ficar apenas lá: ele pode ir para o setor B, onde está a praça de alimentação – que, nos ensaios técnicos, já funcionou e, para o desfile, será muito melhor. Terá uma circulação nas pessoas. Apenas quando você subir para a arquibancada e assistir o desfile você será setorizado. Essa é uma grande novidade que tornará o evento um grande festival, onde as pessoas chegam um pouco antes para comer e beber bem, encontrar os amigos e, quem sabe, fazer com que isso seja ainda melhor em 2025, interligando todo o Sambódromo”, destacou.
Especialista no assunto na Liga-SP, Jairo aproveitou para falar sobre algumas mudanças ligadas à estética e à iluminação do local e dos arredores: “Teremos uma comunicação visual completamente diferente: na parte de trás, nas arquibancadas da Marginal (a da Olavo Fontoura nós não conseguiremos fazer nesse ano porque teremos uma quantidade muito grande de camarotes, a infraestrutura da Rede Globo, a sala de imprensa…) nós teremos um painel de LED que ficará passando os desfiles para quem estiver no boulevard. Tudo isso para que a gente traga o público mais para perto, para quem pensem que o carnaval é sempre a mesma coisa e que as escolas são todas iguais – e não é, mas quem não conhece, não sabe como funciona. Se você passar pelo outro lado da Marginal, você vê que a iluminação de fora já é diferente, as placas estão iluminadas… o Sambódromo já está com uma vibração diferente”, comemorou.
Sucesso em todos os canais – e sem polêmicas
Ao falar sobre alguns dados que ilustram o êxito da Liga-SP na comunicação e na eficiência dos projetos tocados pela instituição, Jairo deu detalhes sobre a comercialização de ingressos: “Hoje, faltando duas semanas para os desfiles do Grupo Especial, já temos cem por cento dos ingressos para sábado comercalizados e noventa e oito por cento dos ingressos de sexta-feira já comercializados. Isso é histórico. Ano passado, esgotamos os ingressos faltando uma semana para o carnaval – e, para sábado, os ingressos já estão esgotados há mais de vinte dias (ou seja, faltando mais de um mês para o desfile); e, faltando quinze dias para o evento, os ingressos de sexta-feira devem se acabar em um ou dois dias. Essa é a maior prova de que o trabalho está sendo correto, de crescimento”, afirmou.
Fotos: Gustavo Lima/CARNAVALESCO
Antes de trazer alguns números das redes sociais da entidade, Jairo aproveitou para explicar um slogan que foi muito criticado à época do surgimento: “Quando falamos que somos o maior carnaval do Brasil, não é uma competição. Não somos o melhor carnaval do Brasil, nem queremos isso: queremos que todos os carnavais do Brasil sejam fortes e bons. O carnaval do Rio de Janeiro e de Porto Alegre sendo fortes, o de São Paulo também será. Para nós, é algo muito ruim quando acontece algo como aconteceu no RJ, com um prefeito que não era a favor do carnaval e prejudicar… isso refletiu em SP, também. Os carnavais precisam ser fortes. Mas, quando falamos que é o maior carnaval do Brasil, falamos isso porque a Liga-SP organiza o maior número de entidades – trinta e três escolas de samba, três grupos diferentes, tudo isso no mesmo Sambódromo com a mesma estrutura. Se você for agora no Sambódromo, o maquinário que servirá o Grupo de Acesso II será o mesmo do Grupo Especial. A infra-estrutura é a mesma, a dedicação é a mesma, a qualidade de som é a mesma. Também falamos de carros alegóricos, componentes e transmissões ao vivo: foram cinquenta e cinco que fizemos, isso não existe em lugar algum. Transmitiremos os Grupos de Acesso I e II, as apurações desses grupos. Hoje, através das redes sociais e dos canais da Liga-SP, alcançamos cerca de oitenta milhões de pessoas. E queremos crescer cada vez mais”, vislumbrou.
Outros dados vieram após o agradecimento de Jairo a alguns gestores do carnavla paulistano. “Tive a sorte de pegar um trabalho que já era feito na gestão anterior, e o presidente Sidnei acredita muito na Comunicação – e esse documentário é uma prova disso. O apoio do presidente Paulo Serdan, do presidente Renato Remondini, o Tomate – que assumiu a vice-presidência. Fico até impressionado, é difícil eu ouvir um ‘não’ deles. A ideia que eu levo eles me apoiam. Eles, também, investem na Comunicação. Espero que, daqui um ano, tenhamos ainda mais novidades e ações que repercutiram para que a gente possa aumentar tudo isso. Quem sabe, no ano que vem, teremos o doce problema de saber como colocar mais gente no Sambódromo – algo que já fizemos nesse ano, tirando cadeiras e mesas de pista. No Setor A, por exemplo, eram duzentas e cinquenta pessoas; nesse ano, serão oitocentas. Isso democratiza e populariza o carnaval, faz com que mais pessoas tenham acesso à festa e ao Sambódromo. Isso favorece a cultura e as escolas de samba”, pontuou.
Regulamento em pauta
Grande assunto do ciclo carnavalesco na cidade de São Paulo, o novo regulamento também foi tema da entrevista com o Gerente de Comunicação da Liga-SP. E Jairo é enfático ao dizer que os novos balizamentos fazem parte de um projeto que era solicitado por muitos: “O regulamento precisava de uma mexida. Não só nele, mas na maneira de se pensar o campeonato do carnaval de São Paulo. Isso vai acontecer esse ano, sem dúvida. Lógico que não dá para fazer uma mudança radical de uma hora para a outra, mudar tudo e torná-lo subjetivo – até porque não é esse o caminho. Mas existem algumas mudanças que vão refletir bastante no resultado do carnaval desse ano, refletinho no trabalho das escolas – e os ensaios técnicos já mostraram isso. Era uma mudança que o público pedia, as escolas pediam e a Liga-SP ouviu os sambistas. As pessoas têm uma mania de achar que a Liga-SP é um ser superior, mas nós somos apenas as escolas de samba – e nós ouvimos todas elas. Para falar do quesito samba-enredo, chamamos os compositores para desenhar o regulamento junto com a gente; para casal de mestre-sala e porta-bandeira, os casais; comissão de frente, os coreógrafos. E assim por diante. Se vai dar certo, se vamos estar ou não no mundo ideal ou não, só saberemos depois do carnaval. Mudamos, mexemos e enxergamos que, para o carnaval continuar crescendo, mudanças precisavam ser feitas”, refletiu.
Módulos novos
Desde 1998, as cabines de jurados do Anhembi se tornaram um dos grandes ícones do Sambódromo paulistano. No final de 2023, entretanto, elas deixaram de existir. Todas foram substituídas por módulos metálicos onde ficarão os julgadores – serão quatro em 2024. Para Jairo, a história deixada por elas foi marcante, mas, de fato, deveria ser encerrada: “Na minha opinião particular e em uma opinião que foi falada na Liga-SP (já que o presidente Sidnei ouviu muitas pessoas até da Velha Guarda, e o mandatário frequentemente se aconselha com eles), aquelas cabines de jurados que existiam antes, há muito tempo, achávamos que não era ideal, não era confortável, a visão não era boa… era obsoleta. A gente exige muito do jurado e entrega muito pouco para eles. A primeira decisão foi tirá-las. Os módulos atuais são projetos pilotos: para 2025, teremos que readaptar, repensar os camarotes para ter os módulos conversando com eles, teremos que repensar a posição para não atrapalhar as arquibancadas. Tudo isso nós fomos descobrindo conforme o processo foi acontecendo. Divide opiniões e vai dividir mesmo, já que todas as mudanças fazem isso”, conformou-se.
Os locais novos, entretanto, possuem uma característica única – e que deve ser exaltada, de acordo com o dirigente “O mais legal e importante, que as pessoas não se atentaram ainda, é que, pela primeira vez, o carnaval no Sambódromo do Anhembi, será julgado em todos os ângulos. Temos jurados que estão a quatro metros de altura, outros mais altos, uns mais em cima… vai ter um jurado de Alegoria que verá a saia, outro verá o teto e a iluminação; na Evolução, um verá tudo mais focado, e outro verá a avenida inteira, acompanhando a escola inteira. Teremos visões diferentes de um mesmo desfile. Isso vai impactar nas notas, no resultado e, na minha opinião, vai fazer com que a gente tenha um julgamento mais completo do carnaval. Se vai dar certo e se vai acontecer o que nós pensamos, só saberemos depois do desfile. É um processo de amadurecimento que, nos próximos anos, terá que ser aprimorado. O primeiro passo foi dado e, no dia da apuração, teremos um evento com todos entendendo muito mais o que o jurado quer dizer, com menos questionamentos, pois teremos ângulos e possibilidades diferentes de se julgar certo. Espero que dê certo e que, em 2025, só tenha que ajustar para continuar fazendo um julgamento e um critério cada vez melhor para que o carnaval de São Paulo cresça cada vez mais”, finalizou.
A Independente Tricolor é uma escola jovem e que vai para o segundo ano consecutivo no Grupo Especial pela primeira vez na sua história, é a terceira participação no grupo principal do carnaval de São Paulo. Para esse momento especial, escolheu um enredo afro, o que não é tão comum na escola, cantará “Agojie, a Lâmina da Liberdade!”. Será a quarta escola a desfilar na sexta-feira, dia 9 de fevereiro, também primeira vez que não abrirá um dia de desfile.
Fotos: Fábio Martins/CARNAVALESCO
Na visita ao barracão da Independente Tricolor, o carnavalesco Amauri Santos que vai para o terceiro carnaval consecutivo defendendo as cores da agremiação vermelha, branca e preta. Em conversa com o site CARNAVALESCO contou como surgiu o enredo e outros detalhes em toda a preparação da escola refundada em 2010.
De onde surgiu o tema Agojie?
“Então na verdade o enredo surgiu pelo presidente, né, meu terceiro ano consecutivo na escola. O presidente pediu um enredo africano, né? No Carnaval passado, ele tinha um enredo Tróia que ele sonhava em fazer. Aí esse ano ele pediu enredo africano, mas com algumas ponderações, que não fosse muito para o lado religioso somente e que não fosse mais uma vez o enredo com sofrimento, falando muito de escravidão. Eu apresentei algumas coisas para ele, algumas ideias e quando apresentei esse é ele o curtiu gostou. Por conta disso, acredito eu né? Como eu falo sempre para minha surpresa, o enredo é em homenagem a mulher, a mulher preta, em uma escola oriunda de torcida essa coisa aguerrida. Acredito que o fato de falar um pouquinho também de mulheres guerreiras tenha contribuído para que ele aceitasse esse enredo. Então dentro dessa pesquisa, encontrei as Ahosi, o único exército de mulheres do mundo que existiu do século 17 ao século 19”.
Ponto alto
Um tema que os carnavalescos sempre pensam bem antes de dizer é sobre aquele momento que mais destacam dentro do trabalho deles… Realmente, não é fácil, e o Amauri Santos trouxe dois momentos para nos atentarmos um pouco mais no desfile da Independente.
“O enredo é bastante reto, porém dou uma ênfase maior a nossa abertura, sabe? Vai ter uma abertura dessa coisa mística. A abertura e o fechamento porque é totalmente distante uma coisa da outra, totalmente oposto, porque é muito ancestral a nossa primeira alegoria, uma coisa de ancestralidade e a última é totalmente futurista. Então assim eu acredito que os pontos altos do nosso desfile, apesar de ser equilibrado, vai ser a abertura, acredito nessa abertura muito forte, muito bonita plasticamente. E o final do nosso desfile, o encerramento”.
Questões visuais nas alegorias e cores da escola na avenida
A Independente Tricolor tem as tradicionais cores vermelho, branco e preto, mas não fica somente nelas. Ainda mais com o tema afro que está por vir, Amauri programa uma mistura de cores de acordo com o setor e o que é contado.
“É da forma que eu falei que tem de alegoria que são variadas, quem olha a primeira alegoria e olha a última não parece a mesma escola, então é uma evolução. Assim também é em relação à fantasia, trazemos um pouquinho mais da África mesmo. Já é mais conhecida e tem um diferencial assim, porque apesar de ser um enredo feminino se eu fosse buscar só sairia fantasia feminina, né? A gente só fala de mulher o tempo todo. Então eu fui pegando a personalidade também de cada uma delas, de cada uma dessas personagens. Mas em relação a cores, explorei um bocado a cor da escola, tem bastante vermelho, preto e branco, porém tem também o momento da palha, tem um momento de um colorido africano, eu acho que a escola tá uma África alegre, tá uma África feliz”.
Em relação às estruturas das alegorias e como virá a Independente neste quesito, o carnavalesco da agremiação da Zona Norte, ressaltou: “Totalmente mudanças, por mais que a gente, por exemplo, no do acesso para o especial mantivemos algumas estruturas muito visíveis. Mas era um momento também de se reestruturar e se igualar no especial. Agora pelo resultado que nós tivemos, deu uma segurança a mais para escola pensar ‘poxa eu tenho condições de ficar’. Então vamos ousar um pouquinho mais, por mais que reaproveitei algumas coisas de estrutura, mas foi 100% de escultura feita. Nosso abre-alas tem 52 esculturas. Então foram bastante esculturas, reaproveitamos alguma coisa sempre de ferragem, mas modificando. Esse ano tá totalmente cara nova”.
Relação com escola e como chega para 2024
Se em 2023, a Independente estava com o espírito de superação depois de tudo que aconteceu com a escola, para 2024 é outro clima com mais leveza e maior liberdade como disse Amauri: “Com a maior liberdade assim, sempre quem interfere mais às vezes, né de dar uma opinião ou outra mais alegoria e sempre positiva é o presidente. Porém assim tudo que foi feito de criação, geralmente quando eu crio já apresento o porquê para a escola, então para não haver dúvida. Porque a gente tem uma diretoria, eu acho que é feita em conjunto, então para não ter dúvidas, já vou apresentando, mas foi muito bem aceito o desenvolver do enredo”.
“A permanência aí de forma bacana, que foi no Grupo Especial, deu um pouco mais de gás. A escola, de estrutura, permanece basicamente a mesma. E buscando o máximo como a gente fala, hoje somos uma escola técnica. Busca o máximo a técnica e a diretoria, o presidente, a nossa direção de carnaval está buscando sempre isso. Então de estrutura, é basicamente a mesma do carnaval passado, mas talvez mais madura, mais entrosada. Já sabendo um pouquinho mais dos caminhos a trilhar”.
As novidades, uma ala somente de mulheres pretas
“Foram duas exigências, dois pedidos que eu fiz, foi numa ala, a ala 7 que é um exército e eu pedi uma mulher preta à frente, desse exército e também uma ala para representar as Agojies, uma ala de mulher preta. Então essa é mais uma surpresa que vai ser uma ala somente de mulheres pretas, até para selecionar, né? A escola tem muito branco então, é uma ala nova, e aí e cria-se um pouquinho uma dificuldade, mas vai ser bem bacana, a gente precisava de uma ala assim”, e complementou: “Vem uma espada, vem uma guerreira”, sem dar detalhes sobre, nos ensaios técnicos elas já estão vindo com algumas características, e chama atenção.
Elogio ao samba e meta da Independente
No espaço livre deixado nas entrevistas com o carnavalesco, o artista Amauri resolveu elogiar a obra criada por Maradona, André Diniz, Evandro Bocão e Chitão, que é o intérprete da escola. Ressaltou o quanto o samba foi importante e ajudou no seu trabalho. Também comentou sobre a disputa da Independente no segundo ano consecutivo no Grupo Especial.
“Em relação ao samba, né? Eu considero pelo menos dos últimos tempos aí, eu considero que um dos melhores sambas que eu trabalho, para o meu trabalho. Maradona, André Diniz, acertaram a mão, tá perfeito para o desfile. Então assim é um samba muito bom, a quadra cantando, a quadra aceitou o samba. Tem algumas palavrinhas ali mais difíceis, mas que dão molho. Desde o início quando o André Diniz conversou comigo, falou ‘Amauri isso é uma tendência e depois que a pessoa aprende, isso fica forte no samba’. Não deu outra a quadra aprendeu a cantar o samba, tá cantando forte, a nossa luta agora né? Como a luta era para humildemente permanecer no grupo e conseguimos o sétimo lugar, a nossa luta hoje é pra ficar entre as cinco”.
Conheça o desfile
Setor 1: “Mas aí eu fui buscar um pouco mais, de onde vinha essa força feminina, essa força da mulher preta. Aí a gente dividiu o enredo em quatro momentos, né? Acaba sendo uma evolução, eu comecei falar da ancestralidade buscar lá nas mães ancestrais uma coisa um pouco mais mística nas mães ancestrais, e esse domínio sobre o nascer ou não nascer, sobre a vida e a morte, sobre o bem e o mal, então já essa força feminina. Falo do continente também como sendo um continente feminino, porque o enredo, coloco continente Africano. Eu tô chamando de Mama África, já começa por aí, que deu à luz a tantas mulheres fortes. Então vou nessa nossa ancestralidade no primeiro momento”.
Setores 2 e 3: “No segundo momento do nosso desfile entro nas candaces, essas rainhas guerreiras que lutaram a frente do seu povo. Que tinha uma voz na sociedade, no seu reino ou como fosse, e venho fazendo essa homenagem as candaces e a última Candace que eu falo nesse setor é a Agontimé que ela atravessa para um outro setor que é onde vai dar início a essas mulheres essas guerreiras que são as Agojies. A Agontimé, na verdade, foi mãe do rei Guezô. Ela foi levada para Daomé, e o Rei Guezô, foi o rei que mais deu moral a essa exército. Mas o maior momento deste exército foi com o reinado do do Guezô. Então isso fala um pouco do treinamento, fala dessa luta feminina, essa resistência, que elas resistiram a várias investidas dos europeus principalmente dos Franceses e rolava essa troca. Eles internamente se sequestravam e entregavam o seu próprio povo para os europeus em troca de armamentos, de pólvora e de álcool, então rolava muito isso. E elas resistiram a alguns impérios vizinhos mesmo com os armamentos mais pesados, com cavalaria e elas conseguiam resistir só que houve um momento que os franceses com auxílio de outros países conseguiram derrotá-las. Falamos que foi a última batalha, elas foram extintas, porém ficou legado”.
Setor 4: “Onde passamos esse último setor ficou legado que elas mesmo extintas ficou legado para as mulheres de hoje que se empoderam, que lutam pela sua liberdade, pela liberdade do seu povo e que é um momento acho que de falar um pouco disso. E deixamos uma mensagem de futuro, que essa força feminina, nunca se perca, né? Eu acho que justamente chegou até aqui e tá vivendo esse momento bom para isso, de mostrar a cara, mostrar a sua vontade, a sua liberdade e que isso não se perca daqui pra frente. Então nosso enredo vai se transformando… Começa numa coisa ancestral. Passa ali um pouquinho até pelo Egito e entra nas nossas guerreiras, nas Agojies, deixamos essa mensagem de presente futuro que não pode se perder”.
Ficha técnica:
Alegorias: quatro (quatro setores)
Componentes: 1.580
Alas: 20
Diretor de barracão: Emerson Branco
O carnaval está se aproximando e todos os caminhos levam cariocas e apaixonados pela folia direto para a Marquês de Sapucaí. Esse ano a festa ganha um tom ainda mais especial. A Band será a responsável por abrir os desfiles das escolas de samba no sambódromo, que completa agora, em 2024, 40 anos de idade. A responsabilidade, é claro, vem acompanhada da credibilidade do jornalismo. Os apresentadores JP Vergueiro e Thaís Dias irão comandar as transmissões, a partir das 20h30 de sexta-feira, dia 09.
Foto: Divulgação
“Que responsabilidade, felicidade e prazer enormes! Eu, aos 40 anos, apresentando a festa mais popular do mundo, no ano em que a Marquês de Sapucaí também completa 40 anos. O que eu posso garantir é que tanto na sexta, quanto no sábado, o público vai se emocionar, se divertir e se informar duranteas apresentações das 16 escolas da Série Ouro que vão cruzar a avenida”, afirma Thaís Dias, apresentadora do Band Folia.
Somando os dois dias de desfiles, sexta e sábado, serão mais de 20 horas, ao vivo, com comentários de Aydano André Motta, Bruno Chateaubriand e Rafaela Bastos. O tradicional “esquenta”, que levanta o público na Sapucaí e já é marca registrada da Band, também estará presente no ar.
Pela avenida, repórteres estarão espalhados para que o telespectador não perca nenhum detalhe e mergulhe nas histórias que ajudam a colocar de pé o maior espetáculo da terra. Uma das novidades desse ano será a presença do entretenimento, que contará com participações especiais de Amin Khader e Wic Tavares.
“Essa mistura de informação do jornalismo, com a diversão do entretenimento e o timaço de comentaristas vai dar o que falar. Tudo isso vai ser contado ali, retratado no ar com o jeito Band de fazer”, comenta JP Vergueiro, apresentador do Band Folia.
Pelo segundo ano consecutivo, a Band marca presença na avenida com um glass estúdio posicionado estrategicamente. Além da cobertura ao vivo dos desfiles, o espaço será palco para edições especiais dos programas “Brasil Urgente Rio” e “Jornal do Rio”, que trarão notícias ao vivo da Sapucaí.
O público poderá acompanhar a transmissão na TV aberta, no Bandplay, no Band.com.br e nas rádios.
O culto de Ifá estará presente no carnaval de 2024 através do desfile dos Acadêmicos do Tucuruvi. A amizade entre Exu e Orunmilá será o fio-condutor da história que passará pela criação do mundo na crença iorubá, os lugares onde Ifá se estabeleceu e o clamor pelo respeito e tolerância entre os povos. A série “Barracões” do site CARNAVALESCO esteve na Fábrica do Samba para conhecer mais a respeito do processo de construção do enredo assinado pelos carnavalescos Dione Leite Yago Duarte.
Inspiração para o enredo: a ideia por trás de falar de Ifá
A Tucuruvi já havia abordado a África em um contexto geográfico no passado, mas será a primeira vez em sua história que a escola levará para a Avenida um enredo de cunho religioso africano. Dione Leite falou a respeito dessa experiência que é inédita não apenas para a comunidade da Cantareira, como também para o próprio carnavalesco e o impacto que o contato com Ifá teve em sua vida.
Fotos: Lucas Sampaio/CARNAVALESCO
“A Tucuruvi, pela primeira vez, traz um enredo de cunho religioso africano, sobre a ancestralidade africana. Ela nunca tinha tratado de nenhum tema específico de matriz africana, e esse é o primeiro carnaval da escola. Interessante, além da escola, que é o meu primeiro e o primeiro do Yago também, então nós estamos todos debutando no mesmo ano em fazer uma temática que tanto queria fazer. Quando surgiu o Ifá, há alguns anos, o Rodrigo, nosso vice-presidente e diretor de carnaval, se iniciou em Ifá e na época ele nos falou o que poderia ser falado, mas era bem próximo ao carnaval, não se tinha muito tempo. Quando foi janeiro do ano passado, antes de levar Bezerra da Silva para a Avenida, aqui nessa sala a gente estava conversando e já se falava do próximo desfile. O Rodrigo falou: ‘bom, ano que vem nós podemos trazer um enredo africano para a Avenida, só que a África que a gente queria tanto’, e aí vem a proposta. Quando passa o carnaval o Rodrigo falou: ‘óh, já tem um caminho. Vamos falar de Ifá’, e para a gente foi, de verdade, falo por mim, um dos maiores presentes nas nossas vidas, e eu acho que para a escola também. Não menosprezando nada que passou, que faz parte hoje já do rol de grandes enredos do Tucuruvi, mas com certeza nada maior, nada mais intenso, nada mais profundo, cultural e filosófico do que Ifá. É muito abrangente, e por incrível que pareça é sobre pessoas, é sobre seus comportamentos, é sobre suas vidas pessoais, e Ifá nos traz isso. A gente ganha de presente esse enredo maravilhoso que tem mudado a vida da gente muito”, declarou.
Aas pesquisas de desenvolvimento do enredo proporcionaram um efeito transformador na vida dos carnavalescos. Yago Duarte falou a respeito do que sentiu ao longo do processo.
“A maior transformação que eu passei esse ano, ao desenvolver esse projeto junto com o Dione é interna. É sentir uma fé que eu não sentia há muito tempo, é sentir uma energia que eu não sentia há muito tempo. Tem uns lapsos de criatividade e de pensamentos que eu não tinha há muito tempo, então esse projeto tem sido inacreditável do nosso ponto de vista pessoal e profissional também. É um enredo que nos trouxe muita energia diferente. Está tudo muito diferente com a gente desde o primeiro rascunho de desenho, desde a arte do enredo, desde a primeira pesquisa, desde a primeira palavra dos livros que a gente leu. Tudo tem tido um valor emocional muito grande para a gente, e temos sentido muito a fé também até pelo privilégio que nós tivemos de conhecer de perto Ifá. Isso tem sido muito transformador na criação e desenvolvimento desse carnaval”, afirmou.
Processo de desenvolvimento: a permissão de Ifá para contar sua história
O culto de Ifá envolve ritos sagrados aos quais os não-iniciados não costumam ter acesso, e para abordá-los os carnavalescos precisaram de uma permissão especial vinda diretamente de Ifá através de Pai Maurício, babalaô e principal mentor por trás do desenvolvimento do enredo. O contato com a autoridade religiosa se revelou mais que especial para Dione Leite.
“No início do enredo nós tivemos não só participação, mas o trabalho junto e que trabalha até hoje com a gente do Vinícius Natal, que veio do Rio de Janeiro. O Rodrigo traz o Vinícius para a escola como uma ferramenta muito importante de pesquisa. Mas quando nós vamos, Rodrigo nos apresenta ao Babalaô Pai Maurício, que é chefe na Nigéria e Pai de Rodrigo. Quando Rodrigo nos apresenta a ele e nos leva até a casa do Pai Maurício, a gente tem uma noção real do que era Ifá. Sabíamos que teríamos uma mentoria, mas não esperávamos que essa mentoria seria algo tão intenso. Nós tivemos permissão para conhecer Ifá de perto porque Ifá, o rito, é fechado, ele é muito sagrado. Nós tivemos acesso, com permissão de Ifá, a conhecer alguns lugares onde pessoas que não são iniciadas não entram para que a gente pudesse saber como mostrar isso na Avenida. A figura do Pai Maurício, desse mentor incrível, maravilhoso, é que o Pai ele nos assessora e nos guia, dentro desse caminho junto do Rodrigo, a levar o enredo a um lugar seguro. Yago está falando uma verdade, que quando nós começamos a pesquisa e a ler Ifá ele criava tantas ramificações, se expandia tanto na nossa mente que ficava difícil de você conseguir localizar, de conseguir se concentrar. Para entrar num lugar, para criar um desfile plástico de uma escola de samba, para que tenha um samba de enredo, um filme todo, tudo que se precisa ter da sinopse, se você não tiver com a mão certa você pode levar para outro lado o que não desejar. Mas desde o início Rodrigo tinha enfatizado muito o que ele esperava do enredo, que era deixar uma semente plantada em cada pessoa e mostrar essa filosofia ao mundo para ajudar a propagar Ifá, que era algo que ele tinha prometido pessoalmente na iniciação dele, que um dia ele iria mostrar o quanto Ifá era bom porque tinha sido bom para ele”, relatou.
Falar diretamente de Ifá é uma novidade no carnaval como um todo. Para que essa história pudesse ser contada na Avenida não foi apenas necessário pedir a permissão para tal na cidade mais antiga do mundo de acordo com a crença iorubá, como também a linha narrativa do enredo gira em torno de um pedido feito por Ifá.
“Nosso enredo foi consultado lá em Ile-Ifé, na Nigéria, onde está Ifá hoje. Foi consultado lá, pelo pai Maurício, junto ao babá nigeriano, que hoje é o grande Akodá, o terceiro homem do Arabá, a terceira pessoa mais importante dentro do processo de Ifá na Nigéria e no mundo, um dos conselheiros pessoais da eminência. Quando eles fazem a consulta, Ifá nos dá permissão de poder trabalhar esse enredo. Até então, nunca tinha sido tratado só sobre Ifá no carnaval. É a primeira vez no carnaval que alguém vai falar sobre Ifá. Ifá apareceu em vários enredos como passagens, mas não um enredo específico somente dele. Ainda tem um pedido que nós mostrássemos Exu e Orunmilá e essa amizade deles, e por isso que quem conta a história do nosso enredo é Exu afinal nada melhor do que um amigo falar do outro. Mostra também muito a questão de que esse Exu, diferente do Exu brasileiro, do Exu catiço, que é tão demonizado pela sociedade, que não é nada de demônio porque isso é só no Brasil. Na Europa e em outros lugares o Exu é uma energia vital, uma energia que movimenta, é a energia da abundância, é a energia da prosperidade, dos caminhos abertos. Todos nós carregamos Exu dentro de nós porque essa vitalidade que nós temos, a nossa força é Exu, para entender essa energia de Exu. Não tem como nós carregarmos um demônio, por isso que durante muito tempo se tentou mudar essa imagem. Hoje um dos papéis importantes do Tucuruvi é tirar essa imagem, mostrar que o Exu iorubano é um ser divino, sagrado, uma divindade extremamente potente capaz de mover tudo e capaz de mudar tudo à sua volta. Então esse é o grande papel que Ifá está trazendo para nós. Ifá, que é o dono do destino, que é aquele que traça o nosso destino. Mas só para ver, sem Exu em Ifá nós não teríamos o caminho para chegar. Exu é tão importante no processo todo, principalmente dentro de Ifá, porque sempre quando se vai realizar um ebó em Ifá, quando eu tenho que fazer algo no jogo, primeiro eu preciso sempre alimentar Exu, que é a boca que tudo come, para depois poder alimentar qualquer outra situação na minha vida. E é assim que é o Tucuruvi, ele abre com o Exu e ele fecha esse desfile com o Exu”, contou.
Setor a setor: a representação de Ifá no desfile da Tucuruvi
A Tucuruvi levará ao Sambódromo do Anhembi um desfile dividido em cinco setores, explicados em detalhes por Yago Duarte. O primeiro segmento, representado na comissão de frente da escola, abordará a criação do mundo através da cosmogonia urbana.
“A gente iniciou o desfile com a criação do mundo, quando nada existia, porém já havia a presença de Exu e Olodumarê, então de toda essa inquietação surgiu a luz e surgiu a humanidade. Surgiu o universo, os planetas, surgiu tudo que a gente conhece hoje em dia. Então a nossa abertura de desfile é a criação do universo, a participação de Exu, Olodumarê e Orunmilá”, explicou.
O segundo setor do desfile apresentará os elementos de Ifá passando por Ile-Ifé, na Nigéria, considerada pela crença iorubá a cidade mais antiga do mundo. De acordo com o dialeto africano, “Ylè” significa casa, portanto Ile-Ifé seria o primeiro lugar que a humanidade chamou de lar.
“A gente vem conhecer os elementos de Ifá, os elementos sagrados de Ifá, que fazem parte dessa filosofia, dessa religião. As insígnias que são os Odus, a gente conhece ali os grafismos, conhece as texturas, as cores. A gente passa por Ile-Ifé, de onde vem todos os fundamentos, de onde nasceu uma das vertentes de Ifá, de onde surgiram os seres humanos. Ile-Ifé é considerada a primeira cidade segundo os iorubás, a primeira cidade da humanidade. Então a gente passa pelos fundamentos de Ifá saindo de Ile-Ifé.”
O terceiro setor mostra o momento em que Ifá sai da Nigéria e se espalha pelo mundo através de uma das fases mais cruéis da história: a diáspora africana. Quando os povos africanos foram escravizados e enviados à força para diferentes lugares do mundo. A crença em Ifá resistiu aos navios negreiros e se espalhou principalmente pelas Américas, onde formaram-se diferentes “Iles”.
“Passamos ali pela diáspora africana, de onde todos os saberes, toda a fé e energia resistiram a esse processo tão doloroso que foi a saída de lá, a vinda dos escravos para as Américas, e foi a forma que Ifá chegou até aqui. Ifá resistiu a esse processo doloroso, e depois que chegou nas Américas foi parar em Cuba, foi parar no Haiti, veio parar no Brasil.”
O quarto setor é o Ile-Brasil, a morada estabelecida por Ifá no país em Salvador e o encontro de Ifá com os elementos naturais brasileiros.
“Quando chegou no Brasil, Ifá encontrou uma terra que era muito parecida com aquela de onde ele tinha saído, então imediatamente ele se identificou e a gente fala dessa identificação com os quatro elementos. Ifá encontrou os quatro elementos vitais para que ele pudesse estabelecer a sua nova morada. Ifá saiu de Ile-Ifé e veio para o Ile-Brasil”.
O desfile do Tucuruvi se encerra no quinto setor, onde a escola convida a todos a repensar sobre a questão da intolerância e falar de tolerância com amor. Essa é a grande mensagem que Exu e Orunmilá deixarão para o público que assistir ao desfile da escola
“Finalizamos o desfile com a mensagem de paz, de esperança, de união de todos os povos, de respeito, de tolerância, de que Exu pode nos levar a todos os lugares, de que Exu é um ser benevolente e que a amizade dele com Orunmilá foi primordial para que Ifá pudesse se estabelecer nos quatro pontos do mundo, e que cuidar da nossa vida espiritual é primordial para que a gente possa ser uma pessoa boa. É isso que Exu prega para as nossas vidas, e a gente termina o desfile com essa mensagem de tolerância e de que se todos nós nos unirmos, a gente consegue ser feliz, a gente pode ser feliz, a gente pode conquistar tudo aquilo que está no nosso destino”, concluiu Yago.
Dione detalhou a respeito de como a abordagem pedida por Ifá dos diferentes elementos do culto e as orientações recebidas ao longo do processo influenciaram o desenvolvimento do enredo.
“Quando é consultado Ifá para saber se poderia fazer o desfile, se poderia falar dele, Ifá se manifesta através do Aponga e diz que nós deveríamos mostrar ao mundo a amizade de Exu e Orunmilá. A gente tem a presença de Exu muito latente em um desfile junto a Orunmilá para a construção tanto da narrativa quanto da construção visual. Eles abrem e fecham o desfile de maneira muito simbólica para que as pessoas possam ter esse entendimento. Sobre os fundamentos eles são muito fechados, são lugares que pessoas que não são iniciadas não têm acesso, então a gente até preferiu não expor porque não era cabível, mas nós tivemos a mentoria e orientação de como mostrar isso dentro da Avenida de outras formas. Por exemplo, a gente traz para o desfile uma pedra de yangui, que representa Exu, é a pedra de Exu. A gente tem elementos diferentes dentro da construção narrativa. Muita gente sabe o que é a pedra de yangui, mas a gente tenta trazer ela para o desfile de uma forma diferente, além de outras ações que vão acontecer durante o desfile, que são ações muito importantes que começam a mostrar para as pessoas. Por exemplo, como que um babalaô educa os seus filhos, os seus iniciados, e outras tantas situações que têm. Esse segredo é bom para deixar curioso”, disse.
Lições que a Tucuruvi anseia em transmitir
“Que Exu é bom. Que Exu nos dá caminho. Que Exu é bom e que ninguém pode ter dúvida disso. Ele não faz maldade. Ele é bom.”
Com essa simples afirmação, Yago Duarte define a mensagem que espera que o público absorva após o fechar dos portões do desfile da Tucuruvi. Dione Leite aproveitou para falar sobre como a escola está vivendo a experiência de falar de Ifá no carnaval de 2024.
“É uma semente. Ganhar o carnaval é uma consequência de um trabalho ser bem-feito. Ponto. É óbvio, mais do que nunca, a energia que hoje rodeia o Tucuruvi, a energia que rodeia a nossa quadra, os nossos componentes, o poder do samba de enredo. O samba é extremamente poderoso, ele é avassalador dentro da quadra. Um samba que vem crescendo a cada ensaio absurdamente. Mas sabe aquele negócio de você passar e você saber que a pessoa vai ter a curiosidade de saber o que é isso? Quando você se inicia em Ifá, você desperta para uma nova vida. É como se você matasse um velho homem para renascer um novo homem. Um novo homem disposto à harmonia porque Ifá ele é harmônico, Ifá só está sob a harmonia. Se uma das peças da tua vida, uma engrenagem, não estiver em harmonia com as outras, Ifá tem esse poder de ir lá e organizar para que você tenha uma vida abundante, tenha uma vida próspera em todas as áreas. Quando a gente fala em abundância e prosperidade, parece que é só dinheiro, mas não, é muito além. Tem outras coisas que envolvem o ser humano”, afirmou.
“Eu quero até complementar a fala do Dione de que as pessoas confundem prosperidade com poder aquisitivo, e não é isso. O que a gente prega é que prosperidade é ter uma vida espiritual boa, é ser feliz. A prosperidade não depende do quanto de dinheiro você tem, ser próspero não é isso”, completou Yago.
Por fim, Dione e Yago manifestaram a satisfação de levarem o culto de Ifá para a Avenida no desfile dos Acadêmicos do Tucuruvi em 2024.
“Eu tive um relato do Pai Maurício essa semana, nosso babalaô maravilhoso, que falou bem assim. Quem se inicia em Ifá, quando acorda de manhã, ele dá bom dia, mas não da boca para fora. É porque ele vai ter um bom dia. Quem se inicia em Ifá, quando olha uma cadeira fora do lugar, ele não vai chutar a cadeira. Ele vai olhar, pensar, pegar aquela cadeira e colocar no lugar. Ifá é essa harmonização. Que a gente possa, na manhã do domingo de carnaval, despertar para uma nova vida, despertar para uma nova consciência de vida e que a gente possa olhar o céu e dar um bom dia diferente de todos os outros que a gente viveu. Acho que aí a Tucuruvi cumpriu o seu papel com Exu e Ifá, essas duas divindades tão espetaculares que a gente está tendo a oportunidade de conhecer, de se familiarizar e de respeitar mais ainda. E já de antemão quero agradecer por todo o caminho até aqui. Parece clichê isso e acho que todos os anos a gente meio que fala a mesma coisa, mas de verdade, eu não tenho uma mensagem que eu não troque com o Rodrigo quando está falando de carnaval, de alguma coisa que deu certo, que eu digo pra ele. Gratidão por me permitir viver isso, Rodrigo. Porque, de verdade, eu não esperava. Eu achei que iria me aposentar sem isso. Hoje, eu estou muito feliz. Muito, muito, muito, muito. A gente está em janeiro, está cansado, mas não é um cansaço mental. As pessoas falam para mim: ‘pô, eu não vejo a hora disso acabar’. Não, eu não vejo a hora disso ir lá. Eu nunca quis entrar tanto na Avenida. A Tucuruvi nunca quis tanto realizar esse desfile. A gente nunca esteve tão empolgado. É essa energia que nos rodeia, é essa energia que hoje toma conta da Tucuruvi, é essa energia que o Rodrigo nos proporcionou lá atrás em nos apresentar Ifá, em trazer o Pai Maurício, em nos apresentar o Akodá na Nigéria, em nos colocar dentro de uma filosofia, um universo totalmente diferente de tudo que a gente tinha conhecido até hoje. A gente é muito grato”, concluiu Dione.
“Esse carnaval foi um privilégio gigantesco e a gente não tem nem como medir o tamanho do privilégio e dos acessos que nós tivemos para conhecer. Primeiro que não tem como a gente medir e não tem como a gente pagar essa gratidão. É um projeto que mudou a minha vida e do Dione. É um projeto que tirou de nós aquilo que a gente não achava que conseguia, então a gente não tem como pagar isso, essa oportunidade e esse privilégio que a gente tem de falar de Ifá”, finalizou Yago.
Ficha técnica
Enredo: “Ifá”
Diretor de barracão: Roberto Guedes
Coordenador de ateliê: Carlos Westerley
2000 componentes
20 alas
4 alegorias
Ordem de desfile: Sétima escola a desfilar no dia 10 de fevereiro pelo Grupo Especial
Há dois carnavais como rainha da bateria do Paraíso do Tuiuti, Mayara Lima se tornou um fenômeno dentro e fora das quadras e da Passarela do Samba. Nas redes sociais, a majestade acumula mais de 900 mil seguidores. Fora delas, Mayara carrega uma legião de sambistas admirados com seu samba no pé e sincronismo com os ritmistas. Mas muito além do sucesso e do alto desempenho na dança, a rainha da SuperSom também se tornou sinônimo de representatividade para muitas crianças.
Foto: Alexandre Vidal/Divulgação Rio Carnaval
Nos ensaios de rua da escola de São Cristóvão, muito além do samba no pé, o que também chama a atenção é o carinho e admiração do público infantil pela sambista. Além da tietagem, as crianças também tentam reproduzir as coreografias de Mayara. Cria da Cidade de Deus, ela acredita que estar à frente do posto de rainha de bateria é, também, a representação de meninas da comunidade.
“É muito importante. Sempre falo e repito: o meu intuito em estar à frente da bateria é representar essas meninas. Eu faço a maior questão de puxar para o meu lado as crianças que me acompanham no ensaio ou pedem para sambar comigo. Acredito que esse é o resgate do samba e o nosso futuro. Se quem está agora não alimentar, não oferecer o melhor para essas crianças e não mostrar o melhor que o samba tem, ele deixará de existir. Quanto mais a gente alimentar isso, será melhor para o futuro”, comenta a rainha de bateria.
Começou a vida no mundo do samba no Aprendizes do Salgueiro. Em 2022, bastou um ensaio da bateria no setor 11 da Marquês de Sapucaí para a então princesa se tornar um dos assuntos mais comentados das redes sociais e cair nas graças dos sambistas. O resultado não poderia ser outro: Mayara foi coroada rainha de bateria do Tuiuti.
Ela afirma que o samba no pé é natural e o sincronismo com a SuperSom somente ‘acontece’. Hoje professora de dança, a rainha de bateria conta que a receita é a prática e muito treino. Não precisa nascer com o dom, basta querer, dedicar-se e aprender.
“Parece ser fácil na hora de explicar (risos). Eu gosto muito de improvisar. Venho, escuto a bateria e vou. Só escuto a música e deixo meu corpo falar. Acredito que mostrar o que tenho dentro de mim, sem ensaiar passo marcado ou robotizar muito, é mais significante – trazer a essência do que vem na minha alma e do que mais amo fazer, que é dançar. Não é que eu faça muita coreografia, eu só expresso o que tem dentro de mim e o meu amor pelo samba. Costumo dizer que o samba é a minha maior forma de expressão, então o que eu puder fazer aqui, eu faço. O samba é a minha cura”, disse Mayara.
Após atingir níveis de influenciadora, ser considerada uma das últimas revelações do carnaval e receber tantos outros elogios, Mayara dispensa comparações e títulos como “a maior rainha de todas”. Para ela, dividir espaço com outros grandes nomes do mundo do samba é motivo de muita responsabilidade.
“É uma grande responsabilidade, porque, dentre tantas rainhas maravilhosas, estar no meio é uma honra para mim. Temos Bianca, Evelyn, Lorena Raissa, Maria Mariá, Viviane Araújo, Sabrina Sato, entre tantas rainhas maravilhosas que fazem parte dessa nova jornada. Fico muito feliz em fazer parte disso. Ser nomeada como a rainha maior e coisas do tipo é muito superficial, porque têm tantos talentos na Sapucaí. Fico muito feliz de dividir o cenário com essas rainhas maravilhosas”, destaca.
Foto: Léo Queiroz/Divulgação Rio Carnaval
O sucesso também vem acompanhado dos haters – pessoas mal-intencionadas que utilizam as redes sociais para atacar alguém. Apesar da enxurrada de elogios, há quem critique o bailado da majestade. Mayara conta que traz consigo as vivências que teve ao longo da vida. Para ela, o samba no pé somado com algumas coreografias não causa problema algum. O importante é reconhecer e respeitar a história do samba e os ancestrais.
“Eu acredito que por eu incluir passos de samba dentro da musicalidade e do que a bateria pede, muitas pessoas tiram isso como ‘fazer coreografia’. Mas eu trago a minha vivência para dentro do samba para engrandecer a minha arte do samba no pé, mas nunca esquecendo do mais importante que é, de fato, o samba raiz. Mesclando o samba no pé com as firulas, não há pecado nenhum. Respeitando quem veio antes de mim – meus ancestrais -, misturo o que aprendi a vida inteira”, explica.
No carnaval deste ano, a rainha do Morro do Tuiuti promete uma fantasia levíssima para que possa evoluir bastante na Passarela do Samba. À frente da SuperSom, ela entrará na Marquês de Sapucaí na segunda-feira de carnaval. A escola de São Cristóvão será a quinta agremiação a desfilar.
O povo da região da Leopoldina está obcecado pelo bicampeonato. Lá para os lados de Ramos só se fala nisso. E com um time estrelado e premiadíssimo em 2023 com nomes como Pitty de Menezes, mestre Lolo, Marcelo Misailidis, entre outros, o holofote segue com o carnavalesco Leandro Vieira que nos últimos quatro carnavais comemorou títulos. Em 2019, no Grupo Especial com a Mangueira, em “História para Ninar Gente Grande”, e em 2022, com o Império Serrano na Série Ouro com “Besouro Mangangá”. Com a Rainha de Ramos, os títulos, de 2020 no “Só dá Lalá”que rendeu o retorno à elite do carnaval após amargar rebaixamento, e, finalmente, 2023, coroando a trajetória na Verde e Branca, campeã com “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. Este último, foi o nono da Imperatriz após um jejum de 21 anos sem levantar o caneco. E engana-se, quem pensa, que o título acalmou a sede dos gresilienses. A comunidade quer “Lá Décima” para comemorar mais ainda. Já Leandro Vieira, não vai ficar triste se emplacar a quinta conquista de carnaval seguido, mas o artista reforça que vem celebrando diversas coisas na sua carreira além dos títulos.
Fotos: Divulgação/Imperatriz
“Estou comemorando muitas coisas, não estou comemorando só campeonato não. Acho que a possibilidade de participar da história de grandes escolas é motivo de comemoração. Não é o campeonato o único motivo para eu comemorar não. Eu tenho que comemorar ter participado da história da Mangueira, ter participado do Império Serrano, de participar da história da Imperatriz subindo com a escola. Antes de qualquer resultado que a Imperatriz possa vir a ter no carnaval de 2024, já estou cheio de coisa para comemorar, poder participar desse momento da escola, de ver a escola como está, da comunidade como está, isso já é motivo de comemoração. O campeonato é muito pouco diante daquilo que a gente às vezes vive e participa”, define o artista.
Com uma carreira relativamente recente que ainda não completou dez carnavais, Leandro fez história na Mangueira, produzindo seis carnavais, em que apenas um não figurou entre as campeãs. Indo para o seu terceiro desfile na Imperatriz, contando 2020 no Grupo de Acesso, Leandro tem em comum desde sua estreia na Caprichosos em 2015 a predileção por falar de Brasil, por buscar temas que deem destaque àquilo que se vive dentro do país.
“O Brasil, a cultura brasileira, o povo brasileiro são muito ricos. Quem trabalha com carnaval, você está sempre se esbarrando em alguma coisa que vem da gente, porque também faço parte desse povo, que brota da gente com a possibilidade de a gente está enredando. Eu continuo olhando para a cultura brasileira, para manifestações populares, para imaginários brasileiros com a expectativa de criar visualidade. O meu trabalho é esse, olhar para imaginários brasileiros com a perspectiva de produzir visualidade. É o que tenho feito em todos os meus carnavais. E é o que farei certamente com a cigana Esmeralda”, indica Leandro.
Aposta do carnavalesco para 2024, “Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda” é mais uma vez Leandro produzindo uma ficção carnavalesca, assim como foi o enredo de 2023 campeão sobre o pós morte de Lampião. O trabalho deste ano, assim como o do ano passado, se construiu com a inspiração a partir da literatura de cordel.
“O enredo da Imperatriz se debruça sobre um testamento fictício, o testamento da cigana Esmeralda. É uma obra do cordelista paraibano Leandro Gomes, um cordel para lá de centenário e que fala sobre um testamento de uma cigana que ele vai chamar de Esmeralda por influência da cigana Esmeralda do Victor Hugo, o célebre escritor, e ele juntou imaginários ciganos para dizer que a cigana Esmeralda morreu na Europa e deixou escrito um testamento e o conteúdo deste testamento gira em torno de possibilidades de prenúncio da sina, e interpretações da sina que as pessoas podem ter de forma prévia. Eu peguei todo esse conteúdo para fazer algo parecido com o que fiz do Lampião. ‘O aperreio do cabra que o ex comungando tratou com má querença e o santíssimo não deu guarida’ é uma ficção sobre a ficção do José Pacheco que escreveu o cordel ‘A chegada do Lampião ao inferno’, é uma ficção sobre o cordel ‘a chegada do Lampião ao céu’ , é uma ficção com o cordel ‘O grande debate que Lampião teve com São Pedro’. Para o Lampião eu peguei esse conjunto de cordéis que tratam do pós morte do Lampião e fiz uma segunda ficção sobre a ficção, foi quando imaginei que se ele não foi aceito nem no céu e nem no inferno ele teria que ter ido para algum lugar. A minha ficção foi que ele voltou à terra para viver no imaginário das coisas do homem do nordeste, se escondeu embaixo do gibão do Luiz Gonzaga, no barro do mestre Vitalino, se transformou em uma carranca que navegava no Rio São Francisco e voltou para Ramos”, explica o carnavalesco.
Citado pelo artista como inspiração, Leandro Gomes de Barros é considerado como o primeiro escritor brasileiro de literatura de Cordel, tendo escrito aproximadamente 240 obras. O autor do “Testamento da Cigana Esmeralda” morreu ainda no século passado e teve seus trabalhos inspiração para obras famosas como o “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna. No clima de produzir uma realidade delirante, de usar a literatura como inspiração para fazer criar novas interpretações e produzir novos finais para história contadas na cultura popular, Leandro Vieira pretende envolver a Rainha de Ramos neste percurso e criar uma possibilidade de prenúncio de um possível bicampeonato.
“Eu estou em uma vibe de curtir um pouco a ficção carnavalesca. O carnaval como uma possibilidade de ficção. O carnaval como uma possibilidade de invenção e reinvenção de realidades que não se debruçam sobre o real. Eu peguei um autor que inventou uma cigana, que inventou um testamento para essa cigana e transformei esse testamento em um manual da boa sorte, que é o que o testamento da cigana é de fato. Fiz uma ficção sobre a ficção. Eu tratei a Imperatriz Leopoldinense como um indivíduo e peguei a data de fundação da escola como se fosse a data de nascimento desse indivíduo. Com a data de nascimento da Imperatriz eu fiz a ficção de que ela estaria submetida a uma influência astrológica e buscaria boa sorte. Com o céu astrológico da Imperatriz nas mãos, eu realizei um pensamento de que a Imperatriz é uma pisciana, ela tem a lua em Aquário, a partir do mapa astral da escola, portanto, regida por Netuno, tem a água como elemento que rege a sua poética, vamos dizer assim, e montei meu carnaval”.
Estética cigana presente com enredo brincando muito com a busca pela sorte
Depois de surpreender e impressionar com um desfile sobre Lampião que se mostrou bastante diferente de outros carnavais de Leandro Vieira, em termos de narrativa, mas apresentando muito da força visual que o artista possui e já é conhecida, o desfile de 2024 reserva uma nova história delirante e a produção de uma ficção carnavalesca baseada em outra ficção que faz parte da literatura popular. Essa nova ficção dentro da ficção vai permitir novas realidades visuais que sirvam a temática deste desfile.
“‘Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda’ é uma ficção sobre a ficção do Leandro Gomes de Barros, é uma possibilidade de construção carnavalesca delirante que é um delírio próximo ao Lampião no carnaval de 2023. Só que é um próximo e ao mesmo tempo super distante, porque mergulhado em um ambiente de estética cigana, eu justamente estou mergulhado nesta plasticidade, que é essa visualidade exuberante, luminosa, colorida, brilhante, bem própria dos ciganos. Estou caminhando por esses territórios”, revela o carnavalesco.
A parte visual, como colocado pelo carnavalesco, vai trazer esta exuberância e singularidade bem própria da cultura cigana, mas não vai se resumir só a isso. Leandro preparou muitas surpresas, está bastante motivado e animado com o que está produzindo, e quem teve acesso ao barracão da Imperatriz viu a qualidade de sempre do trabalho do artista tricampeão do Grupo Especial, agora também se aventurando por caminhos que ele ainda não apresentou em carnavais passados.
“Vai ter também essa estética cigana, mas não só isso.É um testamento que fala sobre a interpretação dos sonhos, o sonho como prenúncio de algo que pode vir a acontecer. Fala sobre a questão da leitura das mãos como algo que você pode consultar previamente do que vai acontecer a partir de uma leitura das linhas que traçam a palma da mão e o formato dos dedos. Fala sobre a influência dos astros na vida humana. Fala sobre a influência do Zodíaco sobre a vida das pessoas, o quanto que o céu, os movimentos dos astros, da lua ele pode influenciar a vida das pessoas”, explica o profissional.
Trabalhando um enredo que vai focar muito nessa vontade humana de conhecer o futuro, de buscar a boa sorte, pode se pensar que o carnavalesco é uma pessoa muito preocupada e interessada nestes caminhos. Mas a ideia de encontrar a sorte não mexe muito com a cabeça de Leandro Vieira. Adepto do trabalho, da entrega ao máximo, o carnavalesco conta que não associa o sucesso à sorte, mas sim ao esforço e à dedicação.
“Eu não acredito na sorte não. Às vezes credenciar as coisas a sorte é tirar também o crédito do sacrifício. Quando a gente credencia as coisas à sorte, a gente tira todo o crédito do sacrifício. O êxito na minha cabeça só pode resultar de trabalho. Eu não acredito no êxito que resulta de boa sorte. Pelo menos para mim, nunca desfrutei de êxito nenhum que não tenha sido resultado do trabalho, que não tenha sido resultado da entrega, que não tenha sido resultado de noites sem dormir, que não tenha sido resultado do fazer e desfazer, no achar que não está bom para fazer de novo até ficar bom. Se a sorte existe eu não credito meu trabalho à ela não”, confessa o artista.
Referências visuais diversas para uma Imperatriz que segue delirante e com uma pitada de picardia
Dentro do enredo que também vai apresentar a estética cigana, é fácil pensar em termos de carnaval, em algumas referências que já passaram na Sapucaí. Em 1992, a Viradouro apresentou o enredo “E a magia da sorte chegou” de Max Lopes e Mauro Quintaes. Em 1980, pelo Grupo de Acesso, Maria Augusta apresentou, pelo Tuiuti e foi campeã, o enredo “É a sorte”. Mas, o enredo de Leandro Vieira, como o próprio artista explicou acima, é muito mais do que uma exaltação à cultura cigana, é também, mas tem outros pontos: a revelação da sorte através da leitura das mãos, da observação dos astros, os signos do zodíaco, entre outros. Por isso é curioso imaginar quais as referências visuais que o profissional utilizou para produzir este carnaval. Leandro conta que olhou para diferentes direções.
“As referências visuais para este desfile vem de lugares muito diversos. Existe um imaginário cigano que todo mundo tem, uma referência de visualidade, mas existem outras possibilidades de construção de imagem. Tem questões zodiacais, esotéricas, tem questões que o próprio carnaval visualmente me deu, tem questões visuais que são do trabalho da Maria Augusta, tem questões visuais que são do trabalho do Renato (Lage), tem questões visuais que são do trabalho dessas pessoas que vão habitando a cabeça da gente. Também tem as questões visuais da minha infância mesmo, você vai juntando coisas e quando você vai produzir a visualidade você vai colhendo as coisas que você juntou ao longo de uma vida dedicada à produção visual, e também as coisas que você juntou enquanto realizou pesquisas específicas do enredo”, esclarece o carnavalesco.
Independente das referências utilizadas, é certo que a gente pode esperar, assim como foi com o Lampião, uma Imperatriz quente, abrasada, com muita picardia. Leandro sempre brinca nas redes sociais usando o termo “ex Certinha de Ramos”, uma alusão ao apelido que a Imperatriz recebeu no final dos anos 90, início dos anos 2000, por conta do excesso de tecnicidade da agremiação que para muitos vencia carnavais ancorada em mecanismo de desfile engessados e rígidos, que fazia com que perdesse poucos décimos, mas que deixava um pouco a desejar na conexão com o público. Ainda que a Imperatriz de hoje seja uma escola que trabalha de forma muito séria, ensaia bastante, e busca, como lá atrás, gabaritar os quesitos, o carnavalesco quer a Rainha de Ramos sendo uma escola em que o seu componente coloque para fora toda aquela alegria que está dentro de si, e com uma pitadinha da jocosidade que faz parte do carnaval.
“O Lampião meteu o pé na porta para que a cigana Esmeralda pudesse ficar de campana na Imperatriz. A Esmeralda armou a tenda depois que o Lampião meteu o pé na porta. São aquelas questões das apostas que a gente vai fazendo enquanto vai desfrutando do prazer de conviver com a comunidade. E você vai descobrindo também o que que essa comunidade deseja, qual ambiente que essa comunidade quer desfrutar. Acho que acertei com esse enredo porque tenho visto a Imperatriz super feliz, a escola tem cantado com entusiasmo e acho que esse entusiasmo tem a ver com o que o samba propõe, que é o que o enredo propõe, que se juntou com a boa fase da escola. Esse enredo tem uma qualidade que é a ideia de que todo mundo deseja boa sorte. Esse canto que é coletivo, ele também é o canto que é individual. As pessoas cantam desejando boa sorte, cantam desejando que a maré mude, que as coisas melhorem. Todo mundo canta porque deseja estar, como o samba fala, com a sorte virada para a lua. Não é só a Imperatriz que quer viver com a sorte virada para a lua. É todo mundo. Isso tem a brincadeira do enredo e de alguma forma traz o gostinho da picardia que vai ter na visualidade. O Lampião era jocoso, tinha essa picardia e a cigana também tem”, avalia Leandro.
Cada vez mais entrosado com a comunidade, e entendendo do que o pessoal de Ramos gosta, Leandro Vieira procura produzir visualmente aquilo que acredita que tenha identidade com os componentes que vai vestir. E, de uns tempos para cá, tem se encantado com a voz que vai cantar o carnaval que vai produzir. O artista é só elogios para Pitty de Menezes, enfatizando a importância do intérprete para este processo que a Imperatriz Leopoldinense vive desde antes do título do ano passado, se tornando uma escola mais aberta não só para o mundo do samba, mas, principalmente, para sua própria comunidade.
“Acho o Pitty um arraso em termos de potência vocal. Mas acho que ele não é só um arraso porque ele canta bem. Acho que o Pitty carrega um carisma muito acima da média. Muito acima mesmo. Porque cantar bem tem uma porrada, mas com o carisma que o Pitty tem, são poucos. Juntou tudo, as coisas quando tem que dar certo, dão certo de qualquer maneira. Juntou a Imperatriz que deseja carisma, acabou encontrando no momento em que uma voz muito carismática, além de potente, se encontrou com a escola. Para mim é maravilhoso viver o tempo em que o Pitty de Menezes canta na Imperatriz, que o Loló comanda a bateria e que eu estou assinando a produção visual. Fico feliz de participar, de vestir a mesma camisa para entrar em campo com esse time, porque são dois craques”.
Carnaval acontece na Avenida
Sobre mais detalhes do desfile, o carnavalesco procura não entregar muita coisa. Leandro é adepto da ideia de que o carnaval só se expressa em sua totalidade na Marquês de Sapucaí. Por isso, o artista busca não revelar muito como a escola vai pisar na Sapucaí já na manhã de segunda-feira, para não encorajar julgamentos antecipados.
“Acho que as coisas acontecem muito no dia. O falar e o mostrar no desfile da escola de samba ele se caracteriza enquanto manifestação artística e espetáculo com uma característica muito particular. Ele só se apresenta na totalidade no dia. Qualquer coisa diferente da totalidade, é pré-julgamento. A alegoria no barracão é uma coisa. A alegoria na concentração de manhã é uma segunda coisa. A alegoria na concentração iluminada à noite é uma terceira coisa. A alegoria iluminada a noite com as composições em cima é uma quarta coisa e a alegoria em desfile é uma quinta coisa. Isso ocorre da mesma forma quando o componente está no ensaio técnico de calça branca e blusa do enredo, o ensaio é uma coisa. No desfile oficial, quando as mesmas pessoas que uma semana antes, quinze dias antes passaram de calça branca e blusa do enredo, quando eles passam fantasiado, eles já não são mais a mesma coisa que eles eram. O que eu disser para você sobre a quantidade de alegorias ou quantidade de alas, ou o que representa o primeiro, o segundo, o terceiro ou quarto setor dito é uma coisa, no dia do desfile é uma segunda coisa, uma coisa completamente diferente. É uma característica do desfile das escolas de samba, só existir a totalidade , e que será a totalidade que será julgada, porque o júri não tem acesso a material antecipado. Ele vê no desfile o que julga. É no dia do desfile que o trabalho se apresenta no todo”, define o artista.
O carnavalesco entende a importância dos ensaios, mas acredita que jogo é jogo e treino é treino, e isso no carnaval é uma máxima que se dá de forma ainda mais certeira. Até porque o time completo das escolas de samba, aí considerando segmentos e comunidade, não consegue treinar com a roupa que “vai entrar em campo”.
“É até um exercício que as pessoas poderiam fazer de entender que o barracão é uma coisa e o desfile é outra, que o samba que é muito cantado de blusa e calça, poderá ser pouco cantado se a fantasia no dia for um figurino que não contribua para a evolução, para o canto, para a liberdade do componente. A fantasia na internet e a fantasia no desfile não existe parâmetro para o que funciona ou não funciona, ou o que é belo no individual e só foi pensado para ser conjunto. No modo geral eu adoro falar sobre carnaval, sobre os enredos, mas não com essa coisa específica que as pessoas criaram como um spoiler e que elas começam a julgar algo que está parado. A fantasia e a alegoria só conseguem ser ‘todas’ no dia. É bacana deixar para o dia”, finaliza o carnavalesco da Imperatriz.
Em busca do décimo título na elite do carnaval carioca, a Imperatriz Leopoldinense vai encerrar a primeira noite de apresentações do Grupo Especial com o enredo “Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda”.
Manter-se hidratado é fundamental para quem pretende curtir o Carnaval com diversão, saúde e bem-estar. Por isso, durante os seis dias de desfiles na Marquês de Sapucaí, a Águas do Rio, que é uma das patrocinadoras do evento, vai garantir a distribuição gratuita de água potável para o público em todos os setores do Sambódromo e ainda entregará 140 mil ecocopos reutilizáveis.
Foto: Divulgação
Para aqueles que estiverem nas arquibancadas, haverá pontos de hidratação em todos os 13 setores da Passarela do Samba. Para quem desfila, a água estará garantida na concentração e dispersão. A concessionária também fará a ação em pontos estratégicos, como na Praça de Alimentação e em frente ao setor 9.
Vale destacar também que a empresa vem hidratando o público durante os ensaios técnicos das escolas no Sambódromo.
“Cuidar do bem-estar dos foliões é uma forma de participar ativamente do Carnaval na Marquês de Sapucaí, que é a festa mais popular e tradicional do Brasil. Nos últimos meses, com o calor batendo recordes de temperaturas, mais do que nunca é importante que as pessoas bebam água e se mantenham hidratadas. Por isso ampliamos nossos pontos de distribuição para maior acesso do público. Onde as pessoas estiverem, a Águas do Rio também estará”, destacou o presidente da companhia, Alexandre Bianchini.
Copos reutilizáveis, um presente para o meio ambiente
Assim como em 2022 e 2023, os copos reutilizáveis da Águas do Rio, os famosos ecocopos, estarão presentes no Carnaval carioca. Com a iniciativa sustentável, as 140 mil unidades que serão distribuídas em 2024 pela empresa, nos seis dias de desfiles, evitarão, ao todo, a produção de 2,3 toneladas de lixo plástico.
O resultado do Grupo Especial de São Paulo em 2023 trouxe algumas surpresas. Uma delas foi o descenso da Estrela do Terceiro Milênio, com um desfile positivamente surpreendente na estreia da agremiação no pelotão de elite do carnaval paulistano. Para quem pensava que a agremiação sofreria um baque após a queda, o CARNAVALESCO pode conferir que a instituição do Extremo Sul paulistano está mais uma vez muito motivada para fazer história no Anhembi. Com o enredo “Vovó Cici conta e o Grajaú canta: O Mito da Criação”, desenvolvido pelo carnavalesco Murilo Lobo (entrevistado pelo portal), o Grajaú será a sétima escola a desfilar no Grupo de Acesso, que será realizado no domingo de carnaval – 11 de fevereiro.
Fotos: Will Ferreira/CARNAVALESCO
Surgimento – e convencimento
Ao ser perguntado sobre como surgiu a ideia para desenvolver o enredo, Murilo destacou que a inspiração veio em algumas pesquisas em veículos de comunicação que não são necessariamente ligados ao samba. “É importante que as pessoas conheçam e que elas entendam o desfile de maneira mais ampla porque aí a gente vai conseguir trazer a mensagem e realmente tocar as pessoas. Pesquisando sobre enredos na linha afro-religiosa eu encontrei um sobre atabaques e Vovó Cici me chamou atenção. Comecei a pesquisar sobre ela começou a vir um monte de outros materiais – inclusive uma entrevista dela no programa do Lázaro Ramos, em foram chamados alguns religiosos, sendo que ele, até então, nunca tinha discutido religião. Ele trouxe uma pessoa do candomblé, um padre, um pastor e etc. Ela me encantou e eu continuei pesquisando sobre ela. Nisso, encontrei um vídeo dela contando o mito da criação em um sarau nas ruas de Olinda. Ela traz atabaques, canta os cânticos, e etc. Pensei que essa história é muito incrível entrei em contato com o Silvão Leite, pedi para o presidente abrir o coração e ouvir a história. Para as pessoas que não são e não tem nenhum tipo de proximidade do candomblé às vezes é complexo propor um tema nessa vertente, mas ele achou a história incrível. Falei, então, para trabalharmos nisso – nas periferias você tem um avanço das igrejas pentecostais, uma endemonização dos orixás, e isso é muito ruim de acontecer. Apesar de ter alguns pastores incríveis, que defendem e respeitam, tem uma grande massa de pessoas tentando oprimir. Se os primeiros homens estavam na África, ela é muito mais antiga que a mitologia cristã ou grega, que também são lindas – e muitas pessoas tentam apagar isso. O presidente abraçou a ideia, a comunidade também”, contou.
Após a aproximação, chegou a hora de encontrá-la para verificar o quanto seria possível unir a figura que estava prestes a ser homenageada com a agremiação. “A Vovó Cici tem um borogodó espiritual que é muito mágico. Quando eu fiz contato com ela, sabendo que ela estuda Pierre Verger (já que ela o ajudou a codificar o que foi feito na África, no Brasil e em Cuba, fazendo uma ligação dessa diáspora misturando cultos e encontrando similaridades), tentei ir para Salvador, mas a diretora do instituto pediu para eu mandar algo por escrito. Escrevi uma carta bem longa explicando quem eu era, quem a Estrela do Terceiro Milênio era, similaridades do Grajaú com Salvador… tudo isso para ver se ela aceitava ser a protagonista do enredo. Me informaram que ela tinha uma agenda em São Paulo, participando de alguns eventos e eu perguntei se conseguiria conversar com ela. Peguei o contato da filha dela, almoçamos, levei o Mestre Vitor Velloso mas ela não queria saber do projeto, queria nos conhecer, conversamos sobre nós mesmos. Foram umas três horas de almoço, ela queria comer num restaurante árabe que ela gosta muito no Paraíso e todos conheciam ela. Uma mulher saiu de uma mesa, perguntou se podia fazer uma foto com ela e ela saiu aos prantos, comovida. A gente não falou sobre o enredo, mas eu perguntei se ela sabia do meu projeto e eu pedi para ela consultar guias e orixás. Disse que ficaria aguardando uma resposta. Alguns dias depois, me ligaram de Salvador dizendo que ela aceitou participar muito mais porque o enredo não era sobre ela própria ou a vida dela: é sobre a missão dela, de contar histórias assim – e ela me pediu para contar essa história no Anhembi”, comemorou.
Não é biográfico
Algo que ficou bastante evidente ao longo de toda a entrevista e que pode não ser para muitos é o fato da estrela principal do desfile da Estrela do Terceiro Milênio não ser, especificamente, Vovó Cici – mas, sim, uma das tantas histórias contadas por ela: a do mito da criação. “Falei sobre os vídeos que tinha visto e começamos a tricotar os detalhes do enredo, ela falando com detalhes e emendando histórias, todos ficamos de boca aberta com o conhecimento, a profundidade e a maneira amorosa com que ela faz isso. Tanto que, no Pierre Verger, ela trabalha como contadora de histórias para crianças: ela pergunta que história as crianças querem ouvir e elas falam da Pequena Sereia, por exemplo; eis que a Vovó Cici fala que na África tem uma outra sereia, uma das maiores do mundo, chamada Iemanjá, trazendo os orixás para uma leitura que as crianças consigam entender melhor. É maravilhoso. Aquilo me pegou. Esse é o meu mote: vou trazer o mito da criação contado sob o olhar dessa mulher de maneira lúdica, com figuras coloridas, para as crianças e jovens. Essa é a nossa ideia”, comentou.
Pouco depois, o próprio carnavalesco fez questão de deixar tal situação bastante clara – aproveitando para pontuar que tal situação não deixa de ser uma homenagem a quem tem mais idade. “Não é um enredo de reverência a ela como uma grande griô. Depois de estudar a vida dela e entender um pouquinho sobre a cultura negra, a gente percebe que tais ensinamentos têm um respeito para conhecer os mais velhos – algo que a gente precisa ter dentro das escolas de samba e das nossas casas. Além do mito da criação, fechamos a homenagem valorizando os griôs do carnaval, do samba, do axé, dos mais velhos, das casas, para que a gente possa, talvez, começar a olhar para os mais velhos de um outro jeito”, destacou.
Mais que uma setorização: o enredo contado
Ao ser perguntado sobre como viria a Estrela do Terceiro Milênio setor a setor, Murilo Lobo fez questão de aproveitar para trazer uma infinidade de detalhes sobre o enredo. Começando pelos momentos nos quais a jovem Vovó Cici sequer era religiosa. “A gente vai começar esse desfile na comissão de frente, trazendo a contadora de histórias. Ali, nós vamos conhecer um pouquinho da história da Vovó Cici. Ela conta que tentou negar a própria ancestralidade: ela morava no Rio de Janeiro e, perto dos vinte e poucos anos, começou a ter perturbações espirituais fortíssimas – sendo que, em um dia, ela quase foi atropelada. Um hare krishna a salvou e ela começou a ter transes, com todo mundo olhando assustado para ela – possivelmente incorporando alguma entidade. As pessoas, que não tinham dimensão daquilo, a olhavam assustados. Ela começou a ficar doente, inclusive fisicamente, também por conta disso. Chega um amigo da família na casa dos parentes dela e ele fala que a Vovó deveria voltar para Salvador, levando-a justamente para o que seria o pai de santo dela. Desde que ela chegou lá, a vida dela se transformou. Ela nunca mais voltou para o RJ, tendo mais de cinquenta anos de candomblé. É essa história que contaremos na comissão de frente: de uma jovem sem fé que se encontrou e vai se transformar numa mulher de fé, contadora. Também vamos ter uma surpresa lúdica para coroar essa contação de histórias para começar as homenagens”, lembrou.
Passada a comissão de frente, outros setores da agremiação vão surgindo – e, aqui, a presença de entidades de religiões africanas fica bastante evidente. “Vamos falando da mitologia, da cosmologia, da criação do mundo na visão urbana. Logo depois, trago o abre-alas para começar a contação da história de fato. Ela sempre começa dizendo ‘Dizem os antigos que’, e, a partir daí, a contação começa. Um dia, no Orun, Olodumare entrega o saco da criação para Obatalá. Ele, velhinho, vai ao nada e despeja o conteúdo. Nosso abre-alas trará, na primeira parte a morada dos orixás e a entrega do saco. Na contação de histórias, Obatalá vai ao nada, se distrai, se cansa, descansa em uma nuvem, sofre de uma sede danada e cria uma palmeira, cortando a junção do caule com as folhas e bebe o vinho da palma, se embriagando e dormindo. A segunda parte do abre-alas é o nada, com Obatalá adormecido e Exu, malandramente, roubando o saco da criação. Ele volta para o Orun e fala para Olodumare crente que seria ele próprio quem criaria o mundo, mas Olodumare pede o saco da criação e Exu, a contragosto, devolve. Eis que Olodumare chama Odudua, que era da mesma família de Obatalá. Aliás, um parêntese: conforme fui falando com a Vovó, ela comentou que, de acordo com Verger, os 156 orixás que moravam no Orun naquele momento eram todos albinos. Estamos respeitando as bases históricas, com negros albinos, não vou temer: vou reproduzir, não vou interpretar”, afirmou.
Já dando um “spoiler” de como será uma das principais fantasias da escola, Murilo termina o trecho destacando a presença feminina na criação do mundo – tema com que a agremiação foi vencedora do Grupo de Acesso I em 2022. “Enfim chega a nossa bateria vem como Exu. Eis que Odudua pega o saco da criação e obedece, indo ao nada e despejando o saco da criação. Ele jamais iria imaginar que tinha tanta magia lá dentro: começa a surgir o solo, as raízes, as sementes; começa a chover, criam-se os mares e os rios, ele prova da água doce e salgada. São sete dias para o Ayê formar enquanto a magia vai acontecendo. Surge o verde, as flores, os pássaros, os animais. Quando está tudo criado, é o nosso segundo carro: o Ayê criado e o triste despertar de Obatalá. Ele fica muito mal, bem deprimido, pensando que falhou. Odudua, então, fala para ambos irem ao Orun e Olodumare pede para Obatalá criar o ser humano – o que seria bem mais difícil, já que não existia mais o saco da criação. Mesmo assim, ele aceita pensando que jamais voltaria ao Orun. Ele desse para o Ayê e começa a formar o ser humano de nuvem, mas o vento desmancha; de areia, mas as ondas do mar a fazem desmanchar; de fogo, mas a chama apaga; de ferro, mas era muito rígido; de pedras, mas as mãos se juntavam. Ele entra em desespero e vai até o iroko, uma árvore ancestral – de onde sai uma mulher bem negra dizendo que pode ajudá-lo. Ela mergulha no pântano, traz argila, barro e terra negra. Rapidamente ela começa a moldar os corpos e ele vai ajudando com as cabeças. Olha que bonito: a mulher entrando na história para ajudar na criação do ser humano. A participação feminina é fundamental. Ele fala que estão criadas as raças e dá o sopro da vida”, pontuou.
Para encerrar, com o mundo já criado, os momentos finais da exibição da instituição do Grajaú chegarão. “Eles voltam para o Orun com festa dos demais orixás e Obatalá fala que só conseguiu criar o ser humano graças à mulher, que não tinha o nome. Eu a chamei de Nan, rainha, e ela se tornou Nanã. Olodumare pergunta qual seria a recompensa e Obatalá pede para, quando necessário, tirar o que ele colocou; Nanã pediu, como recompensa, ficar com o resto da matéria para que volte em outra forma à Terra. As crianças se ajoelham perante Olodumare e ele coloca o bem e o mal, e Orunmila coloca o axé, para dar o livre arbítrio e o poder para transformar o bem e o mal. Então, Nanã desce para o Ayê para ficar com os filhos e Obatalá fica no Orun. Quando chega o nosso último carro, ele conta a chegada de Nanã na Terra, com três crianças ajoelhadas para receber a benção de Orun e eu fecho com uma escultura de Vovó Cici trazendo diversos pais de santo e pessoas mais velhas das casas de candomblé como convidados de griôs de axé misturado com os grandes baluartes do samba e as crianças da Milênio, unindo o passado, o presente e o futuro”, arrematou.
O carnavalesco aproveitou para pontuar uma informação bastante importante a respeito da composição do samba-enredo da agremiação para o carnaval 2024. “Isso foi uma exigência. Quando fazemos a encomenda do samba e falamos que vai ser sobre o mito da criação, os compositores entenderam e foi um trabalho muito legal. E eles entenderam. Não é apenas mais um afro religioso passando pelo Anhembi, a gente queria que as pessoas entendessem”, disse.
Similaridades e vitalidade
Murilo Lobo foi perguntado sobre quais pontos, em toda a pesquisa desenvolvida por ele, mais o chamaram atenção. Dois fatos, em especial, foram pontuados. “O que mais me surpreendeu foi ter encontrado similaridades deste mito da criação com outros mitos que vieram de outras religiões. Quando os africanos falam de sete dias para nascer o Ayê, a Bíblia fala de sete dias para o mundo ser criado. Ou seja: muitas das pessoas que escreveram uma Bíblia, muitos dos filósofos que escreveram na filosofia grega, também visitaram e beberam dessa fonte. Em muitas das pesquisas que a gente fez, a gente descobriu que Aristóteles passou pela África. Havia uma sabedoria ancestral em que eles foram beber. Isso foi especial. Depois disso, agregamos mais culturas além da cristã, entendeu? Isso me chama muito a atenção, de falar dessa história que foi feita antes das outras mitologias. Outra coisa que me chamou atenção foi encontrar tudo isso em uma mulher com a idade dela. Ela tem 84 anos! Tem uma energia que é uma coisa de louco. Na primeira vez que ela veio na quadra, quis almoçar com a gente. Tínhamos separado para ela um lugar junto ao presidente, mas ela quis almoçar com todo mundo, e ela dando as bênçãos para as crianças. Um clima de respeito, eu não tinha pedido nada para ninguém. Aquilo aconteceu naturalmente e ela participou desse almoço. Depois, gravamos ela contando o mito da criação inteiro para poder distribuir pela comunidade, fizemos coletiva de imprensa de lançamento. Quando deu 22h, pedi para chamar uma van para ela, mas ela foi para fora da quadra e falou que estava bem, inteira – e eu mesmo já estava morto de cansaço. Ela disse que quer viver tudo que puder. Para mim, é tocante ver essa mulher cheia de energia para realizar a missão dela”, contou.
Motivação extra
O carnaval de São Paulo reagiu com muita surpresa ao rebaixamento da agremiação do Grajaú após um desfile considerado muito satisfatório pelo mundo do carnaval. Murilo conta que, para a agremiação, a perplexidade também foi enorme. “Eu saí da apuração em estado de choque. Foi absolutamente inesperado. Paramos eu e o Silvão Leite num restaurante e ele me perguntou se não seria melhor eu enrolar o pavilhão e continuar nos trabalhos sociais. Eu fiquei sem resposta. O presidente acreditou no Eduardo Basílio, que sempre o incentivou a fundar uma escola de samba, ele está presente na escola sempre, tocava o barracão comigo mesmo quando ainda não estava no cargo… ele sempre vai além para viabilizar tudo. Ele sonha junto comigo. Quando chegamos no Grajaú, a comunidade estava na praça com a bateria tocando, os bandeirões, o povo estava cantando o samba porque estavam orgulhosos. De lá, ele me ligou e falou que não iria enrolar o pavilhão, porque a escola era algo muito maior do que ele imaginava”, suspirou.
Dia a dia corrido
Ao ser questionado sobre o cotidiano que tem como carnavalesco, Murilo mesclou como ele gosta de agir com uma característica bastante especial da escola em que está. “Eu brinco: será que um dia eu vou ser um carnavalesco só de projeto? Quando eu cheguei na Milênio, eu tinha a chave do almoxarifado, entregava materiais e coordenada todo mundo… o Grupo de Acesso II foi um momento cruel da escola. Eu tinha que ajudar o máximo que eu podia, já fiz muitas coisas. De lá para cá, a escola se estruturou e trouxe outros profissionais para ajudar. A minha dinâmica é acordar, vir para o barracão, projeto as coisas por aqui, coordeno e faço as coisas com todo mundo por aqui. A Milênio tem, no seu DNA, produzir. Sei que escolas do Acesso têm que pegar esculturas ou fantasias, mas nós não costumamos fazer isso. O nosso tempo de produção é muito grande, e produzimos fantasias que poderiam estar no Especial. Continuamos em evolução e sempre pedi para o presidente subir degraus com a escola, prepará-la para ser uma grande escola. Tudo na medida, tudo orçado. Meu dia a dia é intenso e dentro do barracão”, afirmou.
Para encerrar, o carnavalesco repetiu o último verso do samba-enredo para deixar um recado especial a todos os fãs do carnaval – em especial, aos torcedores da Coruja. “Primeiro, muita gratidão por todo o carinho e gratidão que todos tiveram com a gente neste último resultado. A gente vai para fazer um lindo desfile de novo, é a Milênio com cara de Milênio. Com muita força, com muito axé, trazendo essa mensagem incrível. Se não puder ser amor, que seja ao menos respeito”, finalizou.
Ficha técnica
Componentes: 1300
Alas: 13
Alegorias: 03 (mais um pede-passagem e dois quadripés)