Tempo de sonhar: Paraíso do Tuiuti aposta de exaltação de personalidades negras para emocionar o público e fazer história
Com o enredo “Ka Riba Tí Re – Que nossos caminhos se abram”, a Tuiuti aposta na exaltação a contribuição de grandes figuras negras para a humanidade e uma ode ao futuro negro. Iman Shervington, que desfila pela primeira vez pela escola na Ala Show, em entrevista para o CARNAVALESCO falou sobre a força que esse samba irá trazer para à Sapucaí.

“Esse samba irá mostrar para os meninos e meninas que é um orgulho ser negro! Que na negritude também tem grandeza, também tem realeza, tudo. Apesar de, por muitas vezes, isso não ser explorado, mas, a Tuiuti irá trazer isso para o Brasil e, também para o mundo inteiro assistir.”

A Escola carrega em sua essência, assim como o carnaval, resistir e lutar por pautas que são tão necessárias em serem retratadas em um momento de grande destaque. É unanime que os componentes estão confiantes no título do Carnaval de 2022. Caso a escola conquiste o primeiro lugar, irá superar o feito histórico de 2018, em que se sagrou vice-campeã com o enredo “Meu Deus, Meu Deus, Meu Deus, está extinta a escravidão?”.
A Paraíso do Tuiuti, abrirá o segundo dia de desfiles do Grupo Especial que será no sábado, dia em que se comemora, no Rio de Janeiro, dia de São Jorge, ou Ogum, um dos padroeiros da escola. Rosaria Xavier, desfilante da ala das baianas há 3 anos pela Tuiuti, destacou que voltar à Sapucaí é como se todos nós estivéssemos renascendo, toda à tristeza desses últimos anos será transformada em alegria e garra no desfile.
Na busca em superar o histórico vice-campeonato de 2018, a bateria, que foi obteve três notas 10 e um 9,9 no ano citado, do Mestre Marcão está preparando diversas novidades para os espectadores no desfile, Kleber Komka, ritmista no carnaval há 36 anos e em seu primeiro ano pela escola frisou que o momento é muito importante, mas que não se pode perder o foco.

“A alegria de voltar é enorme, mas não podemos desconcentrar, a finalidade é conseguir obter a nota máxima, o trabalho está muito bem-feito. Tanto que, até hoje, nas vésperas do desfile estamos acertando um ou outro detalhe, mas a bateria já está pronta e com uma base muito sólida”.
“A Tuiuti vem se preparando nesses últimos meses com ensaios consistentes, desde os que ocorreram no Sambódromo, até os de rua. Se os componentes da escola estão confiantes, a comunidade de São Cristóvão parece está polvorosa com o que a agremiação vem apresentando. Vanessa Frota, passista da escola, conta que a ansiedade aumentou ainda mais após o adiamento dos desfiles para abril, mas que a energia se multiplicou. A necessidade de extravasar essa alegria é o que nos dá ainda mais disposição”.
Leonardo Antan: ‘Narrativas carnavalescas e negras se destacam em ótimos trabalhos visuais’
“Alô mundo, o carnaval voltou!” Parafraseando o grande Neguinho da Beija-Flor, foi com sentimento de felicidade e emoção que os sambistas do grupo Especial voltaram a ocupar a Marquês de Sapucaí nessa sexta-feira, dia 22. Cercado de expectativas, os desfiles levaram para Avenida para enredos fortes e emocionantes. Ainda assim, foi uma noite de enredos que deixaram a desejar em alguns aspectos.
Retomando sua vitoriosa parceria com a lendária Rosa Magalhães, a Imperatriz homenageou Arlindo Rodrigues contando sua grande contribuição para a história do carnaval. Grandes desfiles de Salgueiro, Mocidade e da própria Rainha de Ramos foram recordados na pista, sob a assinatura da professora que usou o branco, as cores comuns das três agremiações para conduzir o tapete cromático. O enredo estava sendo contado não só em formas e fantasias, mas também nos materiais utilizados. Cada setor trazia um elemento que Arlindo introduziu no carnaval: a ráfia nos anos de Salgueiro, o acetato no setor da Mocidade e os espelhos deram o brilho da alegoria que celebrou o título de 1980 da Imperatriz. Rosa mostrou porque é um dos grandes nomes artísticos da folia, deu o nome com alegorias requintadas e muito bem acabadas, até mesmo grandiosas para seu estilo mais compacto habitual. Nem de longe, a verde e branco parecia ser a escola vindo da Série Ouro, mostrou sua grandeza e deve brigar pelo meio da tabela com tranquilidade.
A Mangueira também chegou lembrando sua história e grandes artistas do seu panteão. A homenagem a Cartola, Jamelão e Delegado começou a emocionar na Comissão de Frente, muito bem elaborada e realizada pelo casal Rodrigo Negri e Priscilla Motta. O enredo abordou aspectos da vida dos homenageados, sob a assinatura de Leandro Vieira, que optou por escolhas bastante pessoais na condução desses elementos do desfile. Por exemplo, no setor em referência a Jamelão, não vimos os grandes carnavais que tiveram o intérprete, mas sim a sua carreira como cantor de samba-canção e de gafieiras que ambientaram a terceira alegoria. Na concepção do artista, Leandro deixou as cores da escola para abusar do vermelho, mostrando assim uma mudança de cenário na narrativa, num claro exemplo de como cor também ajudava a contar o enredo. Por falar nisso, o visual apostou no uso derramado de verde e rosa, como Leandro nunca realizou na Mangueira. Inspirado em Júlio Mattos, grande campeão pela Estação Primeira, o uso de prata deu um ar sofisticado à famosa combinação da escola na abertura. A última alegoria, uma caixinha de música que tinha Delegado como bailarino, foi um dos destaques do cortejo.
Lá vem Salgueiro! A academia do Samba mostrou sua potência explosiva ao cantar “Resistência”, o samba guiou um cortejo com muita explosão e forte comunicação com o público. O enredo que versou sobre a presença preta na cultura carioca optou por um tratamento mais cronológico, nesse sentido, Alex de Souza concebeu alegorias bastante cenográficas, que reproduziam épocas e figurinos a rigor. A abertura se destacou visualmente, ao celebrar a clássica estética “afro-geométrica” da Revolução Salgueirense, com destaque para a escultura de Djalma Sabiá como um griô. Já no final, os últimos setores apresentaram formas menos bem resolvidas. A narrativa teve problemas de fluidez ao partir do Teatro Municipal para o Baile Charme em poucos elementos, criando uma ruptura estética na agremiação. Faltando uma amarração geral, que seria avaliada no saudoso quesito Conjunto. Ainda assim, Alex de Souza mostrou porque é um dos artistas mais talentosos e requintados da folia carioca, colocando o Salgueiro na briga pelas Sábado das Campeãs mais uma vez.
A São Clemente homenageou Paulo Gustavo no cortejo que marcou a estreia do artista Tiago Martins como carnavalesco solo. Apesar da pertinência e importância do humorista para a cultura brasileira na última década, o enredo seguiu uma linha de condução bastante simplória, que usou de elementos bastantes clichês para guiar seu desenvolvimento. O terceiro setor apresentou um tripé que fazia alusão ao bolo de casamento do artista, seguido pela ala “Dermatologista”, em referência a profissão de Thales Bretas, esses elementos são uma ótima mostra das decisões equivocadas da condução do carnaval. Visualmente, os figurinos eram leves e jocosos, mas o trabalho cromático também deixou a desejar, com uma paleta bastante colorida mas que não conversava entre si. Algumas fantasias e alegorias tiveram problemas de acabamento. Os pontos positivos ficaram por conta da bateria da agremiação e a última alegoria em preto e amarelo, que se destacou no conjunto. De maneira geral, a São Clemente deve brigar pelo rebaixamento.
Lá vem a Viradouro, aí! A atual campeã do carnaval carioca comemorou o fim da pandemia lembrando um momento histórico parecido: a folia de 1919, após a gripe espanhola. Um dos melhores enredos da noite, o tema foi desenvolvido com bastante pesquisa e aprofundamento histórico. A abertura abusou das cores escuras e tons de preto, lembrando o lendário cortejo campeão da alvirrubra de 1997, assinado por Joãosinho Trinta. Outra setor que se destacou foi o penúltimo, que lembrou os festejos populares na Praça Onze, permeado por vermelho e branco com toques de palha, dando um belíssimo efeito visual. As alegorias foram irregulares, apresentando algumas combinações mal resolvidas esteticamente. Ainda assim, o grande senão do desfile foi sua parte musical, um andamento acelerado não ajudou o samba-enredo, que acabou rendendo menos do que poderia. Se em 2020, a atuação da bateria em parceria com o intérprete Zé Paulo impulsionou a escola para o título, o mesmo não aconteceu esse ano.
A gigantesca Beija-Flor de Nilópolis encerrou o primeiro dia de apresentações propondo “empretecer” nossos pensamentos. O enredo passeou pela contribuição negra na cultura, mostrando grandes artistas, pensadores, filósofos, escritores e sambistas que produziram saberes fundamentais para o nosso país. Apesar de bastante temático, o enredo era bastante denso, com muitas referências e um trabalho de pesquisa bastante aprofundado. O visual foi concebido com competência, do imponente e ousado abre-alas até as esculturas de Pinah e Laíla no final, cada alegoria apresentou uma proposta diferente em cores e formas. Infelizmente, alguns percalços de execução e ausência de composições no segundo carro podem prejudicar a agremiação. A ala das baianas foi um dos destaques, reproduzindo a obra da artista plástica Rosana Paulino com bastante sensibilidade. Se reencontrando na Pista, a azul e branco fez um cortejo como há tempos não fazia, se destacando pela boa atuação do seu carro de som e sua ala musical. A tradicional comunidade de Nilópolis mostrou sua força e colocou a Beija-Flor na luta pelas primeiras posições.
Entre altos e baixos, a Beija-Flor junto a Viradouro e Imperatriz foram os destaques da noite, com boas apresentações também de Mangueira e Salgueiro em contraste ao mal desempenho da São Clemente.
Série Barracões: Com carnaval grande, Vila Isabel quer mostrar as diversas faces de Martinho no aguardado enredo para o carnaval de 2022
Não há como falar da Unidos de Vila Isabel, sem falar de Martinho José Ferreira, que se consagrou carregando o bairro e escola no nome, como o Martinho da Vila. Após anos de espera da comunidade, Martinho, que é o presidente de honra da escola, será o enredo da Vila para o carnaval de 2022. Com um gigantesco projeto para o desfile, característica do carnavalesco Edson Pereira, a Vila pretende mostrar a multiplicidade de Martinho na avenida: o artista, o escritor, o partideiro, o intérprete e o poeta de Vila Isabel.

Em entrevista ao Site CARNAVALESCO, realizada no barracão da escola, Edson Pereira conta que a grande surpresa positiva que teve na pesquisa do enredo foi se deparar com as diversas faces de Martinho como artista, muito além de ser apenas um cantor e compositor de alta qualidade. Além disso, segundo o carnavalesco da escola, na pesquisa, ele pode constatar ainda mais a importância de Martinho para a moldagem da identidade da Vila Isabel como escola.
“O mais surpreendente na pesquisa do enredo foi concluir como a Vila Isabel se coloca, diante da chegada do Martinho, como uma escola com uma forte negritude, com um poder de fala muito grande quando se trata de negritude e também a multiplicidade do Martinho como artista, porque muitos conhecem ele com o partideiro, o músico, o interprete, mas não conhece muito o Martinho como um grande escritor e grande poeta. Então, isso foi algo que me surpreendeu muito, além da simplicidade dele”.
Escolha do Enredo
Aguardado pela escola há muitos anos, o enredo sobre Martinho quase ocorreu no carnaval de 2010, mas o artista declinou da ideia por julgar mais pertinente, à época, homenagear o Noel Rosa, outro histórico compositor do boêmio bairro de Vila Isabel, em seu centenário. Logo após o fim do carnaval de 2020, o último antes da pandemia, a escola anunciou que homenagearia o artista no carnaval subsequente. Ao carnavalesco, Edson contou que a tomada de decisão partiu da escola e que a ideia foi prontamente acatada por ele.
“O Martinho é um enredo que é almejado pela comunidade da Vila Isabel, há muitos anos e esse é meu terceiro carnaval na escola, primeiro, eu fiz Petrópolis, depois, eu fiz Brasília e agora, veio esse presente que é fazer Martinho da Vila. O enredo não é autoral meu, a construção do enredo, sim, é minha e partiu da escola essa ideia de fazer a homenagem ao Martinho, que eu acho super justa”.

Plástica da escola
No projeto, Edson Pereira não fugiu de suas características e montou mais um desfile grandioso, com muito volume e riqueza de detalhes no conjunto alegórico.
“Eu acho que a plástica por si só e falando sobre mim mesmo, o maestro que conduz essa ópera, é o que todo mundo já sabe, uma grande escola, uma volumetria grande, com momentos muito específicos e especiais durante o desfile e a gente vai fechar o carnaval, um carnaval de redenção e a gente pretende que ele não termine ali, como diz a música, que não se acabe na quarta-feira de cinzas”.
Lado Político do homenageado
O carnavalesco também comentou sobre a cobrança, a qual considera não existir, por parte de algumas pessoas, para que a veia política de Martinho, como militante e ativista, entre no enredo da escola. Ao falar sobre o assunto, Edson afirmou que essa parte da vida do artista estará no desfile, porém sem ser o foco ou o fio-condutor do desfile da Vila Isabel.
“Eu não considero que exista essa cobrança porque, se você vai falar de um enredo e de uma pessoa que viveu esse momento tão político da nossa história, obviamente, isso tem que estar presente. Mas, não precisa ser o foco do enredo, até porque a gente não está fazendo um enredo biográfico, a gente não quer falar de tristeza e de momentos ruins, a gente simplesmente vai citar esse momento porque é importante não só na história do Brasil, mas também na história do Martinho da Vila. Então, é um momento que vai estar presente e tem que estar presente, mas não obrigatoriamente ele tem que ter toda essa evidência e essa cobrança que as pessoas colocam”.
Grande Trunfo do desfile
Como não poderia ser diferente, o grande trunfo da Vila Isabel para o carnaval de 2022 é o seu enredo. Embalada pela emoção de homenagear o grande ídolo e representante da comunidade, a escola espera encerrar a segunda noite de desfiles do Grupo Especial com Martinho aclamado pelo povo.
“O grande trunfo desse enredo é o próprio Martinho porque, a partir do momento que você tem um bom enredo, você tem um bom samba e você tem uma boa comunidade para abraçar esse ícone da escola. Eu acho que o Martinho é o grande trunfo”.
Entenda o desfile
A Unidos de Vila Isabel encerrará a segunda noite de desfiles do Grupo Especial, em 23 de abril, com 9 alegorias( o máximo são 6, porém serão três acopladas no abre-alas), 1 tripé/chassi da comissão de frente e cerca de 2.900 componentes. Edson explicou um pouco de como estão divididos os setores da escola.
Primeiro Setor: “Todo o carnaval será sintetizado a partir da plástica do abre-alas porque a gente fala do grande pensador negro, como formador de opinião, que deixa como herança para Vila Isabel, que se constroi a partir do Martinho também. É uma história que se comunga, que fala das mesmas questões, o Martinho consegue dar cara para Vila Isabel. Então, isso está no abre-alas, o morro dos macacos agradecendo, como o samba mesmo já diz, “ o dono do palco, zumbi lá do morro”. É isso que ele representa para o morro dos macacos e para a Vila Isabel”.

Segundo Setor: “Eu abro as porteiras da parte mais singela da vida do Martinho, que foi a infância dele, em Duas-Barras, onde ele morava, numa roça, e foi alfabetizado, já ali com sua veia artística e aí, eu coloco ele como um pequeno passarinho, livre, com toda inocência de poder cantar e escrever. Ele foi alfabetizado pelo pai, a mãe era lavadeira e a avó era cozinheira. Então, isso a gente consegue sintetizar isso diante de um cenário mais de roça, de sua origem humilde”.
Terceiro Setor: “Eu falo da voz de expressão do Martinho como negro e a liberdade de expressão, quando ele faz essa contrapartida de Brasil e Angola e vira o embaixador negro, na época nem se existia esse título, ele vai pra Angola e é reconhecida, dali, como Martinho para o mundo, não somente o Martinho da Vila. Então, nesse setor, a gente está falando de Martinho para o mundo”.
Quarto Setor: “Eu coloco como setor de Gbalá pela importância da criança e a herança que Martinho deixa como um grande Griô, o griô da esperança, comunicando-se com as crianças, que são a esperança do futuro de um futuro melhor. E, aí, a gente coloca um baobá e todo esse ambiente africana porque, no nosso conceito de enredo, ele é o nosso griô, da sapiência, da esperança e do conhecimento”.
Quinto e último setor: “A gente fecha o carnaval falando que o Martinho, com tudo isso que ele constrói e sua história, desce o morro de chinelo de dedo e vai levar todo seu conhecimento para a 28 de setembro, para o asfalto, como está no trecho do samba e para fazer dali, o carnaval do povo porque, até então, o carnaval era burguês e era sintetizado somente na favela e ele traz isso para o asfalto. Então, essa importância de hoje, de reconhecimento e de valorização, está no fechamento do carnaval da Vila”.
Mocidade colhe os frutos de mudanças na escolha de samba nos últimos anos
Pelo segundo ano consecutivo, a Mocidade Independente de Padre Miguel tem uma obra bastante elogiada no pré-carnaval. Em 2022, ainda mais marcante, o samba de composição de Carlinhos Brown, Diego Nicolau e Cia, que homenageia a Não Existe Mais Quente e o padroeiro da escola, é até mesmo indicado por muitos como o melhor da safra. Em entrevista recente ao site CARNAVALESCO, o diretor de carnaval da escola, Marquinho Marino, no cargo desde 2017, profissional que veio do mundo dos compositores, explicou que uma das mudanças para a guinada da escola foi realizar uma escolha de samba que privilegia sempre o melhor e o que respeita as características da Mocidade e sua bateria.
“O compositor precisa ser respeitado para ele poder vir fazer uma grande obra e disputar com afinco, ele tem que saber que ali vai ganhar o melhor. E, para isso, você tem que ter credibilidade. Compositor não é obrigado a me mostrar o samba, mas eu sempre deixei claro que achava ideal que eles sentassem com a direção de carnaval para que nós pudéssemos fazer um filtro tanto melódico como de letra, porque a Mocidade tem uma característica diferente das outras escolas em termos de música, em termos de andamento, e não adianta vir com uma coisa que não fosse encaixar não só com o enredo, mas com a própria escola e bateria. A Mocidade criou muitas opções para escolher samba. E, hoje, o compositor pode até questionar que perdeu com o seu samba sendo tão bom quanto o outro, mas ele nunca vai perder para um samba ruim. Estamos colhendo os frutos agora. É preciso ter ouvido e percepção para escolher um samba. E a escola definitivamente acertou a mão nas escolhas ano após ano”.
Homenageado com o nome citado no samba, mestre Dudu concorda que as obras têm respeitado a característica da escola e isso tem feito com que a direção da Mocidade tenha cada vez mais dificuldade para escolher apenas um com safras de tamanha qualidade.
“Eu fico muito feliz de a escola estar sempre escolhendo os melhores sambas. Estão sendo belas obras apresentadas pelos nossos compositores, a escola está sempre acertando. Estou há dez anos no comando da bateria e estou sempre desfilando com samba bom. Os três últimos sambas escolhidos, dá uma dor no coração de perder uma obra prima, mas infelizmente só pode ganhar uma. Esse ano é diferenciado porque o enredo é a bateria, o samba fala muito da bateria, fala do meu pai (mestre Coé), fala de Miquimba, fala de mestre André e de mim também, fala até do meu nome, para mim é motivo de muito orgulho estar no comando da bateria esses dez anos, e agora ter o nome no samba”.

A composição vitoriosa foi da parceria encabeçada por Carlinhos Brown e que teve ainda Diego Nicolau, Cabeça do Ajax, Gigi da Estiva, J.J.Santos, Nattan Lopes, Orlando Ambrosio e Richard Valença. Diego Nicolau afirmou que neste momento de mudança no desenvolvimento de obras da escola, o compositor mesmo também acredita ter participado do processo e melhorado como artista.
“Eu sou parte desse processo, eu disputo samba na Mocidade desde a escolha do samba de 2007, e acho que amadureci junto com esse pensamento. Acho que a gente participou com um samba que deu uma guinada nesse processo que foi o de 2014. A escola toda foi uma redenção naquele ano. Aí depois de dois anos de sambas diferentes, e aí em 2017, a Mocidade recebeu dois grandes compositores, Altay Veloso e César Feital que deram uma sacudida total no jeito de fazer samba da Mocidade. Um samba que se preocupava em ser mais bonito, belo, do que só contar enredo. E a escola voltou a vencer o carnaval. E isso mexeu também com a minha forma de fazer samba sim, a gente também se transforma, procura melhorar e absorver”.
Como o diretor de carnaval Marquinho Marino, Diego Nicolau também acredita que a credibilidade de vencer sempre as melhores obras, tem sido fundamental até mesmo para incentivar a participação dos compositores.
“Desde 2017 que a Mocidade vem apostando em sambas que a própria escola gosta, geralmente são boas safras e a escola privilegia os profissionais que são decisivos no desfile e sua torcida. Acredito que isso também seduz o compositor, ele sabe que o que for o melhor vai ganhar, e se não for o melhor não vai ganhar. Isso também influencia até no ânimo do compositor que confia na disputa da escola”.
Público elogia desfiles do primeiro dia do Grupo Especial e destaca a importância dos enredos apresentados
O carnaval voltou, e com ele, os desfiles da escolas de samba do Grupo Especial, após dois dias de apresentações das escolas da Série Ouro, foi a vez das agremiações da elite do carnaval carioca desfilarem no Sambódromo. Seis escolas abriram o primeiro dia de competição, Imperatriz, Mangueira, Salgueiro, São Clemente, Viradouro e Beija-Flor.
Foram dois anos de saudade, a pandemia de covid-19 impediu que os desfiles acontecessem em 2021 em decorrência da doença, muitas personalidades do samba foram perdidas, sendo assim, o sambista não via a hora de reencontrar o templo sagrado do carnaval carioca, prova disso foi a ótima presença de público nas frisas e arquibancadas.
Após o desfile da última escola, a Beija-Flor, o site CARNAVALESCO ouviu o público para saber qual a opinião deles sobre esse retorno dos desfiles e a opinião sobre a apresentação das escolas. No geral, a galera destacou a importância dos enredos apresentados.
O jornalista Felipe Sendas, de 32 anos, acompanhou os desfiles e destacou a força do enredo da Viradouro, a atual campeã falou sobre o renascimento da sociedade após a gripe espanhola de 1918, para ele, foi um momento muito emocionante poder traçar esse paralelo com os dias atuais. Como destaque negativo, ele citou a São Clemente.
“Gostei muito da Viradouro, a Beija-Flor também fez um trabalho lindo, um desfile como se espera da escola de Nilópolis, mas se eu pudesse destacar o auge, o desfile que me fez derramar mais lágrimas, foi a Viradouro, eu não exatamente o porquê, mas acho que a Viradouro pegou num lugar muito sensível, nós estamos há dois sem carnaval, aí a escola fez um paralelo muito apropriado com o pós pandemia da Gripe Espanhola, acho que podemos nos identificar em muitos aspectos. Se eu pudesse destacar algum negativo, acho que é a São Clemente, ela fez um desfile triste, apesar de todo respeito ao trabalho e grandeza do Paulo Gustavo, mas achei muito triste, não empolgou, ficamos sentados o tempo todo”, pontuou Felipe.
Pela primeira vez na Sapucaí, o ator Ricardo Fernandes, de 32 anos, destacou que a experiência foi incrível e que os temas apresentados por Salgueiro e Beija-Flor tocaram profundamente nele. Segundo Ricardo, a São Clemente deixou um pouco a desejar, talvez por ter vindo após o desfile quente que o Salgueiro.
“Pude confirmar que esse é o maior espetáculo da terra, você vai percebendo as diferenças entre uma escola e outra muito pela arquibancada, em como ela vai sentindo, partindo disso, vi que o Salgueiro fez a arquibancada vibrar, as pessoas se movimentaram, posso dizer que a escola alcançou o público. Por ter vindo depois do Salgueiro, eu senti o efeito de uma platéia desanimada, talvez porque na escola anterior se entregou muito, as pessoas acalmaram um pouco, ficou nítido isso, o Salgueiro lá em cima e a São Clemente mais abaixo, mesmo, a escola veio bonita, o enredo importante, outra escola que eu gostei foi a Beija-Flor, ela fez uma coisa que não consigo explicar, foi muito necessário. A temática desse ano se mostrou muito acertada, a delicadeza de falar de assuntos que não puderam ser falado ao longo desses dois anos de pandemia, mas que foi falado agora, como a questão do racismo e intolerância que Salgueiro e Beija-Flor trouxeram, é triste perceber que esses assuntos assuntos ainda são atuais, mas feliz por saber que existe as escolas de samba para mostrar”, destacou Ricardo.
A Mocidade desfila só no segundo dia de desfiles, mas o torcedor da verde e branco da Zona Oeste, Renato Souza, esteve presente e acompanhou todos os desfiles, na opinião dele, a atual campeã, Viradouro e as sempre competitivas, Salgueiro e Beija-Flor se destacaram nesta sexta.
“Eu destaco hoje Viradouro, Beija-Flor e Salgueiro, cada uma por motivos diferentes, mas acho que foram as que melhor passaram pela Sapucaí. Beija-Flor passou muito bonita, muito rica, Salgueiro fez o samba acontecer, melhor do que a expectativa que as pessoas esperavam. Já a Viradouro conseguiu render, mesmo que com algumas dificuldades. Infelizmente a São Clemente cometeu alguns problemas, sabemos dos problemas históricos que a escola possui de evolução e harmonia, o samba acabou cansando muito na avenida”, contou Renato.
Para Karin Giovanini, de 27 anos, as escolas acertaram na escolha os enredos, a jovem contou que se emocionou em alguns momentos, principalmente com a Mangueira, ela acredita que a disputa pelo título ainda está aberta, mas que Beija-Flor e Salgueiro se destacaram bastante, ela ainda diz que se surpreendeu com o ótimo desfile da Imperatriz e que a São Clemente preocupa um pouco por conta dos erros apresentados.
“O que mais me impactou hoje foi a escolha dos enredos, a galera entrou numa nostalgia terrível, por exemplo, eu não sou Mangueirense, mas na abertura da escola eu estava em lágrimas. Acredito que a disputa do título está aberta, foi tudo muito equilibrado. Sobre os desfiles, eu acho que a Beija-Flor fechou com chave de ouro, foi digno do fechamento, a Mangueira conseguiu emocionar o setor inteiro que eu tava. Gostei muito do Salgueiro, acho que entra facilmente na briga, mas alguns probleminhas no final do desfile podem prejudicar, a Imperatriz me surpreendeu, ela fez um desfile muito coeso, ela mostrou que de fato é uma escola do Grupo Especial. Acho que a São Clemente pecou em evolução e pode ser prejudicada na apuração”, contou a técnica em comunicação.
O professor Matheus Pranto, acompanhou os desfiles diretamente do setor deis, para ele foi uma noite equilibrada, ele diz ainda que mesmo com alguns problemas, a Beija-Flor se destacou, outra escola citada, foi a Imperatriz.
“Eu destaco a Beija-Flor, mesmo com os problemas nas composições do segundo carro, eu achei muito boa a ideia da comissão de frente e do casal se apresentarem simultaneamente, cada um em um setor diferente, acho que poder mais uma novidade legal pro carnaval, a homenagem ao Laíla foi muito especial. A Viradouro foi extremamente técnica, o Salgueiro passou bem, mas com problemas, pra mim a Mangueira teve a melhor comissão de frente da noite. Imperatriz foi extremamente digna, um conjunto alegórico de encher os olhos, abertura muito bonita, parece que o rebaixamento fez bem, já a São Clemente foi uma decepção, esperava muito mais dessa homenagem ao Paulo Gustavo”, finalizou Matheus.
Entrevistão com Hélio e Beth Bejani: ‘Com o Leonardo Bora e o Gabriel Haddad houve química de imediato, a troca foi em tudo, não só na comissão’
Casal apaixonado por carnaval, a dupla de coreógrafos, Hélio e Beth Bejani, vai para o seu quatro carnaval à frente da Comissão de Frente da Grande Rio. Com rápida identificação com a escola e com uma relação muito próxima com os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, o casal foi fundamental no tão sonhado primeiro título do Grupo Especial. Hélio é regente do Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e diretor da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. E Beth também é coreógrafa dos casais de mestre-sala e porta-bandeira da Grande Rio.
Em entrevista ao site CARNAVALESCO, antes do desfile campeão de 2022, Hélio e Beth Bejani falaram sobre o desafio e a possível cobranças às comissões de frente contemporâneas, comentam a relação profissional de muitos anos com Renato e Márcia Lage e com outros carnavalescos, relembraram comissões importantes e explicaram as correlações entre o popular e o erudito.
Qual é o maior desafio hoje da comissão de frente ser a síntese do enredo ou um espetáculo impactante de abertura?
“Eu acho que é uma mescla das duas coisas. A comissão de frente tomou uma proporção que ela virou realmente um espetáculo de abertura ali na frente da escola. Mas, no nosso caso, a gente sempre curte a ideia de fazer a síntese do enredo, ou de estar bem ligado à cabeça da escola. A gente ser o início do abre-alas, por exemplo. O início do enredo, de como os carnavalescos estão contando essa história. A gente já tinha essa ideia, esse formato de comissão desde a época do Salgueiro, a gente aprendeu muito com o Renato Lage. E foi um formato que deu certo e a gente leva esse formato para todos os carnavalescos com os quais a gente já trabalhou”, disse Beth.
“Que fique bem claro que é uma fórmula bem completa para a gente. A gente não traz críticas ao trabalho de ninguém, porque a gente respeita o trabalho de todo mundo, a forma de trabalhar, e eu acho que isso é bacana e que dá a diversidade no universo do carnaval. Mas, eu vou além e penso na cabeça da escola inteira, uma ala que vem ali atrás e o abre-alas, para que a gente tenha uma coesão que já dê o impacto na abertura da escola, porque é ali que você já prende a atenção do público. Quando você tem coisas muito quebradas ali na frente você perde um pouco da atenção do público”, declarou Hélio.

Sem ser a de vocês, qual a comissão que vocês adoram? Podem citar até três.
“Eu vou citar a primeira comissão que eu vi na minha vida dentro do carnaval, que foi quando a gente trabalhou lá na Imperatriz que foi uma comissão do Fábio de Melo dos cisnes (Imperatriz 2005). Aquilo para mim foi de uma poesia, eu olhava aquilo, eu via aqueles cisnes voando, dava um sentimento tão bacana. Gosto muito do segredo (Tijuca 2010), aí não tem jeito, porque o segredo foi um trabalho que tirou todo mundo da zona de conforto, ele teve uma posição de quebrar um carnaval que já vinha daquele jeito. No ano seguinte todo mundo saiu da zona de conforto, casal, comissão, carnavalesco, virou o carnaval”, revelou Hélio.
“Eu também amo essa do Fábio de Melo, quando a gente viu aqueles cisnes, nossa, marcou muito, a gente é muito fã dele. A gente estudou muito o trabalho dele. Inclusive a Imperatriz do último carnaval a gente fez baseado em trabalhos dele. O Leandro disse que queria resgatar a Imperatriz, então em forma de resgate a gente fez uma homenagem a ele no carnaval de 2020. O segredo sem dúvida virou a página do carnaval. Paulo Barros revolucionou naquele ano, já vinha, mas foi campeão praticamente com a abertura da escola, com aquele ‘boom’ já foi campeão, quase que não precisava passar o restante da escola. Além dessas, eu gosto muito da Savana da Vila Isabel (2012) que foi do Marcelo Misailidis, acho que tinha as onças, os animais, tinha um grupo afro se apresentando, ela tinha dois atos, achei bem criativa e com soluções bem interessantes”, declarou Beth.
O elemento cenográfico é tão fundamental assim no Grupo Especial? Sentem que na Série Ouro o trabalho coreográfico é mais relevante?
“O elemento cenográfico precisa proceder com o trabalho que vai ser realizado, precisa ser necessário ao trabalho. Quando ele está ali só como um efeito a gente não curte muito. Mas, quando ele faz parte de um contexto como um todo, dentro do enredo, a gente acha super plausível. Mas, ao mesmo tempo, a gente não curte os elementos cenográficos que tampam o Abre-alas, que tampam o casal, que escondem parte do que está vindo atrás. A gente acha que quebra um pouco a beleza do próprio desfile da escola. A gente tenta sempre fazer os elementos cenográficos o mais baixo possível. Às vezes não dá, como foi em 2020 que foi gigantesco, mas todo baixo”, disse Beth.
“O elemento cenográfico, é uma cenografia, ele ajuda muito a você contar a história. Você tendo essa ideia, o que incomoda mais é a questão da altura. Mas na Série Ouro acontece isso, eles liberam, mas não tem condições de você fazer o trabalho adequado ao que você precisa. Ah podia ter, mas a gente tentou fazer, é mal feito, não tem condições de fazer uma coisa bacana, um tamanho decente. Aí eu fico achando que é melhor que não tenha e você vai buscar criatividade e fica tudo igual para todos. O efeito especial ainda é o ser humano, e isso no Especial também. Quando trabalhamos alguma situação, a gente prefere usar o ser humano para fazer aquela transformação do que trocar elenco, botãozinho. A gente prefere para não esfriar a coisa, porque o mesmo elenco vem quente, ele dá o sangue na frente do jurado”, disse Hélio.
O intercâmbio com artistas do campo erudito (balé e ópera) existe há muito tempo. Qual é o impacto inicial e quais diferenças de trabalho?
“O nosso pessoal são artistas. Não tem nenhum componente que é do Theatro Municipal, nada disso, só eu que sou. Quando começou lá atrás fazendo as audições que a gente desistiu em um determinado momento, em uma audição do Salgueiro vieram 300 pessoas, e eu achei que eles estavam indo ensaiar uma ala. Eu perguntei para eles ‘ você gosta de carnaval?’. ‘ Você sabe que aqui você vai trabalhar de madrugada?’. A primeira pergunta tem que ser essa. Eu acho muito mais interessante os artistas que são mais envolvidos, são mais populares, são envolvidos com a comunidade. A gente procura isso. A gente tem um grupo que está com a gente desde o começo praticamente. O artista erudito é melhor para determinadas situações, um papel específico, um trabalho específico. No nosso caso, eles já sabem o que eu penso, sabe quando a gente está discutindo, que não precisa se preocupar que não vai dar em nada. Mas a contribuição erudita para o carnaval foi muito importante. A troca é muito importante para os dois lados. Não existe esse trouxe mais ou menos, foi uma troca que deu muito certo”, comentou Hélio.
Beth, o seu trabalho com casais é reconhecido. O que você passa para eles sem mudar a dança tradicional?
“É muito importante a questão de preservar a dança tradicional. E, mais importante que isso, preservar as características de cada um. As características de um mestre-sala são totalmente diferentes das características de outro mestre-sala. E não adianta a gente querer que um mestre-sala que é super ágil seja um lorde, com uma leveza absurda, com lentidão que não vai dar certo. É muito importante a gente preservar as características de cada um, tanto do mestre-sala como da porta-bandeira. Existem porta-bandeiras mais dinâmicas, mais fortes, outras mais delicadas, mais graciosas. É muito importante para o trabalho você conseguir identificar essas características do casal e trabalhá-las da forma correta, sem modificá-las, sem que percam a sua essência. Tanto a essência da dança do próprio casal tradicional, como a sua própria essência pessoal”.
Se pudessem, o que gostariam de aperfeiçoar no quesito Comissão de Frente?
“Eu acho que na avaliação precisa ter um olhar bem apurado, bem técnico, tanto na questão coreográfica, quanto da questão do todo que está sendo apresentado com relação à escola, com relação ao enredo. Em relação aquilo que ela se propôs a passar para os jurados e para o público. Se aquilo realmente está sendo passado. A reunião com os jurados eu acho que vai ser muito importante, essa troca para os coreógrafos entenderem melhor o que eles querem ver, e também para os avaliadores entenderem as expectativas dos coreógrafos, o que eles pensam em mostrar para que seja avaliado. Às vezes a gente recebe algumas avaliações dos julgadores em que a gente não consegue identificar o que a gente precisa melhorar para o próximo ano. Ele precisa especificar o que faltou, porque senão você não consegue saber o que você precisa melhorar. Isso para qualquer quesito”, disse Beth.
Hélio: “É um espetáculo aberto, a comissão é um espetáculo que vai mudando, acho que o caminho está certo, é isso aí mesmo, dar liberdade de criação para todos. Eu não falo de jurados porque eu acho que é uma coisa muito difícil, tenho pena dos jurados porque vai tirar ponto, vai ter reclamação. Ninguém quer que falem mal do seu filho, não tem jeito. Quanto ao espetáculo tenta se dar toda a condição, abre-se a Sapucaí para a gente ensaiar, atende os horários de cada um, então não vejo diferença, talvez se fosse possível cobrir a Avenida por conta da chuva, é a única coisa que atormenta a nossa cabeça, é a chuva”, declarou Hélio.
Vocês trabalham com Renato Lage, Leandro Vieira e agora Bora e Haddad. Quais diferenças deles e intercâmbio de vocês com eles em relação ao trabalho de vocês no quesito?
“Com o Renato foi uma parceria de 11 anos, aprendi muito, eu aprendi não só de comissão, mas a visão de plasticidade, de bom gosto do carnaval. Você vê o desfile dele, a questão das cores, eu acho sensacional. Eu aprendi essa coisa de se você vai levar um elemento alegórico, que as pessoas possam ver todos os lados, que a mesma situação aconteça nos dois lados para que o público possa ver completo esse espetáculo que é feito justamente para o público. Não é para o jurado, o jurado está lá como público, mas dando uma nota. Leandro é uma pessoa que deixa a gente trabalhar. A gente conversa, tem o papo, agora trabalha e segue em frente. E aqui o Gabriel e o Léo, não dá para falar muito porque houve uma química imediata. Isso trouxe um acréscimo ao trabalho, uma positividade. Todos dando palpite, todos discutindo, se reunindo, chamando toda equipe para trabalhar sempre junto. Foi até uma surpresa quando a gente chegou aqui, um ano antes deles, e eles falaram ‘nós somos fãs de vocês’. E, eu falei para com isso! Não vai se liberar não, porque a gente envolve muito os carnavalescos. Tudo que a gente faz, o próprio Leandro que era mais reservado neste sentido, eu fazia as coisas e mandava vídeo para ele, porque o importante é esse. Até porque eles trabalham com o macro, com o todo”, disse Hélio.
“Com o Renato foi o nosso início, a gente aprendeu muito, a gente deve muito a ele e a Márcia (Lage). A gente teve uma troca muito grande com eles para conseguir acertar. Criou-se uma amizade. Aí depois aconteceu uma coisa diferente que a gente já estava na escola e o Alex chegou, o Alex Souza, já foi um relacionamento muito bom também, mas ele já confiava no trabalho, parecido com o Leandro, ele já entregava na nossa mão. Não que o Renato não confiasse, o Renato confiava muito. Mas a gente teve uma troca maior. Com o Alex a gente começou a querer essa troca também e o Alex ficou meio assustado, ‘comissão vocês não vão fazer a parte, não vão ter a ideia? Só me digam aqui que eu desenho’. E não era, a gente queria essa mesma troca com ele que ficou um pouco assustado com essa questão, mas também deu muito certo e a gente envolveu ele em todo o processo. E aí logo depois o Leandro a gente já havia trabalhado na Série A, e o Leandro é incrível e ele joga na nossa mão e fala o enredo é isso, e o que vocês acham de fazer isso? A gente, perfeito. Ele vê na Avenida, é confiança total. Às vezes tem que chamar, Leandro vem ver, vem ver se está bom. Ele é um querido também. E o Léo e o Gabi, também foi um pouco parecido com o Alex. A gente já estava aqui e eles chegaram. E aí eles falaram ‘o que vocês querem fazer?’. A gente falou não, como é o enredo de vocês para a gente entender e trocar. E aí houve essa química de imediato, e foi tão bom o trabalho e no final a troca era em tudo, não era só na comissão, e eles queriam opinião na baiana, e a gente no final, estava decorando carro com eles, colando”, declarou Beth.
Acham legal que tenha a apresentação apenas na frente do módulo de jurados ou gostariam que a análise fosse igual SP pela pista toda?
“O que eu gostaria é que realmente você fosse avaliado na pista toda porque a gente quer fazer o trabalho para o público para todo mundo, só que como tem essa questão dos módulos a gente é obrigado a parar e se apresentar. E às vezes não dá tempo de a gente reverter o processo e recomeçar para fazer para o público e depois reverte para fazer para o público. Acho que isso engessa muito”, comentou Beth.
“Acho que tem que ser muito bem avaliado isso. Já foi assim. Porque também é complicado você evoluindo sempre e você parar onde você quiser para fazer uma apresentação. Fica igual ao módulo. Chegou a um ponto em que se espera aquele local onde as comissões podem parar e executar seu trabalho, sai e o casal de apresenta, refaz toda a comissão. E o problema maior da comissão de frente não é você provocar um efeito, é você voltar, desmontar aquilo que você montou ali na frente para você montar e se apresentar de novo mais à frente. Acho que tem que ser muito bem avaliado uma mudança. No Rio de Janeiro a gente andaria um passo para trás, eu acho. Você avaliando uma comissão só passando, você não terá mais esses efeitos tão mirabolantes”, declarou Hélio.
A Grande Rio vem com apresentados enredos fundamentais para sociedade. Como isso mexe com o trabalho artístico de vocês?
“Não foi uma exigência, mas foi uma das coisas que a gente colocou aqui na escola para que a gente também estar ajudando nisso. Porque a gente tem que ser claro. Quando a gente não estava aqui, a gente ouvia toda uma história sobre a Grande Rio global. Quando a gente chegou aqui, cadê os globais? Mas ainda assim, havia uma necessidade de um resgate da escola e a gente começou a conversar com os presidentes, a gente começou a ajudar nesse sentido. E sobre os enredos, os dois últimos, fala-se muito ‘ah está falando de novo’, não é de novo, é um assunto inesgotável, ele precisa de muito tempo para se falar sobre ele. Sobre essa questão do preconceito religioso. Porque o Exu nada mais é que o popular. Isso é muito importante. Desmistificar esse preconceito religioso com a figura do Exu. E é importante a gente também carnavalizar, mostrar essa coisa do povo, da Estamira mesmo”, declarou Hélio.
“Não era nada disso que falaram, ou que a gente esperava encontrar, era uma comunidade linda no ensaio de rua. E o Joãozinho da Gomeia foi um enredo que foi ao encontro da comunidade, toda essa questão da religiosidade, toda essa questão cultural. Toda essa questão do preconceito religioso. Eu acho que isso foi muito forte para a comunidade também. E agora a gente vem com um enredo muito forte, ligação com o lixão lá de Caxias, tem a questão da Estamira, toda essa questão de dar voz aos que não tem voz, aos que a sociedade hoje não enxerga, e isso para gente é muito forte, é muito poderoso para gente trabalhar com essas relações, com essa questão da visibilidade para o mundo, conseguir emplacar isso. Foram dois enredos no ponto, certeiros”, disse Beth.