Um ótimo ensaio técnico da bateria do Império Serrano, comandada por mestre Vitinho. Um ritmo da “Sinfônica do Samba” de boa equalização e equilíbrio. Tanto faz o ponto onde se estivesse na bateria do Império, era possível conferir qualquer naipe que fosse, graças a boa distinção entre os timbres. Isso possibilitou uma fluência rítmica considerável entre as mais diversas peças.
Uma bateria “Sinfônica do Samba” com sua levada clássica foi percebida. Com sua afinação de surdos tradicionalmente pesada, seus marcadores de primeira e segunda foram exímios durante todo o ensaio. Os surdos de terceira contribuíram com um balanço simplesmente irrepreensível. As caixas de guerra, com sua histórica batida rufada, reinaram musicalmente. O complemento dos naipes médios ainda contou com uma ala de repiques acima da média e bem coesa.
Na cabeça da bateria do Império, uma ala de cuícas segura foi notada. Assim como um naipe de chocalhos altamente técnico, que tocou de forma integrada com uma ala de tamborins esplêndida. É possível dizer, inclusive, que o tamborim imperiano parecia um só durante todo o cortejo do Reizinho de Madureira, exibindo um desenho rítmico bastante ligado ao samba-enredo do Império Serrano. As peças leves ainda contaram com o luxuoso complemento do histórico, além de absurdamente musical, agogô da Serrinha. Na parte da frente do ritmo também foi possível perceber atabaques, que adentravam o corredor da bateria para a realização de bossas, utilizando duas baquetas, fazendo referência ao Aguidavi sagrado.
As bossas da “Sinfônica” eram plenamente inseridas no enredo de vertente africana da escola. Eram arranjos de elevado grau de dificuldade de execução, além de bastante complexidade. A bossa musicalmente mais atraente era a da cabeça do samba, que mesmo extensa, foi bem executada durante todo o treino. Além do êxito cultural de conectar a sonoridade ao tema da agremiação, é importante ressaltar que a bateria do Império Serrano foi ovacionada por onde se exibiu.
Mestre Vitinho e toda a bateria do Império estão de parabéns pelo grande ensaio técnico, ao exibirem um ritmo consolidado e conectado ao enredo da verde e branco de Madureira. Uma “Sinfônica do Samba” caminhando para mais um desfile de alto nível foi apresentada.
Um ensaio técnico muito bom da “Fiel Bateria” da São Clemente, sob o comando do estreante mestre Marfim. Um ritmo bem integrado às tradições musicais clementianas, sem abrir mão por exemplo, da clássica e genuína subida de quatro dos surdos. Uma sonoridade equilibrada foi exibida.
Uma parte de trás do ritmo com a tradicional afinação de surdos clementiana mais pesada foi notada. Marcadores de primeira e segunda foram seguros durante todo o ensaio. Assim como os surdos de terceira garantiram o bom balanço complementando os graves. Já pelos naipes médios, repiques coesos tocaram de forma integrada à caixas de guerra de virtude musical, garantindo uma sonoridade de destaque.
Na frente do ritmo da “Fiel Bateria”, uma ala de cuícas correta tocou entre um naipe de chocalhos eficiente e uma ala de tamborins de qualidade técnica, que executou uma convenção rítmica pautada pela melodia do samba-enredo clementiano.
Com bossas simples, mas altamente funcionais, a apresentação dos arranjos ao público garantiu uma interação bem bacana, principalmente numa paradinha onde a bateria se abaixava no refrão do meio, que foi bastante aplaudida pelos presentes. As bossas se aproveitavam da melodia da obra da agremiação de Botafogo para consolidar o ritmo com pressão. Embora não fossem complexas, é possível dizer que provaram seu valor com impacto sonoro, sem contar o aspecto dançante presentes nos arranjos.
Uma “Fiel Bateria” bem ajustada e equilibrada para o desfile foi apresentada, sob a regência de mestre Marfim. Os ritmistas da escola preta e amarela do bairro de Botafogo têm motivos de sobra para saírem felizes do treino caprichado que realizaram, além de confiantes na almejada nota máxima para o próximo Carnaval.
Uma excelente apresentação no ensaio técnico da bateria “Swing Puro” da Acadêmicos do Vigário Geral, comandada por mestre Luygui. A escolha foi por um ritmo atrelado ao enredo da escola. Ritmistas, em sua maioria, usavam vestimentas juninas, assim como as bossas esbanjavam nordestinidade.
Na cozinha da bateria, uma afinação extremamente acima da média foi percebida. A distinção entre timbres se manteve muito bem definida, o que ajudou na integração musical de todo o ritmo da “Swing Puro”. Marcadores foram seguros e firmes durante o cortejo. Surdos de terceira contribuíram no balanço da parte traseira da bateria da Vigário. Caixas de guerra e taróis ressonantes deram consistência musical aos naipe médios, que ainda contaram com repiques coesos e com nítida virtude sonora.
Na parte da frente do ritmo, um naipe de cuícas de qualidade e uma ala de agogôs eficiente , com uma convenção rítmica baseada nas nuances do samba ajudaram no preenchimento da sonoridade das peças leves. Um naipe de chocalhos de nível técnico incontestável tocou de forma entrelaçada com uma ala de tamborins de bastante qualidade, que executou um desenho rítmico que mesmo com certa complexidade, se mostrou funcional pela Avenida.
As bossas da bateria da Vigário Geral usavam a seu favor a pressão provocada pelas marcações pesadas. Uma musicalidade de profundidade foi apresentada, com destaque pela nordestinidade presente nos arranjos, sendo o principal deles a bossa do refrão principal com um ritmo junino explosivo, envolvente e dançante. Durante as passagens também foi possível constatar nuances rítmicas interessantes e de bom gosto, demonstrando versatilidade.
Um ensaio técnico que mostrou uma bateria “Swing Puro” praticamente pronta para o desfile oficial. Bossas juninas se mostraram funcionais, tanto no ritmo, quanto para canto e dança dos componentes. Mestre Luygui saiu da Avenida certamente orgulhoso do treino grandioso da bateria da Vigário Geral na Sapucaí.
A bateria do Sereno de Campo Grande de mestre Vinícius fez um um ensaio técnico correto, que foi melhorando do meio para o final, conforme convenções e bossas foram sendo mais executadas e aprimoradas durante o cortejo.
Na parte traseira do ritmo da bateria “Swing da Coruja”, uma boa afinação de surdos foi notada, sendo o destaque o agudo da segunda. Os marcadores apresentaram bastante firmeza, enquanto ditavam o andamento, por vezes um pouco excessiva, o que ocasionou em leves desajustes principalmente quando a bateria se locomovia pela pista. É um momento onde todos que tocam surdo devem redobrar a atenção enquanto andam, evitando assim desajustes sonoros. Importante ressaltar que essa instabilidade não ocorreu quando o ritmo estava parado. O balanço dos surdos de terceiras foi eficiente, inclusive com participação conceitual importante em bossas. Nos naipes médios, caixas de guerras corretas foram percebidas, com repiques que em menor quantidade ressoavam menos, fato que ainda pode ser tranquilamente contornado acrescentando mais ritmistas no naipe, buscando um preenchimento mais consistente na sonoridade.
Já na cabeça da bateria, uma ala de cuícas funcional tocou junto de um naipe de agogôs eficaz, que pontuou a melodia do samba com eficiência rítmica. Uma ala de chocalhos com bom volume auxiliou no complemento das peças leves, assim como uma boa ala de tamborins executou um desenho rítmico funcional, baseado nas nuances da melodia da obra da escola de Campo Grande.
As bossas buscavam o impacto musical através das variações melódicas do samba-enredo, tentando usar a seu favor a pressão das marcações. De maneira geral, é possível dizer que suas execuções foram melhorando ao longo de toda pista, conforme a maioria dos ritmistas foram assimilando de forma orgânica e apresentando fluidez na hora de fazer os arranjos.
Pode ser dito que foi um treino positivo para bateria “Swing da Coruja” do Sereno de Campo Grande, comandada por mestre Vinícius. Agora é focar nos detalhes e ajustes finais para fechar a temporada com louvor, em busca da nota máxima.
Zé Paulo Sierra tem história na Sapucaí. Depois de nove anos na Viradouro, agora ele assumiu o microfone da Mocidade Independente de Padre Miguel, marcando o carnaval sendo a voz de um samba que se transformou em um hit, explodindo nas plataformas de áudio por todo Brasil. Com o samba da Mocidade para 2024 voando alto, o CARNAVALESCO entrevistou o cantor para saber um pouco mais sobre o samba, o ensaio técnico e a parceria com mestre Dudu.
Você acha que já pode cravar que o pré-carnaval desse ano já lavou a sua alma após o ano de 2023?
“Já! Até agora a gente e Porto da Pedra fomos as únicas que ensaiamos. Não foi debaixo de chuva, teve o problema do som, mas acho que o contexto do ensaio, comunicação com o público, a própria escola cantando, a bateria mesmo com a dificuldade de entendimento com o carro de som que não funcionava, o comportamento do carro de som, a gente fez um trabalho dentro da possibilidade. Na minha opinião, muito bom. Agora a gente tem essa segunda chance, é mais uma chance de lavar a alma de novo. Com previsão de chuva, vamos ver se realmente os ensaios vão ser confirmados, pela meteorologia caiu muita chuva a partir de sábado e domingo, mas estamos feliz para caramba, isso que importa”.
Quando que você percebeu que o samba desse ano de 2024 iria viralizar? Você teve essa percepção?
“Na verdade, a gente sempre achava que o samba poderia ter um alcance grande, uma aceitação muito boa, até porque a gente conviveu mais tempo com o samba nas eliminatórias. Mas, confesso que chegar ao ponto que chegamos: primeiro lugar no Rio de Janeiro em uma noite de Réveillon, décimo lugar no Spotify Brasil, é uma surpresa, acho que para todo mundo e um privilégio para o carnaval. A gente tem um samba como protagonista na música popular brasileira. É muito bom para a gente, mas aumenta a nossa responsabilidade. De fato é um privilégio para os sambistas”.
O departamento de marketing da Mocidade é muito elogiado, qual é o tamanho da importância desse trabalho para a Mocidade como um todo?
“Acho que o Bryan (Bryan Clem, diretor de marketing da Mocidade) comanda o departamento de marketing, que é um trabalho fundamental na projeção do que vem acontecendo. É claro que tudo acontece de maneira muito louca, porque você dorme em um dia, no dia o samba está viralizado, são coisas que a gente não vai saber explicar nunca, mas acho que o marketing da Mocidade é muito importante dentro da própria Mocidade e também para estourar essa bolha do carnaval. Eles tem muita ideia, são uns caras muito criativos, acho que isso é bastante importante para o carnaval, é uma forma de fazer marketing diferente, eles acertam em cheio”.
Você falou um pouco sobre o carro de som, vocês acham que se ajustou tudo que tem que se ajustar nesse sentido para o ensaio que vai ter agora, a expectativa de que o carro de som vai estar melhor?
“A gente vai saber no dia. É a primeira vez que a gente vai testar esse carro. Se der tudo certo, não tiver nenhum problema com chuva, de não colocar ninguém em risco, a gente vai testar esse carro no domingo. Como seremos a primeira, teremos a responsabilidade de testar o caminhão, mas acredito que a Liesa deve ter tomado as providências cabíveis. A Century é uma empresa tanto de som quanto de estúdio que é bem gabaritada no mercado, grava os melhores. Já captou o som esse ano da gente da gravação de áudio das faixas, então acredito que a gente vai ter uma condição melhor sim”.
Durante o ensaio falaram que você teve a coragem de falar que o som estava seguindo ruim. O que você pensa desse momento?
“No carnaval, isso serve para a imprensa também, tem muita gente omissa, puxa-saco, parcial e com medo de falar coisas para o bem do carnaval, e isso é muito ruim. Porque quando você emite uma opinião crítica para o bem é para o bem comum. Não tenho nada contra ninguém, acho inclusive que o Rick (Ricardo Mello, fundador da Rick Sound) já contribuiu muito para o carnaval, isso merece ser exaltado, mas é porque eu gosto do Rick, que eu tenho um carinho por ele que se tiver alguma coisa ruim a gente tem que falar, até para que ele possa melhorar também. Acredito que aquilo possa ter sido uma fatalidade e ele possa, daqui para frente, melhorar o trabalho dele. Quando eu falei do som jamais foi com o intuito de tirar ninguém. Essa parte de tirar já não cabe a quem falou, cabe a quem comanda, então se eles decidiram por isso é uma resolução deles. As coisas têm que ser faladas sim, com respeito, emitindo opinião sem ofender ninguém para que o carnaval cresça, porque é isso que a gente quer. A gente ama o evento, a gente ama o samba, o carnaval e a gente quer ver melhor sempre, então quando a gente fala alguma coisa é para melhorar, sem ofender ninguém, é claro”.
A sua relação com o Dudu ela parece estar muito bem, super tranquila. Como é que foi o seu encaixe com a bateria?
“O Dudu é um cara incrível. Além de um talento ímpar, tem essa bateria na mão. Filho de quem é, do mestre Coé. Um cara que vive Mocidade, cresceu na Mocidade, conhece muito e é muito fácil trabalhar com ele, porque é um cara que ouve muito, também ouço muito o Dudu. A gente tem uma relação boa de carinho um com o outro, é o que eu falo, a gente quer sempre o melhor do outro. Se o Dudu vê alguma coisa errada no carro de som que ele acha que pode melhorar para funcionamento da bateria ele fala com a gente. Se a gente acha que tem alguma coisa ali que pode melhorar para funcionamento… você está vendo agora aqui a gente falando coisas que a gente possa colocar até para não atrapalhar, porque o chocalho faz um movimento que a gente não quer que atrapalhe a sanfona. A gente está sempre ligado um no outro para que as coisas aconteçam da melhor forma possível. Dudu é um querido, merece tudo de bom. Bateria faz um trabalho incrível, ensaiam demais. Uma bateria que tem que ser muito respeitada, porque ainda mantém as tradições da sua fundação. É um privilégio muito grande cantar com a ‘Não Existe Mais Quente'”.
Tradicionalmente, o primeiro ensaio técnico da Mancha Verde é utilizado pela escola como uma espécie de descompressão e para reconhecimento do Anhembi. Não foi diferente nesta sexta-feira, quando a agremiação estreou no Sambódromo no ciclo para o carnaval de 2024. Vale destacar a comissão de frente da agremiação, que mostrou-se bem diferente de boa parte das coirmãs ao apresentar o enredo “Do nosso solo para o mundo: o campo que preserva, o campo que produz, o campo que alimenta”, que será a sexta a desfilar na sexta-feira de carnaval (09 de fevereiro).
Fotos de Fábio Martins/CARNAVALESCO
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Comissão de frente
Primeiro segmento da escola, os componentes surpreenderam em muitos aspectos. O traje, inteiro branco, remetia a uma influência afro – e a presença de uma participante vestida como uma baiana e de um dançarino interpretando Okô, o orixá da agricultura (com direito até mesmo a uma flauta) apenas reforça tal percepção. Outro ponto de surpresa foi a coreografia, bem independente em relação ao samba, exigindo muito mais que uma passada da canção para ser executada em sua plenitude. Por fim, ao invés de tripés que mais parecem uma alegoria pela imponência, a agremiacão optou por um elemento bem discreto, servindo de apoio para algumas bacias – que, em dado momento, são pegas por alguns dos integrantes. A primeira impressão manchista não poderia ser melhor.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Dos casais mais premiados do carnaval paulistano, Marcelo Silva e Adriana Gomes, mais uma vez, encantaram os presentes no Sambódromo. Em tons alviverdes, ambos seguiram a segurança e a prudência, em giros com velocidade mais cadenciada. Em cada movimento coreográfico, porém, era nítido o quanto ambos estão bem ensaiados: até mesmo as piscadas de olho para o público eram dadas simultaneamente.
Mesmo ciente do bom trabalho que fez, Marcelo aproveitou para destacar as reformas pelas quais o Anhembi está passando. “É o décimo primeiro ano juntos, e a gente sempre teve a consciência de que ensaio é para errar inclusive, errar para a gente sentar e conversar, mas eu estou saindo muito sossegado e tranquilo. É óbvio que a gente tem sim que conversar, mas foi um dos primeiros ensaios em que a gente saiu mais tranquilos. A escola deu um suporte para a gente. O nosso suporte de ensaio, o nosso suporte de apresentação para o jurado, cumprindo todos os critérios que a gente precisa cumprir para o jurado na frente do jurado. De verdade, eu saí tranquilo. Eu estou surpreso com a Avenida. A impressão que eu tive é que ela está mais alta, e eu acho que ela tem um desnível e isso me preocupa um pouco. A gente está de fantasia e me preocupa enquanto a minha porta-bandeira está de saia. Eu acho que a gente vai ter que ter uma certa atenção, mas acredito que até o dia do desfile eles vão acertar as coisas. Ela me olha e eu sei do que ela está precisando, ela me olha e ela sabe do que eu estou precisando, e a gente vai adaptando. Nós estamos saindo tranquilos, mas não sossegados. A gente tem sim conversar, a gente tem sim que continuar trabalhando para chegar no dia do desfile prontos”, disse.
Adriana concordou com os pontos abordados pelo parceiro de segmento. É o primeiro ano que a gente sai do primeiro ensaio tão bem. A gente teve que fazer algumas mudanças na coreografia depois que a gente veio para cá. A gente muda a coreografia na quadra e depois que traz para cá tem que mudar um pouquinho, e quando a gente coloca a fantasia muda mais um pouquinho. Acho que tudo encaixou bem. Acho que para o primeiro foi leve, foi tranquilo. Santa Clara nos ajudou, minha santinha, que a chuva não veio, então eu estou saindo muito feliz. Com o critério que teve umas mudanças, acho que a gente conseguiu fazer todos os balizamentos que o critério pede com os novos módulos em vez de cabines. Acho que rolou, acho que deu certo. A gente veio com os sapatos apropriados para a pista que a gente estava acostumados antes, então quando a gente sente que ela está diferente daquilo que a gente está acostumado a gente faz algumas adaptações nos passos. Mas quando a gente tem um par de confiança a gente pode fazer passo novo que a gente vai fazer o passo certo”, notou.
Samba-enredo
Alvo de diversas críticas ao longo de todo o ciclo carnavalesco, a canção foi executada de maneira bastante cadenciada ao longo de todo o percurso, com a Puro Balanço sustentando muito bem o ritmo – e com boa quantidade de apagões e miniapagões. Vale destacar que Freddy Viana, intérprete da escola, teve atuação bastante sóbria, sem fazer muitos cacos.
O próprio intérprete destacou a busca pela nota máxima por conta da canção. “Gostei do desempenho do samba, sim. Para falar a verdade, a Mancha sempre cantou muito. Se você acompanhar os ensaios da Mancha na quadra, é uma coisa absurda mesmo: deixa muitas pessoas com lágrimas nos olhos. A gente fica muito feliz por termos a comunidade na mão, que canta e sabe o que tem que desempenhar na avenida, o papel que ela tem que fazer para a escola tirar nota dez em Harmonia”, pontuou.
Sobre as críticas à obra, Freddy afirma que foca na escola e não dá muita atenção para o que o mundo do samba está falando. “A gente deixa para lá os comentários e fazemos o nosso trabalho. O que sabemos é que o samba vai crescer na nossa mão. Os críticos sempre vão falar de um samba ou outro, mas o samba da Mancha é muito leve e fácil de cantar. A comunidade aderiu a ele. O que dizem a gente nem absorve: o que a gente sabe é que faremos um grande trabalho com o que temos em mãos. A comunidade abraçou esse samba e está falando que não tem samba ruim na Mancha, não. Se está na escola, é bom”, ejactou-se.
Harmonia
Ao longo de todo o ensaio técnico, o canto foi bastante irregular. Os refrões e os primeiros versos logo após os mesmos eram cantados com força pelos componentes; mas, pouco depois, o vigor vocal rareava. É importante destacar duas alas que tiveram destaque em tal aspecto: os componentes que vinham antes e depois do segundo carro tiveram desempenho bem satisfatório e mais forte que as demais.
Evolução
Ao longo do desfile inteiro, chamou atenção o quanto a agremiação tinha um andamento, além de bastante uniforme, cadenciado. O ponto negativo foi o recuo de bateria, que deve exigir atenção da instituição carnavalesca. Se o movimento foi muito bem executado pelos ritmistas, que adentraram o box quando a ala da frente estava ainda na metade do espaço, os componentes do grupamento seguinte tiveram certa morosidade para ocupar o espaço aberto. Ao final do movimento, que durou cerca de 140 segundos, foi possível notar que staffs da agremiação pediram para que os componentes seguissem sem se movimentar por mais alguns minutos.
Paolo Bianchi, diretor de carnaval da agremiação, exaltou o que foi feito pela escola da Zona Oeste, “Tudo que a gente programou aconteceu. Duas horas antes estava caindo o mundo de chuva aqui em São Paulo, mas 80% da escola estava aqui pela contagem que a gente fez. Escola cantou, primeiro ensaio, pessoal está voltando de férias, mas funcionou o canto. O andamento foi fantástico. No rádio a gente falou aqui que foi o melhor ensaio da história em termos de andamento. É só não se empolgar muito e voltar para quadrar e trabalhar mais”, comemorou.
O controle do período para ensaia também foi destacado por Bianchi. “A disciplina da galera. A gente fez muitas reuniões desde agosto com componentes já explicando algumas coisas que não foram legais ano passado e claramente os diretores de ala assimilaram o que a gente falou e foi o relógio. Foi a maior parte positiva. As coisas que combinamos com todo mundo funcionou. As pessoas se dedicaram e tiveram disciplina. O ponto alto foi a nossa organização”, afirmou.
Outros destaques
Juntamente com os primeiros diretores da agremiação, o Manchão, mascote da escola, veio em um monociclo batucando um tambor – tudo isso de pelúcia. A ala das baianas veio inteira em tons de verde.
A marcação dss alegorias foi feita com quatro caminhões de um hortifruti parceiro da escola. O calçado de ao menos duas passistas teve problemas e ambas vieram descalças na passarela.
Os dois casais mirins da agremiação merecem destaque. Com muitos giros e dançando bastante, ambos estavam bem sincronizados e expressivos. Na “Mais Querida”, o quesito está com o futuro garantido.
Bastante cadenciada, a bateria Puro Balanço foi, pela primeira vez em um ensaio técnico, comandada pelos mestres Cabral e Viny. E ambos gostaram do desempenho dos ritmistas. “A gente é muito chato, para dizer a verdade. A gente diz bastante até para a nossa bateria que o trabalho é de formiguinha, nunca estamos muito satisfeitos com o trabalho. A gente é incrível, nós dois somos muito iguais. Acho que a gente vai estar satisfeito daqui uns 30 anos talvez. A bateria, às vezes, tem um grande desempenho, mas sempre a gente acha que tem que ter um quê a mais. Sempre acha que talvez a afinação, talvez a caixa, sempre a gente acha que falta um pouquinho e isso já é de nós. A gente sempre está buscando alguma coisinha de perfeição, e para a gente nunca vai estar perfeito”, destacou Viny.
O companheiro dele seguiu a mesma linha. “Estamos com várias ideias. Foi o que o Vini acabou de falar, a gente é muito perfeccionista, a gente quer sempre fazer o melhor. A gente sempre acha um erro ali, um erro aqui, e às vezes não é nem tanto erro, mas para a gente é muita coisa e estamos procurando sempre acertar. A gente não consegue chegar à perfeição, é difícil demais, mas a gente consegue botar no padrão legal para que a gente possa alcançar o objetivo junto com a escola. O nosso trabalho começou agora, a gente vem de uma continuidade, mas a gente tem a nossa cara e quer botar a nossa identidade um pouco na Puro Balanço. Demora, daqui a uns três, quatro anos a gente acha que a gente consegue já deixar um padrão legal na bateria. Hoje foi o nosso primeiro ensaio técnico do Anhembi como mestres e foi logo um geral, e a gente gostou, mas sempre com uma pontinha de que algo poderia ser melhor. De uma maneira geral a gente, quando chegar em casa, vamos escutar os vídeos e vamos estudar tudo porque a gente na frente não tem muita referência do que vem do peso, tá muito leve na nossa frente, mas a gente vai estudar. A diretoria de capacidade vai conversar com a gente, a gente vai entrar num acordo ali para ver o que a gente pode fazer de melhor já para o próximo ensaio”, pontuou.
Quando perguntados sobre qual foi o ponto forte dos comandados, Viny focou na atmosfera criada pelos ritmistas. “Eu acho que o entusiasmo da bateria, a alegria. A gente achava até que a bateria estava num clima até mais pesado, mas bateria está num clima leve e isso para a gente é até gratificante. Como o Cabral disse, foi o nosso primeiro ensaio aqui e querendo ou não é um peso, não é fácil. Uma escola de porte que é a Mancha Verde, num Grupo Especial. Uma escola que faz um grande carnaval todo ano e sempre vem brigando por título, e a gente está com essa chance, com essa oportunidade nesse cargo e nessa escola, nessa bateria que é a Puro Balanço. É um grande peso para todo mundo, e acho que é gratificante para a gente e para eles”, afirmou.
Cabral, por sua vez, deu outro detalhamento. “Só para dar um adendo aqui. Quero agradecer a Puro Balanço. A gente sempre agradece todos os dias, em todos os ensaios, mas mais uma vez, agradecer publicamente para todos verem que nós somos muito gratos a todos esses ritmistas. O clima é muito leve, a gente vem pedindo desde maio. Só agradecer a eles e ao presidente Paulo Serdan porque é uma responsabilidade muito grande no lugar que a Mancha está hoje ele apostar em dois iniciantes. Isso ele teve peito e a gente vai junto com ele, vai botar a cara e vai fazer o melhor para a bateria Puro Balanço e para a Mancha Verde”, finalizou.
A Nenê de Vila Matilde fez na sexta-feira seu primeiro ensaio técnico em preparação para o desfile do Grupo de Acesso 1 do Carnaval 2024 de São Paulo no Sambódromo do Anhembi, com destaque para o bom desempenho da comissão de frente e do casal de mestre-sala e porta-bandeira. A Águia da Zona Leste será a terceira escola a se apresentar no dia 11 de fevereiro com o enredo “Cirandando a vida pra lá e pra cá. Sou Lia, sou Nenê, sou de Itamaracá”.
Fotos de Fábio Martins/CARNAVALESCO
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Comissão de Frente
A comissão de frente da Nenê chamou atenção logo de cara, ao se posicionar para ensaiar totalmente fantasiada, se apresentando em dois atos ao longo de duas passagens do samba. Uma criança parecia representar a homenageada da escola, Lia de Itamaracá interagindo em um primeiro momento com personagens vestidos de pescadores e em outro com animais marinhos que dançavam sob um grande tapete azul simbolizando o mar. O grupo cênico demonstrou um claro modo de atuar lúdico, dando leveza à abertura da escola e chamando a atenção do público.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Nenê, formado por Cley Ferreira e Thayla, tiveram uma atuação agradável de se presenciar. Com passos de dança alternando entre o tradicional do quesito e o ritmo do samba, a dupla cumpriu diante do módulo em que foi observado os diferentes elementos exigidos sem falhas, e mesmo diante do vento que impôs desafio adicional à Thayla, ambos conseguiram transmitir sincronia e elegância com seus passos. Se mantiverem o bom desempenho observado, podem trazer as notas que a escola almeja para alcançar seus objetivos.
Harmonia
A comunidade da Nenê demonstrou ao longo do ensaio disposição para cantar e defender o pavilhão matildense, o que ficou explícito no empenho e alegria demonstrados com destaque para a animada ala das baianas. O andamento da parte musical, porém, causava dificuldades em diferentes pontos da letra para parte dos componentes, em especial na primeira parte do samba que contêm diferentes versos com muitas palavras. Essa dificuldade de cantar o samba causou prejuízos ao canto como um todo, que foi irregular ao longo da passagem da escola.
Evolução
Foi outro quesito seguro da escola. Ao longo da passagem foi possível observar as alas com compactação adequada, sem grandes espaçamentos entre elementos. É possível haver até mais espaço para destaques e casais para que possam evoluir com mais leveza, mas as alas não serão problemas para a escola caso a condução das alegorias siga dentro do esperado.
Samba-enredo
Destaque na boa safra do Grupo de Acesso 1, o samba da Nenê de Vila Matilde se apresentou no primeiro ensaio de forma deveras acelerada. O ritmo imposto a uma obra que na faixa oficial do CD aparenta estar mais cadenciado foi o principal responsável pela dificuldade da comunidade em cantar o samba com maior clareza. Certamente é o quesito que precisa de mais atenção para correções no segundo ensaio, com a ideia de cadenciar mais o andamento sendo uma possibilidade para resolver o problema.
Um tema delicado atualmente, mas necessário ser abordado diz respeito às afinações das peças. Cada instrumento de uma bateria recebe um tipo de afinação, normalmente vinculado a tradição musical da própria agremiação. Os surdos culturalmente representam as afinações mais vinculadas ao DNA rítmico de cada escola. No Salgueiro, por exemplo, o peso das marcações fascina pelos dois extremos, um surdo de primeira bastante grave, com uma resposta mais aguda da segunda bem forte. A primeira marcação mangueirense, com timbre grave também encanta e é uma herança musical de longa data em Mangueira. Já na Mocidade Independente, a inversão das afinações em relação às demais escolas faz com que a primeira ecoe de forma aguda, enquanto a resposta do surdo de segunda deixa grande parte do ritmo com um aspecto de timbre grave.
Esse breve resumo só relatou sobre algumas peculiaridades musicais de cada bateria envolvendo afinação de surdos. E o intuito principal da coluna está longe de ser sobre afinação somente de marcações. É passar exatamente uma visão geral de um problema que tem passado despercebido em inúmeros ritmos, a importância de aperfeiçoar e potencializar a afinação de cada naipe, visando atingir o máximo possível para que sobressaia o conjunto.
Peças bem afinadas representam a possibilidade de entregar musicalmente o melhor individualmente, o que necessariamente acaba impactando num conjunto rítmico que ressoa de forma mais eficiente, aproveitando todo o potencial possível de cada naipe. Um surdo de terceira bastante apertado praticamente não ressoa, por exemplo. Isso vai impactar na produção de cada ritmista da terceira, afetando também a sonoridade final de todo o naipe, que poderá ser pouco percebido por julgadores e público, gerando um ritmo deficiente em balanço.
Repiques apertados além da conta praticamente não produzem som e podem representar uma inconsistência musical nos naipes médios. Assim como as caixas de guerra, que com uma afinação que por vezes caminham mais para o médio-agudo, não irão auxiliar na percepção do complemento musical por parte dos médios. A atenção deve ser redobrada com baterias que usam caixas vazadas, que já são puxadas para o timbre agudo de modo natural. Sobre caixas e taróis, inclusive, vale lembrar que bordões em excesso podem dificultar que o médio sobressaia como se deve.
Tirar o potencial máximo da sonoridade de cada naipe individualmente pode representar, no conjunto, uma fluidez rítmica cada vez mais notável. Essa fluência pode ser obtida através de afinações que permitam uma propagação sonora diferenciada para cada naipe. O próprio efeito musical de consistência e integração rítmica pode residir em se aproveitar melhor do timbre de cada peça, alcançando um famoso jargão popular no universo das baterias, com um “ritmo que está com tudo no lugar”.
O equilíbrio, sem dúvida alguma, é o desejado e almejado produto final de uma bateria de Escola de Samba. E o equilíbrio rítmico é representado, sobretudo, através da consistência obtida pela fluência plena entre todos os naipes. É conduzir a bateria para uma sonoridade perfeitamente enxuta, indicando que o samba e o ritmo possuem integração musical praticamente orgânica, como se tivessem nascido um para o outro. Isso é ainda mais potencializado por uma equalização de excelência, que consegue evidenciar as distinções entre os mais variados timbres presentes no ritmo. Tem sido um caminho natural de inúmeras baterias criarem arranjos musicais que deixam evidentes as diferentes afinações de surdos, durante a execução de uma bossa. Isso só é possibilitado graças a um trabalho diferenciado de equalização, que permite que a boa definição entre os timbres mais diversos seja musicalmente notada.
Importante ressaltar, portanto, que é vital a contínua conferência das afinações de surdos ao longo de todo o desfile da bateria. Caso contrário, até a sonoridade das bossas que utilizam diferenciação de timbragem como diferencial deixarão a desejar. E ainda que não ocorram arranjos musicais desse tipo é prioridade rítmica uma afinação de surdos que permita a manutenção de andamento, o balanço das terceiras em evidência, além da propagação da pergunta (primeira) e da resposta (segunda) consistentemente. Afinadores de surdo são os autênticos e verdadeiros cardiologistas do ritmo! Esse texto é gentilmente dedicado ao eterno e saudoso mestre Cláudio Cardoso, o exímio afinador de surdos Claudinho Meião.
Após um desfile do centenário em que pouca coisa funcionou, e depois de muitos problemas, a Azul e Branca de Madureira amargou um décimo lugar em 2023. Por isso, a Portela mexeu um pouco em suas peças e teve como grande mudança a direção artística de seu carnaval. Nos últimos anos, a águia centenária vinha trabalhando com profissionais experientes e já vitoriosos no carnaval carioca, como foram os casos do casal Renato e Márcia Lage, Rosa Magalhães, Paulo Barros e Alexandre Louzada. Para o próximo desfile há uma clara mudança de perfil ao apostar nos carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga. André assinou seu primeiro carnaval no Grupo Especial em 2023, quando dividiu o comando da produção do desfile da Beija-Flor com Alexandre Louzada. Já Gonzaga, foi ainda além, o desfile passado do Arranco do Engenho de Dentro, que manteve a escola na Série Ouro, foi o primeiro assinado pelo carnavalesco que agora chega em Madureira para, com certeza, um dos maiores desafios da sua curta carreira. A dupla falou sobre esta oportunidade na Majestade do Samba e de como entendem essa mudança de perfil da centenária de Madureira.
Fotos: Lucas Santos/CARNAVALESCO
“A Portela sentiu que precisava de uma mudança não só em seu visual, acho que nem é essa questão, pois cada artista tem a sua linguagem, e eu e André chegamos e colocamos a nossa linguagem a serviço da Portela, mas acho que a Portela sentiu uma necessidade de repensar a forma dela de fazer carnaval discursivamente, estruturalmente e plasticamente. A gente está agradando, mas isso é um processo que passa por todos os profissionais da Portela, todo mundo está fazendo parte deste trabalho coletivo e a gente caminha junto, e o desfile a gente espera que seja um resultado desse processo” , entende Antônio.
“Tem muito essa coisa da roupagem, não é intencional da nossa parte estar mudando a Portela, acho que é intencional da Portela nos trazer para fazer tudo que a gente sabe fazer, essa nova roupagem não é uma intenção nossa, a Portela trouxe para que a gente desenvolvesse o que a gente sabe de melhor, o que a gente pode oferecer de melhor para a Portela e a gente está muito feliz com tudo, com essa liberdade de fazer, com um incentivo de fazer, que não parte só da diretoria, mas parte dos próprios portelenses. É muita escuta antes de produzir, é muito carinho, são muitas conversas boas com a escola, entendendo também o que as pessoas querem de Portela e isso para gente é algo que dá base e segurança para continuarmos o que estamos produzindo sem ficar pensando se isso é bom ou não, a gente está muito seguro de fazer este carnaval para a Portela”, esclarece Rodrigues.
Liderado pelos carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage, o desfile do centenário até contou com uma abertura impactante e emocionante, mas o sonho virou pesadelo após a apresentação da escola ser afetada pelos problemas na pista. Mas tudo isso ficou no passado, para a nova dupla de carnavalescos da agremiação, o resultado adverso do desfile de 2023 só influenciou na possibilidade da chegada dos artistas. O que aconteceu na Passarela do Samba no ano passado, segundo os profissionais que agora comandam o projeto artístico da Azul e Branca, em nada vai influenciar no trabalho para o desfile deste ano, como salienta André Rodrigues.
“Toda essa situação, acredito que permitiu que a Portela se abrisse a outras ideias. Mas isso em momento nenhum foi um fato para a gente. Nós chegamos para produzir um carnaval para Portela e a gente fala isso desde o início, sabemos o que é a Portela, e isso sempre foi um local de respeito para a gente, por isso a gente estamos aqui para fazer o melhor em relação aquilo que a gente conhece que é a Portela, independente do último carnaval, independente do próximo carnaval, não importa. A Portela é uma escola que tem 100 anos de idade, é extremamente importante para o carnaval carioca, é importante na minha vida, é importante na vida do Antônio, então, a gente tem o nosso entendimento do que é a Portela e a gente está fazendo um carnaval para suprir esse entendimento que a gente tem da instituição. O que foi o último carnaval, para a gente honestamente é mais uma via de que a própria Portela esteja com a gente nestas possibilidades de carnaval que a gente fornece, e menos sobre a gente. Mais sobre a própria escola”, explica o carnavalesco que produziu o desfile da Beija-Flor em 2023.
Antonio Gonzaga complementa afirmando que o projeto de carnaval da Portela tem sido tocado de uma forma que mesmo que a escola viesse de um título, nada seria pensado diferente para este carnaval.
“Acho que é essa compreensão da grandeza do que é a Portela, independente do que foi o último carnaval da Portela. A gente está fazendo um carnaval que mesmo que a Portela tivesse sido campeã, estaríamos tocando o projeto da mesma forma. A gente pensa na melhor versão da Portela que a gente é capaz de fazer neste momento. Isso é o que mantém o nosso trabalho”, reitera o artista.
Enredo traz mensagem sobre afeto e estética apresentará diversas linguagens
Campeã pela última vez em 2017, quando dividiu o título com a Mocidade, a Portela busca encerrar um jejum de mais de 50 anos sem vencer um campeonato de forma isolada. Na última vez, o enredo era “Lendas e mistérios da Amazônia”, com um samba bastante aclamado pela crítica que até hoje se configura como um clássico da Majestade do Samba. Com outra grande obra em mãos, para 2024, a dupla de carnavalescos Antônio Gonzaga e André Rodrigues desenvolveram o enredo “Um Defeito de Cor”, baseado na obra homônima da autora Ana Maria Gonçalves. O sonho da Portela está centrado no principal fator simbólico que dá consistência para ela ser o que é e chegar onde chegou: o Afeto. Por isso, o enredo traz uma outra perspectiva, refazendo os caminhos imaginados da história da mãe preta, Luíza Mahim. O artista Antônio Gonzaga adianta que é um projeto dedicado a todas as mães e uma forma de demonstração de afeto e gratidão por sua chegada à escola, ao lado de André Rodrigues.
“Acreditamos que esse enredo é a nossa mais profunda manifestação de afeto nessa chegada. É um enredo que dedicamos a nossas mães, nossas avós e a cada mulher preta que carrega a força de sobreviver, ser e semear novas histórias. ‘Um Defeito de Cor’ é a história da luta preta no Brasil incorporada em uma mulher que enfrentou os maiores desafios inimagináveis para continuar viva e preservar suas heranças e raízes. A história de uma mãe, heroína, filha de África, que pariu a liberdade dessa nação. É uma honra imensa contar essa história e imaginar esse reencontro de Luísa com Luís Gama. Essa história fala de todos nós. É a nossa identidade construída no tempo”, frisa Gonzaga.
O título, “Um Defeito de Cor”, é baseado no artifício da dispensa do defeito de cor usado por negros no século passado que, quando acatado, os permitia exercer cargos de importância na religião, governo e na política. É justamente esta característica, a da cor, que posiciona os personagens deste carnaval da Portela. Caminhos, histórias e consequências que apenas se explicam por serem vivenciadas por sujeitos negros no Brasil conforme explica o carnavalesco André Rodrigues.
“O livro nos entrega uma história que entendemos que se confunde muito com a história de tantas outras mães negras que tem suas experiências maternas atravessadas pela questão racial; conseguimos compreender as marcas da violência histórica que justifica, inclusive, sobre as nossas experiências com as nossas mães”, diz Rodrigues.
Em um enredo que apresenta muito da luta contra o racismo, na época luta pela abolição da escravatura, e da valorização de uma personagem histórico tão importante como Luíza Mahim para estes movimentos, a dupla de artistas da Portela revela que vai tocar muito no aspecto do afeto, do carinho para levar para a Sapucaí estas importantes questões.
“A grande mensagem desse desfile na minha opinião é que o afeto é um caminho de resolução das coisas para muitas vias de resolução daquilo que a gente vive . Desde a gente compreender a trajetória do outro, de a gente compreender a individualidade dessas pessoas, enfim, o afeto é uma via de possibilidades, principalmente de existência, de sobrevivência. A gente diz muito sobre lutar, lutar, lutar, de se colocar nesse lugar de luta, principalmente através do atravessamento das questões raciais, independente de qual seja, mas principalmente as que envolvam esse tema. O enredo diz muito de como o afeto, o carinho e o olhar, são uma via de sobrevivência tanto quanto você ir e buscar. Acho que a mensagem é essa”, explica o carnavalesco André Rodrigues.
“É importante também entender que essa luta que a gente fala, é uma forma de lidar com carinho com a sua própria história. Quando você luta por uma causa, quando você luta pelo seu povo você está oferecendo carinho às pessoas que vem depois de você, e você está tratando com carinho a história das pessoas que vieram antes de você. O afeto é o que costura todo o enredo”, acrescenta o carnavalesco Antônio Gonzaga.
Quem entra no barracão da Portela e estava acostumado a entrar nos últimos anos, nota uma diferença na parte plástica, é tudo bastante novo em relação ao que a escola vem levando para a Sapucaí nos últimos anos. Tem uma assinatura bem original no traço utilizado para as esculturas das alegorias, nos materiais utilizados para ornamentação dos carros, nos detalhes das saias dos elementos alegóricos, etc. Essa ruptura é até natural após um ano em que os resultados foram bem aquém do que o portelense esperava, e é natural pela própria chegada de novos artistas. Mas, André Rodrigues frisa e entende que o estilo que a Portela vem adotando para este desfile é menos baseado nos carnavalescos, e mais justificado na necessidade que o próprio tema pede.
“É uma escola que está entregue ao dinamismo do enredo. Quando o enredo se abre para isso, ela é muito mais a Portela, quando o enredo se abre para uma maneira mais ampla, para o contar a história, ela é 100% a Portela, mas quando o enredo pede determinados assuntos, determinados locais, a estética é o que tem que ser. A Portela está se rendendo, com a nossa passagem aqui, com o nosso trabalho esse ano, à narrativa antes de tudo, e à necessidade da narrativa, à necessidade estética para a narrativa. Não é a narrativa compondo a estética, mas sim a estética que está a favor da narrativa”, explica André.
Antonio Gonzaga complementa demonstrando que o enredo fez com que a dupla precisasse usar de diferentes linguagens em cada setor do desfile.
“Isso fica muito claro a partir da divisão de setores. A linguagem muda muito de um setor para o outro pela dinâmica do desfile, para não se tornar monótono. Mas é legal que o enredo pede isso. Tem momentos que o enredo pede uma linguagem mais luxuosa, assim por dizer, e tem momentos que a escola pede algo mais singelo, tocante e simples”, aponta o carnavalesco.
Trabalho em dupla traz desafios, mas diálogo é o caminho
Trabalhando juntos pela primeira vez, André e Antônio têm trajetórias diferentes no carnaval carioca. Formado em Design pela PUC-Rio, Antônio Gonzaga começou no samba como compositor do Salgueiro. Projetou-se como designer de moda e de comunicação visual. Estreou no carnaval elaborando as identidades visuais dos enredos da Cubango em 2019, sendo convidado pelos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora para integrar a equipe de criação, e ajudando posteriormente nos carnavais seguintes da Grande Rio também. Sua estreia assinando um desfile, como citado acima, foi no Arranco de 2023.
Figurinista e projetista, André Rodrigues iniciou os trabalhos, em 2007, na Lins Imperial. No currículo traz passagens em outras funções pela Vila Isabel, Grande Rio, Mocidade Independente de Padre Miguel, União da Ilha, entre outras. Em São Paulo, atuou na Vai-Vai, Mocidade Alegre e assinou o carnaval da Mocidade Unida da Mooca (Acesso 1) de 2018 a 2020. Como carnavalesco assinou também o projeto da Acadêmicos do Sossego (Série Ouro), em 2022.Em 2023 foi o responsável pelo desfile da Acadêmicos de Niterói, também na Série Ouro e, no Especial, da Beija-Flor, ao lado de Alexandre Louzada.
Desde março, quando foram anunciados, a dupla conta que o trabalho tem sido pautado pelo diálogo, sempre com os dois participando das decisões importantes e com uma divisão de funções que aproveita o melhor de cada um. André, que já teve essa experiência no ano passado na Beija-Flor, ao lado do experiente Louzada, rendendo um quarto lugar para a Soberana, revela que o processo tem sido prazeroso na Portela.
“Tem sido lindo, a gente conseguiu encontrar o nosso espaço, eu não consigo definir isso bem, acho que se torna tão natural as demandas do carnaval que e onde um está e o outro não está, e fazer de maneira independente o que o outro não consegue, a gente consegue naturalizar bem o processo do carnaval junto, tem sido muito diferente, eu já tive a oportunidade de trabalhar em dupla. Para mim é diferente. Mas é prazerosa, é bonita, é respeitosa, e é principalmente revigorante, quando você está trabalhando com uma pessoa que você confia e que você sabe que nós estamos aqui fazendo o melhor independente de onde cada um está atuando. É bem tranquilo”, conta André Rodrigues.
Antônio Gonzaga ratifica a opinião de André e acrescenta que o convívio com toda a equipe de criação da Portela tem facilitado e muito o trabalho.
“O processo todo foi de muita conversa, muito debate, independente do que cada um esteja fazendo neste momento no barracão, a gente está com a linguagem muito bem alinhada, a gente sabe muito bem onde cada um quer chegar, e o que a gente quer comunicar, por isso as decisões acabam saindo de comum acordo. Isso torna tudo muito mais fácil, muito diálogo, a gente tem uma sala incrível em que a gente debate tudo lá, junto com as pessoas que trabalham com a gente, sempre agregando, opinando e participando do processo, foi muito fácil “, declara Gonzaga.
A dupla garante também que não existe vaidade e que o trabalho visa entregar a melhor Portela possível unindo o que cada um tem para contribuir, isto desde o início do processo na escolha do enredo e desenvolvimento da sinopse.
“Acho que foi um encontro de ideias, não é sobre onde você coloca o seu, é onde o outro entra no seu espaço, saber ceder. O encontro é muito sobre isso, por mais que você tenha o ímpeto de fazer, a gente entende que o outro também está dentro do processo e que ele vai colocar a parte dele dentro deste projeto. Mesmo que parta do Antônio ou de mim uma ideia primordial, a gente sabe que vai debater, não existe uma ideia única. A ideia é a que a gente decide em conjunto. A gente só tem uma ideia concreta quando os dois batem o martelo e decidem que isso é uma ideia. Desde o início do processo a gente aprendeu muito com isso. Desde entender qual era o enredo, por qual caminho a gente ia, qual seria a sinopse, quais seriam os setores, como seriam as fantasias. Tudo isso foi muito dessa maneira. Ter a proposta do Antônio e do André “, garante Rodrigues.
“Uma das coisas mais bacanas deste processo de se trabalhar em dupla é justamente nós sermos artistas diferentes, que temos histórias no carnaval diferentes, viemos de lugares diferentes, e temos linguagens diferentes por mais que nós estejamos muito alinhados para a linguagem que vamos precisar na Portela. A linguagem de um agrega muito na linguagem do outro também. Os saberes se somam. Às vezes eu tenho uma ideia e o André sugere ‘e se a gente usar esse material aqui’, um material que eu jamais teria pensado. E a gente testa e dá certo, às vezes não dá. A gente vai testando. É um trabalho de muita troca, muito teste, de muita experimentação para chegar em um resultado bacana”, revela Antônio, que vai estrear no Grupo Especial em 2024.
Sem Spoiler da Águia, carnavalescos definem seus ‘xodós’
Uma das perguntas que mais gera curiosidade no mundo do samba, e principalmente no portelense, no pré-carnaval, é como virá a águia da Portela. A mascote da centenária de Madureira já veio de diversas formas: branca, azul, dourada, prateada, segurando o pavilhão, high-tech, de óculos, etc. Por isso, há sempre esse clamor por saber como vem o símbolo maior da Portela. Estreando na agremiação, a dupla de carnavalescos Antônio e André também tem tratado com carinho a produção da mascote portelense. Mesmo a gente insistindo, a dupla não quis revelar muita coisa sobre o ícone, só prometeram muitas surpresas, com a tônica sendo a emoção que vai passar para quem acompanhar o desfile.
“Existem muitas linguagens para esse ano, muitos caminhos para dizer qual é o meu preferido. Emocionalmente, o abre-alas e o último carro são os meus favoritos, são muito fortes os dois. O abre-alas principalmente por se tratar de a gente está fazendo o abre-alas da Portela, tem um valor muito grande nas escolas mais tradicionais, de você fazer a entrada dessas escolas, a gente está trazendo o símbolo da Portela, tudo isso tem um valor muito grande que agrega as sabedorias, do jeito que ele é, ela é muito tocante, tem uma mensagem muito forte, tem detalhes muito comoventes, tudo isso agrega muito para que ele seja o meu xodó. Também gosto muito do último carro, ele também é muito emocionante. Eu falaria de todas as alegorias, o terceiro é muito forte. O terceiro é um lugar muito importante do enredo, uma passagem que tem muito a ver com a história da minha mãe, por exemplo, tudo isso envolve um pouco. Todos esses carros me emocionam”, revela André.
Antônio também colocou como preferido o abre-alas, onde vem a águia, também frisando que a emoção, o caráter tocante será a grande força que a alegoria vai trazer, onde o símbolo maior da Portela está inserido.
“Meu xodó é o abre-alas, pela águia da Portela, acho que é um abre-alas diferente do que a Portela tem se acostumado a trazer, mas é uma alegoria muito forte, muito pertinente ao enredo, muito grandiosa, acho que capaz de transmitir algumas emoções bem tocantes”, espera Gonzaga.
Na sinopse do enredo, Antônio e André citam que “através de seu filho, Luiz Gama, sonhamos com uma carta onde o importante abolicionista responde a sua mãe sobre o legado da memória que ela deixou: o livro”. O papel de Luiz ainda não está bem claro no desfile da Portela que tem um protagonismo feminino negro. Mas é possível pensar, em um enredo que procura muito trazer o afeto, em um encontro de Luiz com sua mãe Luiza Mahim. Os carnavalescos, porém, procuram não entregar muito do que pode acontecer neste sentido.
“Você que está dizendo (risos). Em nenhum momento eu estou dizendo que vai acontecer. Existem muitas camadas neste desfile e das coisas importantes para a gente é justamente esquecer a linearidade de tempo, a gente trabalha muito com diferentes tempos, diferentes lugares, inclusive essa questão de trazer o enredo para o contemporâneo, para os debates contemporâneos, sobre a perda de mães e filhos, a gente brinca muito com isso, óbvio que tudo é possível, encontros são possíveis, mas a gente está sempre em busca de um final feliz. A gente espera que tudo corra bem, que esse carnaval seja um final feliz, e que dentro desse carnaval com final feliz , também aconteçam muitos outros finais felizes”, despista André.
“O enredo da Portela é um enredo sobre a sobrevivência. É um enredo sobre luta, é um enredo sobre a cara do Brasil. Quando a gente homenageia a Kehinde, a história de luta dessa mulher que foi criada pela Ana Maria Gonçalves, mas que é uma compilação da história de diversas mulheres que construíram a história do Brasil, a gente vai na verdade homenagear várias outras mulheres que passam por essas mesmas lutas para sobreviverem no Brasil”, finaliza Antônio Gonzaga.
Conheça o desfile
Dividido em cinco setores, a Portela vai levar para a Sapucaí 5 carros alegóricos e 24 alas. Os carnavalescos André Rodrigues e Antônio Gonzaga explicaram mais do que cada parte do desfile vai representar ou o que vai estar presente em cada setor.
Primeiro Setor
“A abertura da Portela é uma abertura que tem um simbolismo pelo feminino muito forte. Isso é uma coisa para se notar. Desde o primeiro componente que entra até o abre-alas, a presença feminina será muito forte. E a gente tem presenças femininas muito importantes nesse momento. Óbvio, tem a águia e tudo mais”.
Segundo Setor
“Pode pensar que tem uma construção de imagem bem potente que as pessoas podem aguardar, uma coisa diferente e tem a ala das baianas que representa um momento mais emocional do desfile, elas vem com cara de Portela”
Terceiro Setor
“Vem a bateria, a Vilma Nascimento vem no terceiro Setor também em um lugar diferente. Temos Vilma, temos Bianca, temos Nilce Fran. As mulheres são muito protagonistas nesse desfile”.
Quarto Setor
“É muito mais relacionado ao carro, é um carro importante e que vem trazer muita gente importante, é um carro que é mais delírio nosso, sonho nosso, é um carro que traz pilares da Portela, mais uma vez com muito protagonismo feminino”.
Quinto Setor
“O final é um final emocionante. Ele pega muito pela emoção. É um setor que tem uma mensagem muito forte e os signos são muito fortes também”.