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Série Barracões SP: Culto de Ifá inspira Acadêmicos do Tucuruvi a levar mensagem de fé e tolerância

O culto de Ifá estará presente no carnaval de 2024 através do desfile dos Acadêmicos do Tucuruvi. A amizade entre Exu e Orunmilá será o fio-condutor da história que passará pela criação do mundo na crença iorubá, os lugares onde Ifá se estabeleceu e o clamor pelo respeito e tolerância entre os povos. A série “Barracões” do site CARNAVALESCO esteve na Fábrica do Samba para conhecer mais a respeito do processo de construção do enredo assinado pelos carnavalescos Dione Leite Yago Duarte.

Inspiração para o enredo: a ideia por trás de falar de Ifá

A Tucuruvi já havia abordado a África em um contexto geográfico no passado, mas será a primeira vez em sua história que a escola levará para a Avenida um enredo de cunho religioso africano. Dione Leite falou a respeito dessa experiência que é inédita não apenas para a comunidade da Cantareira, como também para o próprio carnavalesco e o impacto que o contato com Ifá teve em sua vida.

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Fotos: Lucas Sampaio/CARNAVALESCO

“A Tucuruvi, pela primeira vez, traz um enredo de cunho religioso africano, sobre a ancestralidade africana. Ela nunca tinha tratado de nenhum tema específico de matriz africana, e esse é o primeiro carnaval da escola. Interessante, além da escola, que é o meu primeiro e o primeiro do Yago também, então nós estamos todos debutando no mesmo ano em fazer uma temática que tanto queria fazer. Quando surgiu o Ifá, há alguns anos, o Rodrigo, nosso vice-presidente e diretor de carnaval, se iniciou em Ifá e na época ele nos falou o que poderia ser falado, mas era bem próximo ao carnaval, não se tinha muito tempo. Quando foi janeiro do ano passado, antes de levar Bezerra da Silva para a Avenida, aqui nessa sala a gente estava conversando e já se falava do próximo desfile. O Rodrigo falou: ‘bom, ano que vem nós podemos trazer um enredo africano para a Avenida, só que a África que a gente queria tanto’, e aí vem a proposta. Quando passa o carnaval o Rodrigo falou: ‘óh, já tem um caminho. Vamos falar de Ifá’, e para a gente foi, de verdade, falo por mim, um dos maiores presentes nas nossas vidas, e eu acho que para a escola também. Não menosprezando nada que passou, que faz parte hoje já do rol de grandes enredos do Tucuruvi, mas com certeza nada maior, nada mais intenso, nada mais profundo, cultural e filosófico do que Ifá. É muito abrangente, e por incrível que pareça é sobre pessoas, é sobre seus comportamentos, é sobre suas vidas pessoais, e Ifá nos traz isso. A gente ganha de presente esse enredo maravilhoso que tem mudado a vida da gente muito”, declarou.

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Aas pesquisas de desenvolvimento do enredo proporcionaram um efeito transformador na vida dos carnavalescos. Yago Duarte falou a respeito do que sentiu ao longo do processo.
“A maior transformação que eu passei esse ano, ao desenvolver esse projeto junto com o Dione é interna. É sentir uma fé que eu não sentia há muito tempo, é sentir uma energia que eu não sentia há muito tempo. Tem uns lapsos de criatividade e de pensamentos que eu não tinha há muito tempo, então esse projeto tem sido inacreditável do nosso ponto de vista pessoal e profissional também. É um enredo que nos trouxe muita energia diferente. Está tudo muito diferente com a gente desde o primeiro rascunho de desenho, desde a arte do enredo, desde a primeira pesquisa, desde a primeira palavra dos livros que a gente leu. Tudo tem tido um valor emocional muito grande para a gente, e temos sentido muito a fé também até pelo privilégio que nós tivemos de conhecer de perto Ifá. Isso tem sido muito transformador na criação e desenvolvimento desse carnaval”, afirmou.

Processo de desenvolvimento: a permissão de Ifá para contar sua história

O culto de Ifá envolve ritos sagrados aos quais os não-iniciados não costumam ter acesso, e para abordá-los os carnavalescos precisaram de uma permissão especial vinda diretamente de Ifá através de Pai Maurício, babalaô e principal mentor por trás do desenvolvimento do enredo. O contato com a autoridade religiosa se revelou mais que especial para Dione Leite.

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“No início do enredo nós tivemos não só participação, mas o trabalho junto e que trabalha até hoje com a gente do Vinícius Natal, que veio do Rio de Janeiro. O Rodrigo traz o Vinícius para a escola como uma ferramenta muito importante de pesquisa. Mas quando nós vamos, Rodrigo nos apresenta ao Babalaô Pai Maurício, que é chefe na Nigéria e Pai de Rodrigo. Quando Rodrigo nos apresenta a ele e nos leva até a casa do Pai Maurício, a gente tem uma noção real do que era Ifá. Sabíamos que teríamos uma mentoria, mas não esperávamos que essa mentoria seria algo tão intenso. Nós tivemos permissão para conhecer Ifá de perto porque Ifá, o rito, é fechado, ele é muito sagrado. Nós tivemos acesso, com permissão de Ifá, a conhecer alguns lugares onde pessoas que não são iniciadas não entram para que a gente pudesse saber como mostrar isso na Avenida. A figura do Pai Maurício, desse mentor incrível, maravilhoso, é que o Pai ele nos assessora e nos guia, dentro desse caminho junto do Rodrigo, a levar o enredo a um lugar seguro. Yago está falando uma verdade, que quando nós começamos a pesquisa e a ler Ifá ele criava tantas ramificações, se expandia tanto na nossa mente que ficava difícil de você conseguir localizar, de conseguir se concentrar. Para entrar num lugar, para criar um desfile plástico de uma escola de samba, para que tenha um samba de enredo, um filme todo, tudo que se precisa ter da sinopse, se você não tiver com a mão certa você pode levar para outro lado o que não desejar. Mas desde o início Rodrigo tinha enfatizado muito o que ele esperava do enredo, que era deixar uma semente plantada em cada pessoa e mostrar essa filosofia ao mundo para ajudar a propagar Ifá, que era algo que ele tinha prometido pessoalmente na iniciação dele, que um dia ele iria mostrar o quanto Ifá era bom porque tinha sido bom para ele”, relatou.

Falar diretamente de Ifá é uma novidade no carnaval como um todo. Para que essa história pudesse ser contada na Avenida não foi apenas necessário pedir a permissão para tal na cidade mais antiga do mundo de acordo com a crença iorubá, como também a linha narrativa do enredo gira em torno de um pedido feito por Ifá.

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“Nosso enredo foi consultado lá em Ile-Ifé, na Nigéria, onde está Ifá hoje. Foi consultado lá, pelo pai Maurício, junto ao babá nigeriano, que hoje é o grande Akodá, o terceiro homem do Arabá, a terceira pessoa mais importante dentro do processo de Ifá na Nigéria e no mundo, um dos conselheiros pessoais da eminência. Quando eles fazem a consulta, Ifá nos dá permissão de poder trabalhar esse enredo. Até então, nunca tinha sido tratado só sobre Ifá no carnaval. É a primeira vez no carnaval que alguém vai falar sobre Ifá. Ifá apareceu em vários enredos como passagens, mas não um enredo específico somente dele. Ainda tem um pedido que nós mostrássemos Exu e Orunmilá e essa amizade deles, e por isso que quem conta a história do nosso enredo é Exu afinal nada melhor do que um amigo falar do outro. Mostra também muito a questão de que esse Exu, diferente do Exu brasileiro, do Exu catiço, que é tão demonizado pela sociedade, que não é nada de demônio porque isso é só no Brasil. Na Europa e em outros lugares o Exu é uma energia vital, uma energia que movimenta, é a energia da abundância, é a energia da prosperidade, dos caminhos abertos. Todos nós carregamos Exu dentro de nós porque essa vitalidade que nós temos, a nossa força é Exu, para entender essa energia de Exu. Não tem como nós carregarmos um demônio, por isso que durante muito tempo se tentou mudar essa imagem. Hoje um dos papéis importantes do Tucuruvi é tirar essa imagem, mostrar que o Exu iorubano é um ser divino, sagrado, uma divindade extremamente potente capaz de mover tudo e capaz de mudar tudo à sua volta. Então esse é o grande papel que Ifá está trazendo para nós. Ifá, que é o dono do destino, que é aquele que traça o nosso destino. Mas só para ver, sem Exu em Ifá nós não teríamos o caminho para chegar. Exu é tão importante no processo todo, principalmente dentro de Ifá, porque sempre quando se vai realizar um ebó em Ifá, quando eu tenho que fazer algo no jogo, primeiro eu preciso sempre alimentar Exu, que é a boca que tudo come, para depois poder alimentar qualquer outra situação na minha vida. E é assim que é o Tucuruvi, ele abre com o Exu e ele fecha esse desfile com o Exu”, contou.

Setor a setor: a representação de Ifá no desfile da Tucuruvi

A Tucuruvi levará ao Sambódromo do Anhembi um desfile dividido em cinco setores, explicados em detalhes por Yago Duarte. O primeiro segmento, representado na comissão de frente da escola, abordará a criação do mundo através da cosmogonia urbana.

“A gente iniciou o desfile com a criação do mundo, quando nada existia, porém já havia a presença de Exu e Olodumarê, então de toda essa inquietação surgiu a luz e surgiu a humanidade. Surgiu o universo, os planetas, surgiu tudo que a gente conhece hoje em dia. Então a nossa abertura de desfile é a criação do universo, a participação de Exu, Olodumarê e Orunmilá”, explicou.

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O segundo setor do desfile apresentará os elementos de Ifá passando por Ile-Ifé, na Nigéria, considerada pela crença iorubá a cidade mais antiga do mundo. De acordo com o dialeto africano, “Ylè” significa casa, portanto Ile-Ifé seria o primeiro lugar que a humanidade chamou de lar.

“A gente vem conhecer os elementos de Ifá, os elementos sagrados de Ifá, que fazem parte dessa filosofia, dessa religião. As insígnias que são os Odus, a gente conhece ali os grafismos, conhece as texturas, as cores. A gente passa por Ile-Ifé, de onde vem todos os fundamentos, de onde nasceu uma das vertentes de Ifá, de onde surgiram os seres humanos. Ile-Ifé é considerada a primeira cidade segundo os iorubás, a primeira cidade da humanidade. Então a gente passa pelos fundamentos de Ifá saindo de Ile-Ifé.”

O terceiro setor mostra o momento em que Ifá sai da Nigéria e se espalha pelo mundo através de uma das fases mais cruéis da história: a diáspora africana. Quando os povos africanos foram escravizados e enviados à força para diferentes lugares do mundo. A crença em Ifá resistiu aos navios negreiros e se espalhou principalmente pelas Américas, onde formaram-se diferentes “Iles”.

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“Passamos ali pela diáspora africana, de onde todos os saberes, toda a fé e energia resistiram a esse processo tão doloroso que foi a saída de lá, a vinda dos escravos para as Américas, e foi a forma que Ifá chegou até aqui. Ifá resistiu a esse processo doloroso, e depois que chegou nas Américas foi parar em Cuba, foi parar no Haiti, veio parar no Brasil.”

O quarto setor é o Ile-Brasil, a morada estabelecida por Ifá no país em Salvador e o encontro de Ifá com os elementos naturais brasileiros.

“Quando chegou no Brasil, Ifá encontrou uma terra que era muito parecida com aquela de onde ele tinha saído, então imediatamente ele se identificou e a gente fala dessa identificação com os quatro elementos. Ifá encontrou os quatro elementos vitais para que ele pudesse estabelecer a sua nova morada. Ifá saiu de Ile-Ifé e veio para o Ile-Brasil”.

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O desfile do Tucuruvi se encerra no quinto setor, onde a escola convida a todos a repensar sobre a questão da intolerância e falar de tolerância com amor. Essa é a grande mensagem que Exu e Orunmilá deixarão para o público que assistir ao desfile da escola

“Finalizamos o desfile com a mensagem de paz, de esperança, de união de todos os povos, de respeito, de tolerância, de que Exu pode nos levar a todos os lugares, de que Exu é um ser benevolente e que a amizade dele com Orunmilá foi primordial para que Ifá pudesse se estabelecer nos quatro pontos do mundo, e que cuidar da nossa vida espiritual é primordial para que a gente possa ser uma pessoa boa. É isso que Exu prega para as nossas vidas, e a gente termina o desfile com essa mensagem de tolerância e de que se todos nós nos unirmos, a gente consegue ser feliz, a gente pode ser feliz, a gente pode conquistar tudo aquilo que está no nosso destino”, concluiu Yago.

Dione detalhou a respeito de como a abordagem pedida por Ifá dos diferentes elementos do culto e as orientações recebidas ao longo do processo influenciaram o desenvolvimento do enredo.

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“Quando é consultado Ifá para saber se poderia fazer o desfile, se poderia falar dele, Ifá se manifesta através do Aponga e diz que nós deveríamos mostrar ao mundo a amizade de Exu e Orunmilá. A gente tem a presença de Exu muito latente em um desfile junto a Orunmilá para a construção tanto da narrativa quanto da construção visual. Eles abrem e fecham o desfile de maneira muito simbólica para que as pessoas possam ter esse entendimento. Sobre os fundamentos eles são muito fechados, são lugares que pessoas que não são iniciadas não têm acesso, então a gente até preferiu não expor porque não era cabível, mas nós tivemos a mentoria e orientação de como mostrar isso dentro da Avenida de outras formas. Por exemplo, a gente traz para o desfile uma pedra de yangui, que representa Exu, é a pedra de Exu. A gente tem elementos diferentes dentro da construção narrativa. Muita gente sabe o que é a pedra de yangui, mas a gente tenta trazer ela para o desfile de uma forma diferente, além de outras ações que vão acontecer durante o desfile, que são ações muito importantes que começam a mostrar para as pessoas. Por exemplo, como que um babalaô educa os seus filhos, os seus iniciados, e outras tantas situações que têm. Esse segredo é bom para deixar curioso”, disse.

Lições que a Tucuruvi anseia em transmitir

“Que Exu é bom. Que Exu nos dá caminho. Que Exu é bom e que ninguém pode ter dúvida disso. Ele não faz maldade. Ele é bom.”

Com essa simples afirmação, Yago Duarte define a mensagem que espera que o público absorva após o fechar dos portões do desfile da Tucuruvi. Dione Leite aproveitou para falar sobre como a escola está vivendo a experiência de falar de Ifá no carnaval de 2024.
“É uma semente. Ganhar o carnaval é uma consequência de um trabalho ser bem-feito. Ponto. É óbvio, mais do que nunca, a energia que hoje rodeia o Tucuruvi, a energia que rodeia a nossa quadra, os nossos componentes, o poder do samba de enredo. O samba é extremamente poderoso, ele é avassalador dentro da quadra. Um samba que vem crescendo a cada ensaio absurdamente. Mas sabe aquele negócio de você passar e você saber que a pessoa vai ter a curiosidade de saber o que é isso? Quando você se inicia em Ifá, você desperta para uma nova vida. É como se você matasse um velho homem para renascer um novo homem. Um novo homem disposto à harmonia porque Ifá ele é harmônico, Ifá só está sob a harmonia. Se uma das peças da tua vida, uma engrenagem, não estiver em harmonia com as outras, Ifá tem esse poder de ir lá e organizar para que você tenha uma vida abundante, tenha uma vida próspera em todas as áreas. Quando a gente fala em abundância e prosperidade, parece que é só dinheiro, mas não, é muito além. Tem outras coisas que envolvem o ser humano”, afirmou.
“Eu quero até complementar a fala do Dione de que as pessoas confundem prosperidade com poder aquisitivo, e não é isso. O que a gente prega é que prosperidade é ter uma vida espiritual boa, é ser feliz. A prosperidade não depende do quanto de dinheiro você tem, ser próspero não é isso”, completou Yago.

Por fim, Dione e Yago manifestaram a satisfação de levarem o culto de Ifá para a Avenida no desfile dos Acadêmicos do Tucuruvi em 2024.

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“Eu tive um relato do Pai Maurício essa semana, nosso babalaô maravilhoso, que falou bem assim. Quem se inicia em Ifá, quando acorda de manhã, ele dá bom dia, mas não da boca para fora. É porque ele vai ter um bom dia. Quem se inicia em Ifá, quando olha uma cadeira fora do lugar, ele não vai chutar a cadeira. Ele vai olhar, pensar, pegar aquela cadeira e colocar no lugar. Ifá é essa harmonização. Que a gente possa, na manhã do domingo de carnaval, despertar para uma nova vida, despertar para uma nova consciência de vida e que a gente possa olhar o céu e dar um bom dia diferente de todos os outros que a gente viveu. Acho que aí a Tucuruvi cumpriu o seu papel com Exu e Ifá, essas duas divindades tão espetaculares que a gente está tendo a oportunidade de conhecer, de se familiarizar e de respeitar mais ainda. E já de antemão quero agradecer por todo o caminho até aqui. Parece clichê isso e acho que todos os anos a gente meio que fala a mesma coisa, mas de verdade, eu não tenho uma mensagem que eu não troque com o Rodrigo quando está falando de carnaval, de alguma coisa que deu certo, que eu digo pra ele. Gratidão por me permitir viver isso, Rodrigo. Porque, de verdade, eu não esperava. Eu achei que iria me aposentar sem isso. Hoje, eu estou muito feliz. Muito, muito, muito, muito. A gente está em janeiro, está cansado, mas não é um cansaço mental. As pessoas falam para mim: ‘pô, eu não vejo a hora disso acabar’. Não, eu não vejo a hora disso ir lá. Eu nunca quis entrar tanto na Avenida. A Tucuruvi nunca quis tanto realizar esse desfile. A gente nunca esteve tão empolgado. É essa energia que nos rodeia, é essa energia que hoje toma conta da Tucuruvi, é essa energia que o Rodrigo nos proporcionou lá atrás em nos apresentar Ifá, em trazer o Pai Maurício, em nos apresentar o Akodá na Nigéria, em nos colocar dentro de uma filosofia, um universo totalmente diferente de tudo que a gente tinha conhecido até hoje. A gente é muito grato”, concluiu Dione.

“Esse carnaval foi um privilégio gigantesco e a gente não tem nem como medir o tamanho do privilégio e dos acessos que nós tivemos para conhecer. Primeiro que não tem como a gente medir e não tem como a gente pagar essa gratidão. É um projeto que mudou a minha vida e do Dione. É um projeto que tirou de nós aquilo que a gente não achava que conseguia, então a gente não tem como pagar isso, essa oportunidade e esse privilégio que a gente tem de falar de Ifá”, finalizou Yago.

Ficha técnica
Enredo: “Ifá”
Diretor de barracão: Roberto Guedes
Coordenador de ateliê: Carlos Westerley
2000 componentes
20 alas
4 alegorias
Ordem de desfile: Sétima escola a desfilar no dia 10 de fevereiro pelo Grupo Especial

Rainha do Tuiuti, Mayara Lima fala em representatividade: ‘Meu intuito em estar à frente da bateria é representar essas meninas’

Há dois carnavais como rainha da bateria do Paraíso do Tuiuti, Mayara Lima se tornou um fenômeno dentro e fora das quadras e da Passarela do Samba. Nas redes sociais, a majestade acumula mais de 900 mil seguidores. Fora delas, Mayara carrega uma legião de sambistas admirados com seu samba no pé e sincronismo com os ritmistas. Mas muito além do sucesso e do alto desempenho na dança, a rainha da SuperSom também se tornou sinônimo de representatividade para muitas crianças.

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Foto: Alexandre Vidal/Divulgação Rio Carnaval

Nos ensaios de rua da escola de São Cristóvão, muito além do samba no pé, o que também chama a atenção é o carinho e admiração do público infantil pela sambista. Além da tietagem, as crianças também tentam reproduzir as coreografias de Mayara. Cria da Cidade de Deus, ela acredita que estar à frente do posto de rainha de bateria é, também, a representação de meninas da comunidade.

“É muito importante. Sempre falo e repito: o meu intuito em estar à frente da bateria é representar essas meninas. Eu faço a maior questão de puxar para o meu lado as crianças que me acompanham no ensaio ou pedem para sambar comigo. Acredito que esse é o resgate do samba e o nosso futuro. Se quem está agora não alimentar, não oferecer o melhor para essas crianças e não mostrar o melhor que o samba tem, ele deixará de existir. Quanto mais a gente alimentar isso, será melhor para o futuro”, comenta a rainha de bateria.

Começou a vida no mundo do samba no Aprendizes do Salgueiro. Em 2022, bastou um ensaio da bateria no setor 11 da Marquês de Sapucaí para a então princesa se tornar um dos assuntos mais comentados das redes sociais e cair nas graças dos sambistas. O resultado não poderia ser outro: Mayara foi coroada rainha de bateria do Tuiuti.

Ela afirma que o samba no pé é natural e o sincronismo com a SuperSom somente ‘acontece’. Hoje professora de dança, a rainha de bateria conta que a receita é a prática e muito treino. Não precisa nascer com o dom, basta querer, dedicar-se e aprender.

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“Parece ser fácil na hora de explicar (risos). Eu gosto muito de improvisar. Venho, escuto a bateria e vou. Só escuto a música e deixo meu corpo falar. Acredito que mostrar o que tenho dentro de mim, sem ensaiar passo marcado ou robotizar muito, é mais significante – trazer a essência do que vem na minha alma e do que mais amo fazer, que é dançar. Não é que eu faça muita coreografia, eu só expresso o que tem dentro de mim e o meu amor pelo samba. Costumo dizer que o samba é a minha maior forma de expressão, então o que eu puder fazer aqui, eu faço. O samba é a minha cura”, disse Mayara.

Após atingir níveis de influenciadora, ser considerada uma das últimas revelações do carnaval e receber tantos outros elogios, Mayara dispensa comparações e títulos como “a maior rainha de todas”. Para ela, dividir espaço com outros grandes nomes do mundo do samba é motivo de muita responsabilidade.

“É uma grande responsabilidade, porque, dentre tantas rainhas maravilhosas, estar no meio é uma honra para mim. Temos Bianca, Evelyn, Lorena Raissa, Maria Mariá, Viviane Araújo, Sabrina Sato, entre tantas rainhas maravilhosas que fazem parte dessa nova jornada. Fico muito feliz em fazer parte disso. Ser nomeada como a rainha maior e coisas do tipo é muito superficial, porque têm tantos talentos na Sapucaí. Fico muito feliz de dividir o cenário com essas rainhas maravilhosas”, destaca.

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Foto: Léo Queiroz/Divulgação Rio Carnaval

O sucesso também vem acompanhado dos haters – pessoas mal-intencionadas que utilizam as redes sociais para atacar alguém. Apesar da enxurrada de elogios, há quem critique o bailado da majestade. Mayara conta que traz consigo as vivências que teve ao longo da vida. Para ela, o samba no pé somado com algumas coreografias não causa problema algum. O importante é reconhecer e respeitar a história do samba e os ancestrais.

“Eu acredito que por eu incluir passos de samba dentro da musicalidade e do que a bateria pede, muitas pessoas tiram isso como ‘fazer coreografia’. Mas eu trago a minha vivência para dentro do samba para engrandecer a minha arte do samba no pé, mas nunca esquecendo do mais importante que é, de fato, o samba raiz. Mesclando o samba no pé com as firulas, não há pecado nenhum. Respeitando quem veio antes de mim – meus ancestrais -, misturo o que aprendi a vida inteira”, explica.

No carnaval deste ano, a rainha do Morro do Tuiuti promete uma fantasia levíssima para que possa evoluir bastante na Passarela do Samba. À frente da SuperSom, ela entrará na Marquês de Sapucaí na segunda-feira de carnaval. A escola de São Cristóvão será a quinta agremiação a desfilar.

Série Barracões: Leandro Vieira vai apostar novamente na ficção carnavalesca para tentar o bicampeonato na Imperatriz Leopoldinense

O povo da região da Leopoldina está obcecado pelo bicampeonato. Lá para os lados de Ramos só se fala nisso. E com um time estrelado e premiadíssimo em 2023 com nomes como Pitty de Menezes, mestre Lolo, Marcelo Misailidis, entre outros, o holofote segue com o carnavalesco Leandro Vieira que nos últimos quatro carnavais comemorou títulos. Em 2019, no Grupo Especial com a Mangueira, em “História para Ninar Gente Grande”, e em 2022, com o Império Serrano na Série Ouro com “Besouro Mangangá”. Com a Rainha de Ramos, os títulos, de 2020 no “Só dá Lalá”que rendeu o retorno à elite do carnaval após amargar rebaixamento, e, finalmente, 2023, coroando a trajetória na Verde e Branca, campeã com “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. Este último, foi o nono da Imperatriz após um jejum de 21 anos sem levantar o caneco. E engana-se, quem pensa, que o título acalmou a sede dos gresilienses. A comunidade quer “Lá Décima” para comemorar mais ainda. Já Leandro Vieira, não vai ficar triste se emplacar a quinta conquista de carnaval seguido, mas o artista reforça que vem celebrando diversas coisas na sua carreira além dos títulos.

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Fotos: Divulgação/Imperatriz

“Estou comemorando muitas coisas, não estou comemorando só campeonato não. Acho que a possibilidade de participar da história de grandes escolas é motivo de comemoração. Não é o campeonato o único motivo para eu comemorar não. Eu tenho que comemorar ter participado da história da Mangueira, ter participado do Império Serrano, de participar da história da Imperatriz subindo com a escola. Antes de qualquer resultado que a Imperatriz possa vir a ter no carnaval de 2024, já estou cheio de coisa para comemorar, poder participar desse momento da escola, de ver a escola como está, da comunidade como está, isso já é motivo de comemoração. O campeonato é muito pouco diante daquilo que a gente às vezes vive e participa”, define o artista.

Com uma carreira relativamente recente que ainda não completou dez carnavais, Leandro fez história na Mangueira, produzindo seis carnavais, em que apenas um não figurou entre as campeãs. Indo para o seu terceiro desfile na Imperatriz, contando 2020 no Grupo de Acesso, Leandro tem em comum desde sua estreia na Caprichosos em 2015 a predileção por falar de Brasil, por buscar temas que deem destaque àquilo que se vive dentro do país.

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“O Brasil, a cultura brasileira, o povo brasileiro são muito ricos. Quem trabalha com carnaval, você está sempre se esbarrando em alguma coisa que vem da gente, porque também faço parte desse povo, que brota da gente com a possibilidade de a gente está enredando. Eu continuo olhando para a cultura brasileira, para manifestações populares, para imaginários brasileiros com a expectativa de criar visualidade. O meu trabalho é esse, olhar para imaginários brasileiros com a perspectiva de produzir visualidade. É o que tenho feito em todos os meus carnavais. E é o que farei certamente com a cigana Esmeralda”, indica Leandro.

Aposta do carnavalesco para 2024, “Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda” é mais uma vez Leandro produzindo uma ficção carnavalesca, assim como foi o enredo de 2023 campeão sobre o pós morte de Lampião. O trabalho deste ano, assim como o do ano passado, se construiu com a inspiração a partir da literatura de cordel.

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“O enredo da Imperatriz se debruça sobre um testamento fictício, o testamento da cigana Esmeralda. É uma obra do cordelista paraibano Leandro Gomes, um cordel para lá de centenário e que fala sobre um testamento de uma cigana que ele vai chamar de Esmeralda por influência da cigana Esmeralda do Victor Hugo, o célebre escritor, e ele juntou imaginários ciganos para dizer que a cigana Esmeralda morreu na Europa e deixou escrito um testamento e o conteúdo deste testamento gira em torno de possibilidades de prenúncio da sina, e interpretações da sina que as pessoas podem ter de forma prévia. Eu peguei todo esse conteúdo para fazer algo parecido com o que fiz do Lampião. ‘O aperreio do cabra que o ex comungando tratou com má querença e o santíssimo não deu guarida’ é uma ficção sobre a ficção do José Pacheco que escreveu o cordel ‘A chegada do Lampião ao inferno’, é uma ficção sobre o cordel ‘a chegada do Lampião ao céu’ , é uma ficção com o cordel ‘O grande debate que Lampião teve com São Pedro’. Para o Lampião eu peguei esse conjunto de cordéis que tratam do pós morte do Lampião e fiz uma segunda ficção sobre a ficção, foi quando imaginei que se ele não foi aceito nem no céu e nem no inferno ele teria que ter ido para algum lugar. A minha ficção foi que ele voltou à terra para viver no imaginário das coisas do homem do nordeste, se escondeu embaixo do gibão do Luiz Gonzaga, no barro do mestre Vitalino, se transformou em uma carranca que navegava no Rio São Francisco e voltou para Ramos”, explica o carnavalesco.

Citado pelo artista como inspiração, Leandro Gomes de Barros é considerado como o primeiro escritor brasileiro de literatura de Cordel, tendo escrito aproximadamente 240 obras. O autor do “Testamento da Cigana Esmeralda” morreu ainda no século passado e teve seus trabalhos inspiração para obras famosas como o “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna. No clima de produzir uma realidade delirante, de usar a literatura como inspiração para fazer criar novas interpretações e produzir novos finais para história contadas na cultura popular, Leandro Vieira pretende envolver a Rainha de Ramos neste percurso e criar uma possibilidade de prenúncio de um possível bicampeonato.

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“Eu estou em uma vibe de curtir um pouco a ficção carnavalesca. O carnaval como uma possibilidade de ficção. O carnaval como uma possibilidade de invenção e reinvenção de realidades que não se debruçam sobre o real. Eu peguei um autor que inventou uma cigana, que inventou um testamento para essa cigana e transformei esse testamento em um manual da boa sorte, que é o que o testamento da cigana é de fato. Fiz uma ficção sobre a ficção. Eu tratei a Imperatriz Leopoldinense como um indivíduo e peguei a data de fundação da escola como se fosse a data de nascimento desse indivíduo. Com a data de nascimento da Imperatriz eu fiz a ficção de que ela estaria submetida a uma influência astrológica e buscaria boa sorte. Com o céu astrológico da Imperatriz nas mãos, eu realizei um pensamento de que a Imperatriz é uma pisciana, ela tem a lua em Aquário, a partir do mapa astral da escola, portanto, regida por Netuno, tem a água como elemento que rege a sua poética, vamos dizer assim, e montei meu carnaval”.

Estética cigana presente com enredo brincando muito com a busca pela sorte

Depois de surpreender e impressionar com um desfile sobre Lampião que se mostrou bastante diferente de outros carnavais de Leandro Vieira, em termos de narrativa, mas apresentando muito da força visual que o artista possui e já é conhecida, o desfile de 2024 reserva uma nova história delirante e a produção de uma ficção carnavalesca baseada em outra ficção que faz parte da literatura popular. Essa nova ficção dentro da ficção vai permitir novas realidades visuais que sirvam a temática deste desfile.

“‘Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda’ é uma ficção sobre a ficção do Leandro Gomes de Barros, é uma possibilidade de construção carnavalesca delirante que é um delírio próximo ao Lampião no carnaval de 2023. Só que é um próximo e ao mesmo tempo super distante, porque mergulhado em um ambiente de estética cigana, eu justamente estou mergulhado nesta plasticidade, que é essa visualidade exuberante, luminosa, colorida, brilhante, bem própria dos ciganos. Estou caminhando por esses territórios”, revela o carnavalesco.

A parte visual, como colocado pelo carnavalesco, vai trazer esta exuberância e singularidade bem própria da cultura cigana, mas não vai se resumir só a isso. Leandro preparou muitas surpresas, está bastante motivado e animado com o que está produzindo, e quem teve acesso ao barracão da Imperatriz viu a qualidade de sempre do trabalho do artista tricampeão do Grupo Especial, agora também se aventurando por caminhos que ele ainda não apresentou em carnavais passados.

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“Vai ter também essa estética cigana, mas não só isso.É um testamento que fala sobre a interpretação dos sonhos, o sonho como prenúncio de algo que pode vir a acontecer. Fala sobre a questão da leitura das mãos como algo que você pode consultar previamente do que vai acontecer a partir de uma leitura das linhas que traçam a palma da mão e o formato dos dedos. Fala sobre a influência dos astros na vida humana. Fala sobre a influência do Zodíaco sobre a vida das pessoas, o quanto que o céu, os movimentos dos astros, da lua ele pode influenciar a vida das pessoas”, explica o profissional.

Trabalhando um enredo que vai focar muito nessa vontade humana de conhecer o futuro, de buscar a boa sorte, pode se pensar que o carnavalesco é uma pessoa muito preocupada e interessada nestes caminhos. Mas a ideia de encontrar a sorte não mexe muito com a cabeça de Leandro Vieira. Adepto do trabalho, da entrega ao máximo, o carnavalesco conta que não associa o sucesso à sorte, mas sim ao esforço e à dedicação.

“Eu não acredito na sorte não. Às vezes credenciar as coisas a sorte é tirar também o crédito do sacrifício. Quando a gente credencia as coisas à sorte, a gente tira todo o crédito do sacrifício. O êxito na minha cabeça só pode resultar de trabalho. Eu não acredito no êxito que resulta de boa sorte. Pelo menos para mim, nunca desfrutei de êxito nenhum que não tenha sido resultado do trabalho, que não tenha sido resultado da entrega, que não tenha sido resultado de noites sem dormir, que não tenha sido resultado do fazer e desfazer, no achar que não está bom para fazer de novo até ficar bom. Se a sorte existe eu não credito meu trabalho à ela não”, confessa o artista.

Referências visuais diversas para uma Imperatriz que segue delirante e com uma pitada de picardia

Dentro do enredo que também vai apresentar a estética cigana, é fácil pensar em termos de carnaval, em algumas referências que já passaram na Sapucaí. Em 1992, a Viradouro apresentou o enredo “E a magia da sorte chegou” de Max Lopes e Mauro Quintaes. Em 1980, pelo Grupo de Acesso, Maria Augusta apresentou, pelo Tuiuti e foi campeã, o enredo “É a sorte”. Mas, o enredo de Leandro Vieira, como o próprio artista explicou acima, é muito mais do que uma exaltação à cultura cigana, é também, mas tem outros pontos: a revelação da sorte através da leitura das mãos, da observação dos astros, os signos do zodíaco, entre outros. Por isso é curioso imaginar quais as referências visuais que o profissional utilizou para produzir este carnaval. Leandro conta que olhou para diferentes direções.

“As referências visuais para este desfile vem de lugares muito diversos. Existe um imaginário cigano que todo mundo tem, uma referência de visualidade, mas existem outras possibilidades de construção de imagem. Tem questões zodiacais, esotéricas, tem questões que o próprio carnaval visualmente me deu, tem questões visuais que são do trabalho da Maria Augusta, tem questões visuais que são do trabalho do Renato (Lage), tem questões visuais que são do trabalho dessas pessoas que vão habitando a cabeça da gente. Também tem as questões visuais da minha infância mesmo, você vai juntando coisas e quando você vai produzir a visualidade você vai colhendo as coisas que você juntou ao longo de uma vida dedicada à produção visual, e também as coisas que você juntou enquanto realizou pesquisas específicas do enredo”, esclarece o carnavalesco.

Independente das referências utilizadas, é certo que a gente pode esperar, assim como foi com o Lampião, uma Imperatriz quente, abrasada, com muita picardia. Leandro sempre brinca nas redes sociais usando o termo “ex Certinha de Ramos”, uma alusão ao apelido que a Imperatriz recebeu no final dos anos 90, início dos anos 2000, por conta do excesso de tecnicidade da agremiação que para muitos vencia carnavais ancorada em mecanismo de desfile engessados e rígidos, que fazia com que perdesse poucos décimos, mas que deixava um pouco a desejar na conexão com o público. Ainda que a Imperatriz de hoje seja uma escola que trabalha de forma muito séria, ensaia bastante, e busca, como lá atrás, gabaritar os quesitos, o carnavalesco quer a Rainha de Ramos sendo uma escola em que o seu componente coloque para fora toda aquela alegria que está dentro de si, e com uma pitadinha da jocosidade que faz parte do carnaval.

“O Lampião meteu o pé na porta para que a cigana Esmeralda pudesse ficar de campana na Imperatriz. A Esmeralda armou a tenda depois que o Lampião meteu o pé na porta. São aquelas questões das apostas que a gente vai fazendo enquanto vai desfrutando do prazer de conviver com a comunidade. E você vai descobrindo também o que que essa comunidade deseja, qual ambiente que essa comunidade quer desfrutar. Acho que acertei com esse enredo porque tenho visto a Imperatriz super feliz, a escola tem cantado com entusiasmo e acho que esse entusiasmo tem a ver com o que o samba propõe, que é o que o enredo propõe, que se juntou com a boa fase da escola. Esse enredo tem uma qualidade que é a ideia de que todo mundo deseja boa sorte. Esse canto que é coletivo, ele também é o canto que é individual. As pessoas cantam desejando boa sorte, cantam desejando que a maré mude, que as coisas melhorem. Todo mundo canta porque deseja estar, como o samba fala, com a sorte virada para a lua. Não é só a Imperatriz que quer viver com a sorte virada para a lua. É todo mundo. Isso tem a brincadeira do enredo e de alguma forma traz o gostinho da picardia que vai ter na visualidade. O Lampião era jocoso, tinha essa picardia e a cigana também tem”, avalia Leandro.

Cada vez mais entrosado com a comunidade, e entendendo do que o pessoal de Ramos gosta, Leandro Vieira procura produzir visualmente aquilo que acredita que tenha identidade com os componentes que vai vestir. E, de uns tempos para cá, tem se encantado com a voz que vai cantar o carnaval que vai produzir. O artista é só elogios para Pitty de Menezes, enfatizando a importância do intérprete para este processo que a Imperatriz Leopoldinense vive desde antes do título do ano passado, se tornando uma escola mais aberta não só para o mundo do samba, mas, principalmente, para sua própria comunidade.

“Acho o Pitty um arraso em termos de potência vocal. Mas acho que ele não é só um arraso porque ele canta bem. Acho que o Pitty carrega um carisma muito acima da média. Muito acima mesmo. Porque cantar bem tem uma porrada, mas com o carisma que o Pitty tem, são poucos. Juntou tudo, as coisas quando tem que dar certo, dão certo de qualquer maneira. Juntou a Imperatriz que deseja carisma, acabou encontrando no momento em que uma voz muito carismática, além de potente, se encontrou com a escola. Para mim é maravilhoso viver o tempo em que o Pitty de Menezes canta na Imperatriz, que o Loló comanda a bateria e que eu estou assinando a produção visual. Fico feliz de participar, de vestir a mesma camisa para entrar em campo com esse time, porque são dois craques”.

Carnaval acontece na Avenida

Sobre mais detalhes do desfile, o carnavalesco procura não entregar muita coisa. Leandro é adepto da ideia de que o carnaval só se expressa em sua totalidade na Marquês de Sapucaí. Por isso, o artista busca não revelar muito como a escola vai pisar na Sapucaí já na manhã de segunda-feira, para não encorajar julgamentos antecipados.

“Acho que as coisas acontecem muito no dia. O falar e o mostrar no desfile da escola de samba ele se caracteriza enquanto manifestação artística e espetáculo com uma característica muito particular. Ele só se apresenta na totalidade no dia. Qualquer coisa diferente da totalidade, é pré-julgamento. A alegoria no barracão é uma coisa. A alegoria na concentração de manhã é uma segunda coisa. A alegoria na concentração iluminada à noite é uma terceira coisa. A alegoria iluminada a noite com as composições em cima é uma quarta coisa e a alegoria em desfile é uma quinta coisa. Isso ocorre da mesma forma quando o componente está no ensaio técnico de calça branca e blusa do enredo, o ensaio é uma coisa. No desfile oficial, quando as mesmas pessoas que uma semana antes, quinze dias antes passaram de calça branca e blusa do enredo, quando eles passam fantasiado, eles já não são mais a mesma coisa que eles eram. O que eu disser para você sobre a quantidade de alegorias ou quantidade de alas, ou o que representa o primeiro, o segundo, o terceiro ou quarto setor dito é uma coisa, no dia do desfile é uma segunda coisa, uma coisa completamente diferente. É uma característica do desfile das escolas de samba, só existir a totalidade , e que será a totalidade que será julgada, porque o júri não tem acesso a material antecipado. Ele vê no desfile o que julga. É no dia do desfile que o trabalho se apresenta no todo”, define o artista.

O carnavalesco entende a importância dos ensaios, mas acredita que jogo é jogo e treino é treino, e isso no carnaval é uma máxima que se dá de forma ainda mais certeira. Até porque o time completo das escolas de samba, aí considerando segmentos e comunidade, não consegue treinar com a roupa que “vai entrar em campo”.

“É até um exercício que as pessoas poderiam fazer de entender que o barracão é uma coisa e o desfile é outra, que o samba que é muito cantado de blusa e calça, poderá ser pouco cantado se a fantasia no dia for um figurino que não contribua para a evolução, para o canto, para a liberdade do componente. A fantasia na internet e a fantasia no desfile não existe parâmetro para o que funciona ou não funciona, ou o que é belo no individual e só foi pensado para ser conjunto. No modo geral eu adoro falar sobre carnaval, sobre os enredos, mas não com essa coisa específica que as pessoas criaram como um spoiler e que elas começam a julgar algo que está parado. A fantasia e a alegoria só conseguem ser ‘todas’ no dia. É bacana deixar para o dia”, finaliza o carnavalesco da Imperatriz.

Em busca do décimo título na elite do carnaval carioca, a Imperatriz Leopoldinense vai encerrar a primeira noite de apresentações do Grupo Especial com o enredo “Com a sorte virada para a lua, segundo o testamento da cigana Esmeralda”.

Carnaval terá distribuição de água em todos os setores do Sambódromo

Manter-se hidratado é fundamental para quem pretende curtir o Carnaval com diversão, saúde e bem-estar. Por isso, durante os seis dias de desfiles na Marquês de Sapucaí, a Águas do Rio, que é uma das patrocinadoras do evento, vai garantir a distribuição gratuita de água potável para o público em todos os setores do Sambódromo e ainda entregará 140 mil ecocopos reutilizáveis.

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Foto: Divulgação

Para aqueles que estiverem nas arquibancadas, haverá pontos de hidratação em todos os 13 setores da Passarela do Samba. Para quem desfila, a água estará garantida na concentração e dispersão. A concessionária também fará a ação em pontos estratégicos, como na Praça de Alimentação e em frente ao setor 9.

Vale destacar também que a empresa vem hidratando o público durante os ensaios técnicos das escolas no Sambódromo.

“Cuidar do bem-estar dos foliões é uma forma de participar ativamente do Carnaval na Marquês de Sapucaí, que é a festa mais popular e tradicional do Brasil. Nos últimos meses, com o calor batendo recordes de temperaturas, mais do que nunca é importante que as pessoas bebam água e se mantenham hidratadas. Por isso ampliamos nossos pontos de distribuição para maior acesso do público. Onde as pessoas estiverem, a Águas do Rio também estará”, destacou o presidente da companhia, Alexandre Bianchini.

Copos reutilizáveis, um presente para o meio ambiente

Assim como em 2022 e 2023, os copos reutilizáveis da Águas do Rio, os famosos ecocopos, estarão presentes no Carnaval carioca. Com a iniciativa sustentável, as 140 mil unidades que serão distribuídas em 2024 pela empresa, nos seis dias de desfiles, evitarão, ao todo, a produção de 2,3 toneladas de lixo plástico.

Barracões Acesso 1 SP: Milênio conta a criação do mundo na visão de Vovó Cici

O resultado do Grupo Especial de São Paulo em 2023 trouxe algumas surpresas. Uma delas foi o descenso da Estrela do Terceiro Milênio, com um desfile positivamente surpreendente na estreia da agremiação no pelotão de elite do carnaval paulistano. Para quem pensava que a agremiação sofreria um baque após a queda, o CARNAVALESCO pode conferir que a instituição do Extremo Sul paulistano está mais uma vez muito motivada para fazer história no Anhembi. Com o enredo “Vovó Cici conta e o Grajaú canta: O Mito da Criação”, desenvolvido pelo carnavalesco Murilo Lobo (entrevistado pelo portal), o Grajaú será a sétima escola a desfilar no Grupo de Acesso, que será realizado no domingo de carnaval – 11 de fevereiro.

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Fotos: Will Ferreira/CARNAVALESCO

Surgimento – e convencimento

Ao ser perguntado sobre como surgiu a ideia para desenvolver o enredo, Murilo destacou que a inspiração veio em algumas pesquisas em veículos de comunicação que não são necessariamente ligados ao samba. “É importante que as pessoas conheçam e que elas entendam o desfile de maneira mais ampla porque aí a gente vai conseguir trazer a mensagem e realmente tocar as pessoas. Pesquisando sobre enredos na linha afro-religiosa eu encontrei um sobre atabaques e Vovó Cici me chamou atenção. Comecei a pesquisar sobre ela começou a vir um monte de outros materiais – inclusive uma entrevista dela no programa do Lázaro Ramos, em foram chamados alguns religiosos, sendo que ele, até então, nunca tinha discutido religião. Ele trouxe uma pessoa do candomblé, um padre, um pastor e etc. Ela me encantou e eu continuei pesquisando sobre ela. Nisso, encontrei um vídeo dela contando o mito da criação em um sarau nas ruas de Olinda. Ela traz atabaques, canta os cânticos, e etc. Pensei que essa história é muito incrível entrei em contato com o Silvão Leite, pedi para o presidente abrir o coração e ouvir a história. Para as pessoas que não são e não tem nenhum tipo de proximidade do candomblé às vezes é complexo propor um tema nessa vertente, mas ele achou a história incrível. Falei, então, para trabalharmos nisso – nas periferias você tem um avanço das igrejas pentecostais, uma endemonização dos orixás, e isso é muito ruim de acontecer. Apesar de ter alguns pastores incríveis, que defendem e respeitam, tem uma grande massa de pessoas tentando oprimir. Se os primeiros homens estavam na África, ela é muito mais antiga que a mitologia cristã ou grega, que também são lindas – e muitas pessoas tentam apagar isso. O presidente abraçou a ideia, a comunidade também”, contou.

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Após a aproximação, chegou a hora de encontrá-la para verificar o quanto seria possível unir a figura que estava prestes a ser homenageada com a agremiação. “A Vovó Cici tem um borogodó espiritual que é muito mágico. Quando eu fiz contato com ela, sabendo que ela estuda Pierre Verger (já que ela o ajudou a codificar o que foi feito na África, no Brasil e em Cuba, fazendo uma ligação dessa diáspora misturando cultos e encontrando similaridades), tentei ir para Salvador, mas a diretora do instituto pediu para eu mandar algo por escrito. Escrevi uma carta bem longa explicando quem eu era, quem a Estrela do Terceiro Milênio era, similaridades do Grajaú com Salvador… tudo isso para ver se ela aceitava ser a protagonista do enredo. Me informaram que ela tinha uma agenda em São Paulo, participando de alguns eventos e eu perguntei se conseguiria conversar com ela. Peguei o contato da filha dela, almoçamos, levei o Mestre Vitor Velloso mas ela não queria saber do projeto, queria nos conhecer, conversamos sobre nós mesmos. Foram umas três horas de almoço, ela queria comer num restaurante árabe que ela gosta muito no Paraíso e todos conheciam ela. Uma mulher saiu de uma mesa, perguntou se podia fazer uma foto com ela e ela saiu aos prantos, comovida. A gente não falou sobre o enredo, mas eu perguntei se ela sabia do meu projeto e eu pedi para ela consultar guias e orixás. Disse que ficaria aguardando uma resposta. Alguns dias depois, me ligaram de Salvador dizendo que ela aceitou participar muito mais porque o enredo não era sobre ela própria ou a vida dela: é sobre a missão dela, de contar histórias assim – e ela me pediu para contar essa história no Anhembi”, comemorou.

Não é biográfico

Algo que ficou bastante evidente ao longo de toda a entrevista e que pode não ser para muitos é o fato da estrela principal do desfile da Estrela do Terceiro Milênio não ser, especificamente, Vovó Cici – mas, sim, uma das tantas histórias contadas por ela: a do mito da criação. “Falei sobre os vídeos que tinha visto e começamos a tricotar os detalhes do enredo, ela falando com detalhes e emendando histórias, todos ficamos de boca aberta com o conhecimento, a profundidade e a maneira amorosa com que ela faz isso. Tanto que, no Pierre Verger, ela trabalha como contadora de histórias para crianças: ela pergunta que história as crianças querem ouvir e elas falam da Pequena Sereia, por exemplo; eis que a Vovó Cici fala que na África tem uma outra sereia, uma das maiores do mundo, chamada Iemanjá, trazendo os orixás para uma leitura que as crianças consigam entender melhor. É maravilhoso. Aquilo me pegou. Esse é o meu mote: vou trazer o mito da criação contado sob o olhar dessa mulher de maneira lúdica, com figuras coloridas, para as crianças e jovens. Essa é a nossa ideia”, comentou.

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Pouco depois, o próprio carnavalesco fez questão de deixar tal situação bastante clara – aproveitando para pontuar que tal situação não deixa de ser uma homenagem a quem tem mais idade. “Não é um enredo de reverência a ela como uma grande griô. Depois de estudar a vida dela e entender um pouquinho sobre a cultura negra, a gente percebe que tais ensinamentos têm um respeito para conhecer os mais velhos – algo que a gente precisa ter dentro das escolas de samba e das nossas casas. Além do mito da criação, fechamos a homenagem valorizando os griôs do carnaval, do samba, do axé, dos mais velhos, das casas, para que a gente possa, talvez, começar a olhar para os mais velhos de um outro jeito”, destacou.

Mais que uma setorização: o enredo contado

Ao ser perguntado sobre como viria a Estrela do Terceiro Milênio setor a setor, Murilo Lobo fez questão de aproveitar para trazer uma infinidade de detalhes sobre o enredo. Começando pelos momentos nos quais a jovem Vovó Cici sequer era religiosa. “A gente vai começar esse desfile na comissão de frente, trazendo a contadora de histórias. Ali, nós vamos conhecer um pouquinho da história da Vovó Cici. Ela conta que tentou negar a própria ancestralidade: ela morava no Rio de Janeiro e, perto dos vinte e poucos anos, começou a ter perturbações espirituais fortíssimas – sendo que, em um dia, ela quase foi atropelada. Um hare krishna a salvou e ela começou a ter transes, com todo mundo olhando assustado para ela – possivelmente incorporando alguma entidade. As pessoas, que não tinham dimensão daquilo, a olhavam assustados. Ela começou a ficar doente, inclusive fisicamente, também por conta disso. Chega um amigo da família na casa dos parentes dela e ele fala que a Vovó deveria voltar para Salvador, levando-a justamente para o que seria o pai de santo dela. Desde que ela chegou lá, a vida dela se transformou. Ela nunca mais voltou para o RJ, tendo mais de cinquenta anos de candomblé. É essa história que contaremos na comissão de frente: de uma jovem sem fé que se encontrou e vai se transformar numa mulher de fé, contadora. Também vamos ter uma surpresa lúdica para coroar essa contação de histórias para começar as homenagens”, lembrou.

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Passada a comissão de frente, outros setores da agremiação vão surgindo – e, aqui, a presença de entidades de religiões africanas fica bastante evidente. “Vamos falando da mitologia, da cosmologia, da criação do mundo na visão urbana. Logo depois, trago o abre-alas para começar a contação da história de fato. Ela sempre começa dizendo ‘Dizem os antigos que’, e, a partir daí, a contação começa. Um dia, no Orun, Olodumare entrega o saco da criação para Obatalá. Ele, velhinho, vai ao nada e despeja o conteúdo. Nosso abre-alas trará, na primeira parte a morada dos orixás e a entrega do saco. Na contação de histórias, Obatalá vai ao nada, se distrai, se cansa, descansa em uma nuvem, sofre de uma sede danada e cria uma palmeira, cortando a junção do caule com as folhas e bebe o vinho da palma, se embriagando e dormindo. A segunda parte do abre-alas é o nada, com Obatalá adormecido e Exu, malandramente, roubando o saco da criação. Ele volta para o Orun e fala para Olodumare crente que seria ele próprio quem criaria o mundo, mas Olodumare pede o saco da criação e Exu, a contragosto, devolve. Eis que Olodumare chama Odudua, que era da mesma família de Obatalá. Aliás, um parêntese: conforme fui falando com a Vovó, ela comentou que, de acordo com Verger, os 156 orixás que moravam no Orun naquele momento eram todos albinos. Estamos respeitando as bases históricas, com negros albinos, não vou temer: vou reproduzir, não vou interpretar”, afirmou.

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Já dando um “spoiler” de como será uma das principais fantasias da escola, Murilo termina o trecho destacando a presença feminina na criação do mundo – tema com que a agremiação foi vencedora do Grupo de Acesso I em 2022. “Enfim chega a nossa bateria vem como Exu. Eis que Odudua pega o saco da criação e obedece, indo ao nada e despejando o saco da criação. Ele jamais iria imaginar que tinha tanta magia lá dentro: começa a surgir o solo, as raízes, as sementes; começa a chover, criam-se os mares e os rios, ele prova da água doce e salgada. São sete dias para o Ayê formar enquanto a magia vai acontecendo. Surge o verde, as flores, os pássaros, os animais. Quando está tudo criado, é o nosso segundo carro: o Ayê criado e o triste despertar de Obatalá. Ele fica muito mal, bem deprimido, pensando que falhou. Odudua, então, fala para ambos irem ao Orun e Olodumare pede para Obatalá criar o ser humano – o que seria bem mais difícil, já que não existia mais o saco da criação. Mesmo assim, ele aceita pensando que jamais voltaria ao Orun. Ele desse para o Ayê e começa a formar o ser humano de nuvem, mas o vento desmancha; de areia, mas as ondas do mar a fazem desmanchar; de fogo, mas a chama apaga; de ferro, mas era muito rígido; de pedras, mas as mãos se juntavam. Ele entra em desespero e vai até o iroko, uma árvore ancestral – de onde sai uma mulher bem negra dizendo que pode ajudá-lo. Ela mergulha no pântano, traz argila, barro e terra negra. Rapidamente ela começa a moldar os corpos e ele vai ajudando com as cabeças. Olha que bonito: a mulher entrando na história para ajudar na criação do ser humano. A participação feminina é fundamental. Ele fala que estão criadas as raças e dá o sopro da vida”, pontuou.

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Para encerrar, com o mundo já criado, os momentos finais da exibição da instituição do Grajaú chegarão. “Eles voltam para o Orun com festa dos demais orixás e Obatalá fala que só conseguiu criar o ser humano graças à mulher, que não tinha o nome. Eu a chamei de Nan, rainha, e ela se tornou Nanã. Olodumare pergunta qual seria a recompensa e Obatalá pede para, quando necessário, tirar o que ele colocou; Nanã pediu, como recompensa, ficar com o resto da matéria para que volte em outra forma à Terra. As crianças se ajoelham perante Olodumare e ele coloca o bem e o mal, e Orunmila coloca o axé, para dar o livre arbítrio e o poder para transformar o bem e o mal. Então, Nanã desce para o Ayê para ficar com os filhos e Obatalá fica no Orun. Quando chega o nosso último carro, ele conta a chegada de Nanã na Terra, com três crianças ajoelhadas para receber a benção de Orun e eu fecho com uma escultura de Vovó Cici trazendo diversos pais de santo e pessoas mais velhas das casas de candomblé como convidados de griôs de axé misturado com os grandes baluartes do samba e as crianças da Milênio, unindo o passado, o presente e o futuro”, arrematou.

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O carnavalesco aproveitou para pontuar uma informação bastante importante a respeito da composição do samba-enredo da agremiação para o carnaval 2024. “Isso foi uma exigência. Quando fazemos a encomenda do samba e falamos que vai ser sobre o mito da criação, os compositores entenderam e foi um trabalho muito legal. E eles entenderam. Não é apenas mais um afro religioso passando pelo Anhembi, a gente queria que as pessoas entendessem”, disse.

Similaridades e vitalidade

Murilo Lobo foi perguntado sobre quais pontos, em toda a pesquisa desenvolvida por ele, mais o chamaram atenção. Dois fatos, em especial, foram pontuados. “O que mais me surpreendeu foi ter encontrado similaridades deste mito da criação com outros mitos que vieram de outras religiões. Quando os africanos falam de sete dias para nascer o Ayê, a Bíblia fala de sete dias para o mundo ser criado. Ou seja: muitas das pessoas que escreveram uma Bíblia, muitos dos filósofos que escreveram na filosofia grega, também visitaram e beberam dessa fonte. Em muitas das pesquisas que a gente fez, a gente descobriu que Aristóteles passou pela África. Havia uma sabedoria ancestral em que eles foram beber. Isso foi especial. Depois disso, agregamos mais culturas além da cristã, entendeu? Isso me chama muito a atenção, de falar dessa história que foi feita antes das outras mitologias. Outra coisa que me chamou atenção foi encontrar tudo isso em uma mulher com a idade dela. Ela tem 84 anos! Tem uma energia que é uma coisa de louco. Na primeira vez que ela veio na quadra, quis almoçar com a gente. Tínhamos separado para ela um lugar junto ao presidente, mas ela quis almoçar com todo mundo, e ela dando as bênçãos para as crianças. Um clima de respeito, eu não tinha pedido nada para ninguém. Aquilo aconteceu naturalmente e ela participou desse almoço. Depois, gravamos ela contando o mito da criação inteiro para poder distribuir pela comunidade, fizemos coletiva de imprensa de lançamento. Quando deu 22h, pedi para chamar uma van para ela, mas ela foi para fora da quadra e falou que estava bem, inteira – e eu mesmo já estava morto de cansaço. Ela disse que quer viver tudo que puder. Para mim, é tocante ver essa mulher cheia de energia para realizar a missão dela”, contou.

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Motivação extra

O carnaval de São Paulo reagiu com muita surpresa ao rebaixamento da agremiação do Grajaú após um desfile considerado muito satisfatório pelo mundo do carnaval. Murilo conta que, para a agremiação, a perplexidade também foi enorme. “Eu saí da apuração em estado de choque. Foi absolutamente inesperado. Paramos eu e o Silvão Leite num restaurante e ele me perguntou se não seria melhor eu enrolar o pavilhão e continuar nos trabalhos sociais. Eu fiquei sem resposta. O presidente acreditou no Eduardo Basílio, que sempre o incentivou a fundar uma escola de samba, ele está presente na escola sempre, tocava o barracão comigo mesmo quando ainda não estava no cargo… ele sempre vai além para viabilizar tudo. Ele sonha junto comigo. Quando chegamos no Grajaú, a comunidade estava na praça com a bateria tocando, os bandeirões, o povo estava cantando o samba porque estavam orgulhosos. De lá, ele me ligou e falou que não iria enrolar o pavilhão, porque a escola era algo muito maior do que ele imaginava”, suspirou.

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Dia a dia corrido

Ao ser questionado sobre o cotidiano que tem como carnavalesco, Murilo mesclou como ele gosta de agir com uma característica bastante especial da escola em que está. “Eu brinco: será que um dia eu vou ser um carnavalesco só de projeto? Quando eu cheguei na Milênio, eu tinha a chave do almoxarifado, entregava materiais e coordenada todo mundo… o Grupo de Acesso II foi um momento cruel da escola. Eu tinha que ajudar o máximo que eu podia, já fiz muitas coisas. De lá para cá, a escola se estruturou e trouxe outros profissionais para ajudar. A minha dinâmica é acordar, vir para o barracão, projeto as coisas por aqui, coordeno e faço as coisas com todo mundo por aqui. A Milênio tem, no seu DNA, produzir. Sei que escolas do Acesso têm que pegar esculturas ou fantasias, mas nós não costumamos fazer isso. O nosso tempo de produção é muito grande, e produzimos fantasias que poderiam estar no Especial. Continuamos em evolução e sempre pedi para o presidente subir degraus com a escola, prepará-la para ser uma grande escola. Tudo na medida, tudo orçado. Meu dia a dia é intenso e dentro do barracão”, afirmou.

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Para encerrar, o carnavalesco repetiu o último verso do samba-enredo para deixar um recado especial a todos os fãs do carnaval – em especial, aos torcedores da Coruja. “Primeiro, muita gratidão por todo o carinho e gratidão que todos tiveram com a gente neste último resultado. A gente vai para fazer um lindo desfile de novo, é a Milênio com cara de Milênio. Com muita força, com muito axé, trazendo essa mensagem incrível. Se não puder ser amor, que seja ao menos respeito”, finalizou.

Ficha técnica
Componentes: 1300
Alas: 13
Alegorias: 03 (mais um pede-passagem e dois quadripés)

De olho nos quesitos: 75% das notas em bateria nos últimos cinco anos foram 10

É senso comum entre ritmistas, mestres e analistas que o nível das baterias do Grupo Especial está muito elevado. Os responsáveis pelo comando do ritmo se aprimoraram musicalmente nos últimos anos e vêm entregando um desempenho que beira à perfeição na avenida. A distância técnica entre o nível das baterias de hoje e alguns anos atrás é gritante. Tamanha evolução no quesito é acompanhada na opinião dos jurados.

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Foto: Diego Mendes/Divulgação Rio Carnaval

Na série “De olhos nos quesitos” a reportagem do site CARNAVALESCO se debruçou sobre as 162 notas dadas pelos quatro julgadores que irão avaliar o quesito este ano e encontrou uma verdadeira chuva de notas 10. Nada menos que 75% das notas aplicadas por eles nos últimos anos foi a nota máxima. A julgadora Mila Schiavo, por exemplo, que estreou em 2022, de suas 24 notas dadas nos últimos dois carnavais, 22 foram 10. Índice superior a 90%. Do corpo atual de julgadores, Ary Cohen e Philipe Galdino julgaram quatro vezes, Rafael Castro três vezes e Mila duas vezes.

Para os céticos, julgadores que ‘não julgam’. Para os defensores das notas dadas é difícil mesmo não dar 10 para as baterias do Grupo Especial. O site CARNAVALESCO encontrou 40 notas abaixo de 10 nos últimos cinco anos, média de oito por ano. Considerando que em 2018, 2019 e 2020 o desfile contou com mais de 12 escolas, a média de notas totais por ano no quesito é de 51,2. Apenas 15% não foram 10.

Imprecisão rítmica domina justificativas

Embora aos olhos dos jurados poucas baterias tenham cometido falhas relevantes nos últimos cinco anos, a falta de precisão rítmica foi a justificativa mais encontrada pela reportagem de 2018 para cá. Situações como naipes ‘sobrando’ nas retomadas, ausência de ‘peso’ de determinado naipe na apresentação da escola que torna a sonoridade da bateria ‘inconsistente’ e execução mal realizada das bossas podem se enquadrar nesse aspecto e tem sido observada pelos julgadores.

Um aspecto que sempre causou polêmica no julgamento de bateria, por ser um dos quesitos mais objetivos de todos, é o uso da criatividade (no caso a falta dela) para tirar décimos de alguma bateria. É polêmica justamente por ser algo subjetivo. O que seria uma bateria sem criatividade? Essa justificativa praticamente desapareceu nos últimos cinco anos, de acordo com o levantamento realizado pela reportagem do CARNAVALESCO.

Andamento e desencontro musical também citados

Outro ponto que sempre gera polêmica no julgamento de bateria é sobre o andamento. Mestres costumam ficar possessos quando são canetados por conta do número de batidas por minuto de suas baterias. Muitos alegam que julgadores desconsideram as características históricas de determinadas baterias. De todas as justificativas encontradas por nossa equipe e que apontam o andamento como responsável pela nota abaixo de 10, em 100% das vezes a crítica veio por andamento acelerado. Nunca por estar lento. Pode-se concluir com isso que baterias mais ‘na frente’ estão mais vulneráveis nesse aspecto.

De acordo com o manual do julgador não é apenas a precisão rítmica que está em julgamento em um bateria. A harmonia (não o quesito em si, que ainda será abordado nesta série) entre o canto e dança da escola com o andamento da bateria também deve ser avaliado. Nem sempre as falhas nesse aspecto podem ser creditadas aos mestres, pois as falhas no som da avenida comprometem este encontro do canto com o ritmo da escola. Mas a verdade é que encontramos algumas justificativas que alegam desencontro entre canto e ritmo e muitas vezes o vilão apontado é justamente o andamento.

Série Barracões: Um céu de fitas da Acadêmicos de Niterói com muita tradição e resistência

A Acadêmicos de Niterói apresentará no Carnaval 2024 pela Série Ouro um enredo autoral intitulado “Catopês – Um céu de fitas”, desenvolvido pelo carnavalesco Tiago Martins. Este enredo tem como propósito explorar a rica cultura popular da Festa de Catopês, originária de Montes Claros, Minas Gerais, destacando tradição e resistência. A escola de samba levará estandartes em nome da fé, exaltando a cultura popular.

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Fotos: Maria Clara Marcelo/CARNAVALESCO

A Festa de Catopês, que completa mais de 184 anos, teve seu início nas mãos dos negros das antigas fazendas na região do antigo Arraial das Formigas. Esses grupos negros estabeleceram toda a estrutura dos Catopês como uma festa de cunho religioso dedicada às liturgias católicas em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo.

A origem das congadas foi crucial para os negros, proporcionando uma forma de potencializar sua força e reivindicar espaço com seus grupos em confrarias dedicadas à Nossa Senhora do Rosário. Ao longo dos anos, essa celebração tornou-se um elemento preponderante dentro dos domínios de seu opressor. Por meio do sincretismo, as festividades dos Catopês, ocorridas em agosto ao longo de quatro dias pelas ruas de Montes Claros, incluem não apenas os grupos de catopês, mas também a participação de marujadas e caboclinhos, destacando a beleza social e cultural da região do norte de Minas Gerais.

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Personagens emblemáticos da resistência cultural, como Mestre Zanza, comandante do primeiro terno de Nossa Senhora do Rosário e o mais antigo da cidade, contribuíram significativamente para o fortalecimento das manifestações culturais e folclóricas das tradicionais Festas de Catopês de Montes Claros.

Tiago Martins compartilhou, durante uma entrevista exclusiva para o site CARNAVALESCO, como ele pensou nesse enredo que irá colorir toda a Avenida com um “céu de fitas”, destacando a beleza e a tradição da Festa de Catopês: “Eu gosto muito dessa coisa regional e aí eu comecei a procurar essas festas folclóricas, e apareceu o nome Catopê. Aí um amigo que me apresentou: ‘olha, dá uma olhada nesse nome aqui’, e aí quando eu pesquisei, o pouco que eu vi, eu comecei a me apaixonar cada vez mais e me debrucei e fui embora estudando o que seria Catopê. E aí veio o convite da Acadêmicos de Niterói para fazer o carnaval, eles tinham uns enredos em mente, e aí os enredos não deram muito certo, e o presidente falou: ‘vamos fazer Catopê’”.

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Durante a pesquisa do enredo, Tiago percebeu que o aspecto mais interessante era a festa em si. Ele destacou que o Catopê é uma congada, uma manifestação cultural de matriz africana. Considerando o contexto histórico em que os participantes eram ex-escravizados, a celebração ganha um significado especial. O carnavalesco trouxe essa atmosfera festiva e alegre para o pavilhão, destacando a importância de transmitir a vibração positiva e a alegria presentes.

“Catopê é uma congada, então vem das matrizes africanas. E quando eles começam a contar um pouco para gente, eles falam a forma da congada, que é diferente do que a gente está acostumado a ver. Então eles falam que é uma congada festiva, para cima, alegre. A forma de dançar é diferente, não é com o corpo para baixo, é sim para cima, sempre alegre. Porque eles eram ex-escravizados, eles não eram mais escravizados. E aí a gente trouxe isso para dentro do carnaval, que é uma festa”.

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O ponto alto do desfile será a comissão de frente, cujos detalhes estão sendo cuidadosamente elaborados por Fábio e Alessandra, o coreógrafo e a cenógrafa, respectivamente. Destaca-se que o último carro será especialmente emocionante, pois homenageará o mestre Zanza, uma figura fundamental na continuidade da festa do Catopê que desempenhou um papel crucial ao manter viva essa tradição, mesmo quando tentaram acabar com ela. O desfile também contará com a participação de Mestre Zanza Júnior, filho do mestre Zanza, que continua o legado de seu pai, representando a transmissão dessa tradição de geração em geração. O enredo destaca a resistência e a resiliência dessas figuras importantes na preservação da cultura e das festividades do Catopê.

“Eu tenho a comissão de frente, que o Fábio está cuidando muito bem, a Alessandra, a cenógrafa, está cuidando de cada detalhe da comissão de frente. O último carro vai ser muito emocionante, porque a gente traz o mestre Zanza, que foi um cara que deu continuidade a essa festa. E hoje, vem no carro, ele não é mais vivo, e hoje vem no carro, o filho dele, mestre Zanza Júnior, que dá continuidade. Então isso vai passando de geração a geração. Quando tentaram acabar com a festa, o mestre Zanza, ele foi junto com os outros, junto com o João Faria, Joaquim Koló, ele foi para a rua com os estandartes para manter viva essa festa. E através disso, ele traz outros grupos como o Marujos e os Caboclinhos e outros grupos que existem folclóricos dentro da cidade para dentro do festejo que acontece em agosto”, comentou Tiago.

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O carnavalesco também expressou as dificuldades que são enfrentadas nos barracões da Série Ouro e como essas adversidades acabam impactando o andamento do Carnaval. Tiago mencionou a sorte que teve em comparação com outras situações, onde ouviu relatos de barracões com “uma cascata em cima dos carros”.

“É um pouco complicado. Eu falo que até isso eu tive sorte, porque eu escuto a história deles aqui, que era uma cascata em cima dos carros e eles conseguiram tampar esses buracos maiores, mas existem os menores. Como você mesmo está vendo a gente passa por essa situação na chuva de ter que estar cobrindo o carro correndo para gente não perder o que a gente está construindo. Mas eu falo que é bastante complicado. Carnaval sem sufoco não existe. Sem estresse, sem correria, não é carnaval”, desabafou Tiago.

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Para Tiago o Carnaval só é possível graças ao trabalho dedicado de uma equipe excelente, composta por ferreiros, carpinteiros, aderecistas e outros profissionais, que mesmo diante do estresse e das pressões, a atmosfera é de brincadeira, com momentos de descontração: “A gente tem a equipe muito boa. Eu acho que está centralizado com ferreiro, com carpinteiro, com os aderecistas. E é uma brincadeira o tempo todo. Por mais que rola o estresse, a gente está sempre brincando. É uma água, é um biscoito, é um chocolate. Então, tipo, a gente vai se divertindo a cada momento que a gente vai construindo e sentindo o prazer de ver aquilo tudo tomando vida. Mas isso só existe por causa deles, que são os trabalhadores. Porque sem eles a gente não teria carnaval.”

CONHEÇA O DESFILE DA ESCOLA

No primeiro dia de desfiles da Série Ouro, sexta 09 de fevereiro, o pavilhão da Acadêmicos de Niterói, será a sétima escola a desfilar com três carros alegóricos, um carro na comissão de frente e um tripé.

Setor 1: “A gente abre a escola trazendo a Congada, o povo preto, a coroação do Rei Preto, que vem essa história das matrizes africanas, da Congada, do povo preto, ele sendo coroado e de onde sai o nome Catopê. A gente faz a junção das três raças que a gente traz os indígenas, que monta o grupo dos caboclinhos, os marujos, que são a batalha de cristãos e mouros, que a gente traz a marujada e a gente traz os africanos, a Congada, que é do povo preto”.

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Setor 2: “Logo depois em seguida a gente tem o segundo setor, que lá acontece o festejo em quatro dias, o primeiro dia de Nossa Senhora do Rosário, o segundo dia de São Benedito, terceiro do Divino e no quarto são todos eles juntos. E aí o que eu fiz? Eu peguei o quarto dia e trago para Sapucaí, onde vocês vão ver Catopê, Marujo, Caboclinhos, Rei, Rainha, Príncipe, Princesa, Imperador e Imperatriz. Então, tem umas novidades bem bacanas, inclusive nas minhas baianas. Ficam de olho que é bem bacana. E logo depois em seguida a gente traz o carro com essa questão da religiosidade. A gente traz Nossa Sra. do Rosário, São Benedito, Divino Espírito Santo. E é legal porque lá tem a simbologia das cores. Nossa Sra. do Rosário que é na cor azul, São Benedito que é na cor rosa, e Divino Espírito Santo que é na cor vermelha. Então, além de vocês verem no carro muito dourado, vermelho, vocês vão ver muitas fitas coloridas dentro dessas cores, porque existe essa simbologia do dia. Inclusive, o cortejo, cada um no seu dia, é nas cores. E no quarto dia é aquele colorido, aquele tapete colorido que eu trago no segundo setor”.

Setor 3: “A gente já abre Catopês para sempre, que é uma roupa já mais em preto e branco, uma coisa meio que fúnebre. Quando tentaram acabar com a festa e a gente traz essa simbologia, essa homenagem ao mestre Zanza, porque ele foi para rua nesses dias para poder manter vivo, então é por causa dele, por ele ter pegado o estandarte e ter ido para rua, que hoje em dia essa festa mantém viva. E aí a gente traz outros grupos folclóricos de Montes Claros, porque através dessa manifestação ele consegue juntar um dia só de festa e agregar, trazer para junto com dos Catopês, esses outros grupos folclóricos. Hoje existe uma associação onde dá esse suporte para esses grupos folclóricos também, que a festa acontece em agosto, mas durante o ano inteiro vai existindo festa através da associação que organiza isso para acontecer”.

Setor 4: “E o último carro a gente traz uma escultura do mestre Zanza bem grande, que eu acho que melhor do que ninguém para encerrar esse desfile. E a gente traz todo esse povo do cortejo, caboclos, marujos, catopês, que vão estar em cima desse carro com as suas vestimentas que eles usam no cortejo lá, e as outras coisas em volta. A gente fala da musicalidade, não só do mestre Zanza, como a gente fala de outros líderes, de outros mestres que também, junto com o Zanza, manteve vivo, que vai estar seus netos, seus filhos, suas bisnetas que mantêm viva essa festa”.

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Série Barracões: Apostando no colorido e em história inédita, Viradouro traz mensagem de tolerância religiosa ao falar do culto ao candomblé Jeje

A Viradouro tem batido na trave nos últimos anos. Após a conquista de 2020, a agremiação conseguiu um vice-campeonato e um terceiro lugar. Sempre presente no top 3 desde que voltou ao Grupo Especial em 2019, a Vermelha e Branca do Barreto vai apostar novamente em um enredo profundo, complexo, inédito e carregado de religiosidade para buscar o terceiro título da elite do carnaval carioca. E uma das grandes apostas é o carnavalesco, Tarcisio Zanon, que não perdeu nenhum décimo válido nos quesitos plásticos e em enredo desde curiosamente no ano do título. Produzindo o segundo desfile na escola em voo solo, o artista quer se manter inatingível pela caneta dos jurados para ajudar a Viradouro a conquistar mais um caneco.

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Fotos: Rafael Arantes/Divulgação Viradouro

“Eu quero manter esse título aí. Se Deus quiser, estamos trabalhando muito para isso, e estendo esse resultado muito a essa equipe, porque a minha equipe, a equipe da Viradouro, o suporte que nós temos aqui , o suporte muito mais que só financeiro, o suporte organizacional, humano, que faz com que essa equipe se mantenha junto, faz com que esse resultado aconteça. Esse resultado não é só meu, é de uma equipe cada vez mais amadurecida, com um suporte muito grande por trás disso”, aponta o carnavalesco.

Em 2024, a Unidos do Viradouro levará para a avenida o enredo “Arroboboi, Dangbé”, sobre a energia do culto ao vodum serpente. Força que se manifestou desde épicas batalhas na Costa ocidental da África e que influenciou as lutas das guerreiras Mino, do reino de Daomé, iniciadas espiritualmente pelas sacerdotisas voduns, dinastia de mulheres escolhidas por Dangbé. O carnavalesco Tarcisio Zanon explica que o tema chegou até o artista ainda quando produzia o carnaval do ano passado sobre a Rosa Maria Egipcíaca e o conquistou e o levou a pensar como produzir para um desfile.

“Ano passado, quando fizemos a pesquisa da Rosa, a gente descobriu a religiosidade dela que era o Acotundá originário. E o Moacir Maia, que foi o escritor desse livro, foi convidado para desfilar e um dia ele esteve no barracão e a gente apresentou a obra da Rosa para ele, e ele nos contou que ia lançar um livro no ano que vem que era sobre as sacerdotisas voduns. Quando ele falou isso, me acendeu um alerta. Eu pensei em falar de vodu, uma coisa que pode ser interessante. Ele me antecipou a pesquisa antes do lançamento, eu li o livro e foi o estalo para que eu pudesse ir mais a fundo nesta história. Liguei para uma amiga minha da Bahia e perguntei para ela se ela conhecia alguém que tivesse mais conhecimento do assunto, e por uma coincidência, a namorada dela tinha acabado de ser feita na primeira casa de santo vodum na Bahia. E aí ela marcou uma reunião minha com a mãe de santo e com os antropólogos da casa. A partir daí o enredo foi ganhando corpo”, relata o artista.

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Por se tratar de uma temática que ainda não possui tantas informações reunidas e organizadas, a equipe de Tarcisio Zanon teve que se virar para construir a narrativa, contando obviamente com a pesquisa de Moacir Maia, mas também desenvolvendo o seu próprio trabalho. Para êxito nesta tarefa, o carnavalesco da Viradouro contou com uma importante ajuda de um pesquisador que já vem fazendo parte da família vermelha e branca de Niterói nos últimos anos.

“O João Gustavo Melo neste sentido foi fundamental para a pesquisa, esteve junto o tempo todo para a gente conseguir fazer essa amarração toda para contar essa saga. E foi se descortinando todas essas informações preciosas que fazem a nossa narrativa. Eu costumo dizer que o nosso enredo ele não tem como você pesquisar no Google, ou colocar na inteligência artificial e pedir como será esse enredo, porque a gente foi cruzando várias informações, informações históricas, registros históricos, documentários, oralidade das pessoas da casa, dos antropólogos para que a gente conseguisse compilar todas essas ideias e traçar essa narrativa”, explicou Tarcisio.

Serpente Sagrada na paleta do arco-íris, uma explosão de cores

Os poucos sortudos que entram no barracão da Viradouro neste pré-carnaval, além de ficarem admirados pela grandiosidade das alegorias como nos últimos anos, percebem uma verdadeira explosão de cor, uma opção por utilizar de forma mais intensa a paleta de cores, mais voltado para o colorido, mas tudo isso tem uma razão.No candomblé Jeje há Dangbé, o culto a serpente, o vodum de proteção, do equilíbrio e do movimento. Nele tudo avança e tudo retorna, nada acaba. Por isso é materializado pela imagem da cobra engolindo a própria cauda. Uma das imagens mais esperadas é justamente a da serpente, como virá presente no desfile da Viradouro. A cobra vai se relacionar de forma bastante destacada pela opção na paleta de cores relatada acima, como explica Tarcisio Zanon.

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“Ao pensar este carnaval, primeiro que a gente está falando sobre um enredo que trata de um sagrado em que o símbolo dessa serpente é o próprio arco-íris. Isso me trouxe uma liberdade cromática enorme. Eu não poderia deixar de retratar essa serpente sagrada sem utilizar toda a paleta de cores. E fora isso, a gente está tratando de uma África múltipla, uma África que ainda não foi muito difundida na Sapucaí. A gente procurou na pesquisa encontrar essa África colorida, essa África das estampas, das cores novas, por isso, eu acho que, quando o sambista, quando a Marquês de Sapucaí se deparar com essa África vai ter esse impacto que eu acho que vai ser bem favorável para trazer esse novo olhar para essa África”, aposta o profissional.

E, claro, há outro ponto importante que fez com que Tarcisio pensasse no uso das cores, não só olhando pelo prisma do contexto do enredo. Em 2023 já aconteceu bastante, mas em 2024 há uma clara intenção de um uso maior por parte dos carnavalescos da iluminação cênica da Sapucaí. Pela primeira vez, na Passarela do Samba, cada escola do Grupo Especial do Rio de Janeiro, terá o controle total do sistema de iluminação de toda a Avenida nos desfiles de 2024. Desde dezembro, as agremiações estão em contato com a equipe que opera o sistema e já iniciaram os testes oficiais, principalmente, em seus tripés e integrantes da comissão de frente. A Viradouro é mais uma escola que vai explorar essa tecnologia.

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“A gente está trabalhando também uma materialidade nova que o mercado está trazendo. A gente tem o recurso da iluminação, esse ano está muito mais próximo da gente, porque a gente está conseguindo pautar muito mais isso e estudar muito mais. Eu procurei utilizar materiais que pudessem causar contrastes com essa luz. Vocês podem esperar um refletivo muito maior, um contraste muito maior, essa matéria que a gente utiliza na estrada que é o ‘olho de gato’, a gente está utilizando para refletir a luz. A gente vai ter um jogo de luzes com o trabalho feito muito interessante, acho que na Marquês ainda não se pode explorar e agora a gente da nova geração está tendo essa oportunidade”, analisa Zanon.

Nos dois últimos anos, a iluminação vem sendo utilizada na Avenida, mas com reclamações dos artistas e do público, muito no sentido de que o foco de luz em alguns casos poderia esconder os componentes, além da questão da escuridão nas arquibancadas. Agora, o clima na maioria das escolas de samba é de encantamento com uma possibilidade artística. Ciente das críticas pela forma que o recurso foi utilizado recentemente, Tarcisio entende que a iluminação cênica deve ser aproveitada com parcimônia, procurando valorizar ainda mais o espetáculo e os componentes que são os protagonistas dos desfiles.

“Eu pretendo, vou usar, mas eu me preocupo muito com não perder as características do artesanal popular. O carnaval é feito disso. O carnaval tem como alma o artista, o brilho, o volume, o exagero, isso é o que faz a nossa arte ser tão diferenciada. E o detalhismo, não é utilizar a luz para esconder isso, é utilizar a luz para enaltecer esse trabalho”.

Arte cinética mais presente este ano e outras surpresas

Um aspecto que a Viradouro trouxe em sua estética no carnaval passado foi a chamada arte cinética, que é nada mais, nada menos, que o estilo que explora a ilusão de ótica e o movimento. Quem não se lembra, no carnaval passado, da pequena gota no abre-alas que subia e descia, ou do São Miguel que parecia voar sem estar preso a nada, e também do carro do Sagrado Coração de Jesus em que havia muito movimento de giro nas estruturas como que gerando uma hipnose. Pois bem, para 2024, a promessa do carnavalesco Tarcisio Zanon é de que será ainda maior o uso deste recurso, inclusive em outros lugares do desfile, não só nas alegorias.

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“A arte cinética vai estar presente muito mais até do que foi ano passado. Agora vamos ter nas fantasias também. Foi uma aposta que deu certo e a equipe que eu trabalho com cinético, que é de Parintins, cada vez mais está amadurecida neste trabalho, então eu venho trazendo propostas mais revolucionárias ainda esse ano, como deu resultado no ano passado, acredito que tem potencial para dar resultado esse ano também e tem outros aperitivos que a gente vai implantar e estamos apostando que dará muito certo também “, promete o artista.

Conhecido por um estilo bem atento aos detalhes, que procura fazer com que as alegorias não só sejam formadas por grandes esculturas, ou grandes estruturas e a ornamentação, mas trazendo para cada mínima parte do elemento alegórico uma atração diferente, Tarcisio esclarece que quer que o público se impressione com os carros não só de longe mas que esteja atento a tudo que acontece também no mais próximo que estejam do elemento.

“Eu sempre, em toda a minha carreira, procurei trabalhar cada vez mais e mais esse detalhismo, mas é claro que existe um pensamento de limpeza macro da forma, por mais que você tenha aquele micro visual, este micro tem que estar casado com o macro. Não tem como. Eu penso sempre essa colorimetria, esse artesanal, esse adereço, que faça com que esse conjunto visual se torne uma massa única, mas se você olhar de perto você vai se entreter visualmente também. É muito detalhe para poder captar”, argumenta o carnavalesco.

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E com o trabalho quase todo pronto, o artista não consegue eleger uma alegoria preferida, ou dizer qual será a que mais vai se destacar e impactar o público. Para Tarcisio Zanon, o conjunto da Viradouro em sua totalidade é onde residirá toda a força do desfile.

“Para mim esse ano é uma questão extremamente difícil. Porque eu trabalhei esse carnaval para o conjunto. Acho que o que tem força de fato no carnaval da Viradouro de 2024 é o conjunto, o todo da obra, eu não consigo dizer qual será a melhor alegoria porque cada alegoria tem uma característica artística, tem uma identidade artística, tem uma pesquisa diferente. Se você gosta do teatral, você vai ter o teatral, se você gosta de se emocionar, você vai se emocionar com alguma, se você gosta de algo mais forte você vai ter algo mais forte, se você gosta de tecnologia, você vai ter. Vai muito do gosto de cada um. Para o meu gosto , eu falo do conjunto da obra. Espero atender. Primeiro a gente faz para a gente, eu como espectador, espero atender também o grande público e se você estiver ali atento vai ter um pouquinho para cada gosto”.

Mensagem sobre respeito às religiões de matriz africana e desmistificação do culto Jeje

Com o ineditismo presente no enredo deste ano, e por se tratar de um tema que não é, infelizmente, de forma tão recorrente apresentado às pessoas, é natural haver a preocupação em como o público vai receber o desfile, se ficará clara a compreensão. O carnavalesco Tarcisio Zanon conta que vai trazer símbolos e representações que sejam mais orgânicos ao grande público. Este desafio pode ser inspirador a um artista que trabalha de forma mais direta com as artes visuais.

“A gente sempre tem que pensar nos signos visuais que atendem ao senso comum. Quando você fala de vodum, a primeira imagem que se vem à cabeça, o senso comum, são os bonequinhos espetados para o mal. A ideia da Viradouro não é se desfazer deste signo, mas desconstruir essa imagem. Todas as pessoas vão entender ou pelo menos é o que se pretende fazer, é que as pessoas saiam transformadas da Avenida e ao mesmo tempo, eu tenho uma oportunidade que é muito única, de contar uma religião que é completamente fechada, que você não tem muitas referências visuais e fazer com que as pessoas passem a ter uma imagem do que é o candomblé Jeje, do que é o vodu. Assim também aconteceu com Rosa Maria. A liberdade criativa foi muito maior. As pessoas não sabiam quem era a Rosa. Para o imaginário do público hoje, imageticamente foi o que eu consegui captar e transformar ali na Marquês de Sapucaí. E assim também será com esse enredo. Para o artista, é muito mais gostoso, muito mais desafiador quando você traz algo novo e você precisa construir esse imaginário na cabeça das pessoas e desconstruir também”, conta o carnavalesco bastante animado.

Com uma samba que tem sido bastante elogiada neste pré-carnaval, a Viradouro pretende mais do que garantir a nota em quesito, mas impulsionar a evolução, harmonia e abrilhantar ainda mais a bateria. Com um concurso extremamente acirrado, com a obra sendo escolhida verdadeiramente na final, os compositores proporcionaram alguns meses de intensa disputa, que teve em suas consequências muito mais do que apenas um bom samba, ou espetaculares noites de boa música. O conhecimento dos poetas da Viradouro sobre o tema também foram fundamentais para o trabalho do carnavalesco Tarcisio Zanon.

“No processo de tirar dúvidas aconteceu muita troca. Nosso receio, meu e do Gustavo(Melo), era que os compositores não tivessem entendimento, até por ser uma coisa muito limitada para pesquisa, muito longe do palpável nosso, da nossa realidade. E os compositores chegaram com informações novas, muitos já eram feitos no candomblé Jeje e a gente ficou impressionado como eles entenderam e como eles contribuíram para a pesquisa. Os sambas que não ganharam também contribuíram, tanto que nomes dados a alas, nomes dados a alegorias foram retirados de composições que não chegaram nem à final. Essa troca foi muito legal, muito importante para o nosso conhecimento e para o conhecimento dos compositores”.

Por fim, o carnavalesco Tarcisio Zanon frisa que mais do que tudo esse enredo pretende desmistificar e “desdemonizar” alguns conceitos equivocados e preconceituosos que surgem sobre as religiões de matriz africana, e especificamente, sobre o vodu, sobre o candomblé Jeje. O desfile da Viradouro é sobretudo um pedido de respeito a esses cultos e a esses sagrados.

“A importância desse enredo é transformar as pessoas. Se as pessoas saírem da Avenida com a simples informação na mente de que o candomblé Jeje, sem a água e sem a folha não vive, para mim já vai ser um ganho enorme porque as pessoas não terão mais aquela ideia negativa relacionada a esse sagrado. É essa a nossa missão”, finaliza Tarcisio.

Conheça o desfile

A Viradouro vai encerrar a segunda noite de apresentações do Grupo Especial e levará para a Marquês de Sapucaí seis alegorias, dois tripés e o elemento alegórico da comissão de frente. Ao todo são 23 alas. O carnavalesco Tarcisio Zanon destacou que a divisão dos cinco setores está de acordo com o abordado na sinopse. Confira um breve resumo baseado no texto da sinopse de João Gustavo Melo:

DANGBÉ – O CULTO À SERPENTE

“Um facho sinuoso desliza sobre o chão, chacoalha as folhas, estremece a terra e borbulha as águas. É Dangbé, o vodum da proteção, do equilíbrio e do movimento. Nele, nada principia nem finda, tudo avança, tudo retorna. É o constante rodopio do universo, o círculo fechado, sentido materializado pela imagem da cobra engolindo a própria cauda.Foi assim que resplandeceu Dangbé entre os povos de Uidá, na Costa da Mina, após a épica batalha contra o reino vizinho de Aladá”.

O PACTO MÍSTICO DAS GUERREIRAS MINO

As guerreiras Mino, as mulheres mais temidas do mundo, eram esposas e guardiãs do palácio do Rei do Daomé, além de audazes caçadoras de elefantes, cujos marfins eram utilizados como matéria-prima em cerimônias oficiais e religiosas. Ao serem recrutadas, participavam de um ritual de iniciação conduzido pelas sacerdotisas voduns, senhoras do trono da magia e dos encantes. Nessa sagrada assembleia, realizavam um pacto místico para que nunca traíssem umas às outras. O espírito de coletividade forjava a arma mais poderosa de que dispunham: o valor inegociável da lealdade”.

LUDOVINA PESSOA E A HERANÇA VODUM NA BAHIA

“Com a missão de perpetuar os cultos voduns no Brasil, Ludovina Pessoa ondeou pelo imenso oceano com a companhia mística dos seus antepassados. Tornou-se o pilar de terreiros consagrados aos voduns, entre eles o Seja Hundé, na cidade de Cidade da Cachoeira, no Recôncavo Baiano, e o terreiro de Bogum, erguido no coração de Salvador. No Bogum, casa centenária de liderança feminina, foram plantadas sementes de liberdade, tornando-se importante local de apoio à Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador na primeira metade do Século XIX”.

ENTRE A CRUZ E A SERPENTE: TEMPLOS SINCRÉTICOS

“Agora não só os voduns protegiam as mulheres. Com as irmandades, as mulheres também protegiam os voduns. Assim, tornaram-se senhoras da cura, da fortuna, da fertilidade, das adivinhações, dos conselhos e do destino. Orientações espirituais feitas inclusive a brancos e brancas que repudiavam publicamente o culto aos espíritos, mas que rogavam auxílio à magia nos fundos dos templos de adoração católicos. Em Cachoeira, no terreiro do Seja Hundé, Ludovina foi o elo entre muitas das sacerdotisas reunidas em irmandades, estabelecendo laços de pertencimento entre os clãs. Unidas, teciam uma rede matriarcal associativa, erguida com devoção e lealdade, pacto firmado sob a cruz e a serpente para que nunca abandonassem umas às outras”.

TERRA, TERREIRO CÓSMICO

“E cá estamos nós, Viradouro e Jeje, cruzando energias e tambores. A formação do Candomblé na Bahia passa pelo legado da crença vodum, manifestada no aguidavi, que comanda o toque de guerra do adarrum. Está nos ritos e nas divindades que se religaram a outras matrizes religiosas africanas, fluindo como rio serpenteando pela mata, rumo ao mar. E, assim como as ofídicas, sobrevivem e se expandem em peles que se renovam”.