Por Rafael Soares e fotos de Nelson Malfacini

A Mangueira foi a quarta a se apresentar na Marquês de Sapucaí nesta segunda-feira de carnaval do Grupo Especial. A escola começou seu desfile com força total, em uma arrancada contagiante. Na comissão de frente veio o primeiro impacto, com uma apresentação cheia de energia, simbolismo e beleza. O casal de mestre-sala e porta-bandeira exibiu um lindo bailado, com bastante entrosamento, força e limpeza de movimentos. A harmonia foi de excelência, pois todos os componentes entoaram o samba-enredo com vigor. A atuação dos intérpretes e da bateria foi um grande espetáculo, elevando o rendimento da obra musical. A evolução também era de bom nível na animação dos desfilantes, mas dois pequenos buracos em frente a primeira cabine de jurados prejudicaram o quesito. O conjunto de fantasias também exibiu uma qualidade plástica acima da média, com beleza no uso das cores e materiais. Já as alegorias não acompanharam o mesmo nível estético, principalmente em função de pequenos erros de acabamento. O enredo foi contado com perfeição, através da leitura muito clara da plástica da agremiação. O somatório desses pequenos erros deve afastar a Mangueira da briga pelo título. A verde e rosa levou o enredo “A Negra Voz do Amanhã” para a Avenida, sobre a vida e carreira da cantora Alcione, encerrando o desfile em 1h08.

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Foto: Sad Coxa/Divulgação Rio Carnaval

Comissão de Frente

Com o nome de “Feita pra Vencer!”, a comissão de frente assinada pelos coreógrafos Lucas Maciel e Karina Dias trouxe um grupo de componentes homens e mulheres, buscando apresentar, em quadros, as tradições dos festejos maranhenses e resumos da carreira vitoriosa de Alcione. Em um primeiro momento, os integrantes lindamente vestidos com roupas típicas dessas festas se apresentavam com muita energia e sincronia. Logo depois, o tripé vinha ao centro do número, e em cima do elemento apareciam várias versões jovens de Alcione.

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Em outro momento, os dançarinos homens trompetistas deitavam no mecanismo que girava e inclinava, onde eles faziam poses e continuavam se apresentando com uma nova Alcione, mais adulta, ao centro. Por fim, novos bailarinos eram revelados e dançavam com a Alcione, depois que ela revelava a roupa com as cores da escola. Integrantes crianças, também vestidas em verde e rosa, representavam a comunidade mangueirense e a escola mirim, fundada pela cantora. Uma apresentação maravilhosa, alternando momentos de mais energia, com outros de singeleza e emoção. A comissão foi a síntese perfeita do enredo, levantando o público na Sapucaí.

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Mestre-Sala e Porta-Bandeira

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Olivério e Cintya Santos, veio com uma fantasia de nome “O Amanhã”, representando o elemento central na construção da narrativa em homenagem a Alcione. Ele que conduziu a história de vida da cantora de forma poética, sendo a imagem figurada de sua trajetória, valores, crenças, sonhos, sucessos, experiências musicais, a leitura da cultura popular e da própria atuação e paixão pela Estação Primeira de Mangueira.

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Usando uma indumentária muito bonita, o casal de mestre-sala e porta-bandeira da escola mostrou um bailado de muita técnica e beleza. Primando por movimentos limpos e bem acabados, a dança mesclou elementos tradicionais com outros mais coreografados de acordo com a letra do samba. Cintya exibiu sua já conhecida força e velocidade, em giros ainda mais potentes durante o refrão de meio. Ela também fez um belo movimento em que usava sua mão livre para segurar a bandeira e rodar na pista. Matheus mostrou ser um dos melhores do carnaval, ao levar sua elegância, leveza e condução perfeita. As interações entre os dois eram muito belas, elevando o nível da apresentação.

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Samba-Enredo

O samba composto por Lequinho, Junior Fionda, Gabriel Machado, Guilherme Sá, Paulinho Bandolim e Fadico, teve excelente rendimento na avenida, se mostrando bem funcional para desfile. Os intérpretes Marquinho Art’Samba e Dowglas Diniz mostraram um desempenho muito forte ao cantar o samba, embalado pelo grande show da bateria dos mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto.

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Harmonia

A comunidade da Mangueira teve um canto de altíssimo nível em seu desfile. O principal trecho entoado pelos componentes foram os refrãos da obra musical. Mas toda a letra foi entoada com muita força, de forma bem perceptível a todos que acompanhavam o cortejo. O volume do canto era tão alto que até as alas mais volumosas não tiveram problema em defender o quesito. Não se viu qualquer tipo de queda durante a passagens das alas no desfile, gerando grande uniformidade.

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Nos ‘apagões’ da bateria, a harmonia de excelência ficou ainda mais nítida. Certamente, um dos cantos mais fortes dentre todas as apresentações das escolas do Especial. É até difícil destacar algumas alas, pois todo o conjunto teve forte apresentação. Além disso, é preciso exaltar a condução do samba-enredo pelo carro de som da Mangueira, em especial aos intérpretes Marquinho e Dowglas. A dupla mostrou muita segurança, firmeza e qualidade vocal, além de sempre impulsionar o desfilante a cantar mais.

Evolução

A evolução da escola foi boa durante a passagem pela Sapucaí na maior parte do tempo. A animação e espontaneidade dos componentes eram muito notórios. A comunidade estava em extase para homenagear Alcione. O ritmo de desfile também se mostrou muito adequado, permitindo aos desfilantes tranquilidade para cantar e brincar o carnaval. Entretanto, dois pequenos buracos em frente a primeira cabine de jurados devem prejudicar a avaliação da escola. O primeiro foi gerado após lentidão do abre-alas ao se locomover. A mesma coisa aconteceu com a segunda alegoria, resultando em outro erro na pista. Depois disso, o desfile transcorreu sem maiores problemas. A agremiação encerrou o desfile em 68 minutos.

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Enredo

A Estação Primeira de Mangueira apresentou o enredo “A Negra Voz do Amanhã”, mostrando a história de vida e a carreira musical de Alcione, além de exaltar sua representatividade negra e feminina. O primeiro setor da escola trazia a fé como seu principal alicerce de vida e instrumento de condução de seu amanhã, intimamente ligada à sua formação familiar, sendo, portanto, o primeiro aspecto a moldá-la enquanto indivíduo. O segundo setor retratava parte da vivência de Alcione, crescendo em meio às manifestações culturais do Maranhão, estado natal da homenageada e fonte de inspiração das canções que interpreta.

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O terceiro setor teve como foco o momento em que a homenageada passa a construir sua carreira e, assim, estabelecer os caminhos para a formação do seu Amanhã enquanto cantora, no início de sua fase jovem adulta. O quarto setor fez referência às diversas canções emplacadas pela homenageada, enfileirando sucessos e construindo a identidade única de sua voz, marcada pela potência e volteios vocais, que eternizaram hinos ao público. No quinto e último setor, foram ressaltados os laços estabelecidos por Alcione com a verde e rosa, com o carnaval e sua atuação direta em prol do samba e de seu legado, fazendo do seu amanhã norte e instrumento de atuação na formação de tantos outros amanhãs a partir da arte e promoção da cultura.

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As fantasias e alegorias foram de leitura muito fácil, fazendo com que o enredo fosse transmitido de forma muito clara. Todos os elementos e símbolos foram bem representados. A escolha na forma da passagem da história na pista foi bastante acertada, ao retratar os ‘amanhãs’, fazendo com que o enredo não fosse uma mera linha do tempo. Toda a representatividade feminina e preta da cantora foi passada ao público, além de sua fundamental importância para a comunidade mangueirense.

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Fantasias

O conjunto de fantasias da Mangueira foi de alto nível estético. Impressionou a qualidade no uso e combinação das cores. A utilização dos diversos tipos de materiais, entre mais luxuosos ou mais alternativos, se mostrou um grande acerto. Além disso, a leitura do enredo através dos figurinos era imediata. A escola deve receber pontuação alta no quesito pelo segundo ano consecutivo, o que mostra a competência dos carnavalescos em seu trabalho. Na beleza, destaque para as alas “Símbolos e Memórias da Piquena”, “Festas aos Santos Juninos” e “Afreketê”. Além da qualidade plástica, a ala “Sufoco” se destacou por sua originalidade.

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Alegorias

O conjunto alegórico da escola teve pequenos erros de acabamento. O carro abre-alas, intitulado “O Altar de Sua Fé”, representou o altar particular de sua fé, inspirado no íntimo de seus elementos de devoção e afetos, que a acompanham ao longo de sua vida, carregando histórias e relações particulares que envolvem pessoas e suas experiências. A alegoria era belíssima, mostrando sua imponência e riqueza de detalhes, além de lindo uso das cores e da forte iluminação.

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Na sequência do desfile, a segunda alegoria da Mangueira, de nome “Arraiás Maranhenses: Fundamentos de um Amanhã Popular”, simbolizava uma homenagem ao estado natal de Alcione, o Maranhão, através de alguns dos principais festejos culturais que contribuíram para a construção do Amanhã artístico popular da homenageada: os arraiás, destacando especialmente a prática do bumba meu boi. Outra alegoria que mostrou ótimo nível de beleza e acabamento. Utilização incrível das cores para retratar a cultura maranhense. Muito bom gosto e acabamento irretocável.

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O terceiro carro da agremiação, intitulado “A Rainha das Madrugadas”, retratava o desenvolvimento do amanhã da homenageada como cantora, de forma a apresentar os caminhos que ela percorreu para isso, influências musicais fundamentais na construção de seu repertório inicial e de sua atuação como intérprete. A alegoria tinha um acabamento mais irregular, com algumas leves falhas e uso de materiais mais simplórios. Além disso, a escultura principal da cantora apresentou um problema em sua cabeça, que precisou de um diretor no interior do carro para segurá-la.

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O tripé intitulado “Alerta Geral” representava o programa apresentado por Alcione, que estreou em 1979 e que levava o mesmo nome do LP lançado em 1978. Este elemento também não primou pelo mesmo acabamento do começo da escola.

A quarta alegoria da escola, de nome “A Voz do Amanhã de Tantas Mulheres”, simbolizava algumas das canções de sucesso através de representações cotidianas e da pluralidade feminina, apresentando o processo de transformação da homenageada em uma poderosa voz, responsável por retratar a diversidade musical brasileira, através das obras que abordaram, nas últimas décadas, a temática dos sentimentos, sobretudo. O acabamento desse carro era satisfatório e também não chamou a atenção pela beleza, mas sim pela funcionalidade na troca de cenários e personagens. Porém, na parte traseira, dois queijos vieram com integrantes com outra fantasia e sem adereço na cabeça.

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O quinto e último carro alegórico da agremiação, intitulado “Meu Palácio Tem Rainha”, era inspirado pela canção “Mangueira é uma Mãe”, que contribuiu de forma poética para a construção da trajetória de Alcione na escola, sendo esta uma filha que não nasceu no morro, mas que foi acolhida como parte da comunidade, amparando os seus frutos e buscando desenvolver o amanhã através de sua cultura e tradições do samba. O acabamento nesta alegoria era apenas correto, mas uma parte lateral da saia do carro parece ter batido em algum local, pois estava rasgada, com isopor à mostra.

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Outros destaques

A bateria da Mangueira, comandada pelos mestres Rodrigo Explosão e Taranta Neto, teve um desempenho espetacular. Sustentando um ritmo perfeito para a execução do samba-enredo pelo carro de som e também para o canto dos componentes. O grupo mostrou muita musicalidade e originalidade, ao usar instrumentos diferenciados, como os xequerês, os timbaques, e os pandeirões. As bossas se mostraram bastante versáteis e plenamente integradas à obra musical.