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Série Barracões: Unidos de Padre Miguel vai mostrar o Brasil através das obras de Dias Gomes

Por Diogo Cesar Sampaio

Gênio, sádico, comunista, subversivo, anarquista, imoral. Ao longo de toda sua carreira, Dias Gomes chocou a muitos com suas histórias e personagens, ganhando assim, todo o tipo de títulos e adjetivos. Dono de um texto crítico, muita vezes ácido, mas sempre com humor acima de tudo. Pai do realismo fantástico, foi o criador de figuras como João Gibão, Dona Redonda, Dirceu Borboleta e Viúva Porcina, que até os dias de hoje, se fazem presentes no imaginário de qualquer brasileiro. Através de microcosmos como Bole Bole, Asa Branca e Sucupira, Dias retratou o Brasil como nenhum outro escritor o fez. E é esse olhar sobre o país, representado pelas obras do autor, que a Unidos de Padre Miguel pretende levar para Sapucaí, em 2019.

“Esse enredo surgiu a partir da necessidade. Já se sabia que 2019 seria um ano de crise, já anunciada por tudo e por todos. Não que falar de Dias Gomes seja menos que qualquer outro tipo de enredo, não é isso. Só que é um enredo que me permitiria, como vem me permitindo, transitar em uma atmosfera artística um pouco mais barata que a dos outros anos, já que é um carnaval onde ninguém tem dinheiro. Nenhuma escola. Escolas riquíssimas estão se rendendo a recursos alternativos. E isso não está sendo diferente com a Unidos de Padre Miguel, que todo mundo diz que é uma escola muito rica. E já era um desejo meu falar de Dias Gomes, eu já tinha essa história guardada. Então, quando surgiu a oportunidade diante dessa crise, eu trouxe a tona essa ideia de levar, não o Dias Gomes propriamente dito, mas o Brasil segundo as histórias do Dias Gomes.”, conta o carnavalesco da escola, João Vitor Araújo.

A reportagem do site CARNAVALESCO visitou o barracão da agremiação, e conversou com João Vitor Araújo sobre os preparativos da Unidos de Padre Miguel, para 2019. Durante a entrevista, João Vitor esclareceu um pouco mais a proposta do enredo da UPM, além de dizer que, durante as pesquisas, chamou a sua atenção descobrir a relação entre o carnaval e o homenageado, Dias Gomes.

“O que mais chamou minha atenção na pesquisa foi que ele era um apaixonado pelo carnaval. Ele era um escritor muito sério, então eu não imaginava que ele tinha esse carinho, essa paixão, pelo desfile de escola de samba. E ele tinha uma atenção enorme para as sinopses de escola de samba. Tanto que quando ele escreveu a peça sobre Getúlio Vargas, ele se baseou no roteiro, como eram chamadas as sinopses na época, de um desfile de escola de samba, no caso, a Mangueira”.

Dono de uma extensa lista de obras no currículo, entre peças, novelas e roteiros para cinema, Dias Gomes deixou um legado imensurável. Com tantas histórias de relevância na carreira, e com modelo de desfile compacto como o da Série A, ficou impossível contemplar a todas. Sendo assim, até mesmo títulos famosos de grande importância e destaque como a peça “O Santo Inquérito” (1966), acabaram ficando de fora.

“Foram muitas histórias que ele escreveu. Eu li todos os livros do Dias Gomes para poder transforma isso em enredo. E eu tive de deixar muitas histórias de fora devido ao curto tempo que temos para nos apresentar. Temos pouquíssimos setores, quatro apenas. Fiquei muito triste de ter de deixar “O Santo Inquérito” de fora, a história de Branca Dias, mas eu não pude trazê-lo à tona, porque ele faria parte do primeiro setor. E a história do “Pagador de Promessas”, que será o nosso primeiro setor, já é uma tragédia, porque ele morre ao tentar entrar na igreja. E em “O Santo Inquérito” também. Branca Dias acaba morrendo queimada. Enfim, muita tragédia para um setor só, sem condições. Então tive de deixar essa história que é muito bonita, que é muito famosa, inclusive lançou a Regina Duarte no mercado artístico. E eu não tive condições, não tive como incluir. Fiquei muito triste”.

Carnaval da crise

Os bastidores para o carnaval de 2019 não foram fáceis para as escolas de samba do Rio de Janeiro. Agremiações, de todos os grupos, foram afetadas por cortes de verba correspondentes a metade do valor anteriormente combinado. E se não bastasse à diminuição no repasse, as escolas sofreram com o atraso do mesmo. Na Série A, o drama foi intensificado devido às questões envolvendo a falta de estrutura dos barracões, que agravaram ainda mais o cenário de crise já instaurado.

“É um prazer poder trabalhar na Unidos de Padre Miguel, mas confesso que é desgastante trabalhar no grupo, na Série A, por conta de todo o descaso. Nós não temos um espaço adequado para poder fazer um carnaval. Sofremos muito com as chuvas de fevereiro. Perdemos praticamente uma alegoria inteira dentro do barracão, que teve de ser refeita por causa disso. Isso é tudo fruto de descaso. A gente já não tem uma verba que não é lá essas coisas. Na verdade, isso nem pode ser chamado de verba, tinha de ser chamado de ajuda de custo para o almoço. É um absurdo você conceber um carnaval com 250 mil reais. E exigem tanta qualidade, exigem um padrão altíssimo das escolas da Série A, dizem que tem que ser o novo Grupo Especial… Mas com esse canário, só se for lá na China. Aqui sem condições. Com esse valor que a gente recebe, já é um milagre colocar um carnaval na rua. Isso acaba desgastando. A escola é maravilhosa, as escolas são maravilhosas. Mas a forma como essas escolas são tratadas é inadmissível”.

Mediante a toda esta crise, se fez necessário recorrer a subterfúgios. Não foi diferente com João Vitor Araújo, que teve de se adaptar a atual realidade da escola e do grupo. Com isso, o carnavalesco admite o uso de materiais mais baratos que os utilizados por ele no anterior, em sua estreia na agremiação. No entanto, apesar das substituições na confecção, ele garante manter o mesmo nível plástico e visual, apresentado pela UPM, ao longo dos últimos anos.

“Desde o início, eu sabia que essa crise pegaria a gente com força total. Foi difícil começar, foi difícil de fazer, e está sendo difícil de terminar também. A gente está puxando daqui, esticando de lá, dando nosso jeito. Claro, sem esculachar o trabalho. Não tem nada mal feito e nem feito às pressas. É até engraçado dizer isso, já que nós começamos o barracão a praticamente dois meses do carnaval apenas. De fato, é um carnaval mais barato, mas a escola vai desfilar com a mesma imponência de sempre. A diferença é que optamos por recursos um pouco mais em conta do que os que utilizamos nos anos anteriores. Foi um carnaval que nós pechinchamos tudo. Até o tecido que custa cinco reais, que aparentemente é barato, a gente deu preferência para o que custa dois reais. Foi assim que a gente trabalhou para poder ajustar tudo isso no nosso orçamento”.

Sobre os materiais alternativos e inusitados utilizados na produção do carnaval desse ano, João Vitor destacou o uso de buchas para banho. Elas foram usadas na confecção das fantasias de uma ala, após serem submetidas a um tratamento, para simular pelugem de lobisomem.

“Eu tenho uma ala de lobisomens que eu fiz a pelúcia do lobisomem de bucha de banho. Eu nunca tinha feito isso, eu vi em um filme. Saiu muito mais em conta, deu um pouco de trabalho, mas o orçamento ficou lá embaixo. No final, o resultado ficou maravilhoso, nem parece que é. Mas é só a pelúcia do lobisomem da ala, não o do carro alegórico. Ficaria inviável, em poucos dias, conceber uma pelagem gigantesca, feita com bucha. Dá muito trabalho, porque você precisa tratar, precisar deixar de molho, passar cola, até finalmente poder pintar”.

João Vitor ainda contou que não tem uma preferência dentre o seu trabalho para 2019. Devido ao ritmo acelerado no processo de confecção e a falta de antecedência no barracão, o artista confidenciou não ter tido tempo para ter uma visão completa e geral do projeto, o que o impossibilitaria de ter um favorito.

“É um carnaval muito apertado. Nós só abrimos o barracão em dezembro. É um carnaval que eu conheço o desfile no papel, ali na prática da construção, mas eu ainda não o visualizei. Então, eu gosto de tudo. Ainda não tive a oportunidade de montar um carro inteiro, e de dizer aquele ali que eu gosto mais. Gosto de todos por hora. Eu só vou ter o meu xodó de fato quando eu conseguir ver eles todos montados”.

Entenda o desfile

A vermelha e branca da Vila Vintém levará para Marquês de Sapucaí um total de 4 alegorias, 23 alas e 1900 componentes. Com o enredo “Qualquer semelhança não terá sido mera coincidência”, sobre a obra do escritor baiano Dias Gomes, a Unidos de Padre Miguel será a quinta escola a desfilar na sexta-feira de carnaval.

Setor 1: O Pagador de Promessas

“Eu começo com a intolerância religiosa, retratada em “O Pagador de Promessas”. Quando eu reli essa história eu vi que não tinha nada mais atual que essa obra dele. Coincide perfeitamente com que a gente vem dizendo e vivendo atualmente”.

Setor 2: Roque Santeiro e O Bem Amado

“O segundo setor eu falo de política e de religião. O povo brasileiro, infelizmente, é um povo que sente a necessidade de se apegar a algum tipo de crença. Às vezes, as pessoas pegam um mito e o santificam. Dizem que é um mito, e acabam o santificando, quando na verdade aquilo não é nem um santo, é um charlatão. Isso faz parte do dia a dia do brasileiro. Ele fala muito bem disso em “Roque Santeiro” (TV Globo – 1985), que todo mundo cultuava aquela imagem do Roque, o santo, quando na verdade o cara nem tinha morrido. Então, eu falo dessa necessidade que o brasileiro tem de se apegar a uma pessoa, a um líder. Além de falar dos dribles que os políticos dão nas pessoas. A vida no interior. Mostramos a Sucupira governada por Odorico Paraguaçu. E o que a gente vive hoje? Em um país, em uma cidade, em um estado governado por Odoricos Paraguaçus. Estamos cheios de Odoricos por aí”.

Setor 3: Bandeira 2, O Espigão e Sinal de Alerta

“E o terceiro setor, que já é um setor um pouquinho mais engraçado, eu falo de jogo do bicho, retratado na novela “Bandeira 2” (TV Globo – 1971/1972). Falamos também da vida nas grandes cidades, da especulação imobiliária, de meio ambiente versus ecologia, retratado em novelas como “O Espigão” (TV Globo – 1974) e “Sinal de Alerta” (TV Globo – 1978/1979)”.

Setor 4: Saramandaia

“No último setor, que é o realismo fantástico, é o momento lúdico do nosso enredo. Mas também não tão lúdico assim não, porque quando se fala em realismo fantástico, lembra-se de “Saramandaia” (TV Globo – 1976). Que tinha a Dona Redonda que comia até explodir, tinha o cara que botava formigas pelas ventas que era o Zico Rosado, o professor Aristóbulo que quando dava meia-noite se transformava em lobisomem, e isso não é tão fantástico quando se fala de Brasil. A gente vive em um país onde todo mundo parou para acreditar em uma mulher que estava grávida de quíntuplos, a tal da grávida de Taubaté. Isso sim é um realismo fantástico de certa forma que acontece no nosso dia a dia”.

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