Embalada na busca de voltar para briga na parte de cima do Grupo Especial, a Mocidade Independente de Padre Miguel levará para a Marquês de Sapucaí o enredo “Pede Caju que Dou… Pé de Caju que Dá!”, do carnavalesco Marcus Ferreira. Repleta de brasilidade, a Verde e Branca promete tratar a história do país e as diversas simbologias da fruta nativa com bastante informação e historicismo.

Fotos: Raphael Lacerda/CARNAVALESCO

Responsável por abrir a segunda noite de desfiles da elite do carnaval carioca, a estrela-guia da Zona Oeste aposta no samba e no enredo como trunfos, através de uma obra que resgata o perfil da escola e é marcada pelo bom humor, além da fácil leitura, sensualidade e – no protagonismo de tudo isso – a força e a alegria da comunidade independente, como conta o carnavalesco da agremiação.

“Entendemos este momento de reposição e retomada para que pudéssemos transmitir a alegria, primeiramente, para dentro da escola. Frutas já foram enredo, mas acredito que o caju foi escolhido para a Mocidade por permitir a brasilidade, tropicalidade e subversão de uma fruta que o próprio brasileiro desconhece. É tudo o que o caju nos propõe como simbologia brasileira. Todos esses atributos estão presentes no enredo, e acredito que o independente conseguiu se olhar e enxergar o perfil da Mocidade”, explica Marcus.

E a alegria proposta pela escola parece ter ultrapassado as barreiras da Zona Oeste e do próprio Carnaval. Com um samba-enredo que se tornou hit de verão no Rio de Janeiro, o caju caiu nas graças dos sambistas e até de quem não acompanha os desfiles. A obra, assinada por Paulinho Mocidade, Marcelo Adnet e companhia, lidera, desde dezembro, o ranking carioca de músicas mais tocadas nas plataformas digitais de áudio. Com o estouro, rapidamente a tropicalidade independente foi parar nas rádios e até nos blocos de rua da cidade.

Para o carnavalesco, o grande sucesso do samba-enredo é essencial para o momento de retomada da escola e será um grande diferencial para o desfile. O artista também ressalta a importância de que isso se repita todos os anos para elevar o nome do espetáculo do Carnaval.

“A Mocidade tem se extrapolado de maneira muito natural. A gente faz carnaval porque o samba existe. Se somos uma escola de samba, acredito que ele tem que ser a primeira coisa erguida enquanto patrimônio da agremiação. Graças a Deus tivemos essa alegria e a popularidade do samba da Mocidade. Como artista do Carnaval, acredito que todos os sambistas devam torcer para que isso aconteça todos os anos, porque assim teremos o nome do carnaval carioca lá em cima. Tem sido um grande ânimo neste momento de retomada e recuperação da escola e estamos tratando este desfile com muita ansiedade e felicidade, por tudo que fizemos durante o ano. É um samba que está sendo cantado pelas crianças”, destaca.

Para um hino que atendesse a proposta do enredo, a direção de carnaval pontuou aos compositores quatro conceitos que vão marcar o desfile da agremiação: alegria, conteúdo, bom humor e sensualidade. A fácil leitura do enredo deixou a disputa de samba acirrada, mas resultou em um desfile que será coroado por uma obra que faz sucesso dentro e fora da Avenida.

“Quando fizemos a leitura da sinopse, lembro que houve um silêncio entre os compositores – não houve dúvidas. Essa fala direta que o enredo permitiu é algo que pontuo. O samba campeão atingiu o que a gente queria: a felicidade que a escola tanto precisa. Foi uma safra diversa e até difícil para a diretoria, mas a escola fez a escolha certa e o fruto disso é essa alegria que o samba tem transmitido nos ensaios e nas redes sociais. Ele é muito importante para o carnaval carioca, e ver meu trabalho ser coroado me deixa muito feliz e ansioso. Gera muita ansiedade para ver como isso se tornará real no desfile oficial, mas tenho certeza que será um sucesso. A Mocidade vai se recolocar como uma escola que não pode figurar na parte de baixo. Temos trabalhado o ano inteiro para isso”, afirma Marcus.

Enredo

Abrir a noite de desfiles é uma grande responsabilidade para qualquer agremiação. Por outro lado, a Mocidade foi a última escola a divulgar o enredo – o que, para o carnavalesco, possibilitou que a escola se diferenciasse das coirmãs. A ideia de falar sobre o caju, segundo Marcus, surgiu quando estava na praia e foi abordado por um vendedor de castanhas. De início, o tema causou estranheza, mas foi rapidamente abraçado pela diretoria e a comunidade.

“O vendedor me contou a história do caju em dois minutos. Achei muito bacana e subversivo, e acreditei que o enredo teria a minha personalidade e a da escola. Passei a ideia para o Fábio Fabato (pesquisador), que achou maravilhosa. É uma fruta subversiva e que desconhecemos a história. O caju acompanhou a evolução brasileira e está presente desde os nossos povos originários. Acredito que a Mocidade está escrevendo a história do caju para o mundo. É o entendimento e o passar da informação com historicismo, brasilidade, sensualidade, aroma, sabor e tudo aquilo que a fruta permeia”, detalha o carnavalesco.

O caju caiu como algo divino. A partir do trabalho de pesquisa, um dos pontos mais interessantes para a equipe foi a relação histórica entre a fruta e o país. “O que eu encontrei de mais interessante foi essa subversão que o caju nos dá. A fruta não é em si o corpo carnudo, é a castanha em si. É uma fruta que não é barata, nasce de cabeça para baixo e foi um dos primeiros produtos levados por Cabral em 1506. São vários atributos diferentes da nossa história – enquanto brasileiros – que achei um barato. Pensei em permear isso com todo o bom humor que a fruta carrega”.

Entre as diversas curiosidades sobre o desfile, o carnavalesco deu detalhes sobre o segundo carro alegórico: ele terá quase mil mudas de cajueiro, doadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Ao final, as plantas serão distribuídas para a comunidade independente. “É um cajueiro que eles estudaram e apropriaram cientificamente. É uma árvore que começa a frutificar daqui a um ano e meio”, explica.

Fácil leitura e linguagem popular

Marcus Ferreira está no mundo do carnaval há mais de 20 anos. Assinou seu primeiro trabalho como carnavalesco em 2009, na Intendente Magalhães, pela Mocidade de Vicente de Carvalho. Com passagens por agremiações da Série Ouro e até em carnavais de outros estados, se destacou no Império Serrano – em 2017 – quando levou a escola ao Grupo Especial com o enredo “Meu quintal é maior do que o mundo”, e na Inocentes de Belford Roxo – em 2019 – com o “Frasco do Bandoleiro”. No ano seguinte, estreou no Especial como carnavalesco da Viradouro, ao lado de Tarcísio Zanon, e garantiu o campeonato com enredo “Viradouro de Alma Lavada”.

Para ele, o popular é a característica em comum entre esses trabalhos e que não pode ficar de fora do desfile da estrela-guia da Zona Oeste. “Desde o acesso, trabalhei com vários temas regionais – no Império Serrano, na Inocentes com o ‘Frasco do Bandoleiro’ e também no campeonato da Viradouro com o Tarcísio. É uma marca que mantive, mas com essa nova roupagem da alegria e sensualidade que a Mocidade trará. Acredito que essa popularização das escolas de samba deve existir, e de início é o enredo. Quero manter essa leitura fácil, porque acredito que essa linguagem direta com o sambista é o que sempre tive e devo manter, mas sempre trazendo algo diferente”, revela.

Conheça o desfile da Mocidade

A Verde e Branca vai abrir a segunda-feira de desfiles e levará para a Avenida cinco alegorias, três tripés e um elemento cenográfico da comissão de frente. Ao todo, serão 25 alas e cerca de 3300 componentes.

Setor 1: Carne de caju: “Começamos com o tropicalismo, com a música que Caetano Veloso escreveu para Torquato Neto em homenagem a sua partida prematura. A canção refaz essa antropofagia, e a Mocidade apresenta o caju através do tropicalismo. Vamos refazer a nossa brasilidade mostrando que o caju é a nossa fruta nativa”.

Setor 2: Anacardium Occidentale: “A gente fala da lenda dos primeiros povos originários – os Tupis – em torno da fruta. Um velho sábio pajé, o Tamandaré, se apropriou da lenda das castanhas que eram utilizadas para contar os anos de cada indivíduo da tribo. É uma lenda mais lúdica em torno dos índios tupis, e que neste momento o invasor chega ao Brasil e leva um dos nossos primeiros tesouros – que é o caju”.

Setor 3: Caju-rei: “A gente valoriza o cajueiro em si, enquanto apelido de polvo que ele ganha. É a disputa dos maiores dois cajueiros do mundo: Delta do Parnaíba, no Piauí, e Pirangi, no Rio Grande do Norte. Existe essa disputa e que agora não sabemos qual é o maior. A Mocidade provoca e fala que não importa, porque o maior é brasileiro. É um carro mais marítimo, em que os cajueiros se apropriam dessa questão paradisíaca brasileira”.

Setor 4: Caju-brasuca: “É o caju artístico e como o melhor amigo do brasileiro. É o caju sendo pintado por Tarsila do Amaral e por Debret – que colocou o caju sem protagonismo em suas gravuras. A Mocidade recria esse imaginário da fruta como a melhor amiga do brasileiro. Tem xilogravura, Macunaíma, Tarsila do Amaral, Debret. A gente traz esse mosaico de brasilidade dos artistas que enxergaram e colocaram o caju na tela”.

Setor 5: Geleia geral: “A geleira geral que é ser brasileiro e caju. É o caju brasileiro no nosso cotidiano. Com muito sabor e estamparia, a Mocidade coroa a fruta como uma de nossas estrelas tropicais – o caju na moda – já que é a fruta do verão -, com drink e a batida mais quente ao final, que é a associação a nossa bateria. Encerramos essa apoteótica ao caju mostrando que ele é a nossa estrela tropical. A gente bebe da fonte da Mocidade de maneira muito feliz, apoteótica e de sigmas do caju no nosso cotidiano, para coroá-lo como nossa estrela tropical”.