Por Lucas Santos, Guibsom Romão, Maria Clara e Matheus Morais. Fotos de Nelson Malfacini
Fechando a noite de ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí da Série Ouro, a Estácio de Sá dominou esta primeira leva de apresentações com bom canto e chão da comunidade, alto rendimento do samba, um dos melhores da safra e com a comissão de frente de Ariadne Lax impressionado o público, além de boa apresentação do casal de mestre-sala e porta-bandeira Feliciano Júnior e Thais Romi. Com cerca de 50 minutos de desfile, o Berço do Samba deixou um bom recado de que quer brigar por acesso no carnaval de 2024.
O enredo para o próximo carnaval da Estácio de Sá é “Chão de Devoção: Orgulho Ancestral” e está sendo desenvolvido pelo carnavalesco Marcus Paulo. A ideia é trazer para a Sapucaí o povo preto que disseminou sua cultura e transformou a diáspora africana em solo brasileiro. A arte, religião e dança estarão presentes, conferindo protagonismo ao povo preto e nomeando os heróis e heroínas. Em 2024, o Berço do Samba será a quinta escola a se apresentar na sexta-feira de carnaval.
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“Muito bom, é um ensaio, e é para isso que ele serve, pra gente corrigir falhas, aprimorar alguma coisa, e para gente foi muito bom. O treino no campo de jogo é muito bom e a gente tira muito proveito disso. Para mim, tecnicamente foi perfeito. Sempre tem algo para aperfeiçoar, é para ter. Essa é a grande busca, não dá pra gente chegar pronto hoje, vamos ver o que precisa ser melhorado e o trabalho de correção começa amanhã. Vamos desfilar com 2300 a 2500 componentes, não dá pra ser mais do que isso. Tem muita gente querendo e tem poucas vagas. No barracão está tudo dentro do nosso planejamento. Lógico que tem um pouquinho de atraso, que é natural que o tenha, porque a gente tem as nossas dificuldades financeiras que fazem parte do Grupo de Acesso, mas dentro do nosso planejamento, a gente está tranquilo”, explicou Edvaldo Fonseca, diretor de carnaval.
Comissão de Frente
Os bailarinos comandados por Ariadne Lax trouxeram uma coreografia muito intensa, bastante pertinente ao enredo, em alguns momentos até chocante e impressionante , principalmente, quando por exemplo trazia uma cena um pouco mais violenta em que algumas das integrantes eram agredidas por homens representando todo o sofrimento do povo preto na diáspora africana. A indumentária era simples, mas muito bem dentro do enredo, com boa unidade visual e colocação das cores, inclusive. Os componentes incorporaram bem os personagens e os gritos davam um tom ancestral e tribal para a exibição. No fim, a bandeira do Estácio, Berço do Samba, surgia do personagem principal da apresentação como que oferecendo as divindades. Outro ponto alto foram as palmas marcadas no contratempo do samba realizadas pelos bailarinos e a aparição de mulheres claramente representando Vovó Cambinda e Vó Maria Conga.
“Para o primeiro dia de ensaio técnico a gente foi uma loucura de final de ano juntando com festa, início de ano e voltando com 2024 iniciando. Meus bailarinos são incríveis, eu sou muito feliz de ter essa equipe. Eu fiz hoje 50% do que vai ser no dia. Aguardem”, prometeu a coreógrafa Ariadne Lax.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Feliciano Júnior e Thais Romi, agora dançando juntos na Estácio, fizeram uma apresentação de muita qualidade. Vestidos predominantemente de branco em roupas que faziam alusão às religiões de matriz africana, a dupla apostou em uma coreografia buscando em diversos momentos pontuar os trechos do samba nos movimentos corporais. Importante citar a intensidade e a correção dos movimentos como pontos altos da apresentação. Já no refrão final, os passos faziam alusão ao “Vovó Cambinda chama Vó Maria Conga…”, muito emocionante e com beleza estética. Mesmo nos movimentos mais intensos, não se observou nenhum problema com a bandeira que esteve sempre bem esticada, inclusive nas fortes e rápidas “bandeiradas” de Thais. Apresentação de alto nível.
“Para nós, casal, foi bem produtivo, a gente conseguiu mesclar o trabalho que vai ser colocado na avenida, ver como vai ficar o andamento, trouxemos alguns elementos afros, foi bem gostoso, a gente curtiu. Foi nossa primeira experiência juntos, é o primeiro ano da nossa parceria. A fantasia é linda, luxuosa, digna desse pavilhão ancestral”, garantiu o mestre-sala.
“Foi a minha estreia na Estácio, sentir a força desse chão foi muito especial. Conseguimos colocar em prática tudo que a gente propôs, com muito amor, felicidade, respeito e alegria. Eu tô muito feliz, acho que foi uma estreia bem abençoada. O nosso olhar é sempre muito crítico, vamos estudar o que fizemos e vamos ver o que pode melhorar, hoje é o dia de errar. Só posso falar que a fantasia do desfile é linda”, comentou a porta-bandeira.
Harmonia
Comandados por Tiganá e Charles Silva, o carro de som se entendeu muito bem. Conduzindo um samba que é um dos melhores da safra, o trabalho principal da dupla era não atrapalhar o alto rendimento natural da obra. Charles segurava mais na força e explosão do samba, enquanto Tiganá se arriscava em algumas vocalizações. Houve bastante generosidade entre a dupla na condução da música. E com um processo bem desenvolvido no carro de som, no chão a escola mostrou sua força que tantas vezes ajudou em outros tempos quando o samba não era tão bom. Facilitado pela grande qualidade da obra, as alas cantaram com muita força, inclusive setores como comissão de frente, casal, velha-guarda e bateria. Apenas nas alas do final e mais para o fim da pista houve uma pequena queda no rendimento da obra. Nada que preocupe, mas importante solucionar para poder sonhar com voos altos. Boa resposta do público também.
Evolução
A evolução da Estácio se deu de forma muito tranquila e principalmente se valendo do foco no espontâneo. À vontade com o samba, a comunidade mostrou a melhor evolução da noite, com uma escola feliz mas consciente da mensagem que pretende passar com este desfile. Sem correrias ou paradas por muito tempo, com um deslocamento pela Marquês de Sapucaí marcado pela fluidez e cadência, o Berço do Samba não apresentou buracos ou alas emboladas e mostrou a força da comunidade para brigar pelas primeiras posições. A escola apostou em balões de ar para produzir um bonito efeito enquanto ganhava o chão da passarela do samba. Terminou o desfile com calma e com os componentes curtindo ao máximo o samba e a apresentação da agremiação.
Samba-enredo
A obra foi composta por Júlio Alves, Claudio Russo, Magrão do Estácio, Filipe Medrado, Thiago Daniel, Diego Nicolau, Tinga, Dilson Marimba, Guilherme Karraz, Barbara Fonseca, Telmo Augusto e Marquinhos Beija-Flor. O samba é sem dúvidas um dos melhores da safra da Série Ouro deste ano. Forte, intenso, mas também melódico com pontos altos como os dois refrãos que chamam o componente a cantar mais forte. O do meio “Ôôôô… segue o tumbeiros, segue o tumbeiros no mar…”ainda tem um ar mais melodioso que se relaciona muito bem com a letra falando sobre os tumbeiros e todo o sofrimento da travessia dos povos pretos para o Brasil. A escola mostrou grande desenvoltura com a obra e isso se refletiu no canto dos componentes já falado acima. A obra pode impulsionar um grande desfile se tomar pelo o que foi este ensaio técnico.
“Primeiro ensaio técnico nosso, a bateria já vai ensaiando na rua pra esse treino de hoje. Pelo o que a Estácio mostrou aqui hoje, vocês podem esperar muito mais no dia do carnaval no dia do desfile, porque vai ser um show. O entrosamento com a bateria é perfeito, não tem o que dizer”, disse o cantor Tiganá.
“Para mim foi o rendimento perfeito, a gente tem total dimensão que graças a Deus a gente foi abençoado com um dos melhores sambas da safra e agora hoje serviu como um bom treino para gente. Agora é a gente se preparar ainda mais pra ser ainda melhor no desfile. Casamento perfeito com a bateria”, afirmou o intérprete Charles Silva.
Outros destaques
A rainha de bateria Nathalia Hino compareceu ao ensaio com um mais comportado, porém bonito, vestido vermelho, à frente dos ritmistas da bateria Medalha de Ouro comandada por mestre Chuvisco. Nathalia ainda se apresentou um pouco mais contida pois teve bebê a pouco tempo. No esquenta, Tiganá e Charles cantaram “Explode Coração” em homenagem ao intérprete Quinho que faleceu esta semana. Foi um grande momento de catarse em que o público respondeu ao calor da escola. Elegantes, as baianas trouxeram perfumados “galhinhos” de arruda e outras ervas para benzer a escola e quem acompanhava o ensaio da Estácio. Na abertura do desfile, após casal e comissão de frente, a escola trouxe um tripé nas cores da agremiação com proporções volumétricas avantajadas, com destaques e tudo. E os tradicionais passistas da escola, que no desfile de 2023 sofreram sem a fantasia que não chegou, estavam elegantes de vermelho esbanjando samba no pé.
“Eu achei a bateria muito boa, esse ensaio aqui ele é maravilhoso. É onde a gente consegue detectar vários detalhes. Do que foi que funcionou, do que não funcionou e agora é parar com a minha direção de bateria, a gente conversar entre a gente, analisar tudo e ver o que que pode melhorar. É claro que hoje aqui não, a gente não tá 100% ainda, a gente está no meio do caminho de preparação. As novas são complexas e a gente precisa mais de ensaio.Vou intensificar um pouco mais agora, para poder todo mundo fazer tudo com segurança, com firmeza e da forma que tem que ser feita. Já que a gente tá falando de ancestralidade então a gente está colocando os atabaques esse ano e muita coisa em cima deles. Tem aí também um solo de caixa que é o nosso instrumento de característica da escola. Ele é bem grande também e requer muito treino para poder sair tudo limpinho e perfeitinho. A fantasia é tranquila, não vai incomodar nada”, comentou mestre Chuvisco.