Por Lucas Santos e fotos de Nelson Malfacini
A Porto da Pedra entrou na Sapucaí neste domingo abrindo o desfile do Grupo Especial com alegorias muito bonitas, comissão de frente levantando a Sapucaí com uso de truques de levitação e hologramas. O tigre rugia no “pede passagem” da escola e o primeiro carro também abusou do recurso tecnológico do holograma. Porém, um problema com a última alegoria fez com que ela demorasse a entrar na Avenida provocando um buraco enorme que pode ter sido notados pelas duas primeiras cabines de julgamento, sendo que a segunda era módulo duplo, o que deve gerar bastante despontuação. No final do desfile, era perceptível notar o clima mais fechado, desapontado, de alguns componentes e da diretoria na finalização do desfile. Com 1h09 de exibição, a Porto da Pedra apresentou o enredo “Lunário Perpétuo – A profética do saber popular”, que contou a história do almanaque que prometia decifrar desde a previsão do tempo até o comportamento dos insetos. Durante 200 anos, foi o livro mais lido do Nordeste brasileiro.
Comissão de Frente
Coreografada por Junior Scapin, a comissão da Porto da Pedra trouxe para a Avenida os alquimistas: pensadores, filósofos, sábios, inventores. O elemento cênico intitulado “Em Algum Lugar do Passado” ilustrou alegoricamente o cenário onde foi desenvolvida parte da coreografia de avanço, etoda a coreografia principal. A peça se tratava de um majestoso castelo medieval onde os sábios ou magos subiam para realizar a coreografia principal para os jurados. O grupo se utilizou da iluminação cênica do Sambódromo e teve hologramas na frente do elemento cenográfico.
Uma mulher levitava pelos cabelos através de uma corda não tão perceptível para quem assistia de longe. Uma tela no chão da alegoria, levantava e os integrantes ficavam quase de cabeça pra baixo, sendo levantados nessa posição. A tela trazia pontos altos do enredo como a parte dos astros, a partir da visualização do espaço sideral, e em seguida com os elementos como água, fogo e terra. A comissão trazia características muito singulares de Júnior Scapin em termos de ideias, surpresas, apresentação, bem casadas com a estética do carnavalesco Mauro Quintaes. Ponto alto do desfile. A única coisa de negativo que pode ser citada foi um probleminha com a roupa de um dos bailarinos próximo ao segundo módulo, antes da apresentação para a cabine, na coreografia de deslocamento ainda, resolvido em alguns segundo em que ele teve que ficar no canto e que não afetou nem no visual e nem na apresentação para os jurados.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Formado para o desfile da Porra da Pedra de 2024, o casal Rodrigo França e Denadir Garcia tinham em sua fantasia “Mistério Supralunar” a representação dos estudos dos alquimistas sobre a lua e os mistérios que envolviam o grande satélite natural. Usando uma fantasia branca em sua maioria, mas com detalhes em roxo e prateado, a saia de Denadir era muito bonita com o duo do branco e do roxo. A vestimenta ainda era repleta de pedras brilhantes, indumentária bastante luxuosa.
Na apresentação, estreando essa parceria na Sapucaí, Denadir, mais experiente, sobre conduzir bem o bailado, iniciando a apresentação nas cabines com diversos giros. A dupla mostrou muito contato, muita doçura, Rodrigo fez diversas mesuras e foi marcada por um bailado mais tradicional. O ponto mais coreográfico aconteceu no “Vem Antônio, Vem menino”, se aproveitando de uma bossa de xaxado de mestre Pablo em que o casal buscou dançar mais no ritmo. No geral, uma apresentação sem problemas, com a bandeira sempre bem desfraldada.
Harmonia
A Porto da Pedra iniciou o desfile a todo vapor com as primeiras alas cantando bastante o samba, com muita vibração e energia. Ao passo que o desfile foi acontecendo, mais para a parte final da apresentação, o canto deu uma diminuída em seu ímpeto, muitos componentes ainda cantavam, porém, já sem toda aquela energia e aquele vigor do ínicio, em alguns casos era nítido pelo volume de algumas fantasias como por exemplo a ala “agouro espiritual” situada já no quarto setor da escola em que os foliões estavam cobertos até a cabeça, representando os abutres que afetam negativamente o corpo e a alma.
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Já no fim, era visível, que por conta de terem observado os problemas da agremiação, alguns componentes estavam mais desanimados. Já o carro de som comandado pelo experiente Wantuir, manteve o bom andamento do samba o tempo todo, com o cantor livre para fazer os seus cacos “adoro, adoro”, as suas vocalizações “oi, oi”, e se arriscando em algumas terças que casaram muito bem com a melodia do samba. Mesmo com os problemas que a escola enfrentou no final em outros quesitos, mantiveram o clima no alto e cumpriram muito bem o seu papel.
Enredo
“Lunário perpétuo” foi divido em 5 setores. A abertura “Alquimia dos Saberes” tratou de apresentar uma exposição dos conhecimentos, inicialmente ditados pelas estrelas e a energia do cosmo, passando a guiar o corpo e o espírito no caminho do cuidado e do bem viver. Esse início mostrou o surgimento de um pequeno livreto mágico que foi compilado para libertar das trevas a consciência humana, sendo perseguido e proibido. Em seguida, o primeiro setor, “A Gênese do Saber Popular Brasileiro” fez uma relação entre as referências utilizadas para a realização do lunário com as influências das imigrações no Brasil, principalmente com os mais pobres vindos da região do Minho em Portugal.
A seguir, em “O Presságio dos Astros”, a escola contou sobre os saberes que também vem do alto, a história do homem simples a decifrar a influência dos diferentes corpos celestes sobre os terrestres. Em “a cura do corpo e da alma” a escola apresentou o libreto ensinando a curar a aflição do corpo e da alma. No quarto setor “Armorial dos Folguedos Populares” a Porto da Pedra se debruçou sobre a influência deste libreto, ponto central do enredo, que inspirou Ariano Suassuna a criar o manifesto que dá vida ao “Movimento Armorial” na década de 1970.
Por fim, no último setor da escola “O Lunário Perpétuo de Um Brincante” o desfile se encerra apresentando o pernambucano Antônio Nóbrega que formulou um espetáculo homônimo ao livro criado em 1594. No geral, o carnavalesco Mauro Quintaes conseguiu brincar com essa atmosfera presente no enredo de misturar um tom mais místico com a sabedoria e a escrita do sertão que é o ambiente do “Lunário pérpetuo”, as fantasias tinham boa leitura do enredo.
Evolução
Neste quesito, a Porto da Pedra vai ter bastante para se lamentar. Com um início de desfile com fluência em que os componentes evoluiam com bastante espontaneidade e energia, após os problemas no último carro, a escola continuou evoluindo inexplicavelmente enquanto se tentava resolver as avarias com a alegoria para que ela pudesse entrar na pista. Isso gerou primeiro um buraco que foi aumentando do setor três até o setor quatro, que podem ser facilmente notados pela primeira cabine.
Depois, já com a alegoria entrando na faixa de início do desfile, o buraco já chegava, do setor três até o seis, outro buraco enorme, agora visto pela cabine em que o módulo de julgadores é duplo. Se não bastasse todos os problemas com buraco na pista, o final do desfile da Porto da Pedra ainda se deu com um pouco de correria após a apresentação da bateria de mestre Pablo no último módulo de julgamento para que o Tigre não estourasse o tempo, o que acabou realmente não acontecendo, pois a escola fechou com 69 minutos, um a menos que o limite.
Samba-enredo
A obra para este carnaval foi composta pela parceria de Guga Martins, Passos Júnior, Gustavo Clarão, Lucas Macedo, Leandro Gaúcho, Clairton Fonseca, Richard Valença, Gigi da Estiva, Abílio Jr., Marquinho Paloma, Cristiano Teles e Ailson Picanço. E apresentou um bom rendimento na Sapucaí, passando pela dificuldade já concreta de ser a primeira escola a desfilar e ainda pegar a pista muito fria. O samba tem pontos interessantes na melodia como a repetição ainda na primeira do samba “Quem acendeu as lamparinas desse chão”, e o refrão do meio que é bem mais melódico com o ” Só porque eu escolhi (navegar por esse mar)”, e ainda na segunda do samba “Vem Antônio, Vem Menino”.
Em termos de letra, ainda que case bem com a melodia, em relação a repetição citada acima do “Quem acendeu..”, é necessário ver como os jurados vão receber, já que é a repetição de uma frase solta da primeira estrofe. E o momento de maior explosão no refrão principal “Quarto minguante, a moringa quase seca”, um ponto em que a muita gente da arquibancada e das frisas vinha junto. No “Vem Antônio, Vem menino”, a obra ganhou por parte da bateria “Ritmo Feroz”, de mestre Pablo, uma bossa em forma de xote que mexeu com a galera.
Fantasias
A Porto da Pedra apresentou um conjunto estético de fantasias bastante criativo, volumoso e de fácil leitura. Mauro Quintaes mostrou o domínio que tem ao falar de temas lúdicos como este que ao mesmo tempo tem uma pitada grande de Brasil, conseguindo sair perfeitamente do medieval do início que trazia tons primeiro um pouco do espectro do azul e do roxo presentes nas baianas, sem dúvida, as que mais chamavam atenção pelas luzes de led, com a fantasia “elementos da vida” que tratava da alquimia floral e que trazia um lilás bem bonito.
Após o segundo carro, a aposta por tons mais claros, intercalando com detalhes em prateado até chegar na sétima ala “caixeiros viajantes e logo em seguida “retirantes”, em que a paleta fica um pouco mai quente e cítrica misturando amarelo, laranja e vermelho. A partir do terceiro setor, “o presságio dos astros”, há a procura pelos tons mais claros do azul como na roupa dos passistas “amores do Cariri”.
Durante toda a apresentação o carnavalesco intercalou com alguns pontos em que utilizava um pouco do espectro da escola, em um vermelho e dourado. No geral, fantasias muito criativas como “marujos da nau catarineta”, essa, outra no vermelho e dourado, em que a roupa tinha um trecho na parte de baixo como se fosse uma nau de navio mesmo. Ótimas soluções estéticas, mas que em alguns momentos eram bastante volumosas.
Alegorias e adereços
A Porto da Pedra levou para a Sapucaí um conjunto alegórico formado por seis carros e mais um “pede passagem”, que trazia o tigre, símbolo da Porto da Pedra anunciando com seu rugido a profética do saber popular. O elemento cenográfico da comissão de frente já citado, que não conta para o quesito, mas contribui muito com o aspecto imponente da cabeça da escola, constituído de elemento da comissão, pede passagem e abre-alas.
No pede passagem, o Tigre era enorme e possuía ainda o aspecto do medieval que havia no elemento da comissão, acrescentado de gárgulas em formato de tigres. No carro abre-alas “Alquimia dos saberes” falava justamente da alquimia que na velha Europa foi uma forma que os homens encontraram de expandir o intelecto e se envolver com elementos místicos. No primeiro chassi o grande alquimista que tem em suas mãos manipula elementos representando os estudos alquímicos e astrais. No segundo chassi, os laboratórios de alquimia, alguns parecendo templos medievais destruídos. Neles também vinham as gárgulas.
Porém, o bonito conjunto alegórico da Porto da Pedra passou por problemas. Ainda no abre-alas havia partes não bem presas.Já no terceiro carro, “A casa dos horóscopos”, que representava a mistura do passado, presente e futuro através dos estudos astrais, o olho que havia dentro do sol, tanto na frente, quanto atrás da alegoria, não se abriu. Apesar da ausência do efeito, a alegoria manteve boa constituição estética, precisando dessa forma observar como os jurados vão entender. No último, que teve problemas para entrar na Sapucaí, a lateral direita da alegoria colidiu com a grade e uma parte pequena teve que ser retirada para que ela pudesse se movimentar.
Outros destaques
A bateria “Ritmo Feroz”, de mestre Pablo, veio de “o assombro do sertão” representando o cordel mais famoso impresso de Manoel Caboclo que também imprimia seu pequeno almanaque de saberes. Uma bossa de xote na segunda parte do samba foi um dos pontos altos da escola. A rainha da bateria Tati Minerato desfilou com a fantasia”brilho lunar”, em tons branco e prateado e com luz de led.
No esquenta Wantuir cantou o exaltação “Bota pra ferver” , além de um dos mais queridos, do carnaval de 1996 “um carnaval dos carnavais” com o icônico refrão “endiabrado eu tô…” e do samba do acesso e título da Série Ouro 2023 “Warrãna-rarae”.