A quadra da Unidos de Padre Miguel será palco de uma grande celebração junina neste fim de semana. Nos dias 28 e 29 de junho, a agremiação recebe a etapa classificatória da Festrilha do Rio — Federação de Quadrilhas Juninas do Estado do Rio de Janeiro — com o evento SambArraiá 2025, que promete unir o melhor da tradição nordestina com o samba no pé da Vila Vintém.
Com entrada gratuita e início às 19h, o evento contará com apresentações de 11 quadrilhas juninas, que disputarão vagas na próxima fase do circuito estadual. No sábado (28), sobem ao tablado as quadrilhas Carrossel Caipira, Paz e Amor, Tucanada, Estrela Dourada e Geração Realce. Já no domingo (29), será a vez de Gonzagão Pavilhão, Favo de Cazumbá, Gonzagão Campo Grande, São Judas Show e Santa Rita.
O evento ainda contará com barracas típicas, decoração temática e muita música para animar o público. A expectativa é de casa cheia, com a comunidade de Padre Miguel e visitantes de toda a cidade celebrando juntos o São João.
O Império Serrano tem como premissa contar os saberes do povo brasileiro. Griô do carnaval, organismo vivo, com grandes enredos musicados. Pioneira no protagonismo feminino dentro das escolas de samba, tem em sua constelação baluartes como D. Ivone Lara, Tia Eulália, Jovelina Pérola Negra, dentre tantas outras. Ainda hoje, seu contingente é formado majoritariamente por mulheres negras, reconhecendo na fibra e na resiliência femininas o potencial para superar as adversidades vividas no último ciclo carnavalesco.
A força e a vivência da mulher preta serão o foco principal do próximo carnaval. Para isso, iremos homenagear a professora, doutora em Literatura Comparada, a maior literata negra que habita o nosso tempo: Conceição Evaristo.
Escritora, poetisa e professora, vinda de uma família pobre, trabalhou como empregada doméstica antes de concluir os estudos e se formar em Letras. Sua obra é marcada pelo conceito de “escrevivência”, que valoriza as experiências pessoais e coletivas das mulheres negras. Publicou romances, contos e poesias que abordam temas como racismo, desigualdade social, ancestralidade e resistência feminina, sendo Ponciá Vicêncio, Olhos d’Água e Macabéa: Flor de Mulungu algumas de suas obras mais conhecidas. Ao longo da carreira, recebeu diversos prêmios e, em 2024, foi eleita para a Academia Mineira de Letras.
O termo “escrevivência”, criado por Conceição Evaristo, une as palavras “escrita” e “vivência” para definir uma forma de escrever que nasce das experiências de vida, especialmente das mulheres negras. Mais do que ficção, a escrevivência é uma escrita marcada pela memória, pela presença do pretuguês, pela ancestralidade e pelas dores e resistências do cotidiano, rompendo com a literatura tradicional ao valorizar vozes historicamente silenciadas. Para Evaristo, escrever é um ato político e de afirmação identitária, em que a vida e a palavra se misturam como forma de denúncia, resistência e transformação social.
SINOPSE
PRELÚDIO
“Leiam meus livros, não minha biografia.”
Conceição Evaristo
“Se essa história não existe, passará a existir.” – Clarice Lispector.
Este enredo é uma escrevivência baseado nas obras de Conceição Evaristo.
Flores de Mulungu são todos os africanos em diáspora. É a África juntando os seus em seus galhos. É a velha da sabedoria ancestral, a flor em estado de graça que enxerga o tudo e o nada. A força da mulher negra que verte em leite a seiva que dá a vida. É a criança que brinca debaixo do tronco de um mulungu, com os pés na terra, sentindo o axé. Flores do Mulungu costumam ser porta-vozes de mulheres iguais a elas. Flor do ontem-hoje-amanhã. A flor do mulungu não morre, leva consigo a potência da vida. Força motriz de um povo que, resilientemente, vai emoldurando o seu grito contra o sistema. Nesta escrevivência-enredo, apresentamos Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu, com pitadas de realismo fantástico, em sua trajetória até se tornar uma imortal no Palácio Ancestral das Escrevivências.
I
A água bailava sinuosa entre os pedregulhos no rio. Às margens, lavadeiras cantavam, disputando espaço com peixes que subiam em marcha contrária à correnteza. Havia chovido e o sol insistia em não aparecer. O tempo fechado impedia o quarar das roupas. No quintal de chão de terra batida, ainda umedecido pelas chuvas, a mãe de Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu pegou um graveto, colocou a saia entre as pernas e desenhou um sol no chão. Cantou no afã de acordar o astro-rei que insistia em dormir entre os travesseiros de nuvens.
A menina-flor, que brincava com suas irmãs, se encantou com aquela cena. Em seu universo pueril, o graveto seria o lápis e a terra molhada, o papel. Extasiada, fitou o rosto da lavadeira que agora sorria. O sol iluminava a face, revelando qual era a cor dos olhos de sua mãe. Ela tinha os olhos da cor de Oxum, olhos d’água, oju-abebé. Espelho que refletia os olhos da menina-flor.
Consagrada à Imaculada Conceição e à Oxum, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu havia crescido na ausência de livros e rodeada de palavras. O rito que acabara de ver sua mãe fazer, despertou em si o desejo de escrever histórias.
II
Pelos Becos da Memória, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu passeava por espirais de ontem, paisagens do futuro cantadas há séculos. Encontrou sua ancestral Negra Halima que contou suas vivências sincréticas de Améfrica-mineira. Histórias que ecoavam dos porões do navio. Tia Halima guardava o segredo dos cabelos de ouro. Ela usava suas mechas preciosas para libertar seus irmãos.
A menina-flor aprendeu a moldar o barro com Vô Vicêncio. Quis brincar com os mascarados na Folia de Reis. Seguiu o batuque das congadas e dançou com Tio Totó, ornado em coroa e fitas. Rezou no canjerê com seu rosário feito de contas negras e mágicas. Em suas contas, um canto para mamãe Oxum.
Continuou brincando. Tinha o costume de atravessar o rio saltando de pedra em pedra, mas desta vez houve um impasse. Um arco-íris no céu uniu as duas margens. Para chegar aonde o umbigo dela e de seus ancestrais estavam enterrados, precisaria passar embaixo da cobra celeste. O medo a impediu de fazer a travessia. Já dizia Tia Halima: a menina que passasse debaixo de Angorô, garoto virava. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu se questionou se a vida seria mais fácil se fosse um menino.
III
A vida na Favela do Pindura-Saia, onde morava Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu, era carregada de uma difícil ilusão. A favela era o encontro dos esperançosos que escolheram resistir. Como poderia coabitar prato vazio e felicidade?
Ecos de estômagos desocupados, cheios de medo, de fome e de desemprego, transformados em cantos de fé e esperança à Sabela, a mulher dos mil olhos. Deusa do barro que moldou a vida e devolveu a fertilidade ao seu povo. Findou a estiagem do rio que circunda a comunidade, doando o líquido maternal que saíra de suas entranhas.
A euforia funesta dos moradores do Pindura-Saia incomodava os que viviam fora dali. Incapazes de compreender como seria possível conviver tanta esperança com tamanha miséria, decidiram então tomar o chão ancestral. Rezaram por Benevuto, a cobra de ferro, senhor dos desastres, que fez chover até inundar a favela. Em desespero, os moradores da comunidade rogaram por Sabela. A Deusa surgiu em meio à inundação e se engerou em navio. Das curvas de Minas Gerais para as alturas do Rio de Janeiro, Sabela carregou nas costas seu povo e sua favela.
IV
Após o dilúvio, escrever adquiriu um sentido de insubordinação. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu tornou-se professora. Entre poemas e romances, registrou as memórias da tragédia do aguaceiro e as guardou em Cadernos Negros.
Novo lugar, antigo desassossego. O menino que vendia bala no sinal recebeu de troco uma bala de sangue. Enquanto novelas embranquecem amores, mães negras enfrentam a dolorosa realidade de enterrar seus filhos antes que possam completar seus sonhos. O berço vira caixão. A infância, alvo. O futuro, estatística. As balas “acidentais”, “em legítima defesa”, certeiras em quem já nasceu condenado. O CPF do negro é escrito pelo Estado com tinta de sangue. A cor da pele virou evidência criminal. De suspeito a condenado, bastava ser preto.
O alarme da loja apita: será que foi o preto que roubou? O vizinho teve de aprender que, se chovesse, seria melhor se molhar, porque guarda-chuva poderia significar sua sentença de morte. O corpo preto objetificado na solidão de Fio Jasmim e seus amores rasos. A moça do vestido amarelo conhecia mais a cor das paredes do quarto de empregada do que as cores do seu barraco. Porém, a cor da empregada, essa todo mundo conhecia.
Quantas mulheres negras ainda serão silenciadas entre quatro paredes? Quantos assassinos dormirão tranquilos porque o patriarcado os chamou de maridos?
Ponciá-Evaristo transformou em versos a incerteza de sair da favela e não saber se iria voltar. O direito de as mães pretas exercerem o papel de mães dos próprios filhos. Vivenciou amigos e irmãos favelados serem subtraídos de seus destinos sem ter o direito de se defender do sistema que os oprime.
Perdeu Dorvi, perdeu Bica, perdeu Idalgo. Esterlinda, sua vizinha, perdeu o filho, a filha e o genro. A realidade era dolorosa e cruelmente comum.
Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu registrou tragédias cotidianas. Colocou no papel o que vivenciou em mais de sete décadas de vida no ayê. Guiada por Oxum, Maria, Conceição e Sabela, escreveu as vivências do seu povo. Vivência e criação, vivência e escrita. Escrevivência.
Dedicou a vida para não contar histórias de ninar aos filhos da casa-grande. Fez Samba-favela para incomodar e acordá-los de seu sono dos injustos. Construiu uma casa feita de livros para abrigar aqueles que, como ela, gostariam de transformar os Becos da Memória e escreviver um futuro melhor.
V
Era kizomba em noite de céu estrelado. As escrevivências romperam os muros da favela e ganharam o asfalto. Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu desabrochou para o mundo. Sua poesia atravessou oceanos, alcançou seus frutos que caíram longe do pé.
A Flor-do-Mulungu nasceu rainha. Para comemorar junto aos seus, Ponciá-Evaristo vestiu-se de água. Em sua coroa de cabelo crespo repousava um adorno de ouro, o adê: coroa de Oxum. Trazia consigo, na mão, um cetro-luneta.
Ao som de poemas-malungos, seu povo a esperava em saudação. Cantavam contra o sistema, contra a opressão, contra o racismo estrutural que assassina, diariamente, milhares de Negros-Estrelas e que retira o direito básico de viver. Cantar é feitiço que afasta o banzo. Resistir é um ato político.
A pequena casa feita de livros, sob a luz do luar, transformou-se num palácio ancestral. O que era feito de papel e tinta ganhou suntuosas arquiteturas em ouro e marfim. Dos livros saltaram para a realidade realezas, guerreiros e estátuas em tons de ébano. Ao centro, da cadeira de professora ergueu-se o trono imortal dedicado às rainhas africanas. Neste momento, como numa espiral de memórias, o ontem-hoje-amanhã se fundiu. Velha-mulher-criança, amálgama germinado em forma de Ainá-Maria-Nova, desabrochou e tomou o trono que era seu por direito. O fruto voltou ao pé.
Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu mirou a luneta para o firmamento e encontrou os Negros-Estrelas que cruzaram o seu destino. Do orun cintilava o axé de todos os seus com quem fizera um pacto de sobrevivência. Ponciá-Evaristo assumiu seu lugar na imortalidade das escrevivências negras.
Evaristo é Maria-Nova. É Anastácia. É Carolina Maria de Jesus. É Dona Ivone Lara. É Ruth de Souza. É Mãe Meninazinha. É Oxum. É Conceição Yalodê. E são todas as flores do mulungu que desabrocharam para combater o racismo, o feminicídio e o vilipêndio dos corpos pretos.
Sua trajetória em nada difere das vidas reais da maioria das mulheres pretas deste país, onde “vencer na vida” é exceção. Finais felizes para pessoas negras são raros. Cada corpo preto que respira, ama e sonha é um grito contra o sistema que nos quer mortos, calados ou domesticados. Não seremos nenhum dos três. A luta ainda não acabou. É imperativo sobreviver.
A gente combinamos de não morrer.
Texto: Renato Esteves
Edição e revisão textual: Jefferson Brunner e Jorge Sant’Anna
Pesquisa e desenvolvimento: Renato Esteves, Emanuelle Rosa e Jorge Sant’Anna da Silva.
Equipe de Criação: Emanuelle Rosa, Gabriel Toledo e Jorge Sant’Anna da Silva
NOTAS EXPLICATIVAS
A gente combinamos de não morrer – O conto “A gente combinamos de não morrer”, da escritora Conceição Evaristo, é uma narrativa curta, mas profundamente impactante, que integra a coletânea “Histórias de leves enganos e parecenças” (2016). Ele ilustra com sensibilidade e potência as experiências de dor, resistência e afeto no contexto da vivência de mulheres negras nas periferias brasileiras. O erro de concordância verbal é proposital. Segundo a autora, escrever adquire um sentido de insubordinação que pode ser evidenciado numa escrita que fere a norma culta.
A moça do vestido amarelo – O conto “A moça de vestido amarelo”, de Conceição Evaristo, aborda a experiência da menina Dóris da Conceição Aparecida, que tem uma visão de uma moça vestida de amarelo em seu sonho, relacionada com a força da natureza e a cultura afro-brasileira. A moça do vestido amarelo, em seus sonhos, representa a deusa Oxum, sendo comparada com as águas do rio. O conto explora o inusitado e a presença da tradição oral na narrativa, com a menina Dóris tendo seu vocabulário influenciado pela presença da moça.
Adê – Espécie de coroa cerimonial no candomblé pelos orixás quando incorporados num filho de santo.
Ainá-Maria-Nova – No conto, Ponciá-Evaristo-Flor-do-Mulungu se brota e desabrocha para a imortalidade como Ainá-Maria-nova. Ainá, nome da única filha de Conceição Evaristo e Maria-Nova, personagem de Becos da Memória a qual em suas entrevistas, a autora diz ser a personagem que mais se assemelha consigo.
Améfrica-Mineira – O termo “Améfrica” ou “Amefricanidade” foi criado pela intelectual Lélia Gonzalez para representar a experiência e a identidade compartilhada por pessoas negras e indígenas na América, especialmente em relação à resistência à dominação colonial e ao racismo estrutural.
Angorô – Angorô (também conhecido como Angolô ou Ongolô) é uma divindade da mitologia banto, associada à cobra arco-íris e à fertilidade. É considerado o inquice do arco-íris, que traz a chuva e, por conseguinte, a prosperidade. Angorô é frequentemente identificado com o orixá Oxumaré, que é cultuado no Candomblé, e também é visto como uma entidade andrógina.
Ayê – O físico. Lugar onde habitam os vivos. O material, o palpável.
Becos da Memória – Becos da memória é um dos mais importantes romances memorialistas da literatura contemporânea brasileira. A partir de seus muitos personagens, Conceição Evaristo traduz a complexidade humana e os sentimentos profundos dos que enfrentam cotidianamente o desamparo, o preconceito, a fome e a miséria sem perder o lirismo e a delicadeza. Representa uma obra baseada no conceito de escrevivência.
Benevuto – Personagem da novela Sabela representante tomaram as terras dos Palavís, povos originários.
Cadernos Negros – Cadernos Negros é uma série literária independente que veicula textos afro-brasileiros. Concebida por jovens estudantes que acreditavam no poder de conscientização, sensibilização e acolhimento da literatura, a série veicula até hoje, na poesia e na prosa, a possibilidade de expressar e promover a produção cultural e intelectual contemporânea, concebida e escrita por literatos pretos brasileiros.
Canjerê – Batuque de candomblés e umbandas. Termo utilizado em Minas Gerais.
Casa feita de livros – A Casa Escrevivência é um espaço cultural idealizado pela escritora Conceição Evaristo, no Largo da Prainha, região portuária do Rio de Janeiro. Localizada na chamada “Pequena África”, área de grande importância histórica para a população negra brasileira, a Casa abriga o acervo pessoal da autora, incluindo livros, cartazes, prêmios e documentos diversos.
Das curvas de Minas Gerais para as alturas do Rio de Janeiro – Passagem do texto fazendo uma alegoria para ilustrar a ida da protagonista para o Rio de Janeiro, assim como Conceição Evaristo fez e que hoje mora no Morro da Conceição.
Dorvi, Bica, Idalgo e Esterlinda – Personagens do conto “A gente combinamos de não morrer”, da obra Olhos d’água, de Conceição Evaristo. Bica, esposa de Dorvi; Dorvi, um traficante de drogas; e a mãe de Bica, dona Esterlinda, que tem dois filhos, Idalgo (assassinado) e Bica.
Enterrar umbigo – A prática de enterrar o umbigo do recém-nascido é uma tradição ancestral. No Brasil, esta prática é comum. Pode ser vista como um ato de proteção, um símbolo de ligação entre mãe e filho, e uma forma de conectar a criança com a terra e com o seu futuro.
Espiral de memórias – Segundo Leda Maria Martins, a escrita espiralar desconstrói a dicotomia entre oralidade e escrita enfatizada pelo Ocidente, que prioriza a linguagem discursiva como modo exclusivo de postulação de conhecimento. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela apresenta uma temporalidade que se curva para frente e para trás, ao redor e para cima, em movimentos espirais que retêm o passado como presente (ou presentifica o passado) para moldar o futuro. Assim, a autora descoloniza o pensamento Ocidental e requalifica a África como continente pensante.
Favela do Pindura-Saia – Cenário que ampara o conto Becos da Memória. Homônima da extinta comunidade em Belo Horizonte onde Conceição Evaristo passou a sua infância e parte da juventude.
Fio Jasmim – Personagem central na obra “Canção para ninar menino grande”, da autora Conceição Evaristo. Ele é um homem negro, conhecido por sua beleza e facilidade em atrair mulheres, com quem tem diversos filhos e que não mantém vínculos afetivos ou responsabilidades.
Mulungu – O mulungu (Erythrina velutina) é uma planta medicinal nativa da América do Sul e Central, conhecida por suas propriedades calmantes e sedativas. É utilizada na medicina tradicional para tratar insônia, estresse, ansiedade e como relaxante muscular. Dizia que os escravizados faziam o chá de mulungu para adormecer os senhores da Casa Grande até entrarem em um sono tão profundo e não acordarem mais.
Negros-Estrelas – Negro-Estrela é um poema criado por Conceição Evaristo em homenagem a seu companheiro de vida e pai de Ainá, Osvaldo Oju-abebé – União de duas palavras em yorubá. Oju, olhos e abebé, paramento empunhado pelo orixá Oxum, um espelho o qual, segundo conta a ancestralidade, Oxum se mira no espelho para ver quem está atrás. É um elo entre o presente, o passado e o futuro.
Olhos d’água – Antologia de contos de Conceição Evaristo que também dá nome ao romance mais notório dentro da obra.
Ontem-hoje-amanhã – Neologismo empregado nas literaturas de Conceição Evaristo para sinalizar o conceito de literatura espiralar.
Orun – O etéreo, o inalcançável. Onde habitam os orixás e as estrelas.
Poemas-malungos – Poemas malungos, cânticos irmãos (2011), Tese de doutorado em Literatura Comparada de Conceição Evaristo.
Pretuguês – É um conceito criado pela intelectual Lélia Gonzalez para evidenciar a influência das línguas africanas, especialmente das matrizes bantas, na formação do português falado no Brasil. Mais do que uma variação linguística, o pretuguês expressa uma identidade da cultural afro-brasileira, reivindicando um local de apropriação de identidade da população negra, e sua contribuição cultural e intelectual. Nesse sentido, expressões como “Q’eu isse” revelam não “erros”, mas heranças linguísticas africanas reconfiguradas no cotidiano e nas artes. O pretuguês, portanto, é um ato político, que valoriza os saberes negros historicamente marginalizados pela norma culta ocidental. É um processo contra colonial, contra o epistemicidio.
Realismo fantástico – O realismo fantástico, ou realismo mágico, é um estilo artístico que combina elementos do mundo real com acontecimentos fantásticos e sobrenaturais, geralmente tratados como parte normal do dia a dia.
Sabela – Protagonista que dá nome à novela que encerra a antologia de contos femininos em Histórias de leves enganos e parecenças, de Conceição Evaristo, em que a autora aproxima a personagem ao itan de Oxum.
Samba-Favela – Samba-Favela é um dos primeiros textos escritos por Conceição Evaristo. Publicado inicialmente no jornal O Diário, Belo Horizonte, esse texto é considerado pela autora como a semente de sua obra mais conhecida, o romance Becos da Memória (2006).
Tia Halima – Halima é protagonista do conto que faz referência à mitologia de Oxum no conto “Fios de ouro”, de Conceição Evaristo, parte integrante da obra Histórias de leves enganos e parecenças. Dentro da cultura ancestral afrocentrada, o vocativo “tio/tia” é utilizado para identificar os mais velhos, não necessariamente indicando um parentesco.
Tio Totó – Personagem do conto Becos da Memória em que se assemelha em escrevivências ao tio de Conceição Evaristo.
Vô Vicencio – Personagem avô de Ponciá Vicêncio, a protagonista que dá nome ao conto.
Yalodê – Em ioruba: Ìyálodè, é um termo que significa “aquele que lidera as mulheres na cidade” ou “dona do grande poder feminino”.
“O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobotomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife”. Manifesto Caranguejos com Cérebro, Recife, Pernambuco, Brasil, 1992
De tempos em tempos, a cultura brasileira revela movimentos organizados em torno de ideias que rompem modelos, apontam novos caminhos, fazem da cena musical parte transformadora da vida social e política do país. Este enredo conta a história de um desses momentos transgressores e, ao mesmo tempo, construtores da cultura nacional.
Nas margens de Recife, nas bordas da capital pernambucana, das vozes da juventude periférica da então quarta pior cidade do mundo, brotou uma sentença simples, mas revolucionária: o mangue é vida. Antes vistos como espaços de miséria, os manguezais são ressignificados como símbolos de fertilidade, resistência e reinvenção. Com suas canções e arte, os jovens nascidos sob a lama bradaram que era das raízes-veias do mangue que pulsaria a energia vital capaz de reviver e eletrificar uma cidade “adormecida, adoecida, opaca e fúnebre”.
No próximo carnaval, a Grande Rio mergulha na história do movimento do Manguebeat e revisita esse grito. Não como lembrança, mas como urgência. Porque o manifesto lançado pelos “Caranguejos com Cérebro” nos anos 1990 segue atual. Nossas cidades continuam doentes, a desigualdade persiste e, mais do que nunca, é preciso lembrar que é das periferias que se fará ouvir os sons capazes de alterar a rota da sociedade.
Tal como o próprio mangue, responsável pela troca entre as águas doces e salgadas, entre as espécies marinhas e terrestres, o Manguebeat realiza a troca, a mistura, o encontro de múltiplas influências (e afluências). Das tradições da cultura local aos mais modernos arranjos e tecnologias da música global. Sob a liderança breve, mas decisiva, de Chico Science, consagrado como o poeta-caranguejo, os mangueboys e as manguegirls irromperam fronteiras políticas e geográficas. Inspiraram artistas de todo o país e do mundo. Fundaram suas próprias nações. E motivam, hoje, o nosso carnaval.
Daqui de Caxias, também nós rodeados pelos mangues; também nós energizados pelas margens; também nós cidade-anfíbia; vamos ecoar o grito que captamos ao nos sintonizarmos aos sons de mestre Salu, do Lamento Negro, da Nação Zumbi, do Mundo Livre e de tantos outros fundamentos do movimento: é preciso manter os estuários vivos, preservar o mangue! Basta de morte e de fome! A vida e a cultura que emergem das margens é que vão salvar a cidade!
Lá e cá, em Recife e em Caxias, nos Peixinhos e na Baixada Fluminense, em todos os cantos e margens desse país, a cultura periférica é a revolução.
Bem-vindos à Nação do Mangue.
SINOPSE
“Entra, entra, entra
Senta
Bem-vinda ao novo mundo”
A Bola do Jogo, Mundo Livre S/A
Chico Science mandou nos chamar. Somos os caranguejos com cérebro evocados por Fred Zero Quatro, filhos dos homens-caranguejos de Josué de Castro, da geografia da fome, mangueboys e manguegirls das periferias. Chegamos para mudar o curso dos rios, oxigenar os estuários, injetar a cultura do povo nas veias e artérias entupidas pelo lixo, pelo abandono e pela impotência – fazer revolução.
Somos o manguebeat.
Nós da Lama: O Mangue Ancestral
“Na verdade, foram os mangues os primeiros conquistadores desta terra. Foram mesmo, em grande parte, os seus criadores”. Josué de Castro
Viemos da lama, do lodo, dos igarapés, do beijo doce em águas de sal. Somos daquela vida que se manifesta pegajosa, sufocante, desconhecida. Uma vida que atrai e afasta, se mostra e se esconde, vai e vem no ritmo das marés. Às vezes mar, às vezes rio, quase sempre lama. Estamos nos manguezais de braços entrelaçados, cipós retorcidos, galhos que cortam, espinhos, folhas secas, nós de troncos.
Nós somos nós.
Viemos de onde vêm as capivaras, savacus de coroa, jacarés de papo amarelo, muriçocas, calangos e caranguejos – bichos e homens, homens-bicho. Habitamos o mangue vivo, organismo que pulsa, filtra e fertiliza. Somos feitos de raízes aéreas, encharcadas, raízes de terra e de ar. Veias abertas. Nascemos dos mangues tingidos de vermelho-sangue, lavados no suor, banhados de vida, abençoados e protegidos pela senhora de todos os pântanos, mãe ancestral que rege a nossa natureza.
Nós das Margens: A Manguetown
“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”
Da Lama ao Caos, Nação Zumbi
Aqui a vida arde como brasa. Pescamos em nossas canoas feitas de pau de bananeira, limpamos mariscos, acendemos velas, queimamos no sol enquanto lavadeiras nas margens do rio entoam cantos de lamento e proteção. Sob as pontes, somos os caboclos destemidos de Bandeira, os meninos com fome de Freire. Na beira da água, vivemos sobre palafitas, fazemos morada na incerteza e nos sonhos feitos de lama. Seres híbridos, entre o barro e a água, entre o homem e o caranguejo, entre o céu e a terra. Caminhamos sobre um chão de conchas.
Somos dos aratus, gabirus, carcarás e urubus. De Beberibe, Pina e Capibaribe, as grandes águas de João Cabral de Melo Neto, as águas que “nada sabem da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água”. Águas espessas que banham homens e mulheres, velhos e crianças, cães sem plumas. É esse o nosso rio. O rio que sabe dos caranguejos, do lodo, do fedor e da ferrugem. O rio que sabe de nós.
Estamos à margem, quase invisíveis. Corremos entre os vira-latas, brincamos com os guaiamuns, cercamos galinhas e porcos, erguemos nossos templos de reza, nossos terreiros de encanto, tomamos banho de canal quando a maré enche. Os de fora, em seus arranhas-céus, quando conseguem nos enxergar, nos veem tortos feito as raízes que nos cercam. Não veem eles que a cidade é que está torta, pobre, morta. Já os que estão dentro, na teimosia da vida diária, se veem como nós. Daqueles que amarram, apertam, abraçam, unem.
Nós das Ruas: O Mangue Festa
“Batuqueiro olha a onda
Não vá se atrapalhar
Meu batuque é forte, meu canto arrepia
Meu barco balança com as ondas do mar”
(Batuqueiro Olha a Onda – Maracatu Nação Porto Rico)
Onde há vida, há festa. Dançamos cirandas, brincamos nas madrugadas com o Galo, batemos na palma da mão, vestimos cores, sambamos como maiorais. Filhos desse Brasil que pulsa nos tambores e batuques, que festeja e faz da festa identidade. Somos feito as ursas, os capoeiras, os mamulengos e os caboclinhos. Vivemos na farra, no riso, nos amores, nas vertigens. Nas ruas, somos os nós desatados, os versos soltos, os corações livres.
Cultivamos as festas, cultuamos os deuses da beleza, do amor e da luta – é essa a nossa cultura.
Quem é do mangue carrega a realeza ancestral dos maracatus. Viemos de Congo e Pernambuco, África e Brasil. Nosso corpo é feito dos bordados, miçangas, lantejoulas, canutilhos. Seguimos cobertos com os mantos, tomamos bênção aos mais velhos, carregamos o cravo na boca e a rebeldia que transforma. Temos a força dos caboclos, a dança dos fitilhos metálicos incorporados de energia e vibração. Somos do gonguê e do ganzá; da sambada e do improviso. Somos da gira, do giro e do rodopio. Reis e rainhas. Coroados e brincantes. Cavalos marinhos e batuqueiros. Catitas em flor. As damas do passo abrem nossos caminhos, as calungas em banho de purificação, o batuque surdo das alfaias, os estandartes como bandeiras de uma nova nação.
Estamos prontos.
Chegamos com a lança apontada para frente.
É essa a nossa batida.
Nós da Lança: O Manguebeat
A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
(A Cidade. Chico Science e a Nação Zumbi)
Chico chamou.
Viemos do tempo e da história. Trazemos no peito a coragem, a raiz de Palmares, as dores e as marcas das batalhas. Nosso som é herdeiro da rabeca de mestre Salu, dos ritos do Daruê Malungo, dos ensinamentos do Mestre Meia-Noite, da batida afro do Lamento Negro, do corre nas ruas de Rio Doce, das encruzilhadas de Peixinhos, do Chão de Estrelas.
Chegamos para misturar. Somos de Zumbi, Dandara e Antônio Conselheiro. Do hip-hop, do rap e do rock. Embolada, coco, cordel e ciranda. Samba e metal. Baque solto e baque virado. Somos Josué e Solano, Gonzaga e Capiba, Vitalino e Brennand, Fred e Mau, Lia e Fulozinha, Benjor e Du Peixe, rio e mar, lama e caos. Somos passado e futuro, memória e sonho. Nossos caboclos têm a lança certeira.
Uma antena cravada na lama nos deu percepção e direção. Recebemos e transmitimos; aprendemos e ensinamos. Temos o tempo que foi e o que ainda virá. Fizemos das margens, centro. Despertamos uma Recife adormecida e cansada, ligamos a cidade nas tomadas, fizemos barulho e revelamos a vida das gentes escondidas nos mangues.
Nosso som penetrou nos rios, nas casas, nas almas e nos corações dos nossos.
Eu vim com a Nação Zumbi
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
E aterriso no seu pensamento
(Mateus Enter – Nação Zumbi)
Desorganizamos para organizar, organizamos para desorganizar. Espalhamos o caos. Do caos, a lama vence! Transformamos a arte, a música, a literatura, o teatro e o cinema. Conectamos a cidade com toda a potência marginal que faz revolução. Cantamos com os poetas do povo, revolvemos a lama, marcamos nossos territórios, explodimos os maracatus atômicos. Refizemos nós.
Ganhamos o mundo.
Nas raízes sagradas do mangue, fundamos a nossa nação.
Nós do Mundo: O Antromangue
“E com as asas que os urubus
Me deram ao dia
Eu voarei por toda a periferia”
Manguetown, Nação Zumbi
Nossa nação é a nação de Brasília Teimosa, Coelhos, Favela do Leite, Ilha de Deus. É a nação de Jardim Gramacho, Saracuruna, Imbariê, Capivari. Uma nação de periferias. Que junta a potência do som das alfaias e a fúria eletrônica do Manguebeat aos tambores invocados e à garra do povo da Baixada. Recife e Caxias, cidades anfíbias, cidades irmãs, nós atados. Entre troncos, galhos, urubus e caranguejos, somos o homem parido no mangue e seus mundos livres.
“A tecnologia do povo é a vontade”, anunciou a Nação Zumbi.
A Nação do Mangue – o Antromangue idealizado por Chico Science – é a nação dos que festejam como resistência, os que dançam em volta da roda, batem seus tambores, bebem suas cervejas antes do almoço, pensam melhor, pulsam com as caixas de som, rompem as fronteiras do mundo, creem na arte, na ciência e na natureza das coisas, vestem-se como reis e rainhas, beijam seus beijos, amam seus amores, fazem carnaval, brincam quando têm que brincar, brigam quando têm que brigar, celebram a vida e, do lodo entranhado nos corpos, erguem e honram seus impressionantes castelos de lama.
Aguardem: uma nova civilização brotará dos mangues.
Saluba Nanã!
Salve Chico Science, a Nação Zumbi e a utopia dos mundos livres!
Viva o carnaval e seus universos de festa, luta e afetos!
Carnavalesco: Antônio Gonzaga
Textos e pesquisa: Antônio Gonzaga, Jader Moraes e Renato Lemos
BIBLIOGRAFIA
Livros e artigos
ARAUJO, João Mauro. Mangue beat, a arte que veio da lama. Problemas brasileiros, 381: 2-9 p., Maio/junho 2007.
CABRAL DE MELO NETO, João. O cão sem plumas. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993
CABRAL DE MELO NETO, João, O rio. Alfaguara, 2012
CASTRO, Josué de. Homens e Caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1961
________________. Geografia da fome: o dilema brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
FERRAZ, Renato de Oliveira. África, psicodelia e cibernética: crítica social e questão racial nas composições musicais da banda Chico Science & Nação Zumbi. Rio de Janeiro, 2018. 151 p. Dissertação (História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
LUNA, Pedro de. Mundo Livre S/A 4.0: do punk ao mangue. Ilustre Editora, 2024
SILVA, Letícia Batista da. Manguebeat: vanguarda no mangue?. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/IL), 2011.
TELES, José. Criança de domingo: uma biografia musical de Chico Science. São Paulo: Ed Belas Letras, 2024
TESSER, Paula. Mangue Beat: húmus cultural e social. Logos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 70–83, 2015
Poesia Inspiradora FREIRE, Paulo – Recife Sempre – Santiago, Chile, 1969
TRINDADE, Solano – Cantares ao meu povo. Recife, 1961
BANDEIRA, Manoel – Evocação ao Recife, Recife, 1925
DOMINGUES, Edmir – Palafitas do Capibaribe – Recife, 1952
MARIANO, Olegário – O Poço da Panela – Rio de Janeiro, 1950
Audiovisual
Discografia de Chico Science e Nação Zumbi
Discografia de Mundo Livre S/A
Documentário “Chico Science – Um Caranguejo Elétrico”, de Zé Eduardo Miglioli (disponível no Youtube)
Documentário “Manifesto Manguebeat”, de Guga Paes (Disponível no Globoplay)
O Primeiro Abril Pro Rock – Paulo Andre Moraes Pires – Youtube – https://www.youtube.com/watch?v=Oom-Faxb4lA
Replay – Da Lama ao caos – Globoplay, 2025
ACERVO CHICO SCIENCE – https://acervochicoscience.com.br/
AGRADECIMENTOS Agradecemos especialmente à pessoas e entidades que nos receberam, acolheram e apontaram caminhos entre conversas por ruas, bares, ladeiras e mangues de Recife e Olinda.
Fred Zero Quatro (Mundo Livre S/A)
Jorge Du Peixe (Nação Zumbi)
Louise de França (filha de Chico Science)
Maria Goretti de França (irmã de Chico Science)
Acervo Chico Science
Mestre Meia Noite e Vilma Carijós (Daruê Malungo)
Maciel Salu
Mércia Gadelha
Casa da Rabeca
Maracatu Nação Porto Rico
Maracatu Piaba de Ouro
Galo da Madrugada
Oficina Francisco Brennand
Liga das Escolas de Samba de Recife
Oficina de Percussão da Escola Polivalente Antônio Maria – Rio Doce – Olinda
Gil, que nos conduziu pelas trilhas de conchas e mistérios da Ilha de Deus
Todos os amigos e vizinhos da infância de Chico, que nos alimentaram de memórias, causos e saudades.
A Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) e as agremiações do Grupo Especial do Rio de Janeiro definiram as datas das finais que escolherão os sambas-enredo para o Carnaval 2026. As escolhas começam no dia 15 de agosto, quando o Paraíso do Tuiuti apresentará seu samba-enredo, já que a agremiação segue encomendando sua obra. As finais vão até o dia 27 de setembro, respeitando o prazo limite estipulado pela Liesa, que visa um planejamento mais eficiente para a divulgação e o trabalho com os hinos oficiais dos desfiles.
Foto: Léo Queiroz/Divulgação Rio Carnaval
Confira abaixo as datas das escolhas das escolas do Grupo Especial do Rio:
15 de agosto: Paraíso do Tuiuti
12 de setembro: Vila Isabel
19 de setembro: Imperatriz Leopoldinense
20 de setembro: Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos da Tijuca e Acadêmicos do Grande Rio
21 de setembro: Acadêmicos de Niterói
25 de setembro: Beija-Flor de Nilópolis
26 de setembro: Portela e Unidos do Viradouro
27 de setembro: Estação Primeira de Mangueira e Acadêmicos do Salgueiro
O presidente da Liesa, Gabriel David, destacou a importância da antecipação das finais para a estratégia de divulgação dos sambas. “As escolas têm uma data limite, até o dia 28 de setembro, para fazer essas finais de samba, porque só assim a gente consegue lançar os sambas com mais antecedência e permitir que a gente tenha pelo menos três meses cheios para trabalhar esse samba nas plataformas digitais, tendo um alcance ainda maior do que as escolas vêm tendo nos últimos anos”, afirmou.
A medida visa não apenas aprimorar o trabalho de divulgação dos sambas-enredo, mas também fortalecer o envolvimento, ampliando a visibilidade do espetáculo e das agremiações nas mídias digitais e tradicionais.
A Acadêmicos do Grande Rio anunciou o enredo que levará para a Marquês de Sapucaí no Carnaval 2026. A escola de Duque de Caxias vai exaltar a revolução cultural do Manguebeat, movimento que sacudiu a cena musical brasileira a partir das margens do Recife, conectando raízes nordestinas, crítica social e ritmos universais. A proposta marca a estreia do carnavalesco Antônio Gonzaga no comando do desfile da tricolor da Baixada Fluminense.
O enredo tem como ponto de partida os manguezais de Pernambuco, ambientes de resistência ecológica e cultural. A escola pretende mostrar que da lama nasce a potência criativa de um povo que transforma dor em arte e exclusão em protagonismo. O desfile será uma celebração da estética e da força do Manguebeat, a partir dos toques das alfaias, da dança dos caboclos de lança, das letras provocativas de Chico Science e do manifesto do músico e ativista Fred Zero Quatro.
A Grande Rio quer fazer da Sapucaí um grande mangue simbólico, reunindo os “caranguejos” de Caxias e de Recife em um grito coletivo que ecoa das periferias brasileiras, celebrando a cultura como ferramenta de transformação social e resistência política.
A escola será a terceira a desfilar na terça-feira de arnaval, dia 17 de fevereiro de 2026, pelo Grupo Especial do Rio de Janeiro.
Um dos eventos mais aguardados pelos amantes do samba, o Salgueiro Convida, retorna no dia 19 de julho, sábado, abrindo a temporada de pré-carnaval com uma grande celebração na quadra da escola, no Andaraí.
Para marcar a estreia com estilo, a convidada especial da noite será a Beija-Flor de Nilópolis, campeã do Carnaval Carioca de 2025. O evento terá início às 20h30 e contará com o tradicional espetáculo completo da Academia do Samba, incluindo carro de som, bateria Furiosa, casal de mestre-sala e porta-bandeira, passistas, maculelê, baianas e velha guarda.
Além da participação da escola nilopolitana, o público poderá curtir uma programação repleta de samba no pé e grandes sambas-enredo que marcaram a história dos desfiles na Sapucaí.
Os ingressos já estão disponíveis no site Guichê Web, com preços a partir de R$ 40, no primeiro lote.
Serviço – Salgueiro Convida Beija-Flor de Nilópolis
Data: Sábado, 19 de julho de 2025
Horário: A partir das 20h30
Local: Quadra do GRES Acadêmicos do Salgueiro
Endereço: Rua Silva Teles, 104 – Andaraí
Entradas (1º lote):
* Pista: R$ 40
* Jirau: R$ 50
*Mesas (4 pessoas, com entrada incluída): R$ 200
* Camarote Lateral (12 pessoas): R$ 800
* Camarote Frontal (12 pessoas): R$ 1.000
Vendas on-line: www.guicheweb.com.br
Classificação etária: 18 anos
O independente Alexsandro Furtado viralizou nas redes sociais ao eternizar, na perna, uma homenagem a duas comissões de frente recentes da escola de Padre Miguel: a do Aladim (2017), que rendeu à agremiação seu último título, e a atual, de 2025, bastante elogiada pelo estilo high-tech e pela ausência de tripé, na contramão da tendência do segmento nos últimos anos.
Furtado, de 51 anos, é morador de Realengo e sempre torceu pela estrela-guia da Zona Oeste. Ele desfilou pela escola na Sapucaí em 1994, 1995, 1996, 1997, 2006, 2007 e 2008, mas garante frequentar os ensaios da agremiação de forma ininterrupta há décadas. Em 2020, assumiu a direção de carnaval da escola mirim Estrelinha da Mocidade e, em 2022, passou a trabalhar no barracão da escola-mãe. Atualmente, ocupa o cargo de diretor de patrimônio. Sua filha, Bárbara, de 9 anos, é musa da Estrelinha.
“Eu já pensava há algum tempo em fazer uma tattoo em homenagem à Mocidade. A ideia inicial era fazer apenas o escudo, mas, conversando com o Renatinho (meu tatuador, que é uma fera na arte do rabisco, um grande amigo e também apaixonado pela Mocidade), decidi fazer algo a mais. Batendo um papo sobre como foi impactante a comissão deste ano, surgiu a ideia de eternizar esse momento do desfile da Mocidade e, como o Aladim também entrou para a história, resolvemos eternizar aquele voo inesquecível na pele”, declarou Alexsandro ao CARNAVALESCO.
Independente Alexsandro Furtado
Para o coreógrafo Marcelo Misailidis, responsável pela comissão de frente da Mocidade em 2025, o ato representa um reconhecimento inesperado de seu trabalho.
“Foi uma surpresa enorme para todos nós, porque esta é uma manifestação de muito carinho. As pessoas fazem uma tatuagem quando querem marcar, registrar um momento inesquecível na vida delas, uma grande conquista. Nós não tínhamos noção de como esse trabalho atingiu as pessoas de modo geral e, particularmente, de como isso tocou o Alexsandro”, afirmou o artista.
Cobrindo boa parte da perna direita, o torcedor independente afirmou que a tattoo foi feita em duas sessões.
“Na primeira, fizemos o escudo e o castor. Depois de duas semanas, no dia 26 de março, voltei e ficamos tatuando por cinco horas até finalizar. A dor existe, mas o amor pela escola ajuda a superá-la”, detalhou Alexsandro.
Aclamado pela especificidade — a Mocidade foi a única escola do Grupo Especial de 2025 a não trazer elemento cenográfico na comissão de frente —, o trabalho de Marcelo gerou, na perna de Alexsandro, frutos eternos.
“A ideia foi tentar mexer um pouco com esse quesito, que está, de certa forma, ficando muito previsível dentro das suas potencialidades. A comissão de frente, que ao longo dos últimos anos tem tido uma grande evolução de visibilidade, começou a se tornar um processo muito similar entre uma e outra”, explicou o coreógrafo.
“Já estou há alguns anos nessa direção de fazer um projeto de comissão de frente que não dependa de uma estrutura cenográfica. A comissão deve ser representada por 15 componentes. Prioritariamente, a ação deve estar na questão humana do componente que apresenta a escola. As escolas têm tido receio de serem sacrificadas na nota e medo de apostar em novos projetos. O importante foi que demonstramos, com esse projeto, que a comissão de frente ainda é algo aberto e vivo em sua potencialidade”, completou.
A temporada de eliminatórias de sambas-enredo está começando e os sambistas já estão pensando na Festa do Lançamento dos Sambas para o Carnaval 2026 (dia 6 de dezembro), quando acontecem os minidesfiles em São Paulo. O evento atrai mais pessoas, tanto de contingente das escolas que vão participar dos minidesfiles, quanto do público presente, que tem a sua torcida ou comparece simplesmente por amar o carnaval. Desta vez tem um diferencial: Será em uma data diferente do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Os profissionais que atuam nas duas praças estarão presentes defendendo o seu pavilhão, bem como torcedores e apaixonados pelas duas cidades.
O presidente da Liga-SP, Renato Remondini, o Tomate, falou sobre um plano ousado: A vontade de ampliar ainda mais os minidesfiles e colocar na Avenida Dr. Abraão Ribeiro, que dá acesso à Fábrica do Samba. O local que atualmente abriga a festa serviria como ponto de apoio no dia do evento.
“Felizmente, hoje a Fábrica se tornou pequena para a Festa de Lançamento dos sambas-enredo. A gente não consegue fazer no Anhembi por causa da Fórmula E, que acontece na mesma data. Mas nós estamos tentando com as autoridades, vamos ver com a prefeitura se a gente consegue liberar essa nossa avenida aqui na frente e consiga fazer os desfiles do lado de fora, com a Fábrica servindo como um ponto de apoio, estrutura, alimentação, banheiros e outras coisas para o conforto do sambista. E lá fora a gente faria os desfiles. Vamos ver se dá certo. Nós vamos planejar, pois gostamos de fazer algumas coisas diferentes. Se for algo que seja bacana para todo mundo e que tenha segurança de uma forma bem legal, devemos migrar”, contou.
Negociação com Band e Rede Globo – Caminhando positivamente
A renovação com a Rede Globo, atual detentora dos direitos de transmissão do Grupo Especial de São Paulo ainda não saiu, mas Renato Remondini se diz confiante para um desfecho positivo. Exigências de ambas as partes estão acontecendo para o acordo ser concluído. “A gente vem conversando com a Globo já faz um tempo e caminha-se para uma renovação de contrato. A Globo fez algumas exigências e nós fizemos as nossas. É uma negociação onde a gente entende que o produto do carnaval de São Paulo cresceu muito e ele precisa ser valorizado. É claro que a Globo tem as limitações delas, mas sabemos que o nosso produto hoje é muito cobiçado. A gente precisa realmente dar valor ao nosso produto para que a TV também faça isso. Acho que a gente vai chegar a um acordo, espero que em breve, para anunciar isso o quanto antes”, revelou.
Uma vitória que está prestes a acontecer é o Acesso 1 ser transmitido em uma grande emissora de TV aberta. Nos últimos anos, o grupo foi levado para o YouTube da Liga-SP. Tomate afirmou que não foi assinado, mas a conclusão está prestes a ser realizada. “O acerto da Band com o Acesso 1 está consolidado, tudo certo. A gente fica muito feliz com essa parceria. O contrato está prestes a ser concluído, ainda não foi assinado, mas tudo caminha também no sentido que esse acerto venha a ser concretizado. É o início de um trabalho que vai ser muito bom para o carnaval de São Paulo”, concluiu.
A Unidos da Tijuca segue identificando demandas e preenchendo a equipe com profissionais capacitados. Nesta semana a escola fechou a contratação Flavia Leal. A atriz, bailarina e coreógrafa exercerá o cargo de diretora artística na amarelo ouro e azul pavão do Borel no próximo carnaval.
“É uma honra muito grande estar em uma escola que se notabilizou por realizar grandes espetáculos na Avenida. Ao longo da minha carreira, vi e vivi os maiores espetáculos do mundo. Vamos unir os segmentos e extrair deles todo o talento e capacidade desse grande time que a Tijuca tem hoje. Vamos retomar essa veia artística da escola para realizarmos grandes desfiles que encantem a Marquês de Sapucaí”, avisa.
Com passagens pela Oba Oba Brasil (do lendário Sargentelli), programas da TV Globo e espetáculos internacionais, Flávia integrou o time de coreógrafos renomados como Renata Monnier, Gislaine Cavalcante, Helio Bejani e Marcelo Misailidis, todos na folia carioca, além de dirigir o trabalho coreográfico de comissões no Grupo de Acesso, sendo premiada na Leão de Nova Iguaçu e nota máxima na Tubarão de Mesquita. Como bailarina passou por Beija-Flor, Salgueiro, Império da Tijuca, Estácio de Sá e Unidos da Tijuca.
“Fiquei muito feliz com o convite da escola e com o planejamento para o Carnaval 2026. Nosso carnavalesco Edson Pereira e toda a equipe já estão trabalhando muito para um grande desfile. O enredo é uma linda homenagem a uma mulher simples e destemida que se tornou a maior escritora desse país. Cheguei em uma Tijuca consciente da sua força e que está preparando muitas surpresas para o próximo carnaval. Encontrei um time muito unido e sedento pelo título. Vamos contar essa linda história na Avenida com muita força, humildade e comprometimento. Será um grande desfile, sem dúvidas”, destaca Flávia.
A Unidos da Tijuca desfilará na Marquês de Sapucaí dia 16 de fevereiro de 2026, segunda-feira de carnaval com o enredo “Carolina Maria de Jesus”. O enredo será desenvolvido pelo carnavalesco Edson Pereira.
Com muita emoção e felicidade, o coreógrafo Carlinhos Salgueiro foi coroado Rei do Carnaval de Hollywood, no último dia 21 de junho, nos Estados Unidos, a convite da organização do Los Angeles Culture, organização cultural americana que promove a integração de diversos países e culturas no Desfile Multicultural de Carnaval, na Calçada da Fama em Hollywood.
“Estar na Calçada da Fama e desfilar minha arte me deixou muito emocionado e reconectando com meu passado, lembrei da minha falecida mãe, que não conheceu o Carlinhos Salgueiro de hoje. Tudo isto é por ela também”, comentou o Rei.
O artista, que completou em 2025 vinte anos como diretor da ala de Passistas do Salgueiro, divide também as funções de diretor artístico e da ala Maculelê na escola, desfilou seu reinado, com o tema Floresta Amazônica, ao lado da Rainha do Carnaval de Hollywood América do Sul 2025, a pernambucana, Jônia Queen, que é diretora da Cia de Shows Raiz Brazil, em Los Angeles
“Eu como cria de comunidade, que já perdi amigos de infância assassinados, tenho muito a agradecer a oportunidade que o Salgueiro me deu de mostrar minha arte, seguir nela e chegar até aqui”, reflete o dançarino.
Após o sucesso de sua coroação, Carlinhos foi convidado para compartilhar sua experiência, dando workshops de samba, em uma turnê por sete cidades americanas.