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Leonardo Antan: os altos e baixos dos enredos da Série A para 2019

    Por Leonardo Antan

    antanEm meio a forte crise financeira e identitária que passa o carnaval das escolas de samba, as agremiações da Série A são as que mais sofrem em meios a súbitos cortes de verbas e a falta de estrutura de barracões. Em meio a tantas dificuldades, os
    carnavalescos do grupo precisam de o dobro de criatividade e jogo de cintura para materializar seus temas e fazer um bom desfile.

    Mas se engana quem acha que com tantas intempéries, os enredos do grupo estejam
    fraco ou poucos diversos, pelo contrário, com propostas criativas que vão desde grande homenagens a temas tipicamente brasileiros, compondo um painel multifacetado e pra lá de interessante para quem vai acompanhar o show do grupo de acesso carioca.

    Ainda não entendeu algum enredo? Tá perdido? Vem, que a hora se saber de tudo
    para a Série A de 2019!

    Os vultos e efemérides

    É homenagem que vocês querem? Sempre comuns no grupo, as biografias e grandes
    tributos a personalidades são um verdadeiro trunfo para conquistar o público e fazer
    uma bom desfile. Em 2019, três escolas farão homenagens a nomes importantes da
    cultura brasileira, mais do que isso, chama a atenção o fato destes enredos estarem
    ligados pelo universo das artes dramáticas. Dois deles são sobre autores negros,
    ambos pioneiros em suas áreas, e outro homenageia um dos grandes autores do país.

    Na Santa Cruz, a homenageada é a grande Ruth de Souza, pioneira do protagonismo
    negro no teatro, na TV e no cinema. Nas telonas, também brilhou Antônio Pitanga, um
    dos atores mais importantes da nossa sétima arte que será cantada pela Porto da
    Pedra. O desenvolvimento, nos dois casos, chama a atenção pela clareza, ambos
    farão um passeio pela obra dos homenageados, falando de filmes, novelas e peças
    que ambos fizeram. Aquela receita clássica e sem invencionices, nada mal, pelo
    contrário.

    Quem propõe uma narrativa diferente é o enredo da Unidos de Padre Miguel sobre o
    dramaturgo Dias Gomes, assinado pelo grande enredista João Gustavo Melo, a
    proposta vai além de um simples passeio biográfico e pensa o imaginário poética das
    obras do homenageado, passeando por suas novelas e peças mais emblemáticas,
    aproveitando para fazer críticas ao momento atual do país. O primeiro setor lembrará a
    clássica “O pagador de promessas”, debatendo a intolerância religiosa, depois as
    grandes novelas do autor cruzaram a avenida, separadas nas tramas rurais e urbanas,
    finalizando com seu maior sucesso “Saramandaia”.

    Andar com fé eu vou

    Um levantamento que chama atenção nos temas que cruzarão a Sapucaí na sexta e
    no sábado de carnaval é que a linha preferida dos artistas do grupo foi a de enredos
    que versam sobre religião e fé. Nada menos que cinco enredos do grupo, entre treze,
    falarão da relação do homem com o sagrado.

    Abrindo os desfiles, a Unidos da Ponte retornará a Sapucaí apostando na reedição do
    seu samba clássico de 1984, que fala sobre as diversas oferendas aos orixás do
    candomblé nagô brasileiro. O enredo não poderia ser mais objetivo, fará um passeio
    pelas principais divindades africanas que já estamos muito acostumados a ver na
    Avenida. Curimba boa garantida.

    Outra escola que falará de religiões afro-brasileiras é a Alegria do Zona Sul, só que ao
    invés do popular candomblé nagô-yorubá, muito difundindo nos desfiles, a vermelho e
    branco propõe uma exaltação à Umbanda, religião tipicamente brasileira surgida do
    sincretismo de europeus, africanos e indígenas. Desenvolvido pelo enredista Diego
    Araújo, não faltarão citações aos personagens típicos dos rituais da religião, como a
    Pomba-Gira, o Zé Pilintra, os Caboclos e Pretos Velhos. De proposta simples, o tema
    pode ser materializado com fácil leitura.

    Falou de religiões de matriz africana é impossível não lembrar da intolerância e do
    preconceito, infelizmente, mas esse será justamente o tema da Acadêmicos do
    Sossego. A escola de Niterói terá como figura central do enredo Jesus Malverde, um
    santo não oficial cultuado no México. Sem registros históricos sobre a existência real
    da figura, ele é cultuado por narcotraficantes como uma espécie de Robin Hood. É
    através desse personagem controverso, que o carnavalesco Leandro Valente pretende
    passar uma mensagem contra a intolerância. Resta saber como tudo isso renderá em
    quatro setores, a sinopse não dá muitas pistas a respeito.

    Continuando na América Central, mas trocando o México pelo Panamá, a Estácio de
    Sá traz um enredo que falará da fé católica ao Jesus Nazareno de Portobello, um
    cristo negro símbolo do país. Escrito pelo jornalista Daniel Targueta, o enredo passeia
    pelo mito de descobrimento da imagem, a festa em sua homenagem e termina
    celebrando a união dos povos. Com forte pegada religiosa, o enredo tem os elementos
    necessários para um bom desfile da vermelho e branco.

    Ainda falando de fé, o enredo mais original nesta linha é o de outra escola de Niterói, a
    Acadêmicos do Cubango vai abordar os objetos de fé no enredo “Igbá Cubango: a
    alma das coisas”. Assinados pelos talentosos carnavalescos Gabriel Haddad e
    Leonardo Bora, os quatro setores vão passear na relação entre homem e o sagrado
    através dos ex-votos, passando não só pelos objetos oferecidos em agradecimento
    aos santos mas também em objetos como os amuletos de proteção.

    Por fim, um enredo que também abordará a religião, de alguma maneira, será o da
    Renascer de Jacarepaguá, que vai cantar o “Dia 2 de fevereiro no Rio Vermelho”,
    falando da festa de Iemanjá num dos bairros mais tradicionais de Salvador. É verdade
    que o enredo passeará ainda por outros aspectos culturais da capital baiana, mas o
    mote central será a grande festa sincrética e, com certeza, não faltará uma citação aos
    orixás das religiões de matriz africana. O enredo tem uma linha desenvolvimento
    simples e funcional que tem tudo para dar certo.

    Tem mais variedade ainda…

    Se o enredo da Renascer tem a sua pegada geográfica ao cantar a primeira capital do
    Brasil, o único tema declaradamente CEP do ano vem da Império da Tijuca. A Formiga
    contará a história do Vale do Café, reduto do noroeste fluminense, que conta com
    mais de dez cidades que abrigaram grandes plantações do grão no auge do Segundo
    Império. Especialista na cultura africana, o carnavalesco Jorge Caribé deu como mote
    para o enredo a relação dos negros escravizados que chegaram na região, não
    deixando de passar pela fé e pelas festas da região. A fórmula é batida, mas ainda
    pode render uma agradável apresentação.

    A negritude é tema do enredo da Rocinha, assinado por Junior Pernambucano, o
    enredo “Bananas para o preconceito” entra na onda crítica para falar do preconceito
    racial e exaltar o povo negro. O enredo passa pelo estigma histórico dos africanos e
    exalta figuras como Chico Rei e Abdias Nascimento. A dúvida fica se o tema, apesar
    de fundamental e tristemente atual, ganhará novos ares e contornos inéditos para sair
    da mesmice.

    Saindo do Rio, rumo ao Nordeste brasileiro, a Inocentes de Belford Roxo vai trazer “O
    frasco do bandoleiro” sobre a cultura material dessa região. Lendo a sinopse, fica
    difícil saber qual o fio condutor da narrativa que versará sobre bijuterias, frascos e
    costumes do povo brasileira, mas nas linhas do resumo e no samba-enredo, ganha-se
    destaque a figura de Lampião e o uso de joias pelo cangaço brasileiro. Resta saber se
    o enredo será de mais fácil assimilação na pista.

    Por fim, um dos enredos mais inusitados é o da Unidos de Bangu que vai narrar a
    história da batata, o enredo passará pelo Império Inca onde o alimento era sagrado,
    passeará pela Europa e chegará ao Brasil. De pegada bem clássica, o enredo não tem
    mistérios e resta saber se a história de um alimento tão cotidiano tem uma história
    interessante a contar.

     

    Série o carnaval mudou minha vida: ‘O samba pra mim foi uma escola de vida’, diz Selminha Sorriso

    Por Lucas Santos

    BeijaFlor ensaiotecnico 2019 37É difícil hoje em dia não associar dentro do universo do carnaval carioca e do carnaval de escolas de samba, em geral, a função de porta-bandeira a Selminha Sorriso. Com 30 anos carregando consigo o pavilhão de escolas de samba, desde sua estreia em 1989 pelo Império Serrano, Selminha se tornou uma referência para todas aquelas que sonham um dia defender o pavilhão de sua agremiação. E foi a partir de um sonho lá atrás, ainda menina, que tudo o que desejou virou realidade. Hoje, já são nove títulos conquistados ao lado da Beija Flor e mais um pela Estácio de Sá, logo em seu primeiro ano na escola.

    “O carnaval realmente mudou a minha vida, me deu outras oportunidades, conheci outros valores. Constituí muitos amigos, conheci países, conheci um universo que não era minha realidade a época que eu comecei. E tudo que eu constituí tem um vínculo com o samba, com a arte da porta bandeira. Eu sou muito grata porque realmente minha vida mudou”.

    Vindo de origem simples, trabalhando como recruta do Corpo de Bombeiros do estado do Rio de Janeiro desde 2002 em paralelo com o sucesso como porta bandeira, Selminha também já viajou inúmeras vezes com a Beija Flor para realizar apresentações em diversos lugares do mundo. Mas se engana quem pensa que a parte financeira do carnaval foi o que mais marcou Selminha durante os quase 30 anos de Sapucaí que serão completados este ano.

    BeijaFlor ensaiotecnico 2019 42“Eu não falo no sentido material apenas. Sou uma pessoa que levo uma vida simples, mas muito grata, muito feliz, porque eu olho pra trás e sei que os dias foram muito mais difíceis em alguns anos lá no passado. Acho que o carnaval realmente faz uma diferença muito grande na vida de quem leva a sério, de quem se dedica. O samba socializa, as escolas de samba ajudam a socializar, a integrar as pessoas em uma sociedade que às vezes é bem diferente da realidade delas porque o carnaval é visto como o maior espetáculo aberto do mundo. Hoje nós do samba somos respeitados, somos convidados para entrar e retornar e sempre deixamos as portas abertas”.

    Por fim, ao se preparar para mais um ano desfilando pela Beija Flor de Nilópolis, Selminha não se esquece das dificuldades enfrentadas pelas escolas de samba em mais um carnaval recheado de cortes de verbas pelo poder público. A porta bandeira lamenta as dificuldades, mas a acredita na capacidade que o sambista tem de dar a volta por cima.

    “Claro, passamos por dificuldades, mas acho que não é uma política que vai destruir algum tão valioso construindo com muito sacrifício, com muito suor, sobre tudo com muito amor. Nós somos muito fortes, somos uma raiz muito forte que não se abala. Espero que o carnaval seja sempre valorizado e seja sempre um ponto de equilíbrio para ajudar suas comunidades, pois o samba é sempre uma escola de vida”.

    Série Barracões: Unidos de Padre Miguel vai mostrar o Brasil através das obras de Dias Gomes

    Por Diogo Cesar Sampaio

    upm barracoes2019 4Gênio, sádico, comunista, subversivo, anarquista, imoral. Ao longo de toda sua carreira, Dias Gomes chocou a muitos com suas histórias e personagens, ganhando assim, todo o tipo de títulos e adjetivos. Dono de um texto crítico, muita vezes ácido, mas sempre com humor acima de tudo. Pai do realismo fantástico, foi o criador de figuras como João Gibão, Dona Redonda, Dirceu Borboleta e Viúva Porcina, que até os dias de hoje, se fazem presentes no imaginário de qualquer brasileiro. Através de microcosmos como Bole Bole, Asa Branca e Sucupira, Dias retratou o Brasil como nenhum outro escritor o fez. E é esse olhar sobre o país, representado pelas obras do autor, que a Unidos de Padre Miguel pretende levar para Sapucaí, em 2019.

    upm barracoes2019 3“Esse enredo surgiu a partir da necessidade. Já se sabia que 2019 seria um ano de crise, já anunciada por tudo e por todos. Não que falar de Dias Gomes seja menos que qualquer outro tipo de enredo, não é isso. Só que é um enredo que me permitiria, como vem me permitindo, transitar em uma atmosfera artística um pouco mais barata que a dos outros anos, já que é um carnaval onde ninguém tem dinheiro. Nenhuma escola. Escolas riquíssimas estão se rendendo a recursos alternativos. E isso não está sendo diferente com a Unidos de Padre Miguel, que todo mundo diz que é uma escola muito rica. E já era um desejo meu falar de Dias Gomes, eu já tinha essa história guardada. Então, quando surgiu a oportunidade diante dessa crise, eu trouxe a tona essa ideia de levar, não o Dias Gomes propriamente dito, mas o Brasil segundo as histórias do Dias Gomes.”, conta o carnavalesco da escola, João Vitor Araújo.

    upm barracoes2019 2A reportagem do site CARNAVALESCO visitou o barracão da agremiação, e conversou com João Vitor Araújo sobre os preparativos da Unidos de Padre Miguel, para 2019. Durante a entrevista, João Vitor esclareceu um pouco mais a proposta do enredo da UPM, além de dizer que, durante as pesquisas, chamou a sua atenção descobrir a relação entre o carnaval e o homenageado, Dias Gomes.

    upm barracoes2019 5“O que mais chamou minha atenção na pesquisa foi que ele era um apaixonado pelo carnaval. Ele era um escritor muito sério, então eu não imaginava que ele tinha esse carinho, essa paixão, pelo desfile de escola de samba. E ele tinha uma atenção enorme para as sinopses de escola de samba. Tanto que quando ele escreveu a peça sobre Getúlio Vargas, ele se baseou no roteiro, como eram chamadas as sinopses na época, de um desfile de escola de samba, no caso, a Mangueira”.

    Dono de uma extensa lista de obras no currículo, entre peças, novelas e roteiros para cinema, Dias Gomes deixou um legado imensurável. Com tantas histórias de relevância na carreira, e com modelo de desfile compacto como o da Série A, ficou impossível contemplar a todas. Sendo assim, até mesmo títulos famosos de grande importância e destaque como a peça “O Santo Inquérito” (1966), acabaram ficando de fora.

    upm barracoes2019 7“Foram muitas histórias que ele escreveu. Eu li todos os livros do Dias Gomes para poder transforma isso em enredo. E eu tive de deixar muitas histórias de fora devido ao curto tempo que temos para nos apresentar. Temos pouquíssimos setores, quatro apenas. Fiquei muito triste de ter de deixar “O Santo Inquérito” de fora, a história de Branca Dias, mas eu não pude trazê-lo à tona, porque ele faria parte do primeiro setor. E a história do “Pagador de Promessas”, que será o nosso primeiro setor, já é uma tragédia, porque ele morre ao tentar entrar na igreja. E em “O Santo Inquérito” também. Branca Dias acaba morrendo queimada. Enfim, muita tragédia para um setor só, sem condições. Então tive de deixar essa história que é muito bonita, que é muito famosa, inclusive lançou a Regina Duarte no mercado artístico. E eu não tive condições, não tive como incluir. Fiquei muito triste”.

    Carnaval da crise

    upm barracoes2019 6Os bastidores para o carnaval de 2019 não foram fáceis para as escolas de samba do Rio de Janeiro. Agremiações, de todos os grupos, foram afetadas por cortes de verba correspondentes a metade do valor anteriormente combinado. E se não bastasse à diminuição no repasse, as escolas sofreram com o atraso do mesmo. Na Série A, o drama foi intensificado devido às questões envolvendo a falta de estrutura dos barracões, que agravaram ainda mais o cenário de crise já instaurado.

    upm barracoes2019 8“É um prazer poder trabalhar na Unidos de Padre Miguel, mas confesso que é desgastante trabalhar no grupo, na Série A, por conta de todo o descaso. Nós não temos um espaço adequado para poder fazer um carnaval. Sofremos muito com as chuvas de fevereiro. Perdemos praticamente uma alegoria inteira dentro do barracão, que teve de ser refeita por causa disso. Isso é tudo fruto de descaso. A gente já não tem uma verba que não é lá essas coisas. Na verdade, isso nem pode ser chamado de verba, tinha de ser chamado de ajuda de custo para o almoço. É um absurdo você conceber um carnaval com 250 mil reais. E exigem tanta qualidade, exigem um padrão altíssimo das escolas da Série A, dizem que tem que ser o novo Grupo Especial… Mas com esse canário, só se for lá na China. Aqui sem condições. Com esse valor que a gente recebe, já é um milagre colocar um carnaval na rua. Isso acaba desgastando. A escola é maravilhosa, as escolas são maravilhosas. Mas a forma como essas escolas são tratadas é inadmissível”.

    Mediante a toda esta crise, se fez necessário recorrer a subterfúgios. Não foi diferente com João Vitor Araújo, que teve de se adaptar a atual realidade da escola e do grupo. Com isso, o carnavalesco admite o uso de materiais mais baratos que os utilizados por ele no anterior, em sua estreia na agremiação. No entanto, apesar das substituições na confecção, ele garante manter o mesmo nível plástico e visual, apresentado pela UPM, ao longo dos últimos anos.

    upm barracoes2019 9“Desde o início, eu sabia que essa crise pegaria a gente com força total. Foi difícil começar, foi difícil de fazer, e está sendo difícil de terminar também. A gente está puxando daqui, esticando de lá, dando nosso jeito. Claro, sem esculachar o trabalho. Não tem nada mal feito e nem feito às pressas. É até engraçado dizer isso, já que nós começamos o barracão a praticamente dois meses do carnaval apenas. De fato, é um carnaval mais barato, mas a escola vai desfilar com a mesma imponência de sempre. A diferença é que optamos por recursos um pouco mais em conta do que os que utilizamos nos anos anteriores. Foi um carnaval que nós pechinchamos tudo. Até o tecido que custa cinco reais, que aparentemente é barato, a gente deu preferência para o que custa dois reais. Foi assim que a gente trabalhou para poder ajustar tudo isso no nosso orçamento”.

    Sobre os materiais alternativos e inusitados utilizados na produção do carnaval desse ano, João Vitor destacou o uso de buchas para banho. Elas foram usadas na confecção das fantasias de uma ala, após serem submetidas a um tratamento, para simular pelugem de lobisomem.

    upm barracoes2019 10“Eu tenho uma ala de lobisomens que eu fiz a pelúcia do lobisomem de bucha de banho. Eu nunca tinha feito isso, eu vi em um filme. Saiu muito mais em conta, deu um pouco de trabalho, mas o orçamento ficou lá embaixo. No final, o resultado ficou maravilhoso, nem parece que é. Mas é só a pelúcia do lobisomem da ala, não o do carro alegórico. Ficaria inviável, em poucos dias, conceber uma pelagem gigantesca, feita com bucha. Dá muito trabalho, porque você precisa tratar, precisar deixar de molho, passar cola, até finalmente poder pintar”.

    João Vitor ainda contou que não tem uma preferência dentre o seu trabalho para 2019. Devido ao ritmo acelerado no processo de confecção e a falta de antecedência no barracão, o artista confidenciou não ter tido tempo para ter uma visão completa e geral do projeto, o que o impossibilitaria de ter um favorito.

    “É um carnaval muito apertado. Nós só abrimos o barracão em dezembro. É um carnaval que eu conheço o desfile no papel, ali na prática da construção, mas eu ainda não o visualizei. Então, eu gosto de tudo. Ainda não tive a oportunidade de montar um carro inteiro, e de dizer aquele ali que eu gosto mais. Gosto de todos por hora. Eu só vou ter o meu xodó de fato quando eu conseguir ver eles todos montados”.

    Entenda o desfile

    A vermelha e branca da Vila Vintém levará para Marquês de Sapucaí um total de 4 alegorias, 23 alas e 1900 componentes. Com o enredo “Qualquer semelhança não terá sido mera coincidência”, sobre a obra do escritor baiano Dias Gomes, a Unidos de Padre Miguel será a quinta escola a desfilar na sexta-feira de carnaval.

    Setor 1: O Pagador de Promessas

    “Eu começo com a intolerância religiosa, retratada em “O Pagador de Promessas”. Quando eu reli essa história eu vi que não tinha nada mais atual que essa obra dele. Coincide perfeitamente com que a gente vem dizendo e vivendo atualmente”.

    Setor 2: Roque Santeiro e O Bem Amado

    upm barracoes2019 11“O segundo setor eu falo de política e de religião. O povo brasileiro, infelizmente, é um povo que sente a necessidade de se apegar a algum tipo de crença. Às vezes, as pessoas pegam um mito e o santificam. Dizem que é um mito, e acabam o santificando, quando na verdade aquilo não é nem um santo, é um charlatão. Isso faz parte do dia a dia do brasileiro. Ele fala muito bem disso em “Roque Santeiro” (TV Globo – 1985), que todo mundo cultuava aquela imagem do Roque, o santo, quando na verdade o cara nem tinha morrido. Então, eu falo dessa necessidade que o brasileiro tem de se apegar a uma pessoa, a um líder. Além de falar dos dribles que os políticos dão nas pessoas. A vida no interior. Mostramos a Sucupira governada por Odorico Paraguaçu. E o que a gente vive hoje? Em um país, em uma cidade, em um estado governado por Odoricos Paraguaçus. Estamos cheios de Odoricos por aí”.

    Setor 3: Bandeira 2, O Espigão e Sinal de Alerta

    “E o terceiro setor, que já é um setor um pouquinho mais engraçado, eu falo de jogo do bicho, retratado na novela “Bandeira 2” (TV Globo – 1971/1972). Falamos também da vida nas grandes cidades, da especulação imobiliária, de meio ambiente versus ecologia, retratado em novelas como “O Espigão” (TV Globo – 1974) e “Sinal de Alerta” (TV Globo – 1978/1979)”.

    Setor 4: Saramandaia

    “No último setor, que é o realismo fantástico, é o momento lúdico do nosso enredo. Mas também não tão lúdico assim não, porque quando se fala em realismo fantástico, lembra-se de “Saramandaia” (TV Globo – 1976). Que tinha a Dona Redonda que comia até explodir, tinha o cara que botava formigas pelas ventas que era o Zico Rosado, o professor Aristóbulo que quando dava meia-noite se transformava em lobisomem, e isso não é tão fantástico quando se fala de Brasil. A gente vive em um país onde todo mundo parou para acreditar em uma mulher que estava grávida de quíntuplos, a tal da grávida de Taubaté. Isso sim é um realismo fantástico de certa forma que acontece no nosso dia a dia”.

    Barracões: Mocidade aposta em abre-alas que resgata estética clássica independente para buscar o caneco

    barracao mocidade2019 1A Mocidade Independente de Padre Miguel não conquista um bicampeonato desde os anos 90. Por pouco não conseguiu esse feito no ano passado. Entretanto as notas no quesito fantasias acabaram tirando a escola da liderança da apuração e a jogando para o sexto lugar. Apostando em um novo desfile bem sucedido para voltar a vencer, a Estrela Guia desta vez deposita em uma estética que resgata os grandes carnavais da Mocidade para levantar o seu sétimo título do carnaval carioca. A começar pelo carro abre-alas, carregado de estrelas.

    barracao mocidade2019 9

    O carnavalesco Alexandre Louzada desenvolve o quarto carnaval seguido na Mocidade nesta segunda passagem. Ele revela à reportagem do CARNAVALESCO que este é o primeiro enredo totalmente seu que desenvolve na agremiação.

    barracao mocidade2019 11“Me sinto inquieto quando permaneço com a mesma visão estética. Pensei nesse enredo a quatro anos. É o meu primeiro enredo meu aqui na Mocidade. parece um castigo, pois quando eu pude desenvolver a minha proposta vieram essas dificuldades. É uma temática bastante enraizada na estética histórica da Mocidade. Quis fazer um carnaval mais clean, por conta dos recursos”, afirma.

    Com 34 anos de carreira, Louzada é sincero quando indagado sobre as dificuldades encontradas pela escola neste ano de crise. Segundo o artista o carnaval 2019 é sem precedentes na história da festa.

    barracao mocidade2019 3“Ano passado a coisa começou a ficar atrasada com a questão dos ateliês e acabamos penalizados, mas não tive tantos problemas como tive esse ano. Eu não consigo nem descrever esse ano. Não tem precedentes o que estamos passando, não sei nem como cheguei até aqui. Nenhum aspecto foi fácil ou tranquilo. Fazer um carnaval sem um mínimo de recurso ou estrutura não tem como descrever”, desabafa.

    Cosmologia será fio condutor da história sobre o tempo

    Para contar uma história carregada na abstração, Louzada se utiliza de um fio condutor para dar estrutura e coerência à sua proposta de desfile, conforme explica à nossa reportagem.

    barracao mocidade2019 8“O fio condutor é a cosmologia. O homem procura entender o tempo através dos fenômenos naturais. A Mocidade é uma estrela e tem um nome que sugere eterna juventude. Não importa quanto tempo tem de idade, carrega no peito a eterna mocidade”, discorre.

    Louzada pelo terceiro ano seguido fez adaptações em seu projeto inicial do ponto de vista da concepção depois da escolha do samba-enredo. O artista informa que não fica escravo da sinopse e que o samba é a trilha sonora do desfile, e por isso deve ser o protagonista.

    barracao mocidade2019 7“O menino tempo é implícito mas ao mesmo tempo conta a passagem do tempo. Eles mesmos criaram isso. É burrice você ser 100% preso à sinopse. O compositor é parte do processo artístico. Antigamente as escolas davam os temas e os compositores criavam os sambas e aí surgia o desenvolvimento do enredo. Se não ferir a estética eu sou parceiro dos poetas”.

    O artista revela ainda que a temática de 2019 seguirá a mesma característica dos últimos anos, de fácil assimilação do público e jurados.

    barracao mocidade2019 12“Eu tenho bons ouvidos. O que as pessoas observam e me passam me servem como sinal de alerta. Todo mundo hoje tem entendimento da mecânica de julgamento. Se não estiver bem defendido o enredo, não dá para vencer. O Viriato Ferreira falava que os carnavalescos complicavam o carnaval, que ele é simples. Simplicidade não é necessariamente pobreza”.

    Entenda o desfile

    Louzada prefere não esmiuçar cada setor, mas explica ao internauta do site CARNAVALESCO em linhas gerais como se desenvolverá a temática da Mocidade na avenida.

    barracao mocidade2019 10“A abertura da Mocidade resume a proposta. O passar do tempo. O abre-alas é a invenção do tempo, através do Deus Chronos. Como se tivesse brincando com astros e estrelas, fabricando o conceito de tempo, inventado pelo homem. Passamos pela necessidade de medir o tempo através de equipamentos, como relógio de sol, água, areia. Começa a dividir em segundos e minutos o passar do tempo. Não satisfeito cria mecanismos mais sofisticados de marca, como a criação do relógio. Ele fraciona o tempo dele, inventa que tem de dormir 8 horas. O homem se torna escravo do próprio tempo. Não sabemos realmente quanto tempo a gente tem. Em quanto tempo se pinta um quadro, se compõe uma música? O homem esquece de viver. Os momentos marcantes da Mocidade encerra o nosso desfile. Os campeonatos impregnados na memória dos independentes”.

    Barracões: André Machado confirma volta de ‘padrão’ Rosas de Ouro e assegura barracão mais adiantado

    Dando continuidade ao especial que visita os barracões das escolas de samba para o carnaval de 2019, o site CARNAVALESCO entrevistou o profissional da escola de samba Sociedade Rosas de Ouro. Responsável por todo o desenvolvimento do enredo, o carnavalesco André Machado segue para o seu terceiro carnaval na agremiação com o enredo autoral: “Viva Hayastan”, uma grande homenagem ao país europeu Armênia.

    rosas barracao2019 10“O enredo do carnaval de 2019 da Rosas de Ouro vai falar sobre a história e cultura Armênia. Logo quando lançou nós tivemos a preocupação porque existe um certo preconceito com enredos considerados ‘CEP’. A Armênia tem uma cultura que as pessoas desconhecem, elas não sabem que lá foi o local onde a Arca de Noé ancorou. Foi também a primeira nação cristã, tem o alfabeto próprio, isso aguçou a minha vontade de fazer um enredo sobre”, ressalta.

    André Machado expõe que ideia surgiu enquanto assistia programa de TV e defende que proposta não tem nenhum motivo financeiro.

    rosas barracao2019 2“Estava no processo do carnaval de 2018, e assistindo ao documentário do Globo Repórter sobre a Armênia, me interessei pela cultura e trouxe a ideia pra escola. Nós tivemos a preocupação até no título do enredo, porque as pessoas iam achar logo de cara que o tema existe por questões financeiras, e não é. A Sociedade Rosas de Ouro tem parceria com a BESNI, e nem sabia que os donos são da Armênia. Pensei em colocar o título do enredo ‘Viva Hayastan’, que quer dizer ‘Viva Armênia’, e colocamos esse nome pra provocar a curiosidade das pessoas, de ir pesquisar e isso surtiu efeito. Antes de criticarem, elas procuraram saber o significado”, explica.

    A Armênia tem uma extensa história, são mais de três séculos de existência. E sobre o processo de apuração, André responde que contou com uma ajuda de armênios para destacar os principais pontos.

    rosas barracao2019 3“A gente fala de uma civilização que tem mais de três mil anos, e foi um desafio condensar essa história em cinco carros alegóricos e dezenove alas. Assim que tive a ideia do enredo, procurei a comunidade de Armênios no Brasil, localizada em Osasco. O secretário de cultura me ajudou muito com o processo de pesquisa, pegamos os pontos principais. Mesmo as pessoas não conhecendo a cultura do país, nós escrevemos de uma forma que ela consiga entender o enredo. Vocês vão ver uma escola muito fiel à história”.

    Imagem de Seu Basílio estará presente no 5° carro alegórico

    A última alegoria contará com uma surpresa emocionante aos sambistas apaixonados pela Rosas de Ouro. Isso porque a imagem de um dos fundadores da agremiação, Eduardo Basílio, estará presente abraçando o brasão do país homenageado. André revela segredo e afirma mesmo padrão nas cinco alegorias.

    “A homenagem vai ser um ponto alto, inclusive foi a primeira alegoria a ser confeccionada. Eu priorizei porque as pessoas falam que o último carnaval da Rosas não foi tudo aquilo mas começou muito bacana, e foi piorando durante o desfile. Então comecei com o último pra gente terminar de uma forma bem legal, com o mesmo acabamento do abre-alas”.

    Barracão para 2019 é o mais adiantado dos último três anos

    A Rosas de Ouro sofreu nos últimos anos com o cronograma de barracões, onde retoques eram feitos momentos antes de entrar na avenida. O carnavalesco afirma que mais de 80% já está pronto e promete um grande desfile.

    rosas barracao2019 5“Graças a Deus é o carnaval mais adiantado dos últimos três anos. Primeiro que a gente está voltando com o padrão Rosas de Ouro e segundo que esse enredo me possibilitou a mostrar uma cultura nova. Estou com uma equipe que trabalhou comigo em outras escolas e que não tive nos últimos três anos. Temos tudo pra fazer uma grande carnaval”.

    Além dos imprevistos com alegorias, André Machado foi alvo de críticas na internet em relação ao seu trabalho na azul e rosa da zona norte. Ele comenta sobre problemas financeiros e assegura força total nos próximos anos.

    rosas barracao2019 6“Eu sou muito criticado com os meus dois últimos carnavais, no primeiro não tanto porque a escola acabou ficando entre as campeãs. As pessoas costumam falar ‘cadê o padrão Rosas de Ouro’ e ‘cadê o padrão André Machado do Pérola Negra’. Todo mundo sabe da questão da crise, a escola teve muitos problemas nos carnavais passados e a gente procurou colocar todas as dívidas em dia pra poder voltar com a qualidade nesse ano e com força total em 2020”.

    Conheça o desfile

    1° SETOR

    rosas barracao2019 7“Se a gente fosse seguir a ordem cronológica da Armênia, teríamos uma parte que não seria tão legal de contar, que é a história do genocídio que aconteceu em 1915. Não consigo imaginar como a gente iria contar uma parte tão triste, onde no desfile tem pessoas alegres, contentes, mandando beijo pra arquibancada e sambando. Então a gente colocou essa parte logo no inicio, até pra justificar a parte da vinda desse povo ao Brasil. Pra você ter uma ideia do tamanho disso, existem treze milhões de armênios no mundo, mas apenas três milhões moram lá, por isso esse povo está presente nos cinco continentes. Logo em seguida tem uma ala dizendo ‘apesar de tudo que eles sofreram, hoje eles estão presentes pra contar a história’, e a partir disso a gente começa a desenvolver o nosso enredo. O abre-alas vai falar do Éden. Não existe uma comprovação histórica de que o Éden foi na Armênia, mas vertentes da bíblia acreditam que sim. Vamos fazer uma referência ao paraíso, o dilúvio e a Arca de Noé. Logo em seguida tem alas que são os povos que formaram a Armênia. As baianas vão falar da Deusa Asterix, que por coincidência foi uma Deusa que distribuía rosas como símbolo do amor”.

    2° SETOR

    “A gente vai falar dos povos que começaram a invadir lá, que foram os povos assírios, os persas, gregos e os romanos. O carro vai representar o Hayk, que é o patriarca da Armênia, e Tigranes, que foi um grande rei que conseguiu estender o território. É como se os heróis tivessem sido representados por duas figuras, protegendo e defendendo a sua nação dos grandes invasores”.

    3° SETOR

    rosas barracao2019 8“Aqui a gente vai falar da chegada do cristianismo, pra quem não sabe foi São Judas Tadeu e São Bartolomeu que apresentou o cristianismo para os Armênios, mas como eles adoravam os Deuses pagãs, logo de início não foi aceito pela grande maioria. Depois entrou a figura de São Gregório, na época tinha partes que queria viver no paganismo e São Gregório não aceitava isso. Ele foi preso num poço, viveu por 14 anos. Nesse tempo apareceu 38 virgens que vieram de Roma, o rei se apaixonou por uma delas e ela não correspondia. O rei ficou muito doente, apaixonado, e o único jeito de se curar era soltando São Gregório. Ele foi solto e celebrou uma missa para o rei, onde foi curado. O rei pergunto para Gregório o que ele poderia fazer pra recompensar, ele respondeu que queria que a Armênia se tornasse um reino cristão, e à partir daquele momento todos se tornaram cristão. Existe algumas batalhas que também tiveram com os cristão presentes no setor. Existem muitos locais pagãos que viraram igrejas”.

    4° SETOR

    “Como a igreja patrocinou colégios, escolas e universidades, e como eles criaram um novo alfabeto próprio, houve um processo onde as pessoas tiveram mais acesso a cultura. Teve um movimento literário muito importante presente em uma ala, e logo atrás tem o nosso quarto carro que vai falar da cultura. Vamos prestar uma homenagem ao Charles Aznavour, que foi um grande cantor que morreu ano passado. Vamos falar de artesanato, música, comidas e também o alfabeto. Tem uma ave que é muito utilizado no alfabeto, as letras são desenvolvidas a partir desse pássaro. As alas que seguem falam da independência, que foi um fato muito importante. A gente fala do Xadrez, porque para os armênios é o esporte número um, as crianças desde pequenas são obrigadas a aprenderem a jogar”.

    5°SETOR

    rosas barracao2019 9“Vamos finalizar com o carnaval Armênio, que acontecesse na mesma data que o nosso, mas como lá está no inverno, as pessoas costumam usar roupas mais pesadas, mas existem máscaras e eles confeccionam bonecos. Como é uma nação extremamente cristã, eles pulam os quatros dias de folia e na quarta-feira de cinzas jogam o boneco no rio como renuncia do profano. O último carro é a figura do Seu Basílio como representante maior da nossa escola abraçando o brasão Armênio. Hoje onde fica a praça Armênia e a estação de metrô Armênia, era o local onde os sambistas se concentravam para desfilar na Tiradentes. Até isso indiretamente a Armênia tem uma ligação com nós, paulistanos. Faremos uma homenagem aos fundadores da escolas que desfilaram na Tiradentes. A gente decidiu fechar dessa maneira pra mostrar a alegria desse povo”.

    Ficha Técnica

    19 alas
    5 alegorias
    2.300 componentes
    500 fantasias destinadas ao povo armênio

    História do carnavalesco André Machado

    rosas barracao2019 1“Eu sou carioca e cheguei aqui em São Paulo há 20 anos pra desenvolver o carnaval da Barroca Zona Sul, logo depois eu fui pra Imperador do Ipiranga, passei pela Nenê, Império de Casa Verde, Pérola Negra, X-9 Paulistana e há 3 anos estou no Rosas de Ouro. Eu sou formado em desenho de moda e estou no carnaval desde os 13 anos, onde ajudava os carnavalescos do Rio de Janeiro a desenvolver os seus projetos, como na Mangueira, Portela, Paraiso do Tuiuti. Mas me firmei mesmo aqui, constitui família e não fiz outra coisa além do carnaval. Eles sempre tiveram carinho com profissionais do Rio de Janeiro, e com isso eles fizeram eu acreditar que o meu sucesso seria em São Paulo. Estou muito contente e pretendo continuar a minha história como carnavalesco aqui”.

    Barracões: Jorge Freitas destaca força da mulher em desfile milionário como carnavalesco da Mancha Verde

    Almejando o inédito título do Grupo Especial do carnaval de São Paulo, a escola de samba Mancha Verde investiu uma alta quantia em dinheiro para ver sonho se tornar realidade. Conceituado na região paulista e estreante na agremiação, Jorge Freitas assume responsabilidade como carnavalesco, desenvolvendo o enredo africano: “Oxalá, Salva a Princesa! A Saga de uma Guerreira Negra!”. Jorge recebeu a reportagem do site CARNAVALESCO no barracão localizado junto à quadra. Ele explica detalhes do tema, destaca força feminina e revela que protagonista está inserida na realidade atual.

    mancha barracoes2019 6“Quando eu fechei com a Mancha eles queriam falar da saga dessa guerreira negra. Idealizamos uma sinopse onde uma negra nasce princesa no Congo, ela é escravizada pela cobiça do invasor europeu que invadiu sua terra para roubar a maior riqueza, que era o Marfim. Ela cresce e na sua juventude é tirada das suas origens e feita escrava, ela cruza o oceano sem saber onde iria parar. Durante a viagem é marcada no corpo, é violentada, carrega em seu ventre o fruto da violação. Ao chegar no Brasil, se encanta pelas terras, pede as bençãos dos orixás e é recebida por Iemanjá. Em Pernanbuco, ela vê as mãos negras atuando nas plantações, no café, da cana-de-açúycar. Na senzala ela pede aos santos brasileiros para que abençoe e vai a luta, não só por ela, e sim pra fazer que o seu povo tenha a libertação. Ouve falar de Palmares onde poderia expressar os seus sentimentos, e lá fica cada vez mais forte, e se torna uma das pessoas que coordena os Palmares. Lá tem seus filhos, sendo que um é a história do Brasil, sem Aqualtune, não teríamos um dos personagens principais que é Zumbi dos Palmares. O papel dessa mulher a gente coloca como libertação para todas as mulheres que sofrem de violência, abusos e sempre vão em busca de liberdade. A protagonista do nosso enredo é inserida numa realidade atual, o mundo mostra isso. Todos nós somos iguais, todos temos os mesmos direitos e os mesmos deveres sem distinção de cor, de raça, de religião”.

    No último setor, a escola traz a princesa Aqualtune carregando a mistura das duas regiões, Brasil e África. O sambista encontrará no desfile uma grande escultura de Zumbi dos Palmares, neto da princesa, toda esculpida por ferro.

    mancha barracoes2019 7“Eu acredito que é um desfecho nosso e uma forma muito poética de enfatizar uma parte da história do Brasil, mas também com foco no grande orixá que está nos guiando”, finaliza.

    Sobre a pesquisa, Jorge Freitas conta que altruísmo e força de Aqualtune chamou sua atenção.

    “O que mais me intrigou foi a bravura dessa mulher em não lutar apenas por si, e sim pelo povo no qual se sentia responsável. Tanto é que ela nasce princesa e se torna escrava, mas o ‘eu’ dela, como princesa daquele povo, fez com que lutasse e encontrasse a igualdade do negro como ser humano”.

    O carnavalesco se mostra seguro ao falar sobre cronograma de barracão e brinca com alegorias prontas.

    “Na verdade só estamos dando alguns retoques finais que poderiam ser deixados até pra avenida, mas como sobrou tempo, estamos fazendo dentro do barracão mesmo. Como você pôde ver, ta tudo embalado (risos)”.

    Patrocínio ultrapassa o valor R$ 3 milhões

    Num cenário de crise onde muitas escolas de samba diminuem a grandiosidade do desfile para que caiba no orçamento, a escola de samba Mancha Verde corre na contramão dessa realidade. Através do patrocínio da Crefisa, a entidade alviverde arrecadou R$ 3.426.370,00 pela Lei Rouanet (Lei de incentivo a cultura). Não tem relatos na história do carnaval de valor maior captado de um único incentivador, englobando também o carnaval do Rio de Janeiro.

    Jorge Freitas indica destino de parte da verba e afirma necessidade de uma boa direção para administrar o valor arrecadado.

    mancha barracoes2019 2“As pessoas acham que o patrocínio é todo no carnaval, mas se tem um investimento na estrutura. Acabou o carnaval em Fevereiro, em Março já estávamos ensaiando. Pra ensaiar você abre a quadra, tem a luz, tem a água. A escola montou uma infraestrutura pra receber os seus componentes durante um ano de uma forma legal, e tem os investimentos do próprio patrimônio da quadra. Pra que a gente pudesse fazer um carnaval maior, você tem que montar uma estrutura onde tem que aumentar o tamanho do barracão, tudo isso também está inserido na verba que a Crefisa disponibilizou. Tem coisas que você não pode pagar com a lei Rouanet. O investimento é fantástico, mas você precisa de uma boa gestão pra administrar. Houve um investimento muito forte. Quando você ensaia o ano todo, quando você traz o componente ao ano todo pra dentro da quadra, isso é um investimento”.

    mancha barracoes2019 1É inevitável não esperar um carnaval competitivo da escola. Cauteloso sobre resultado, Jorge assegura estilo detalhista nas alegorias.

    “Falar da vitória é uma consequência do trabalho, nós temos grandes chances de fazer um grande espetáculo, mas tudo acontece na hora. Pra que tudo isso aconteça nós fizemos um trabalho muito intenso com os quesitos que são de avenida, os 70% nós trabalhamos muito. Vamos ver na avenida esse projeto grandioso que a Mancha está preparando. Quando eu falo de grandioso é do trabalho em si, acabamento, riqueza de detalhes nas alegorias e nas fantasias”.

    Bit da bateria para 2019 cresce por influência de Jorge Freitas

    As apresentações do Puro Balanço provocaram curiosidade para quem comparasse com a postura do último carnaval, sentimento provocado pela presença do carnavalesco. Isso porque, ao escolher o samba-enredo, Jorge Freitas conversou com o Mestre Maradona e outros dirigentes sobre vontade de aumentar o andamento da bateria.

    mancha barracoes2019 3“Na verdade não é só aumentar o bit, é preciso conciliar três quesitos: Ritmo, dança e canto. O nosso samba precisava de um bit mais elevado para que a nossa evolução acontecesse de uma forma mais satisfatória para o desfile, são três coisas que são totalmente juntas e não tem como separar. Você tem a bateria, tem o samba-enredo e a evolução do componente, houve um consenso não só na parte de bit, mas nós trocamos as afinações dos surdos pra um tom mais apurado, com distinção entre os outros naipes. É uma medida para que tudo aconteça de maneira satisfatória. As pessoas estranham, mas é tudo técnico, nós temos que trabalhar os noves quesitos em conjunto”.

    Além de carnavalesco, Jorge Freitas é cenógrafo, artista plástico, diretor artístico e, durante 25 anos, atuou como regente de banda bicampeã. Ele revela que cargos do passado influenciam no trabalho do presente.

    mancha barracoes2019 4“Não existe segredo, o que existe é o comprometimento muito grande do profissional com a agremiação com a realização do trabalho, eu amo o que eu faço. Todos os atributos que eu tinha no cotidiano insiro no trabalho, a regência me ajudou muito nessa parte harmônica, me ajudou muito na parte da evolução, isso ai é o meu segredo. Tenho uma linguagem muito didática no motivacional com o componente”.

    Praticamente todas as agremiações que Jorge Freitas assinou carnaval foi campeã. Sobre desfile da Mancha, o carnavalesco garante que não considera como desafio e elogia gestão.

    “Não é um desafio, a Mancha vem numa crescente muito grande. Teve alguma fatalidade que fez ela descer, e ela subiu com uma força muito grande. Eu acho que é uma das grandes potência do carnaval de São Paulo. Ela tem uma gestão de invejar, o carnaval necessita de bons gestores e na Mancha isso aqui é muito claro. Desde a sua fundação é o mesmo presidente, e ele conseguiu fazer com que a agremiação se transformasse numa potência disciplinada. Quando você chega na quadra é de uma limpeza fenomenal, e isso é no dia a dia, o cotidiano da Mancha se faz dessa forma”.

    Conheça o desfile

    1° SETOR –Áfica Suntuosa

    “A gente abre com o grande nascimento de Aqualtune e a gente faz uma homenagem à África suntuosa que até então era de riquezas, essa é a primeira parte do nosso enredo. Era um local de muita riqueza, tanto que no samba diz ‘África, suntuosa riqueza’, e dali a gente chega a cobiça dos invasores. Ele chegam, dominam o Congo e começa o confronto do homem branco e o Congolês, fazendo os africanos se tornarem escravos”.

    2° SETOR – A África Chora

    mancha barracoes2019 5“Nesse setor temos o negro transformado em escravo. Existem fatos de violência com a mulher grávida até cruzar o mar vermelho de dor, porque o negro é trazido para o mar, eles choram e tem suas lágrimas transformadas em sangue”.

    3° SETOR – Tráfico do navio negreiro

    “Chegamos então na nossa terceira alegoria, o tráfico do navio negreiro e recebidas em águas brasileiras por Yemanjá. Aqui chega, encontra coqueiro na terra do Maracatu, tem a colheita de algodão, de café, da cana-de-açúcar. Nos deparamos a imagem de Nossa Senhora do Rosário, onde Aqualtune pede libertação e proteção”.

    4° SETOR – Pernambuco

    “Ela vai a Palmares, e a expressão africana é colocada em potes de argila. Traremos os tambores que foram criados pra expressão musical do povo africano, os turbantes que os negros usavam e que virou moda no Brasil”.

    5° SETOR – Afro-Brasil

    “Nosso desfecho é unindo a Aqualtune com o coração afro-brasileiro. A gente termina com África-Brasil, fazendo uma grande homenagem à Aqualtune simbolizando a luta da mulher, a luta do ser humano e aparece a imagem de Zumbi dos Palmares. Zumbi vai ser uma grande peça feita durante quatro meses, toda ela em ferro porque estamos num ano de Ogum, então o ferro estará presente a essa homenagem a Aqualtune”

    História do carnavalesco Jorge Freitas

    mancha barracoes2019 8“Eu sou da região serrana do Rio de Janeiro. Alguns trabalhos meus no Rio foi Portela, Vila Isabel, depois vim pra São Paulo em 1999 pra fazer aquela homenagem ao Brasil dos 500 anos. Aqui passei por quatro agremiações, foi Gaviões da Fiel, Pérola, Rosas de Ouro no qual fiquei muito tempo e Império de Casa Verde. Todas escolas que passei tive títulos, e agora uma nova experiência na Mancha Verde. Junto com meu filho fizemos Independente e ano passado subimos com o Águia de Ouro. Eu acho que essa trajetória é vitoriosa, mas o que me diferencia é o trabalho que faço com a comunidade. O trabalho de carnavalesco nada mais é que uma coisa que faz parte de dois quesitos, o trabalho motivacional que eu faço com os componentes é o diferencial, e esse trabalho é o que as escolas necessitam. É um trabalho exaustivo mas a gente vê que tem um resultado enorme”.

    Ouça a transmissão dos desfiles do Grupo Especial de São Paulo pela Sintonia Sasp