Início Site Página 1351

Jesus da Mangueira tem rosto negro, sangue de índio e corpo de mulher

materiafacesjesus

Atual campeã do Carnaval Carioca, Mangueira traz em 2020 o enredo “A Verdade Vos Fará Livre”, falando sobre a figura de Jesus. Mas não é um desfile que simplesmente narra as passagens da Bíblia e o martírio de Cristo. A tradicional verde e rosa propôs uma indagação sobre como seria o retorno de Jesus nos dias atuais, em um contexto de intolerância, preconceito, violência e perseguição. O Jesus da Gente, “moleque pilintra do Buraco Quente (região do Morro da Mangueira)”, como diz a letra do samba, tem “rosto negro, sangue de índio e corpo de mulher” e está do lado do samba.

Para desenvolver esse enredo de inspiração religiosa, a Mangueira se transformou na Estação Primeira de Nazaré, unindo a região do Oriente Médio com o morro que dá nome a escola. A figura de Jesus foi representada em faces distintas, encontrando pontos de contato com minorias, em que as pessoas de comunidade passam a representar Cristo. Mayara Bonfim, desfilando pela terceira vez na ala de passistas da escola, estava orgulhosa em fazer parte desse desfile, porque se identificou com o enredo.

“Ta falando do preto, do pobre, do favelado, do gay… Eu tô muito feliz porque me representa como mulher negra nessa sociedade com tanto preconceito”. As passistas vieram de vermelho, branco e dourado, representando o ‘Poder de Roma’, onde Jesus é preso sob alegação de conspirar contra o Império Romano.

Mayara acredita que Cristo iria sofrer se voltasse hoje como morador de comunidade. “Sofreria muito preconceito por se juntar aos mais necessitados, aos mais pobres, com os gays, com os negros, os oprimidos… Acho que ele sofreria bastante, como a gente está sofrendo hoje em dia”.

Thiago Noronha, de 37 anos, fez sua estréia na Mangueira desfilando na ala dos ‘Fariseus’, que foram ameaçados pela mensagem difundida por Jesus, ao invés de se arrependerem, uniram-se para estimular a sua morte. Ele também crê que o Cristo não se daria muito bem se voltasse no Rio de Janeiro do tempos atuais.

“Jesus estaria bem encrencado com as pessoas que estão aqui governando o nosso país. Com as ideias dele, muito progressistas, acho que ele ia ser ‘enquadrado'”.

“Essas questões políticas tem que estar cada vez mais presentes no samba”, completou Thiago. Sua fantasia tinha predomínio das cores verde, dourado e amarelo, com algumas pedras vermelhas. Muitas penas compunham a parte da cabeça e o adereço de mão trazido pela ala, causando um efeito de luxo e requinte. Outra ala que caprichou nos detalhes do figurino era ‘O Cordão da Liberdade’, que trazia no estandarte de mão dos componentes um Jesus-POP, totalmente carnavalizado. Muitas cores faziam parte do visual da ala, que era a última da escola. Mara Lúcia, de 63 anos, uma das integrantes da ala ,desfilou pela quinta vez na Mangueira.

“Estou emocionada, achei tudo muito lindo”. Ela é mais uma mangueirense a concordar que Cristo não teria vida fácil ao voltar. “Se voltasse hoje Jesus ia ser muito perseguido. Ia ser igual mesmo ao que aconteceu na história que contam. Acho que muitos políticos não iriam gostar”.

velhaguardamanga

A baiana Rosângela Rodrigues, de 66 anos, desfila há 14 carnavais pela Estação Primeira. Batizada de “A Intolerância é uma Cruz”, a ala representou o preconceito com as religiões, principalmente as manifestações de matrizes africanas. A fantasia, toda branca e dourada, trazia uma cruz vazada no costeiro. Búzios, laços, espelhos e o rosto coberto com fios brilhantes faziam referência a Oxum, orixá da beleza. Rosângela elogiou o figurino, que além de visualmente rico, segundo ela, era bem confortável para evoluir. Para ela, se Jesus voltasse hoje, “melhorava a população. O pessoal tá muito desumano”.

Nagib Jaime, de 64 anos, sendo 40 só de Mangueira, é integrante da velha guarda e segue a mesma linha de raciocínio da baiana Rosângela: “O amor é o caminho pra tudo”. A tradicionalíssima velha guarda mangueirense veio elegante, de terno e calça rosa, gravata e camisa verde e chapéu panamá. Eles simbolizavam As Cores de um Coração em Festa.

“Se todos soubessem que o amor é a base da vida não teria guerra. Todas as pessoas seriam unidas, umas com as outras, seria tudo maravilhoso”, desabafou Nagib.

Fotos: Desfile da Mangueira no Carnaval 2020

Mangueira dá à luz a Jesus negro em seu abre-alas

Que Leandro Vieira já deixou de ser uma promessa para ser realidade todo mundo sabe. Em 2016, ele entrou de vez para o “hall da fama” dos carnavalescos consagrados na Sapucaí. Tirou o jejum da Mangueira com um desfile espetacular sobre a menina dos olhos de Oyá, Maria Betânia. Em 2019, conquistou seu segundo título marcado pela irreverência e por colocar os verdadeiros heróis do Brasil na avenida. Sempre repleto de lucidez e, principalmente, questionando os diversos problemas sociais que o Brasil enfrenta, mais uma vez o carnavalesco da Estação Primeira de Mangueira apresentou um majestoso abre-alas no qual evidencia uma das verdades que a escola tentou transmitir pelo enredo: Jesus era preto e tinha sangue índio.

mangueira aa 1

Além disso, Leandro Resolveu usar as divindades de Mangueira para representar duas figuras do cristianismo. Nelson Sargento foi José e Alcione, Maria. Ambos vieram na área frontal do carro ao lado da escultura que apresentava o Cristo negro, envolto de uma toca, fazendo referência a parte indígena.

A alegoria trazia a imagem do presépio cristão, aos olhos de Leandro Vieira. Por todo o carro havia animais como cabras, carneiros, bois, ovelhas e pombas brancas. Ao redor do abre-alas, anjos com cornetas e violinos anunciam o nascimento do Cristo, numa coloração barroca e com acabamento arrebatador. O grande destaque vai para a escultura enorme do menino Jesus, negro e com vestes cheias de pedras brilhantes e uma enorme coroa, em referência ao Cristo rei.

mangueira desfile 2020 118 Copy

As composições do carro representavam em sua maioria a simplicidade daqueles que trabalham no campo e sofrem no dia a dia sem ter importância para o restante da sociedade. Mas com muita humildade e fé. Um dos integrantes do carro, Nivaldo Bueno, chegou diretamente de Campinas e conta que adorou a fantasia.

“Escolhi a fantasia pelo site já que sou de Campinas. Diante da proposta do enredo, achei que estava tudo maravilhoso no desfile e a fantasia super confortável. O público interagiu, fantástico”, contou Nivaldo.

De maneira geral, o carro repensava toda a estética referente ao nascimento de Jesus e seus simbolismos. Traçados desde a primeira devota do cristianismo, Maria, até os dias atuais que criticam e questionam a veracidade dos fatos, principalmente sobre a etnia de Jesus Cristo e sua situação perante as diversas opressões que algumas religiões sofrem em seu nome. Em Mangueira, a verdade se fez livre.

Análise da bateria da Mangueira no desfile do Carnaval 2020

Por Matheus Mattos

Campeã do último carnaval, a bateria da Mangueira apresentou um ritmo firme, sem oscilações e aproveitamento do timbal. A sonoridade do timbal é aproveitado em praticamente todo samba-enredo. A levada é notada com mais frequência na primeira estrofe, com alternada de variações. As três paradinhas também contaram com desempenho preciso do naipe.

mangueira desfile 2020 001 Copy

O prato também foi usado com certa frequência. Na execução do trecho “contra a opressão”, o instrumento tem toque trabalhado no contratempo.

A bossa executada com mais frequência foi a que se inicia no trecho “Favela, pega a visão”. A convenção apresentou uma boa divisão de naipes. Observados de forma separada, a execução não tem grandes dificuldades. Mas, quando juntos, demonstram um bom conjunto de informações. Outro destaque é o arranjo do próprio timbal que aproveita o grave e o agudo do instrumento antes retomada.

É importante destacar que a bossa teve um efeito geral, não só na escola, mas em toda arquibancada. As cordas aproveitam a paradinha “Eu sou da Estação Primeira” pra acompanhar as frases da bateria com solos de cavacos.

Ouro de Oxum lava a alma do povo de Niterói no primeiro setor da Viradouro

A Viradouro pisou com a intenção de elevar o nível do carnaval carioca e consolidar o peso de seu pavilhão em composição de alegorias, fantasias e adereços. A agremiação foi a segunda a desfilar e trouxe grandiosidade e detalhamento em todo seu conjunto alegórico. As alas 1 e 2, respectivamente “Mãe Lavadeira” e “Pai Pescador”, traziam a marca da linha artística dos carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. A escola mesclou o moderno com o clássico. Moderno por possuir texturas cintilantes em seu abre-alas. Com sobreposição de tecidos, brilhos e tons complementares de dourados. E clássico por seguir a tradição de alegorias grandiosas.

vira aa 4

O primeiro tripé da escola foi o “Quem lava a alma dessa gente veste ouro”, pedindo benção a Oxum, padroeira das Ganhadeiras de Itapuã. A escola elevou sua representação com imensa delicadeza, profissionalismo e respeito. Ao pedir passagem, Oxum apresentou a Viradouro à Sapucaí em uma representação singular. A estrutura era gigantesca. Mas o que ressaltou foi a dramaticidade da figura completamente branca construída de braços para o alto e minuciosidade no acabamento. As linhas feitas de pedras brilhosas brancas recaindo na face da orixá e em suas costas era de um detalhamento impecável. Assim como uma grande concha dourada na parte traseira do tripé com pedras ao redor. O símbolo da escola no meio se apresentava para a Sapucaí. O primeiro setor inteiro impressionou pela estética e pelo luxo que era pretendido pela agremiação.

Rui Mendes, 30 anos, pisou na Avenida pela sexta vez com a escola de Niterói. Com uma fantasia em rica de detalhes, mesclando tons de dourado e branco e o rosto completamente pintado com uma tinta brilhosa dourada, Rui destacou a grandiosidade da composição e elogiou sua fantasia da ala número 2.

vira aa 2

“A gente chegou a fazer ensaios no barracão e acompanhamos a evolução do carro e será um dos carros em maior extensão que já pisou na Avenida. Eu estou muito feliz em saber que a Viradouro briga de frente para a conquista do título e tenho certeza que não só esse carro mas as outras alegorias estão lindas e surpreendentes. Gostei da fantasia, chegamos aqui para a maquiagem e realizar todos os preparos, as fantasias, alegorias, a escola inteira em si está um luxo”, destacou o integrante.

O abre-alas “Prelúdio das Águas” impactou já no setor um devido seu tamanho. Acoplado, o carro era imponente e de acabamento minucioso. A alegoria é a representação das lendas marinhas, das histórias à beira-mar em que as ganhadeiras viviam em seus trabalhos junto de pescadores. A Iemanjá, Rainha do Mar, é a reflexão do ouro das manhãs na praia de Itapuã. Com luxo e alto nível de qualidade técnica de acabamento, estrutura, pintura e detalhamento a alegoria que representou fielmente o proposto. A parte da frente representava um animal marinho, coberto de “ouro”, com escamas, pedras, sobreposição de panos e mescla na tonalidade. As representações de figuras míticas foi de um detalhamento e acabamento extremamente profissionais. As conchas e os destaques elevaram a qualidade do carro, envolto por ondas em suas laterais e caldas gigantes de sereias em sua traseira.

vira aa 1

Maria Luiza Feijó desfilou na área lateral do abre-alas. Completando meio século de avenida, a torcedora da Viradouro contou ao CARNAVALESCO a importância do carro e comentou sobre sua fantasia.

“Estamos todos muito emocionados com esse abre-alas, também por conta de Oxum, que é a base da proposta desta alegoria. É uma honra estar participando deste trabalho na Viradouro. Sou da comunidade, da quadra assim como grande parte dos que estão aqui. A escola deu oportunidade para o componente que é fielmente torcedor. É um grande privilégio abrirmos o desfile da Viradouro. A fantasia está muito tranquila para evoluir, não tivemos problema nenhum”, explicou.

Maria Madalena dos anos 2000: Ala da Mangueira faz homenagem à comunidade LGBTQIA+

madalenamangueiraA Estação Primeira de Mangueira foi a terceira escola a desfilar na Marquês de Sapucaí no noite do último domino. Com um enredo que gerou polêmica desde a sua revelação, a verde e rosa levou para a Avenida uma reflexão de como seria a vida de Jesus Cristo no mundo atual repleto de intolerância, preconceito, violência e perseguição.

A ala 17, representava Maria Madalena do mundo contemporâneo. A figura é historicamente associada ao pecado, a prostituta que foi apedrejada na história bíblica, foi apresentada no desfile fazendo uma associação aos homossexuais.

“Estamos vestidos de Maria Madalena nos tempos atuais. Ela foi prostituta e hoje vem travestida. Isso é importante porque essas pessoas também sofrem preconceito e nós estamos aqui pra pedir um basta”, explicou Socorro Carvalho, 54, que disse também que a sociedade tem problemas maiores para se preocupar do que criar polêmica por conta do enredo da verde e rosa.

“Temos que repensar o Brasil, repensar se é mais importante discutir a fome, a educação, a saúde ou se é mais importante criar polêmica por causa dessa situação.”

vaitavarpedra

Na fantasia, os componentes utilizavam perucas de cores distintas e sob a cabeça uma coroa com estrelas que lembrava os santos da igreja. Portavam uma capa nas cores da bandeira LGBT e um estandarte com inúmeras fitas coloridas penduradas, além da frase ‘irmão, vai tacar pedra?’, em referência à história de Maria Madalena.

“Justamente por Maria Madalena ter sido apedrejada, na Bíblia ela era a escória da sociedade, e hoje a bandeira LGBT é um símbolo disso”, contou Thiago Oliveira, 32, explicando a bandeira presente na fantasia.

Claudio Sampaio, 52, veio do Maranhão e desfilou pela primeira vez na Mangueira. Ele contou que estava lisonjeado por se sentir inserido no desfile da escola. “O enredo do Leandro é muito importante porque ele exorta a inclusão social através de um Cristo modernizado, de um Cristo que nasceu para os excluídos e não para os palácios. Eu, como deficiente físico, me senti muito lisonjeado por essa inclusão que o Leandro propôs.”

Baianas retratam discussão sobre intolerância religiosa em desfile da Mangueira

baianasmangueira

A Estação Primeira de Mangueira levou para a Avenida o enredo “A verdade vos fará livres” no qual evidência mais de uma face de Jesus que, agora, ressuscita na comunidade da Mangueira exaltando os humildes, com coragem e com amor. Além disso, a escola promoveu um debate sobre as diretrizes que as religiões estão tomando, tanto na parte de opressão ao próximo quanto na intolerância religiosa que aflige crenças ditas subversivas ao que o ocidente acostumou-se a enxergar como o certo e verdadeiro.

Sendo assim, a campeã do carnaval de 2019 escolheu a ala das baianas para representar o pesado fardo de carregar a cruz da opressão e evidenciar as religiões de matrizes africanas. O conjunto era de fácil entendimento e caracterizava as baianas do jeito mais tradicional, retornando as raízes do religião.

Na fantasia, a inspiração em Oxalá era nítida. A saia era branca com tecidos de renda e na borda a coloração imitando ouro. Na altura do peito, um grande laço com mais alguns babados com a mesma cor com a palavra “Oxalá” escrita e a presença de búzios reafirmam a religião. Nos pulsos, braceletes na cor amarela, davam um brilho a mais na hora do giro e na mão, um leque feito de palha.

Nas costas das baianas, a presença de uma enorme cruz com a coloração dourada dava um peso a mais na fantasia e quando executado o giro, o efeito luminoso – em consequência da iluminação da Sapucaí – ressaltavam a riqueza dos matérias e sua confecção. Por fim, a cabeça era coberta por um pano branco e com pequenas “cordas” tapando os seus rostos em uma referência direta à Oxalá, a figura referente a de Jesus Cristo em religiões de matrizes africanas.

Componente da ala, Maria Nazaré, que desfila desde 1989 na escola e chega ao seu terceiro ano na ala das baianas, falou sobre a emoção de fazer parte dessa ala tão tradicional.

“Quando entrei na Mangueira já sonhava em ser baiana, mas a oportunidade não aparecia. Três anos atrás, consegui entrar e agarrei essa oportunidade. Fantasia de baiana nunca é leve e essa é volumosa, mas quando a gente entra na Avenida parece que tudo fica mais leve e só vamos seguindo!”, revelou Maria Nazaré.

Ensaboou! Viradouro faz desfile ‘quase impecável’ para buscar o título no Grupo Especial em 2020

viradouro desfile 2020 101 Copy

Por Guilherme Ayupp. Fotos: Allan Duffes, Isabel Scorza e Magaiver Fernandes

Um banho de bom gosto. Essa frase pode definir com exatidão o que fez a Unidos da Viradouro em seu desfile no Grupo Especial neste domingo. Novamente, como a segunda a desfilar, tal qual em 2019, a agremiação deu um bico nas estatísticas (que colocam escolas com esse posicionamento de desfile em colocações ruins) e fez uma apresentação arrebatadora. O conjunto plástico criado por Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira é seguramente um dos maiores já levados pela Viradouro em um desfile.

O desfile beirou a perfeição. Porém, alguns deslizes podem comprometer o sonhado título. Ainda mais se tomarmos em conta que o Grupo Especial é muito equilibrado. Um buraco na altura do segundo módulo de julgamento e a última alegoria que passou apagada boa parte da avenida são pequenos detalhes no mar de bom gosto, mas que contam na hora da apuração, embora tenha o descarte da nota mais baixa e mais alta de cada quesito. A Unidos do Viradouro apresentou o enredo ‘Viradouro de alma lavada’ e concluiu sua apresentação com 66 minutos.

Comissão de Frente

viradouro desfile 2020 095 Copy

Uma boa comissão é aquela em que o enredo está resumido nela. E a Viradouro novamente conseguiu fazer isso com Alex Neoral, um dos mais competentes coreógrafos do carnaval. ‘Velhos areais de nossos ancestrais’ foi título da apresentação. proposta era caracterizar as zungueiras lavadeiras, ancestrais das lavadeiras, vindas da África. No requebro do corpo saudavam Oxum.

viradouro desfile 2020 055 Copy

A apresentação aliou tradicionalismo, dança e o fator surpresa que hoje é praticamente uma obrigação em comissões competitivas. No primeiro momento da apresentação as dançarinas evoluíam com roupas no tom marrom claro com bacias nas mãos. Depois arrancavam aquelas vestimentas e por baixo indumentárias muito coloridas. No último terço da apresentação, elas subiam no elemento alegórico de apoio, que revelava um aquário com um sereia que nadava com muita sensualidade, jogando água para cima. arrancando aplausos do público. A apresentação cometeu um pequeno deslize no módulo 1, quando um das bacias foi amassada quando o aquário subiu. A escola pode perder décimos, mas eles podem ser descartados, uma vez que o julgamento prevê o descarte da maior e menor notas e nos demais módulos tudo correu perfeitamente bem.

Mestre-Sala e Porta-Bandeira

viradouro desfile 2020 006 Copy

Um bálsamo para os olhos poder assistir a evolução e o bailado de Julinho e Rute. Uma apresentação firme, tradicional e perfeita. Com a fantasia ‘O sol para a liberdade’ eles protagonizaram a luz do amanhecer e mostraram a importância do sol para a prática do ganho das escravas lavadeiras. Julinho e Rute formam um dos melhores casais do carnaval não é à toa. As terminações de movimentos estiveram perfeitas, a troca de olhares e o romance entre eles foi de emocionar. Cantando o samba todo o tempo, sorrindo, apresentando o pavilhão corretamente. Três apresentações perfeitas.

viradouro desfile 2020 098 Copy

Enredo

viradouro desfile 2020 110 Copy

A Viradouro iniciou o desenvolvimento de sua proposta narrativa através do setor ‘Prelúdio das águas’. A intenção dos carnavalescos era fazer um mergulho nas águas da lagoa do Abaeté e no mar de Itapuã. O resgate de ganhadeiras históricas evidenciam o que estava por vir. O requinte e o bom gosto de Tarcísio e Marcus, com um setor inteiramente dourado. Em seguida veio o setor ‘Bando do Mercadejo’ trouxe os diversos ganhos das ganhadeiras, tudo com uma riqueza grande de detalhes nos figurinos e muita leitura.

viradouro desfile 2020 076 Copy

A partir do terceiro setor, ‘Caixinheiros de terreiro’, a escola decide mostrar os terreiros que se tornam ateliês para a produção de manufaturas. Em seguida veio o quarto setor, ‘Festa na aldeia’, quando o enredo passou a mostrar as manifestações folclóricas que influenciaram o surgimento do grupo das ganhadeiras. No setor cinco, ‘Sagrada-matriz, ‘ as festas dos padroeiros São Tomé e Senhora de Santana à Conceição. Para encerrar a proposta do enredo veio o setor ‘Os tesouros do Brasil’, onde outros grupos folclóricos formados por mulheres passaram pela avenida.

viradouro desfile 2020 049 Copy

Setores bastante claros na proposta com a leitura vista na avenida bastante coerente em relação àquilo que foi defendido no livro abre-alas. Enredo de densidade cultural, que bebe muito na fonte do feminismo, tema atual que permeia a sociedade brasileira. Tudo com o requinte e bom gosto que se esperam de um desfile do Grupo Especial.

Fantasias

viradouro desfile 2020 041 Copy

Sem qualquer sombra de dúvida foi o grande destaque do desfile. Poucas vezes se viu a Viradouro tão luxuosa na Sapucaí. Certamente vai ser um dos melhores conjuntos de fantasias deste ano, mesmo restando muitas escolas para passar na avenida. Foi tanto bom gosto que fica até difícil citar alas que se destacaram, sob o risco de cometer injustiças. Para fazer isso podemos apontar um de cada setor. No primeiro, a ala ‘Pai pescador’, no segundo o destaque foi a ala ‘Fuá da marcação’, sem falar nas baianas quituteiras. A sequência permanece com a ala ‘bugingueiros de artefatos’, no setor 3, ‘Malê Debalê’, a bateria, no quarto, ‘Festejo de Santana’ no quinto e “Cantadeiras do Sisal’ no sexto e último.

Alegorias e adereços

viradouro desfile 2020 030 Copy

Conjunto grandioso, que facilitou a compreensão do enredo corretamente. O abre-alas era impressionante, inspirado em elementos do barroco baiano pr mostrar o prelúdio das águas. O segundo carro trouxe bicas em neon, simulando quedas d’água. Recurso muito criativo que deu grande realismo à alegoria. O terceiro carro foi um dos mais belos do conjunto todo, em prata predominante e uma iluminação que fazia a alegoria ter vários tons.

viradouro desfile 2020 023 Copy

A quarta alegoria representava a formação cultural do grupo das Ganhadeiras, surgido em 2004. ‘Nas escadas da fé é a voz da mulher foi o quinto carro’. Lamentavelmente a última alegoria do desfile, ‘As ganhadeiras de Itapuã – o xé que veio da Bahia’ passou apagado, o que pode representar perda de décimos em mais de um módulo de julgamento.

Evolução

viradouro desfile 2020 018 Copy

Quem acompanhava os ensaios de comunidade da Viradouro nas ruas de Niterói sabia que a escola viria muito forte neste quesito na avenida. De fato a evolução esteve perto da excelência. Entretanto é sabido que a Sapucaí tem seus mistérios. Um buraco se formou no módulo dois, ‘que pode prejudicar a escola. Foi notável também que algumas alas passaram mais andando que evoluindo na parte final do desfile, na altura do último módulo de julgamento.

Harmonia

viradouro desfile 2020 083 Copy

A escola passou cantando forte o samba o tempo todo. E foi possível perceber algo que raramente se vê nos desfiles de escola de samba desde que ele se globalizou. Arquibancadas e frisas sabiam a obra e impulsionaram a harmonia. A Viradouro entregou exatamente aquilo que prometeu, muito canto.

Samba-Enredo

viradouro desfile 2020 135 Copy

Excelente desempenho da obr viradourense na avenida. Zé Paulo e a bateria impulsionaram a apresentação. E tal qual era esperado antes do desfile, o ensaboa enlouqueceu o Sambódromo. Toda a escola gritava esse trecho, orgulhosa de seu samba.

Outros Destaques

viradouro desfile 2020 133 Copy

A bateria também levantou a Sapucaí com uma paradinha onde um atabaque gigante entrava no meio dos ritmistas. Um ijexá, toque de Oxum, foi realizado várias vezes no desfile. Um dos apoios de Julinho e Rute não conteve a emoção ao assistir à última apresentação do casal no setor 10. Uma cena tocante que evidencia o quanto é difícil a rotina dessas pessoas. Zé Paulo Sierra veio com uma fantasia representando a ancestralidade dos primeiros negros que chegaram no Brasil.

Fotos: Desfile da Viradouro no Carnaval 2020

‘Quintal de casa’ proximidade com Sapucaí dá mais garra a comunidade do Estácio

quintaldecasa

Cerca de um quilômetro de distância separam o Berço do Samba da Avenida Marquês de Sapucaí. O intérprete Serginho do Porto sempre lembra essa proximidade, definindo a Marquês como o quintal de casa da escola.

Essa logística representa uma comodidade na hora de preparar o desfile, ainda mais esse ano em que a escola veio maior pois desfilou no Grupo Especial.

Mas essa proximidade para muitos dos foliões traduz uma forma até de orgulho da escola mostrando sua relação com a passarela do samba. Para a administradora Mônica Santos, que desfilou na ala “história dos Parauopebas Força e Trabalho em Carajá”, é uma vantagem em relação às outras escolas.

“Acho ótimo porque está muito próximo e a gente convive sempre com a escola. A escola está sempre de braços abertos pra gente, é tudo maravilhoso. A gente até consegue tirar um pouco de onda com as outras escolas porque é pertinho”.

Para dona Joana D’arc, técnica de enfermagem e baiana da escola, esse orgulho não se traduz em sentimentos ruins como prepotência.

“Eu acho bem confortável e a gente não fica arrogante com isso. A gente acha uma facilidade, é muito bom. Só isso. É simples assim. É muito melhor você ser da comunidade, a Estácio sendo no centro do Rio, onde a gente tem acesso para tudo”.

O passista da Vermelha e Branca, André, lembra que esta questão facilita a comunidade e lembra escolas que que tem sua sede em regiões longe do sambódromo.

“Eu acho que é um privilégio por que muitas escolas são de muito longe, Santa Cruz, por exemplo, é aquele transporte, uma coisa absurda. Então, com a Estácio do lado, é o quintal. É a armação com a comunidade quase já dentro do desfile. O morro é do lado, é vizinho, e isso reflete na força da comunidade”.