Por Will Ferreira e fotos de Fábio Martins

Encerrando a maratona de ensaios técnico do carnaval paulistano para os desfiles oficiais de 2024, a Dragões da Real defendeu pela segunda e última vez o enredo “África – Uma Constelação de Reis e Rainhas”, idealizado pelo carnavalesco Jorge Freitas, neste domingo. Com uma comunidade acostumada a cantar bastante alto, a escola, que será a terceira a desfilar na sexta-feira de carnaval (09 de fevereiro), mais uma vez, entregou tudo que dela se espera em Harmonia.

Harmonia

Não há, simplesmente, como apontar algum erro quanto ao canto da comunidade no ensaio técnico deste domingo. É possível, porém, destacar positivamente algumas situações – uma delas, por sinal, será destacada na análise de outro segmento. Um dos apontamentos é a baiana mais à direita na terceira fileira de componentes, que surpreendeu pelo canto desde a Concentração – e empolgava as mais próximas. Também é interessante notar que o volume subia ainda mais no verso “Faraó mulher” do samba e em uma das muitas convenções da Ritmo Que Incendeia, bateria da agremiação.

Rogério Felix, diretor de Harmonia da agremiação, também elogiou a apresentação: “Tínhamos um grande desafio. No primeiro ensaio técnico, acabamos fazendo um desfile muito bom, tecnicamente estava muito bom, o canto aconteceu. E tínhamos o desafio de superar. Graças a Deus fizemos um trabalho incessante nessas duas semanas, a comunidade entendeu e nós passamos hoje a energia que a gente quer. O enredo é de grande responsabilidade, representar um continente, toda uma cultura, toda uma energia, toda uma ancestralidade, não tinha como ser diferente. A nossa comunidade passou, está pingando aqui, passou com muita força, e estou muito feliz que o trabalho está acontecendo. Pode ter certeza que vamos trabalhar pesado até o dia do desfile – e ainda vamos tentar melhorar muita coisa”, pontuou.

Evolução

Encerrando o ensaio técnico com cerca de 61 minutos (dentro do limite do Grupo Especial, de 65 minutos), a Dragões também mostrou extrema organização quanto ao andamento de tudo e todos que estavam na passarela. Sem clarões (nem mesmo o que se tornou comum na temproada de ensaios técnicos, entre a comissão de frente e o segmento seguinte) nem paradas no ritmo, a agremiação inteira se movimentou sempre de maneira uniforme, tal qual um relógio – não à toa, a instituição não teve problema algum na cronometragem.

Rogério abordou tal tema em entrevista: “Nós queríamos cada vez mais a nossa comunidade solta. Queremos fazer um trabalho que a comunidade brinque o carnaval. Onde ela realmente brinque o carnaval, que ela pule. Se você observar, nós vamos ter ala o tempo todo para os lados, o tempo todo brincando. Queríamos um chão dançante e isso aconteceu. O pessoal está cada vez mais solto, brincando. Isso aconteceu neste ensaio: o pessoal brincando mais, saindo mais pelos lados. E o canto também aconteceu: veio mais forte. Vamos continuar trabalhando para melhorar o canto, a movimentação, para passar aqui, quem sabe merecendo honrar estar entre as cinco primeiras ou então o tão sonhado título – que, para nós, é inédito”, suspirou.

Mestre-sala e Porta-bandeira

Conhecidos e autointitulados “Casal Quarenta Mais” por conta das notas recebidas e pela faixa etária de ambos, Rubens de Castro e Janny Moreno tiveram ótima exibição na noite deste domingo. Bastante seguros de si, eles fizeram questão de abordar módulos de maneiras distintas: se, no primeiro, eles giraram bastante em velocidade bastante considerável, nos últimos a dupla buscou a segurança, sem se arriscar muito quanto à intensidade do giro – ainda que seguissem com vários rodopios em cada sequência. Vale pontuar, também, que eles executaram diversos movimentos afro nas cabines e nos espaços entre elas; e que o próprio casal cantava bastante e em ótimo volume – chegando, em determinado momento, a chamar atenção da reportagem.

Rubens falou sobre uma curiosidade envolvendo a dupla: “Nós somos muito perfeccionistas. Por mais que todo mundo aplauda, a gente sempre quer o melhor espetáculo para o público que assiste a gente. Hoje a gente acertou alguns detalhes de proteção ao vento, alguns detalhes de posição de jurado – agora que definiu-se realmente as cabines, a gente está sempre estudando. Na quarta-feira, a gente tem ensaio de novo, temos ensaio de rua, temos ensaio de novo na quarta-feira da próxima semana antes do carnaval, porque a gente está sempre estudando”, destacou. Janny aproveitou para falar sobre a força do enredo: “Eu acho que a nossa energia foi fundamental. É um carnaval que, como todo mundo sabe, é a primeira vez que a Dragões está falando de afro. É muita responsabilidade, e a expectativa da escola também está bem alta. Acho que a gente hoje falou: ‘nós estamos prontos, então vamos’. Pegamos um na mão do outro, da nossa equipe e fomos, simplesmente fomos. E fomos felizes, tanto que voltamos”, relembrou.

A escolha de uma temática afro também animou bastante o casal. “Vinte e um anos depois eu volto a dançar um afro, e para eu representar o afro para a molecada que não conhece muita coisa do afro é de uma responsabilidade imensa. Fazer os movimentos certos, fazer tudo certo, que é representativo para isso, é muita responsabilidade. É transmitir cultura, essa é a minha responsabilidade desse ano, e o meu desejo é transmitir cultura junto com a Janny, fazendo muitos movimentos afro na nossa dança”, pontuou Rubens. Janny foi mais enfática: “É inexplicável, é uma honra. Eu sempre falo isso porque representar a nossa cor, a nossa ancestralidade, é gratificante demais, é emocionante. Feliz, sempre feliz, graças a Deus. É brincar, ser feliz, e é isso. Acho que se a gente for levar leveza e amor, eu acho que tudo acontece e a gente sai assim, feliz e realizado um com o outro também”, comentou.

Samba-enredo

Se a junção de sambas na final da eliminatória da escola foi bastante criticada, é inegável que ele caiu no gosto da comunidade. O carro de som, comandado por Renê Sobral, deu um brilho à criticada obra; e a Ritmo Que Incendeia, bateria comandada por Klemen Gioz, colabora muito com o crescimento da canção com diversas bossas e convenções.

Klemen, por sinal, não escondeu o quanto a Ritmo Que Incendeia melhorou a canção: “Como qualquer samba, trabalhado e estudado, a bateria sempre vai ajudar. Sempre pensamos em fazer paradinhas e bossas para fazer a música crescer. Eu falaria 100%, mas vamos falar 50% e 50%: metade pelo samba e pela escola e a outra metade pela bateria trabalhando, impulsionando todos a cantar”, ejactou-se.

Sucinto, Renê Sobral falou forte sobre a exibição: “Eu estou em êxtase novamente, porque a escola cumpriu tudo o que foi combinado. Desde o primeiro ensaio teve melhorias, nunca está 100%. Nesse ensaio a gente teve a certeza que a comunidade abraçou e está a fim de fazer um desfile campeão. O que a gente viu hoje é algo maravilhoso. O melhor ensaio técnico que eu já fiz na Dragões”, vociferou.

Comissão de Frente

A Dragões chamou atenção desde quando o imenso tripé da escola apareceu. Inteiro em cor terrosa, diversos bailarinos dançavam ora no chão, ora em uma espécie de palco que a alegoria possui. Explodindo serpentinas (para delírio do público), a coreografia em dois atos chamava atenção para um personagem em especial – que, em dado momento, era erguido por uma base em clara demonstração de força; e, depois voltava para baixo, em movimentação acompanhada de fumaça, que também levou o público a gritar e aplaudir. Inteiro iluminado, em determinado momento, enquanto todos os componentes evoluíam na passarela, uma pessoa (que não tinha camisa da escola) subiu em uma das escadas presentes e pareceu consertar e/ou mexer em alguma fiação ou no próprio elemento que fazia a iluminação – algo que não é permitido pelo regulamento.

Outros destaques

Muito comentada por diversos sambistas, o quarto módulo de jurados também incomodou Mestre Klemen Gioz: “Ficou uma coisa incomum, a gente não esperava que ficaria tão alto. Mas estamos aqui para trabalhar e fazer acontecer. Se ficar lá, temos que trabalhar e apresentar; quem vai ter a preocupação de escutar é o jurado, ele que vai ter que dar um jeito de escutar e saber julgar. Sabemos que, se estiver perto, escuta mais, vai estar mais próximo do som para julgar melhor. Mas, se ele estiver lá, quem tem que se preocupar é ele: as baterias vão passar e trabalhar, fazer tudo para que tudo dê certo”, finalizou.

A bateria, por sinal, teve corte cheia no ensaio técnico: Karine Grum (rainha), Yohana Obyara (princesa) e Kelly de Paula (musa).

Fechar os ensaios técnicos também foi tema de palavras de Rogério Felix: “Uma grande responsabilidade, diria que foi um dos melhores anos de ensaios técnicos que já tivemos. Parabéns a todas as escolas, de Acesso II, Acesso, e Especial. Eu vi grandes ensaios aqui, vi muitas comunidades felizes, às vezes o pessoal pensa mais na técnica e esquece a cultura do carnaval, o brincar. Eu vi várias escolas aqui, de diferentes tamanhos e pavilhões, passando na chuva, tentando passar na chuva – nós tomamos muita chuva. Estou muito feliz com o resultado, era uma grande responsabilidade, e espero que a gente tenha honrado de ter fechado essa grande safra, para mim a melhor safra de ensaio técnico de São Paulo. Espero ter fechado com chave de ouro, respeitando todas as escolas que passaram”, encerrou, destacando também outras tantas coirmãs.