InícioGrupo EspecialEstudo da sinopse: Estácio de Sá 2020

Estudo da sinopse: Estácio de Sá 2020

Estácio de Sá – Existência e temporalidade na experiência do ser Pedra

Nome do enredo: Pedra
Nome da carnavalesca: Rosa Magalhães

Para o carnaval de 2020, a pedra deixa sua posição de objeto e passa a ser a
protagonista da narrativa carnavalesca da comunidade do morro de São Carlos. O G.R.E.S.
Estácio de Sá apresenta o enredo “Pedra”, construído pela carnavalesca Rosa Magalhães, a
fim de discutir questões como a existência no tempo e como a vida – seja a da pedra, seja a humana – é constituída por embates e conflitos. Em sua sinopse, a carnavalesca nos apresenta alguns recortes da história do Brasil ligados à exploração de pedras, principalmente em serras; ao entendimento místico das pedras por nossos antepassados; e dados mais poéticos e subjetivos sobre as rochas, que atravessam os citados anteriormente.

A maior tensão observada nas pedras que o enredo da Estácio coloca em nosso
caminho é entre o existir e o desaparecer. Tensão essa que também pode ser percebida no
universo das escolas de samba e, sistematicamente, em nossos universos íntimos. Existir no Grupo Especial e não desaparecer do imaginário do sambista é um dos maiores objetivos de toda agremiação. Para isso, dão enfoque ao pertencimento às suas comunidades e edificam o afeto de seus componentes por meio de sambas que evocam essa relação, como por exemplo o próprio samba exaltação da escola do São Carlos: “O meu coração se abriu em flor / Tu és o pavilhão do amor!”. A Estácio, em seu retorno ao grupo especial, e no profundo desejo de permanecer, busca inspiração no que é ser pedra – existir em sua grandiosa experiência histórica e resistir nos embates contemporâneos. A perseverança diária pela continuidade do ser e do habitar norteia uma sinopse que, ao final, questiona a permanência do estado da nossa morada, a pedra que nos abriga – o planeta Terra.

O texto de Magalhães é um cristal que encontramos em nosso caminho e que precisa
ser tocado, percebido e mesmo quebrado, para revelar os mistérios que guarda em seu
interior. A narrativa é desenvolvida por recortes de lugares e de situações, é caracterizada por suas rupturas que não almejam um discurso linear ou canônico. A autora fragmenta a história oficial e escolhe aqueles cascalhos que melhor se encaixam em sua ficção para, enfim, criar um mostruário de pedras – poéticas e históricas. A sinopse, neste caso, cumpre sua função de apresentar o enredo que será desenvolvido na avenida e ao invés de deixar as respostas evidentes no texto, deixa apenas perguntas e incertezas. Magalhães nos mostra o caminho, nos mostra as pedras, mas deixa para nós a tarefa de sentar frente a frente com a pedra e conversar com ela, descobrir sua história, seus segredos e seus ensinamentos.

Penso que a frase da sinopse “A beleza sólida desse material é a essência de nosso
planeta” é uma ferramenta primordial no trabalho de entender a construção de Rosa Magalhães. Independente se preciosas ou não, as pedras guardam em si a história do lugar em que habitamos. Estar diante de uma pedra é testemunhar uma presença secular, um ser que existe em sua constante metamorfose há milhares de anos. É um gesto de muita prepotência do ser humano estar com uma pedra e não reconhecer nela a essência do habitar a Terra. É possível dizer que o desfile da Estácio de Sá apresentará a todo momento o diálogo entre a sensibilidade da pedra e o seu uso comercial, esgarçado pela exploração humana. A maneira como nos relacionamos com as pedras foi modificada devido às diferentes percepções que os indivíduos tiveram ao longo do tempo. Quando Magalhães fala sobre a Serra dos Carajás, essa alteração fica bem evidente. A princípio, o solo pedregoso era a fonte da vida humana, o lugar de onde vínhamos. Com a chegada da visão colonizadora, o solo passa a ser uma rica fonte de produtos a serem explorados no mercado financeiro. A pedra foi desencantada pela ganância.

Por outro lado, um dos grandes feitos do enredo de Magalhães é colocar a pedra como
sinônimo de permanência do tempo. Ela inicia a sinopse com essa proposta de representação e ao longo do texto podemos capturar esse conceito nos fatos narrados. As pedras são portadoras de memórias e têm muito a nos dizer. Assim como as que foram extraídas em Minas Gerais no século XVIII são a materialidade da devastação do nosso território, as pedras portuguesas que pisamos pelo Rio de Janeiro presenciam décadas de injustiças sociais. Além disso, é interessante pensar o enredo da Estácio de Sá como um disparador para reflexões sobre os pequenos detalhes da vida, para observar as marcas das miudezas e ouvir o que a mística da natureza tem para nos dizer. Os elementos são ressignificados de acordo com a perspectiva adotada para os observá-los. Rosa Magalhães nos apresenta, no mínimo, duas maneiras de se relacionar com as pedras e nos deixa a possibilidade de escolher como iremos nos comportar diante de uma, da próxima vez que tivermos a oportunidade. A carnavalesca não oferece resposta. Ela provoca, atiça e se retira. Deixa o leitor-sambista com suas próprias conclusões. Todo caminho é habitado por pedras e cada indivíduo escolhe se conectar ou não a elas.

O texto de Rosa Magalhães nos dá poucas certezas sobre elementos visuais (fantasias
e alegorias) que poderão ser vistos na avenida. Não dá para afirmar uma setorização, mas é possível esperar um setor que fale sobre a exploração mineral em Minas Gerais e outro que aborde o assunto na região da Serra dos Carajás. Também é possível arriscar que o desfile trará um setor que fale apenas sobre a atividade mineradora em Parauapebas e sobre como ela fomentou uma amálgama de pessoas vindas de todas as regiões do país. O setor de encerramento do desfile é uma incógnita que será respondida apenas no domingo de carnaval. Penso que Rosa traduzirá o recado das pedras em um final potente e incisivo.

O enredo apresentado por Rosa Magalhães é importante não só para o carnaval, mas
também para outros âmbitos de nossa sociedade. Quem dera se a percepção e o gesto afetivo de Rosa alcançasse ao menos boa parte da população brasileira e a fizesse refletir sobre a maneira como temos tratado as pedras. Mas, infelizmente, se não se tem dado atenção nem mesmo às pedras, quem dirá à poesia, à arte e ao outro que sofre ao nosso lado carente de um olhar atento e generoso. Vivemos em uma temporalidade integrada que não é percebida. Mas as pedras sentem. As pedras já presenciaram tanta coisa nesse pequeno fragmento do universo e continuarão aqui quando tudo – talvez – voltar ao que era antes. Nosso planeta é pedra – ele sente, registra e retribui.

À Estácio de Sá e à Rosa Magalhães fica o desejo de um ótimo carnaval permeado
pela sabedoria ancestral das pedras que constituem o caminho da folia. Espero que a
comunidade da agremiação possa existir em seu canto mais alto até quando somente as
pedras puderem ouvir.

Autor: Cleiton França de Almeida – [email protected]
Graduando em Artes Visuais – Escultura (EBA/UFRJ)
Coordenador Geral/OBCAR/UFRJ
Leitor orientador: Tiago Freitas
Doutorando em Linguística/UFRJ e
Doutorando em História da Arte/UERJ
Instagram: observatoriodecarnaval_ufrj

- ads-

Conheça o enredo da Independente Tricolor para o Carnaval 2025

A Independente Tricolor anunciou na noite desta quarta-feira o enredo para 2025: "Gritos de resistência", que será desenvolvido pelo carnavalesco André Marins. Veja abaixo...

Daniel Silva é o novo intérprete da Inocentes de Belford Roxo

Daniel Silva volta para Inocentes de Belford Roxo como intérprete oficial. Ele fez parte do carro de som da agremiação em 2004, como apoio...

Conheça o enredo da Mancha Verde para o Carnaval 2025

A Mancha Verde apresentou na tarde desta quarta-feira o enredo para o Carnaval 2025. A escola levará para o Anhembi no ano que vem...