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Entrevistão com mestre Caliquinho: ‘O que eu tenho feito é um trabalho de base. A gente tem que formar ritmistas em casa’

Em entrevista ao site CARNAVALESCO, ele explica como realiza o trabalho de base de percussão com as crianças e adolescentes das áreas carentes da Zona Sul, relação com a São Clemente e com o presidente Renatinho

Desde 2011 à frente da Fiel Bateria, quando ainda dividia o comando dos ritmistas com mestre Gil, e de 2018 para cá sozinho, mestre Caliquinho é “cria” e até hoje morador do Santa Marta o que talvez tenha lhe dado um olhar mais apurado para descobrir talentos que surgem não só nesta comunidade, mas nos outros morros da Zona Sul. O ritmista, hoje mestre da bateria da Preta e Amarela, é também coordenador do projeto social Spantinha, que aproxima crianças e jovens do Santa Marta, uma versão para esta faixa etária do Bloco Carnavalesco Spanta Neném.

Em entrevista ao site CARNAVALESCO, mestre Caliquinho explica como realiza o trabalho de base de percussão com as crianças e adolescentes das áreas carentes da Zona Sul, as dificuldades nas próprias relações com as famílias de alunos, fala de sua relação com a São Clemente e com o presidente Renatinho, além de revelar as preferências dentro do trabalho na Fiel Bateria.

O que representa para você estar à frente da bateria da São Clemente?

Mestre Caliquinho: “Caramba, representa muita coisa, eu não queria ser, mas quando foi ver, não é que caiu no meu colo, eu fiz por onde para chegar ao mérito de ser mestre e dei continuidade àquele trabalho que ‘os coroas’ que a gente fala, o Tião Belo, ‘Vivi’, Renatinho, dei continuidade no trabalho que eles deixaram. Modificou alguma coisa? Modificou de repente, hoje o jurado exige muito na afinação. Então a afinação a gente teve uma mudança, em 2013 nós mudamos a afinação, que a afinação era do agudo para o grave, hoje em dia é do grave para o agudo, e um pouco o que mudou também foi a evolução das paradinhas, que a gente ficou mais chatinho para fazer mais paradinha, isso aí que mudou um pouquinho”.

O seu trabalho é muito elogiado. O que foi feito desde que você assumiu o comando da bateria?

Mestre Caliquinho: “O que eu tenho feito é um trabalho de base. Desde que a gente assumiu temos feito um grande trabalho lá na comunidade do Santa Marta e adjacências, que é o Leme, tem o pessoal lá da Cidade de Deus, lá na descida do Humaitá, que é o Gil, eu e o Tião Belo fazendo um grande trabalho no Santa Marta junto com o Pezão que é meu irmão, tem o Jhonny, garoto bom lá, meu sobrinho Patrick, uma galera que também na São Clemente tem feito bastante aula de percussão aqui, que foi uma das primeiras escolas a começar com aula de percussão, depois que gerou essa parada toda aí das outras escolas fazerem. Quando se fala Grêmio Recreativo Escola de Samba, a gente tem que dar aula para a galera, formar ritmistas em casa. Então, a gente forma muito ritmista em casa e tem dado bastante resultado. Tem dados resultados muito bons, 2015 a gente emplacamos nos 40 quando eram quatro jurados, e de lá pra cá a gente não deixou a peteca cair, continuamos fazendo um grande trabalho. Aí teve um ano que oscilou, tomamos um 9,9 , mas procuramos saber onde a gente errou, e a gente fica ali em cima da galera para a gente não errar mais. E, não tem só aquela coisa de fazer o gosto do jurado, mas a gente faz um grande espetáculo que é para o público, a gente faz bossa para o público, a gente faz paradinha para o público, a gente faz ritmo para o público da Sapucaí, e ritmo também para manter a pulsação da escola”.

Você trabalha muito com os meninos e meninas da comunidade. Como isso é feito?

Mestre Caliquinho: “O bom das comunidades, de ter um professor da comunidade é que você conhece realmente o fundamento de cada criança. Quando a criança chega um pouco revoltada você já sabe o porquê. O porquê da mãe que de repente é usuária de drogas, ou se não o pai, ou o pai que é revoltado, que bate nas crianças, e a gente abraça essas crianças como se a gente fosse um segundo pai, como se a gente tivesse apadrinhado o menino e a menina. E a gente vai na casa para entender, já que eu sou nascido e criado lá, fica mais fácil de abordar o pai e a mãe, e perguntar o porquê de a criança estar revoltada, ou por estar faltando. E, tem mãe que não deixa porque se faltar ao colégio, a mãe não deixa ir para a percussão. Porque eles são assim, querem faltar ao colégio e ir para a percussão. Não, eu falo que se faltar ao colégio não vai vir para a percussão. Então, de antemão, eu falo que tem que estudar para depois vir aqui para a percussão. E, o trabalho é árduo, porque, conforme eu falei, tem uns garotos revoltados, mas que hoje em dia tem garoto que era revoltado, mas hoje está como meu diretor aqui, e diretor em outros blocos também, porque a gente tem que levar a garotada para todos os blocos para passar um pouco da comunidade, para passear um pouco. Não adianta você também ficar lá o tempo todo só dando aula, e ficar lá. Não, você tem que mostrar o mundo conforme fizeram comigo, o Tião Belo me levou para o ‘Suvaco do Cristo’, para o ‘Espanta’, os blocos da Zona Sul que a gente tem lá, e me levou para outros lugares, para as escolas de samba, para eu reconhecer a batida de cada escola e eu fui aprendendo, ele foi me dando aula e eu fui tendo esse conhecimento de cada batida e também eu absorvi isso tudo e passei para frente para a galera toda. E a galera sabe fazer uma batida da Mocidade, sabe fazer uma batida da Unidos da Tijuca, sabe fazer partido alto, sabe da Mangueira, sabe fazer afinação, sabe montar e desmontar um instrumento, sabe a importância da afinação de cada instrumento, o carinho que a gente tem que guardar o instrumento, e saber como é que é a vida fora de uma comunidade. Nem tudo que está lá que eles pensam que é certo, eles têm que aprender aqui fora também que a gente tem que mostrar a grande sociedade para a garotada da comunidade”.

O que foi mais difícil quando você assumiu e teve que enfrentar o Grupo Especial do Rio de Janeiro?

Mestre Caliquinho: “O maior desafio era não ser conhecido. Tipo assim ‘quem é esse mestre aí?’. Ainda bem que eu vim, não é que na aba do Gil mais o Renato, eu comecei junto com o Gil. O Gil sempre me deu um suporte, tenho o maior carinho por ele, comecei junto com uma galera forte pra caramba, e os caras me deram a oportunidade de botar na frente da bateria. E, era uma coisa que eu não queria, não queria nem ser diretor, minha parada sempre foi ser ritmista e os caras viram o meu tamanho, o meu gesto, a minha dedicação em cada instrumento, o meu carinho pela bateria, então, fui, assumi aí. Quando eu assumi mesmo foi em 2018, mas até então vim no carnaval até 2018 junto com o Gil, depois eu assumi sozinho. Mas eu não estava sozinho, eu não sou sozinho, existe uma diretoria por trás de você, o Pezão, o Maraca, o Jhonny, Rafaelzinho, William que está agora no chocalho, o Lolo, o Léo, uma rapaziada que me dá o maior apoio, me dá a maior força e me dá o maior suporte para a Fiel Bateria tocar do começo ao final da Sapucaí”.

Quem é sua referência em bateria no carnaval? E por qual motivo?

Mestre Caliquinho: “A minha referência sempre foi o Renatinho. O Renatinho foi mestre de bateria, não sei se todo mundo sabe, durante 19 a 20 anos. Minha maior referência foi ele. Também o Tião Belo pela tranquilidade para comandar a bateria e o mestre Celinho que ficou na Unidos da Tijuca por muitos anos, que montou aquela bateria, a bateria maravilhosa que é a Pura Cadência da Unidos da Tijuca”.

Como você enfrentou esses dois anos sem desfiles?

Mestre Caliquinho: “Foi bravo cara, se a gente não tem amigos, gente que colabora com a gente. Teve muitos amigos que graças a Deus colaborou com cesta básica da comunidade para segurar a onda porque parou foi tudo, não teve show, não teve samba, não teve desfile, não teve evento, e como é que faz isso se a gente depende disso, se a gente é músico? Ficou complicado, mas graças a Deus perante os amigos, a própria São Clemente fez doação de cesta básica. As escolas de samba se moveram, o Ritmo Solidário do China da Sapucaí também ajudou, então deu para segurar a onda devido a essa galera está ajudando, mas também a galera não deixou a peteca cair, foi lá, a galera rodou de bicicleta, trabalhou nos aplicativos para ganhar um dinheirinho. Porque se não fosse isso, a galera estaria meio que ‘ferrada’”.

Incomoda quando você ouve todo ano que a São Clemente é cotada para cair? Qual é a resposta?

Mestre Caliquinho: “Agora eu fico rindo, né? Eu fico rindo! Porque desde 2011 a gente está lá no Especial, quando sempre descia duas era cogitada a São Clemente e mais uma, e nunca foi. A gente fez um carnaval sem dinheiro, a gente não tem grandes patrocinadores, a gente não tem ‘bicheiro’, a gente é na garra. Aqui não é só bateria, a bateria ajuda no carro alegórico, a bateria ajuda na limpeza da quadra, a bateria ajuda trazer componentes, cada um traz dois componentes para desfilar na escola, e aqui a gente vem cantando à vera, não é escola de samba ‘modinha’, mas aqui, a gente vem na garra. A gente é cotada para descer porque falam que a gente é da Zona Sul e é playboy, né? E aqui não é bateria nem de playboy, e nem é escola de samba de playboy. E as comunidades que estão na Zona Sul? As comunidades sofridas que descem para caçar o pão de cada dia e depois vir no ensaio? Mesmo cansado? Estamos aí desde 2011 no Grupo Especial, e acho que vai ter que aturar mais um pouquinho, cara. Pela dedicação das comunidades que descem e vem aqui fortalecer a São Clemente, porque a São Clemente é da Zona Sul sim, mas também é das comunidades que estão na Zona Sul”.

Como funciona o trabalho de vocês da bateria com o carro de som da São Clemente?

Mestre Caliquinho: “Sempre foi maravilhoso. Eu lembro que em 2004 era o Anderson Paz, ele entrou para fazer o carnaval de 2001, ficou até 2004, depois entrou o Clóvis Pê, depois o Leonardo Bessa, e sempre teve um vínculo com a Fiel Bateria, e sempre batemos um papo tranquilo, nunca teve um querer ser mais do que o outro. Porque não adianta só a bateria tirar 10, e o canto não tirar 10. Harmonia, carro de som. Aqui é um pelo outro. Aqui nós somos escola de samba. Aqui se a gente não receber, a gente vai continuar vindo. Tem escola aí que se o cara não receber, o cara vai fazer corpo mole. Então, quando a São Clemente está bem, pode-se dizer que os componentes vão estar bem, os funcionários vão estar bem. Se está mal, mas está todo mundo ali na hora do ‘osso’. Eu falo para o presidente, ‘presidente, na hora do osso a gente vai chegar junto, mas na hora do filé, a gente também vai estar junto com aqueles que chegaram na hora do osso’. Faltou falar do grande Igor Sorriso, que começou comigo lá no Santa Marta, mas já tinha começado comigo aqui, eu sou fundador da escola de lá, existe uma escolinha lá também, Mocidade Unida do Santa Marta, depois trouxemos o Igor para cá. Aí deu aquele show na Avenida em 2015 e nos outros anos, o Igor Sorriso, pô, hoje em dia está em São Paulo graças a Deus, e graças ao empenho e à dedicação dele. Leozinho é um garoto maravilhoso que também comigo deu o maior suporte, e hoje em dia está o Leozinho e o Maninho, grande garoto lá do Vidigal que está arrebentando aí no carro de som junto com o Leozinho”

Qual a preferência do Caliquinho? Bossas ou passa reto? E por qual motivo?

Mestre Caliquinho: “Uma bossa para apresentar para os jurados e pulsação mantendo o ritmo para a escola se manter cantando, manter mesmo o ritmo para a escola. Eu prefiro isso, eu amo bossas, sou o cara que quando entrou aqui novo pra caramba, só pensava em bossas, mas depois eu fui tendo um freio do presidente, fui tendo um freio da galera, falando ‘não é só bossa, Caliquinho, é ritmo’, então a gente vai aprendendo, né? Não é que a gente sabe tudo, a gente vai aprendendo cada vez mais e, eu prefiro ritmo, uma bossa mais para se apresentar para o público, e também para se apresentar para os jurados”.

A bateria tem que fazer coreografia ou não?

Mestre Caliquinho: “Depende muito do enredo. Se for um enredo afro, a gente vai fazer a dança afro, se for um enredo alegre, a gente vai parar a bateria, como houve de 2016, a gente fazia uma bossa reverenciando os palhaços, fazia uma palhaçada, tinha uma ala que veio atrás da gente com 200 componentes e fazendo aquele panelaço. E, é tudo de acordo com o enredo que eu penso que tem que fazer, e, até a própria bossa tem que ser de acordo com a melodia do samba”.

Sobre fantasia, como foi até hoje a conversa com os carnavalescos que passaram pela escola e como está sendo agora com o carnavalesco para o desfile de 2022?

Mestre Caliquinho:”Tens uns medalhões que passaram que eles não perguntavam muito não, botavam a fantasia, tanto que teve um ano aí que a fantasia estava pesadíssima, eu expliquei para o presidente, ‘presidente está fantasia além de estar pesada o acústico dela faz segurar o som todinho da bateria ‘, então conforme for com roupa mais leve, mais ritmo sai, e os ritmistas se sentem menos sufocados. Por exemplo, tem que colocar uma fantasia luxuosa, beleza, eu concordo, mas contanto que ela seja leve e dê para o componente da bateria ficar à vontade, e mandar até dancinha ou coreografia dentro da bateria. Para 2022 vai vir leve, vai ser uma coisa engraçada porque quem vai fazer esse carnaval é um grande parceiro, Thiago Martin, ‘parceirão’, tem 10 anos de São Clemente e então a gente fez uma grande amizade, e tudo fica muito mais fácil de se trabalhar, tanto carro de som e carnavalesco, como harmonia, que é o Marquinho Harmonia que está há muito tempo na escola, eu nascido e criado na escola, então fica tudo mais fácil de lidar com essa galera”.

O presidente Renatinho tendo vindo da bateria ele dá muito puxão de orelha?

Mestre Caliquinho:”Ah, ele dá muita apitada. Toda hora ele está ali, ele desfila comigo lá na frente. Ele fala na hora que tem que fazer bossa, tem momento que ele quer a bossa que não está na hora e eu falo ‘calma, que vai chegar’, então a gente ali é como se fosse pai e filho. Vou na casa dele e converso com ele, ele também vai na minha casa na comunidade do Santa Marta, é um cara diferenciado, se está bom ele fala na rede social, se está ruim ele também vai lá reclamar, mas a gente entende a preocupação dele, que é uma escola de samba que veio do falecido Ivo que é o pai dele, e ele tem uma grande paixão por essa escola aqui, que é uma escola de família”.

O som da Avenida é alvo de reclamação de todos os mestres. Qual sua análise?

Mestre Caliquinho:”Eu também já reclamei muito, fui lá na plenária da Liesa já reclamei bastante porque eu fui penalizado por causa do som da Avenida, o som da Avenida, tipo assim, oscilando, oscilando muito, então não dava para fazer a convenção, tinha que levar reto, o carro de som estava com uma pegada e as caixas da Avenida estavam em outra. Mas, a Fiel Bateria teve como segurar porque nós cantamos pra caramba o samba, e teve como passar, esse último ano de 2020 foi meio que um sufoco, mas deu para passar. Mas, tem como melhorar, eu acho que tem como melhorar”.

Qual foi seu desfile inesquecível na São Clemente? E qual gostaria de esquecer?

Mestre Caliquinho:”Inesquecível foi o 2015, ali, por mais que a nossa fantasia não fosse lá essas coisas, a fantasia não era lá essas coisas, mas o ritmo era impecável. E, o que eu queria esquecer era o de 2017, poderia ser melhor, aquela questão que eu estava falando, a roupa, a roupa atrapalhava muito, então poderia ser melhor”.

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