Enredo: “TERRA DE MEU CÉU, ESTRELAS DE MEU CHÃO”

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Estas são as origens da Terra de meu Céu:

Deus, nosso Pai, foi o princípio. Firmou sua Criatura ao pó de argila. Soprou sobre Ela o fôlego da vida – a imagem e semelhança sublime do Criador. Plantou um jardim no Agreste e pôs ali os homens que tinha moldado. Fez brotar da terra vergéis repletos de mandacarus e xiquexiques – a força de Sua criação. Riscou no Barreto as primeiras margens do Rio Ipojuca, a fim de regar a vida das aves e dos animais do Campo. Pôs os astros no celeste firmamento, tomou o homem e o pôs para o lavrar e o guardar. Mas não foram as mãos de Deus; foram as de meu pai, Mestre de todos os discípulos deste vilarejo: Vitalino Pereira dos Santos do Alto do Moura – O Deus do Barro (Ref. Música, Petrúcio Amorim, Caruaru-PE).

Jericos galopam pela manhã repletos de saquinhos de massapés, a matéria-prima do nosso Senhor. Galhas de mamoeiros enfeitam as calçadas do povoado. O tauá descansa ao eterno, refém da inspiração divina. Fornalhas incessantes, tal qual o cardeá da luta matuta. Resiste o estuque, paredes guardam o âmbito majestoso do barro. Aporta a saudade e, nas capelinhas, o testemunho de Padim Ciço, à memória de Deus-Pai. Valei-me, pelo sempre! Peço-lhe que interceda por mais um dia de criação (Cenas revogadas pelo Livro Arte do barro e olhar da arte, por Pierre Verger – 1947).

Tabuinhas se preenchem da vida lá de fora. Sacadas narram a rota da roça. Imagine moldar a imagem da Criatura sem seu fiel escudeiro? Os boizinhos de tantas pelejas pelo sacolejar das loiçarias e alambiques, acompanhantes da luta destes meus irmãos. Irmãos que resistem à labuta de terras distantes e exalam o cheiro verde vindo dos canaviais – afã promovido pela branquinha, a companheira deste ofício. Feiras são salpicadas pelo colorido das frutas agrestinas. Animais fazem algazarra nas cestarias das quitandeiras. Milharais congregam pela quebra. Mãos afagam o algodão. Casas farinham um aferrado trabalho matriarcal. Prados de girassóis se voltam às cenas deste meu Alto – visões que inspiram gredas e amenizam o suor da lida.

Histórias modeladas no escapismo e cerimoniadas pelo Bispo Mané-Pãozeiro. Caçadores viram peões na busca por gatos-maracajás; lançam tarrafas aos doces riachos. Águas de reis e rainhas do Cangaço – seres híbridos mimetizados pela lenda das sereias. Cavalgam caracóis enamorados pelos rochedos que os margeiam. Torres observam o universo mítico de asnos armoriais. Monstros gráficos não espantam a sorte dos arvoredos. Quimeras lendárias reinventam a arte; peças configuram a vida como um grande jogo de xadrez no meio do meu Sertão.

Portinhas dos casarios são pertencidas à imagem dos três santos juninos. Santidades cúmplices do ciclo da vida apadrinham as fases vividas pelo sertanejo. Nascimentos guiados pela estrela-guia e amparados por presépios encantados. Procissões erguem santinhas vestidas de chitas que abençoam, com juras de amor, o atravessar da cidade. Preces de novenas espantam a agrura de toda tentação do deserto. Altares protegidos por faces angelicais das divindades. Mãos recriam imagens protetoras do barro-sacro de cada dia.

Brincantes figuram o Auto deste meu Mundaréu: cânticos entoados pelo repente dos Bacamarteiros; destino mambembe riscado pelas espadas dos Capitães do Reisado; flechas de caboclos erguem-se aos Jaraguás do Cavalo-Marinho; realeza segue ao passo dos Vassalos do Maracatu-Rural; Bandinhas de Pífanos bumbam fitas e flores para um Boi-Teimoso; Papangus reverenciam nossos astros; Mazurcas giram saias rodadas, como os sonhos que embalam um carrossel em verde e branco.

E em tudo que sonhar, olhe para o Alto!¹
Estas são as origens das Estrelas de meu Chão.

Severino Pereira dos Santos Vitalino, discípulo do Deus do Barro.
P.S.: Este é o inventário do país que queremos ser – surgido de uma prosa particular em um dia com o filho do Deus Vitalino. E de outros proseares com os discípulos dos Mestres Zé Caboclo, Manuel Eudócio, Manoel Galdino e Luiz Antônio. Legado figurado das grandes estrelas do Alto do Moura e que servem de sublime inspiração aos repentistas de Padre Miguel!

Autoria, Enredo, Pesquisa e Texto: Marcus Ferreira, Carnavalesco. Agosto de 2022.

Agradecimentos Especiais: Ângela Mascelani e Lucas Van de Beuque
Curadoria Museu Casa do Pontal. Emanuella Vitalino e família. Serginho Brayner – a enciclopédia Caruaruense. Mestra Therezinha Gonzaga – Cidadã Patrimônio Vivo de Caruaru.
Revisão Textual: Henrique Pessoa.
Nota: ¹Frase da Mestra das Estrelas, Therezinha Gonzaga.
Vocabulário Matuto do Agreste:
Agrestina – Que vem do Agreste Pernambucano;
Barreto – Lugar de barro abundante;
Bacamarteiros – Grupo folclórico de repentistas;
Boi-Teimoso – Mesmo que boi-bumbá; Tira-Teima;
Cardeá – Queima nas fornalhas;
Galhas – Ramalhetes dos arvoredos;
Jericos – Mulinhas, jegues, cavalinhos de vida simples;
Jaraguás – Brincantes dos folguedos do Cavalo-Marinho;
Loiçarias – Utilitários domésticos de barro;
Mané-Pãozeiro – Figura popular do Alto do Moura – principal personagem da
obra de Mestre Galdino;
Marmeleiro – Ou Marmeleiro-do-Mato, árvore do Agreste utilizada para a
queima nas fornalhas;
Prados – Ou Campos;
Tauá – Tom alaranjado da cerâmica;
Tabuinhas – Prateleira de madeira que apoia a arte figurativa para apreciação;
Vergéis – Mesmo que pomares.

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