Por Gustavo Lima e Will Ferreira
Uma das alcunhas mais tradicionais quando se pensa no Vai-Vai é “Escola do Povo”. A agremiação, que quase sempre ensaiou na rua ao longo da história, voltou a pisar o asfalto na tarde do último sábado. E, junto de tal ensaio, uma das características mais marcantes da Alvinegra se fez presente: o canto fortíssimo da comunidade. Cantando o enredo “Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano”, desenvolvido pelo carnavalesco Sidnei França, abrindo o sábado de carnaval (10 de fevereiro), a agremiação já tem nova atividade marcada no próximo domingo, já em ritmo forte visando o carnaval de 2024.
Integrante da comissão de carnaval da escola, Luiz Robles focou na retomada de uma tradição da Saracura – nome de um córrego que foi canalizado na região da Bela Vista, espaço onde a escola cresceu e como também a agremiação pode ser chamada. “Para nós, não é só uma avaliação. É uma reconexão com o bairro e com a rua. A gente necessita disso, já que ficamos presos na quadra do Sindicato dos Bancários e a gente acaba perdendo uma referência. Vir para a rua é se reconectar com tudo que sabemos fazer e trazer esse ensaio belíssimo, debaixo de um tempo adverso. A palavra certa é conexão, na verdade. Avaliando alguns pontos de andamento e de tempo, tivemos algo positivo para um primeiro ensaio em uma escola que veio grande”, destacou, relembrando o fato de que a Alvinegra, após ter sua quadra demolida para a construção da futura estação 14 Bis do metrô – muito embora segmentos da sociedade queiram a mudança da nomenclatura para Saracura/Vai-Vai.
Também um dos diretores de Harmonia da agremiação, juntamente com Paulo Melo, Robles mostrou-se bastante satisfeito com o que ouviu no ensaio de rua – e aproveitou para fazer uma crítica ao equipamento locado. “Foi positivo para nós verificar o canto forte da comunidade no ensaio de rua. Acho que o samba está ajudando bastante, ele cresceu muito. Da primeira apresentação dele na quadra após a escolha, sentimos que teríamos um canto muito mais forte do que a gente imaginava por ser um samba novo – quando comparamos com o samba anterior é até desleal, já que era um samba que estava na boca do povo. O samba de 2024 pegou e hoje o carro de som não ajudou muito, o que elevou ainda mais o canto. Para nós, não temos o que falar. Foi super positivo”, destacou, relembrando “Eu Também Sou Imortal”, samba de 2005 reeditado pela escola com o qual foi campeão do Grupo de Acesso I de 2023.
Intérprete da agremiação, Luiz Felipe, também comemorou o resultado da atividade. “Primeiro ensaio maravilhoso! A gente não precisa pedir nada para essa escola, o povo vem junto e abraça, como sempre. A tendência é melhorar. Temos setenta dias para o carnaval e a tendência é melhorarmos cada vez mais para buscar um grande resultado no dia 10 de fevereiro”, finalizou.
Nem mesmo as condições climáticas, com céu nublado e garoa, tirou o ânimo de Clarício Gonçalves, presidente do Vai-Vai. “Eu só tenho gratidão a esse povo. Saímos dos Gaviões às 5h da manhã, mas honraram com o compromisso do ensaio e chegou com esse tempinho agradável. A comunidade chegou em peso e, como sempre, é gratificante saber que todo mundo está cantando o samba. Estamos nos preparando para o Carnaval 2024 trabalhando para errar menos e alcançar o nosso objetivo”, afirmou, relembrando um evento na noite anterior com presença da escola. Sobre as diferenças de um ensaio na rua para um de quadra, ele mesmo explica. “A diferença do ensaio de quadra é que lá nós fazemos em dois setores. Dividimos o ensaio em duas partes. O interessante é que agora conseguimos fazer o ensaio completo”, finalizou.
Vale destacar que o ensaio de rua teve concentração na esquina das ruas Manoel Dutra e João Passalacqua, subindo dois quarteirões e se dispersando na praça Dom Orione – ambos os pontos localizados na Bela Vista, reduto da escola.
Comissão de frente
Com cerca de seis componentes, o primeiro setor do Vai-Vai veio sem fantasias e executando passos coreográficos, sem avançar muito em relação à ala seguinte. Não foram notados tripés e foi possível perceber muito cuidado ao executar a dança por conta do asfalto úmido graças à garoa que caiu ao longo de toda a tarde paulistana.
Mestre-sala e Porta-bandeira
Experientíssimos e com quatro títulos na escola, Renatinho e Fabíola Trindade tiveram mais uma apresentação segura junto à escola. Desde antes do ensaio, por sinal: na roda de samba antes da atividade começar, o mestre-sala era um dos mais animados, cantando, pedindo o canto da comunidade e tocando pandeiro. Altamente sincronizados, a rua escolhida pela direção da escola, sem grandes buracos e/ou ondulações, ajudou o desempenho da dupla, que tinha muito espaço para fazer os cadenciados e graciosos giros. Vale destacar, também, que Fabíola não precisou segurar o pavilhão em momento algum e que ela estava com uma bota para dar mais estabilidade ao pé. Com um vento gelado, mas não tão forte assim, a exibição foi segura, arrancando aplausos a cada vez que o pavilhão era desfraldado.
Harmonia
Certamente o grande destaque do ensaio de rua. Mesmo as primeiras alas, que por vezes não são das mais animadas, tiveram bastante força ao cantar – com destaque para a Ala das Baianas, a “Somos Todos Irmãos” e a “Resplandeceu”. O canto ficou sempre forte ao longo da atividade, mas era fortíssimo no início da exibição e nos agrupamentos mais próximos à bateria – quando ela entrou no recuo, feito na rua Conselheiro Carrão, era visível a empolgação de cada desfilante ao passar em tal esquina. Se não foi uniforme, a comunidade do Bixiga (região que não mais existe oficialmente, mas fica dentro da Bela Vista e até hoje é citado pelos componentes) superou muitas expectativas e contagiou quem se divertia ao ver a escola passar. Vale destacar, também, a cobrança de vários Harmonia para que que cada componente cantasse – a reportagem notou que até mesmo uma pré-adolescente, que fazia coreografias, foi chamada atenção por uma diretora de ala para que cantasse. Quem também se destacou foi a Velha Guarda, tradicionalmente uma das últimas alas, que cantava e interagia com todos.
Evolução
Era perceptível a preocupação dos Harmonia do Vai-Vai com o espaço entre as alas. As alsa logo após o segundo carro, por exemplo, ficavam muitas vezes próximas demais. Uma das alas coreografadas, que vinha à frente do conjunto de passistas, também requeriu especial atenção. Sem buraco algum ao longo da apresentação, a escola já tinha coreografias bastante definidas. A ala dos passistas, por sinal, chamou atenção por um pedido da diretora do contingente: ela pediu para que quatro deles estivessem na frente, liberando as demais fileiras para terem número diferente. Também é importante pontuar que, embora não houvesse pressão dos staffs para formação de fileiras, elas se formavam de maneira natural.
Samba
Se não é um dos favoritos da comunidade do samba paulistano, a canção foi cantada de maneira forte pelos componentes. Como destacado por Luiz, um dos diretores de Harmonia da instituição, a música foi bem recebida pelos componentes da escola. Além do refrão principal (“Olha ‘nóis’ aí de novo, coroa de rei/Capítulo quatro, versículo três/Vai-Vai manifesta o povo da rua/É tradição e o samba continua”), os primeiros versos da segunda estrofe (“Solta o som, alô DJ/Que eu mando a rima para embalar manos e minas”) também tinham especial força, principalmente por movimentações executadas pela “Pegada de Macaco” – bateria da escola. Vale pontuar, também, que muitas vezes o canto de Luiz Felipe, intérprete da escola, encontrava-se distante – na entrevista de Luiz Robles, ficaram evidentes problemas no carro de som utilizado.
Outros Destaques
A “Pegada de Macaco” não contou com integrantes da corte da bateria – formada pela rainha Madu Fraga, pela madrinha Negra Li e pela princesa Giuliana Silva. A rainha esteve presente no já citado evento na quadra dos Gaviões da Fiel, na madrugada de sexta para sábado; e já informou pelas redes sociais que estará presente no ensaio no próximo domingo. Os ritmistas, por sinal, fizeram o que é tradicional do Vai-Vai: poucas convenções, levantando o povo presente mesmo assim.