Por Eduardo Frois e fotos de Fábio Martins

Retornando ao Grupo de Acesso I do carnaval paulistano, a Torcida Jovem foi a segunda agremiação a desfilar nesta noite de domingo no sambódromo do Anhembi. Com o enredo “Raíz Afro Mãe, Meu Brasil Bantu”, a escola se destacou nos quesitos musicais como samba-enredo, bateria e harmonia. A alvinegra da Zona Leste de São Paulo encerrou sua passagem com 58 minutos de desfile.

Comissão de Frente

A fantasia da comissão de frente da Torcida Jovem veio representando a Realeza Africana. Os componentes estavam divididos dois grupos distintos. O primeiro deles, era composto por cinco mulheres guerreiras, usando roupas mais leves em preto e marrom, além do adereço de cabeça cinza e laranja. Já o segundo grupo possuía nove integrantes (cinco mulheres e quatro homens), com fantasias mais volumosas, com costeiros em tons de laranja e preto, e uma coroa na cabeça.

A coreografia foi idealizada por Ricardo Dias e também estava dividida entre os dois grupos. Enquanto as mulheres guerreiras da comissão executavam uma dança mais intensa, expressiva e dinâmica, movimentando bastante o corpo; o outro grupo veio com a proposta de uma apresentação mais contida, mas que em determinados trechos do samba ambos grupos faziam passos iguais. Em outro momento, ainda, os integrantes formavam um circulo na pista do Anhembi. A apresentação ocorreu sem contratempos.

Mestre-Sala e Porta-Bandeira

O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Kawê Lacorte e Nathália Bete, representava “Mwata Kazembe e Mwatisope”, do Reino de Cazembe, um dos maiores e mais organizados dos reinos Lunda, na região da África Central. A fantasia do casal seguiu as mesmas tonalidades das roupas comissão de frente, das baianas e da estética do abre-alas; com o diferencial de uma estampa preta e branca que remetia a pele de uma zebra.

A luxuosa indumentária do primeiro casal causou impacto à primeira vista. Muitas penas alaranjadas faziam parte da fantasia, na saia da porta-bandeira e no costeiro do meste-sala, proporcionando um efeito visual muito interessante durante o bailado. A dupla esbanjou simpatia e desenvoltura durante a apresentação na avenida.

No entanto, em frente à terceira cabine de jurados, as penas do costeiro do mestre sala chegaram a tocar o pavilhão da escola durante um giro executado por ambos, muito provavelmente por causa de uma rajada de vento. Como o regulamento passou por mudanças neste carnaval, não se pode afirmar se o acontecido será passível de desconto. Além de que haverá o descarte da menor nota entre os quatro jurados.

Enredo

O enredo “Raíz Afro Mãe, Meu Brasil Bantu” é fruto da pesquisa de Marcelo Caverna, que tambem é o mestre de bateria da escola. A Torcida Jovem se propôs a contar a história do povo banto, que é originário do continente africano e foi escravizado no Brasil.

A abertura da alvinegra da Zona Leste paulistana relembrou os navios negreiros que transportavam o povo banto da África para servirem de mão-de-obra escrava em terras brasileiras. A cabeça da escola veio predominantemente em cor de abóbora e marrom.

Em seguida, a Jovem passou a exaltar toda a herança cultural bantu, que hoje em dia está presente em nossa cultura. A música, a culinária e a religiosidade estiveram presente no setor final da escola, que encerrou seu desfile com a bateria representando a tradição guerreira africana, ressaltando a importância histórica do tambor como instrumento de batalha.

Alegorias

O conjunto de alegorias apresentado pela Torcida Jovem foi bastante rico e grandioso em altura. O carro abre-alas era um verdadeiro mar em chamas e fazia alusão à jornada transoceânica da diáspora africana. A parte frontal era a proa de um enorme navio negreiro que flutuava em labaredas de fogo que tinham um efeito de luz led laranja. A parte traseira da alegoria trazia diversas esculturas com traços africanos e um belo acabamento nas laterais.

O segundo carro da alvinegra da Zona Leste exaltou a rica herança afro-brasileira que hoje é tão importante para a cultura nacional. Duas esculturas de luxuosos elefantes, símbolo do maracatu, compunham o “avancé” da alegoria. Uma escultura de um rosto de uma mulher negra e uma grande coroa dourada compunham a parte central da alegoria. Nas laterais, referências às diversas manifestações culturais oriundas da cultura africana. Um grupo de componentes veio no carro representando o maculelê.

A terceira e última alegiria da Jovem foi batizada de “Inkissi – Raízes sagradas” e trazia na parte central do carro enormes esculturas negras, vestidas de azul e branco, e que carregavam seus adereços. Velas, também nas cores azul e branco, complementavam o aspecto sagrado da alegoria que encerrou o desfile da escola.

Fantasias

A Torcida Jovem apresentou um conjunto de fantasias de belo efeito visual na pista. A alas das baianas veio logo no início da escola simbolizando os conhecimentos transmitidos de geração pra geração. A fantasia das senhoras eram quase que totalmente em laranja, com detalhes em marrom.

As quatro alas seguintes representavam os povos do Congo, da Guiné, de Moçambique e de Angola, respectivamente. Eram fantasias multicoloridas, de efeito interessante e que possuiam informações na frente e no verso da indumentária.

As alas do segundo setor da Jovem trouxeram a herança cultural bantu na realidade brasileira, como a congada, a culinária, o artesanato e a musicalidade. Destaque para a ala “Congada – Poderosa Manifestação da Cultura Bantu”, que apresentou a fantasia mais requintada da escola.

Harmonia

A harmonia da Torcida Jovem foi sem dúvidas um dos principais pontos do desfile alvinegro. Pode-se notar um bom entrosamento do samba com o carro de som e a bateria Firmeza Total. O canto foi uniforme durante toda a passagem da Jovem ao longo da passarela do samba.

Durante o trecho do refrão do meio os componentes aumentavam a intensidade do canto. As alas: ‘5 – Povo de Angola’ e a ala dos passistas ‘6 – Rainha Nzimba, inspiração para a resistência’ foram as que apresentaram o canto mais vigoroso.

Samba-enredo

A trilha sonora do desfile da Jovem para este carnaval proporcionou um dos melhores momentos da passagem da escola alvinegra. O trecho: “Ôoo, Maracatu, Maculelê/ Ôoo, Tem capoeira e fuzuê” impulsionou o cantar da comunidade da zona leste, que se divertia na avenida a cada passada do samba-enredo.

A obra da Torcida Jovem tem a “pegada afro”, tanto em letra quanto em melodia, que o enredo pede. O samba é de autoria de Turko, Imperial, Fabio Souza, PH, Minuettos, Portuga, S. morais, Reinaldo Marques, Ricardo Mandu e Cleyton Reis.

Evolução

A Torcida Jovem evoluiu de forma contínua e coesa, sem apresentar clarões ou buracos que pudessem comprometer a uniformidade do desfile da escola. As alas da TJ, que ao todo reuniram cerca de mil componentes, concluíram a passagem pelo Anhembi dentro do tempo, aos 58 minutos, mantendo o mesmo ritmo do início ao fim.

Outros Destaques

A bateria Firmeza Total de mestre Marcelo Caverna foi outro segmento da Jovem que pode ser considerado um dos ápices do desfile. Uma bossa com alto grau de dificuldade na retomada foi bem executada pelos ritmistas alvinegros, que vieram com uma fantasia preta e branca batizada de “Tradição Guerreira”.

A ala da velha guarda desfilou na parte frontal do último carro, e trouxe nas mãos de seus componentes lenços com o rosto e o nome de Cosme, o fundador da Torcida Jovem, que faleceu no ano de 2023.