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Série Barracões: Unidos da Ponte contará a ancestralidade e a luta de Mãe Meninazinha de Oxum

Rodrigo Marques apresentou o barracão ao site CARNAVALESCO e contou sobre as camadas políticas do enredo

A Unidos da Ponte vai reverenciar na Marquês de Sapucaí a luta de Mãe Meninazinha de Oxum, uma personalidade do candomblé que tem seu terreiro no bairro São Mateus, em São João de Meriti. Os carnavalescos Rodrigo Marques e Guilherme Diniz desenvolveram o enredo intitulado “Liberte Nosso Sagrado: o legado ancestral de Mãe Meninazinha de Oxum”. A construção desse carnaval partiu da proposta de Rodrigo de falar do Acervo Nosso Sagrado, coleção de objetos de religiões de matriz africana apreendidos pelas forças policiais entre os anos de 1891 e 1946 e que estavam sob poder da Polícia Civil até poucos anos atrás.

Fotos: Matheus Vinícius/Site CARNAVALESCO

“[Esse enredo] é uma construção desde o Carnaval de 2022. Eu já tinha uma pré-pesquisa sobre o Acervo Nosso Sagrado. Até então eu pensava de alguma maneira que algum dia eu poderia colocar isso no papel e traçar um meio de ter um desfile com essa temática. Para este Carnaval, eu tinha esse plano com plano A. Para minha felicidade, eu cheguei na Mãe Meninazinha”, contou Rodrigo.

O carnavalesco não pode colocar o plano em prática no último carnaval pois passou 14 dias internado com Covid-19 e não conseguiu participar tão ativamente da construção do enredo e do desfile da Unidos da Ponte. A escola ficou em 11º lugar ao apresentar “Santa Dulce dos Pobres – O anjo bom da Bahia”. Seguindo a linha das homenagens, a dupla transformou a pré-pesquisa sobre o movimento “Liberte Nosso Sagrado” em uma celebração da atuação religiosa e política de Mãe Meninazinha de Oxum.

“Nesse processo, existem diversas lideranças tanto religiosas quanto políticas. Eu já a conhecia como uma dessas expressões, mas existem outras. A partir do momento que eu descobri que o terreiro dela ficava em São João de Meriti, em São Mateus, a origem da Unidos da Ponte, eu consegui o que eu precisava. É o fio condutor que eu precisava sem grandes esforços de criar uma sinergia com a Unidos da Ponte. No nosso entendimento, aliada a outras lideranças, ela é a personificação desse movimento todo e dessa construção coletiva, tanto que ela está em todas as matérias [sobre o assunto]”, explicou Marques.

Ao abordar a vida da homenageada e o movimento político e religioso, os carnavalescos fizeram o exercício de se deparar com um um acervo diverso de objetos que foram apreendidos nos terreiros durante seis décadas da História do Brasil. Legalmente, o Estado já pôde interditar terreiros, prender fiéis e tomar posse dos pertences em nome de uma repressão à bruxaria. Sendo assim, falar de Mãe Meninazinha é falar de um combate ao racismo religioso.

“Uma coisa que mexeu muito comigo foi a documentação que eu consegui elaborar no início sobre o Acervo. São décadas da polícia invadindo os espaços sem autorização nenhuma e prendendo pessoas e levando qualquer coisa. Tem desde cachimbo até porta, assentamentos, crucifixo. Eles simplesmente faziam a operação e levavam o que eles achavam que era de direito deles. Eu fiquei muito assustado nessa documentação que eu levantei, como publicações em periódicos. Jornais à época noticiaram isso: ‘Fechado um candomblé’, ‘Um grupo de vadios foram presos em um candomblé’, as pessoas eram tratadas como bruxas. Eu fiquei assustado em como as eram tratadas na época vendo da contemporaneidade”, revelou Rodrigo Marques.

Antes de receber o nome de “Acervo Nosso Sagrado”, os objetos eram nomeados e expostos com o título de “Coleção Museu Magia Negra” no Museu da Polícia Civil. Eles ficaram em exibição até 1999, quando o museu mudou de lugar e os 519 materiais foram encaixotados e nunca mais apresentados. Essa história muda quando Mãe Meninazinha lidera o movimento de recuperação desses itens e o acervo é enviado para o Museu da República em 2020, onde estão disponíveis para visitação.

“Por mais que tenha a questão do Acervo sendo trazido para o Museu da República, o nosso tema é uma construção diária. Estamos falando sobre racismo religioso que ainda existe e existe de uma maneira muito grande e enraizada na nossa sociedade estruturalmente falando”, disse o carnavalesco.

Para Rodrigo Marques, o forte do desfile é o enredo e a narrativa a ser contada ao longo do Sambódromo. Ele acredita que a história contada vai ficar evidente e pode até sobrepor a plástica apresentada no dia 18.

“Eu tentei fazer uma pesquisa relevante utilizando pessoas que já desenvolveram essa pesquisa na academia, que vivenciaram esse processo. É uma pesquisa densa, tem embasamento. Não é simplesmente, desculpa a expressão, um retalho de informações que eu reuni. É uma coisa que está em evidência Eu acho que essa narrativa fala por si só. Eu poderia muito bem falar que a plástica vai ser o forte, mas acho que a narrativa já seria um grande trunfo nosso”, comentou Rodrigo.

Rodrigo Marques e Guilherme Diniz já estão acostumados a trabalhar um com o outro. Consolidados enquanto dupla, os carnavalescos começaram a carreira juntos e pretendem fazer dela uma parceria duradoura. Os dois já passaram por escolas como Difícil é o Nome, Engenho da Rainha, Independentes de Olaria. Chegaram a ser campeões da Série Prata com a Unidos de Bangu, em 2017, e vão para o terceiro carnaval pela Ponte.

“O dificultador de trabalhar em dupla é o fato de dividir quem faz o quê, mas, antes de trabalhar com Carnaval, nós já éramos amigos. Nós começamos juntos. Não estamos dupla, somos uma dupla. Eu complemento o trabalho dele e ele complementa o meu. Flui naturalmente. Nós trabalhamos há 7 ou 8 anos em dupla. Lógico que temos divergências, mas a gente se resolve e um dá o braço para o outro na hora”, garante Marques.

Conheça o desfile da Unidos da Ponte

A comunidade de São João de Meriti vai narrar a luta de Mãe Meninazinha de Oxum por meio de três carros, um pede-passagem e 18 alas. O carnavalesco Rodrigo Marques destrinchou o desfile que será o segundo a passar pela Avenida no sábado.

Setor 1: “Começamos narrando os ancestrais, traçando uma linha cronológica dos ancestrais da nossa homenageada. Começa com a Marcolina de Oxum ou Marcolina da Cidade de Palha, que veio para o Brasil como escrava aos 16 anos de idade da região da atual Nigéria. Ao chegar em Salvador, Bahia, desempenhou um papel muito importante, se tornou uma importante sacerdotisa de relevância por diversos fatores. Um dos fatores de sinergia com o nosso enredo é o fator pelo qual trouxe consigo o okutá de Oxum que é como se fosse um objeto religioso, uma esfera uma pedra, que simbolizava duas coisas para ela: primeiro, algo da sua terra e, segundo, era o objeto de seu orixá. Ela escondia isso em seu busto. O que a gente quer demonstrar com isso? Desde seu ancestral mais longínquo, da Mãe Meninazinha de Oxum, já existia um cuidado muito grande com a questão dos objetos, que para uns pode ser só um simbolismo, mas para outros é um algo muito relevante. Então nesse primeiro setor, a gente faz essa apresentação dos ancestrais começando com ela e indo até o Pai Procópio de Ogum, que é uma pessoa que foi o primeiro homem não iniciado como ogã – até então homem só podia ser ogã -, chegando até a avó sanguínea da homenageada, a Iá Davina”.

Setor 2: “Apresentamos o que era conhecido como ‘Coleção Magia Negra’, um conjunto com mais de 500 objetos que foram confiscados pela polícia desde o Código Penal de 1891 que proibia a prática desses cultos e não só prendiam as pessoas como os objetos. Isso perdurou até a década de 1940, quando esses objetos foram confiscados e jogados nos porões da Polícia Civil. Para se ter ciência, isso ficou tanto tempo que, durante a época da Ditadura Militar, estava jogado nos porões do Dops [Departamento de Ordem Política e Social]. Nós apresentamos que coleção é essa, por quê é chamado de ‘Magia Negra’, que é um preconceito muito grande, a ponto de hoje se chamar de ‘Nosso Sagrado’. Esse setor a gente traz essa explanação dessas pejorações, desses preconceitos que os praticantes dessa religião sofriam à época”.

Setor 3: “É a luta que a nossa homenageada teve com outras entidades religiosas e políticas para reaver esses objetos. O terceiro setor é uma homenagem direta a ela. Quando se personifica essa luta nela, está se falando do coletivo. Não é à toa que, no carro que ela vem, vem grandes lideranças religiosas e políticas que participaram desse processo. Os objetos foram recuperados, então é como se o episódio foi bem sucedido, mas o racismo religioso é uma prática recorrente que acontece até nos dias atuais. A gente quer simbolizar isso e mostrar a importância dessa construção e luta diária que é algo muito importante”.

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