Quarta colocada no carnaval paulistano em 2023, a Acadêmicos do Tatuapé ficou a apenas um ponto do título. Para conquistar o tricampeonato de fato, uma das apostas da escola é o trabalho de barracão, que historicamente utiliza muito material reciclável para brilhar no Anhembi. Em 2024, contando a história de uma cidade da Costa dos Coqueiros, na Grande Salvador, o enredo “Mata de São João – Uma joia da Bahia símbolo de preservação! Entre cantos e tambores. Viva a Mata de São João!”, idealizado pelo carnavalesco Wagner Santos, a agremiação será a quinta escola a desfilar na sexta-feira de carnaval – 09 de fevereiro. Em entrevista ao CARNAVALESCO, Wagner abriu as portas do barracão da azul e branca, sediado na Fábrica do Samba – Zona Oeste de São Paulo.
História de um paraíso
Perguntado sobre detalhes sobre o enredo da escola, Wagner destacou o fio condutor de todo o desfile – além, é claro, de exaltar o município que será homenageado: “O que eu tenho a dizer é que a gente vai fazer uma linda homenagem a cidade de Mata de São João, que é uma cidade pertencente ao estado da Bahia. Uma cidade visitada por muitos turistas e uma cidade que tem uma história rica, tem tradição, tem cultura, tem festa, tem lazer, também tem comida boa e praias belíssimas, afrodisíacas, que você pode levar sua família e curtir um maravilhoso fim de semana, bem tranquilo. A gente pretende, através do nosso desfile, fazer uma homenagem a Mata de São João através de um artesão, um caboclo filho da terra. Ele trabalha na modelagem de peças através do barro e ele vai contar a história da sua cidade, ele vai modelar a história da sua cidade e, através dessas modelagens, você vai conhecer toda a história de como surgiu a cidade, com a chegada dos primeiros imigrantes que lá encontraram com os nativos que habitavam a região, o conflito entre os grupos de escravos que chegaram para trabalhar na construção do Castelo d’Ávila e lá mantém as suas tradições”, pontuou.
Setor a setor
A setorização da agremiação será encabeçada por destaques muito conhecidos de quem frequenta a região. Como toda história tem um começo, o primeiro deles será a chegada dos colonizadores e o embate com os povos originários: “Nós temos o nosso abre-alas com os nativos que habitavam a região, eles exercitavam a prática do canibalismo não como um costume diário, mas sim uma tradição: se você comesse a carne ou as vísceras daquele com quem você combateu, você estava iria adquirir as mesmas forças e o mesmo poder que aquela pessoa: era uma espécie de ritual. Então os portugueses, quando chegaram, se encontraram com os habitantes que habitavam a região. Houve um grande confronto entre os dois e nesta grande jornada, nessa missão, eles acompanharam os portugueses jesuítas e grandes navegadores, grandes desbravadores. Teremos também a figura de São João Batista, de quem ela recebeu o nome e que é o padroeiro da cidade. Nós temos toda essa retratação aqui nesse primeiro módulo. Já no nosso segundo módulo nós temos a retratação do primeiro grupo de escravos que lá chegaram pra trabalhar na construção da fortificação, com um carro que fala do artesanato regional. Nós temos algumas peças presentes no carro que retratam peças bem típicas do artesanato, que lá é muito forte – principalmente na questão do barro, que é muito presente na cultura artesanal da região. Nós também temos a fauna e a flora, temos os principais animais que habitam a região. Fizeram tudo isso de uma forma bem artesanal, bem rústica, representando um trabalho todo feito em barro, o artesão modelou essa história”, destacou.
O tradicional sincretismo religioso baiano será o destaque no setor seguinte: “O nosso segundo carro vai fazer uma homenagem às festas de fé. É algo muito comum, porque nós estamos na Bahia, e na Bahia o sincretismo religioso é muito presente em todo o estado. Toda semana tem festa todo dia na Bahia tem festa, é sempre uma homenagem ao santo, padroeiro – ou, se não é festa católica, é uma festa de umbanda, candomblé. EA cultura africana está sempre presente, é uma figura muito marcante,. Nós temos aqui a igreja do Bonfim, que na verdade não é igreja do Bonfim: é a igreja da cidade onde as baianas, as mães de santo, fazem também uma festa chamada de Lavagem do Bonfim. Nós temos Iemanjá, temos Nossa Senhora dos Navegantes. Temos a a festa de Bom Jesus dos Navegantes, festa de São João Batista, festa de Nossa Senhora da Conceição, temos a festa de São João. Temos diversas festas religiosas que compõem o calendário festivo da cidade”, afirmou.
A preocupação com a natureza terá especial impacto no terceiro setor: “Já o nosso o nosso terceiro carro vai fazer uma homenagem a dois grandes projetos existentes na cidade: o Projeto Tamar, que trabalha em defesa e proteção das baleias jubarte – e nós temos um globo terrestre onde temos duas baleias jubarte se encontrando, porque a cidade de Mata de São João preserva a vida marítima. Não só para o Brasil, ela preserva para o mundo. Vem turistas do mundo inteiro apreciar essa grande criatura criada por Deus. Outro grande projeto é a preservação da desova das tartarugas: nós temos uma ideia de um carro com uma proposta exclusiva, trazendo esses dois grandes projetos de uma forma bem monumental e grandiosa”, reverberou.
Por fim, um dos principais pontos turísticos da cidade estará representado no setor que encerra o desfile. “Já o nosso último carro é o que retrata a Praia do Forte, ponto de encontro de turistas da cidade da Mata de São João. Eles se encontram para as festas de carnaval e de fim de ano, onde você encontra grupos de afoxé, grupos de dança, mascarados que enfeitam as ruas e “assustam” as crianças na cidade. Nós temos muito coqueiro, porque você chegando em Mata de São João, uma das coisas que você vai logo observar é a grande quantidade de coqueiros que compõem toda a orla marítima – que também é uma renda para muitos moradores da cidade”, observou.
Caminho até aqui
Se o último setor é o que chama atenção para a preservação do ecossistema, tal ideia foi a que mais chamou atenção de Wagner ao longo da pesquisa para o enredo – incluindo uma experiência pessoal vivida por ele na cidade em questão. “Eu gostei de muitas coisas, mas uma das coisas que mais me fascinou é o cuidado com o que a cidade tem com a preservação do meio ambiente. Eu tive a oportunidade e passar lá uma semana e achei realmente encantador, fantástico. Eu nunca tive a oportunidade de entrar numa água onde eu estava com a água batendo no meu pescoço e de repente eu tive a oportunidade de olhar para baixo, quando vi peixes e tartarugas passando entre minhas pernas. Nadando ao meu lado! Para mim, aquilo foi fantástico. Isso mostra o cuidado que a cidade tem com a preservação do meio ambiente e a vida aquática”, emocionou-se.
Principal força
Na já citada apuração do carnaval 2023, a Tatuapé perdeu décimos (que foram descartados por força do regulamento) nos quesitos Fantasia e Alegoria. Mostrando confiança de que tal fato não tornará a acontecer, o carnavalesco elencou que ambos são o grande triunfo da agremiação para este desfile. “Eu acredito que o grande trunfo vai ser o conjunto visual que vai ser apresentado na avenida. O conjunto visual pretende realmente ser uma grande surpresa, vai ser o grande elemento surpresa para o desfile porque muita gente acredita, já recebi muitas críticas em vários lugares, muitas pessoas criticando e achando que um uma cidade como Mata de São João não tem história, não tem cultura, não tem tradição. Eu vou mostrar pra essas pessoas que até uma caixa de fósforo é capaz de virar um grande enredo com uma grande história. Não existe enredo ruim, existe enredo mal elaborado e mal desenvolvido porque tudo que você possa imaginar você consegue desenvolver um enredo bonito, claro, objetivo, com propostas e com ideias diferentes. Basta você pesquisar e explorar a si mesmo”, refletiu.
Cotidiano, relação com a escola e desabafo
Mais que carnavalesco, Wagner Santos sente-se abraçado e acolhido pela comunidade da Tatuapé – de acordo com o próprio: “Eu vivo como um componente da comunidade. Eu gosto muito de ditar, de estar presente nas reuniões, nos momentos em que realmente a minha opinião faça sentido. Eu sempre estou presente, sempre procuro trabalhar com a comunidade, sempre procuro descobrir o que a comunidade espera de mim. Só o tempo é que te dá essa experiência, essa oportunidade. E, quando venho para uma escola, eu venho pra solucionar problemas. Todo carnavalesco, não é simplesmente um artista, ele está dentro do carnaval para solucionar problemas. Qual é o material? Qual é a fórmula? O que que você vai usar então, carnavalesco? O carnavalesco é uma figura que está ali para resolver problemas, porque se não tivesse problema, não haveria necessidade de um carnaval”, destacou.
Em outro momento, ele destacou como é o dia a dia habitual dele próprio em relação a tudo que envolve a escola de samba. “Quem decide enredo é a escola, o carnavalesco é um profissional para solucionar problemas. Mas, ao mesmo tempo, o carnavalesco, tem que desenvolver um enredo que a escola quer. Não sou eu quem decido. As pessoas ficam na internet metendo o pau no carnavalesco, esculhamba o carnavalesco, mas as pessoas precisam ter um pouco de conhecimento do que é o bastidor do samba, não ficar achando que o carnavalesco fica dentro de uma escola de samba sentado numa cadeira e dando ordem. Carnavalesco que trabalha está andando no barracão. Ele sai do barracão com camisa suja de cola, sai com roupa manchada de tinta porque você tem que estar envolvido. E você tem que fazer parte disso tudo. Não adianta você estar tentando resolver problemas com pessoas vindo na sua sala, você tem que ir até onde está o problema – não só o problema chegar até você. Costumo resolver dessa forma. Eu sou uma pessoa muito participativa, participo de tudo. Quero saber de tudo, gosto de saber como funciona as coisas. Sempre procuro escolher as soluções certas para que tudo termine bem, numa boa ideia. E a gente trabalha também com o que tem”, afirmou.
Para encerrar o tópico, ele contou um pouco do que sente em relação aos rumos pelos quais a folia está passando e rememorou parte de sua trajetória na festa paulistana. “O carnaval é um espetáculo em que as pessoas querem usar somente material caro. As pessoas querem usar veludo, as pessoas querem usar franja ou galão, por exemplo. E, às vezes, usam esse material tão caro mal empregado! Gosto de usar material alternativo, o carnaval foi feito justamente para proporcionar às pessoas materiais alternativos, para que você tenha um diferencial na avenida. Eu tenho o meu estilo próprio de trabalhar, cada carnavalesco aqui dentro da Fábrica do Samba tem o seu estilo de trabalho. Eu gosto de trabalhar de uma forma em que eu possa ter liberdade de criar. Se eu não tiver liberdade de criar, para mim não me interessa. Trabalhei durante muitos anos com marketing e propaganda, trabalhei com grandes empresas. Morria de medo do carnaval. Vim parar no carnaval através do convite do seo Carlos Cruz Bichara, o pai da Solange. Ele me convidou e eu disse para ele que não conhecia carnaval. Ele falou para eu ir porque eu tenho talento e condição. Eu comecei entrando pela porta da frente. Eu não fui querer ser carnavalesco, me chamaram pra ser carnavalesco. Eu tenho muito orgulho da minha trajetória como carnavalesco, porque eu faço parte dessa história, desse crescimento e dessa evolução toda do carnaval. Eu e o Jorge Freitas somos as pessoas que realmente fizemos história no carnaval de São Paulo. Nós acompanhamos todas as fases que o carnaval de São Paulo já passou, nós acompanhamos todas essas fases e eu tenho certeza que o Jorge também é um grande profissional, eu tenho muito orgulho e ter amizade com ele. É uma pessoa que fez história e continua fazendo história no carnaval e eu também estou na mesma luta com ela”, indicou, ao falar de um grande amigo.
Por fim, o carnavalesco reafirmou o quanto confia na capacidade da azul e branca para conquistar o terceiro título no Grupo Especial. “As pessoas podem esperar um grande resultado. Mas, independentemente do resultado, nós, com certeza, vamos fazer um grande espetáculo para as pessoas que pagaram para assistir. O resultado é uma consequência. Isso aí a gente vai deixar na mão de Deus, que só ele sabe”, finalizou.
Ficha técnica
Componentes: De 2500 a 3000
Carros alegóricos: 04
Tripés: 01