A São Clemente levará para a Marquês de Sapucaí o enredo “Que grande destino reservaram pra você”, do carnavalesco Bruno de Oliveira. A obra conta a história do baluarte Zé Katimba, um dos maiores compositores de samba-enredo do Carnaval carioca e um dos fundadores da Imperatriz Leopoldinense. Na Série Ouro pelo segundo ano seguido após desfilar por 11 anos no Grupo Especial, a escola sonha com o retorno à elite do Carnaval carioca.
Para a busca pelo acesso, a aposta será na força de Zé Katimba somada à uma comunidade unida e feliz, como afirma o carnavalesco da Preta e Amarela. O enredo, segundo ele, planeja elencar as principais vivências da trajetória do homenageado, mas sem seguir uma ordem cronológica: “Arte através de arte”.
“O Carnaval da São Clemente em 2024 vai cantar a vida do Zé Katimba. Não iremos priorizar a linearidade cronológica, pois estamos falando de arte através de arte. Vamos carnavalizar a história e os efeitos do potente baluarte do carnaval carioca. Teremos uma São Clemente feliz, unida e com um carnaval que foi feito em família. O presidente sempre fala que aqui é uma escola de família, e realmente é. Toda essa energia do Zé está sendo transmitida para a construção do desfile de 2024. É uma São Clemente mais leve, mais competitiva e feliz”, diz Bruno.
Segundo o carnavalesco, a ideia de homenagear Zé Catimba surgiu após o presidente da agremiação, Renato Almeida Gomes – o Renatinho -, revelar o desejo de ter um enredo nordestino. Foi durante pesquisas por um tema, que o compositor André Diniz sugeriu uma homenagem ao sambista. O texto do enredo foi preparado por Bruno, Diniz e André Bonatte – que faz parte do Departamento Cultural da Imperatriz.
“Em uma conversa, o compositor André Diniz disse que tinha uma ideia que fugiria um pouco do que o presidente pediu, mas que também iria bater. A partir disso surgiu a proposta de falar de Zé Katimba, um nordestino, compositor e morador do Rio de Janeiro. A ideia foi como um presente, e depois de me aprofundar na história do Zé tive ainda mais certeza. Apresentamos para o presidente, que na hora topou. O Diniz é muito amigo do Zé e foi preparando ele, já que por ter essa paixão pelo carnaval e pelo samba, esperava muito por esse momento. Quando o presidente ‘bateu o martelo’, chamamos o Zé e o André Bonatti. Foi um texto feito a seis mãos”, conta o carnavalesco.
Nascido em Guarabira, na Paraíba, Zé Katimba veio para o Rio de Janeiro aos dez anos, clandestinamente junto com os pais. Durante a viagem, sonhou com uma cigana sereia que soprou em seu ouvido a frase “que grande destino reservaram pra você”. Compositor desde a adolescência, viu a consagração chegar justamente quando utilizou o verso em um samba-enredo da agremiação que ajudou a fundar: foi em 1971, junto com Gibi, que compôs “Martim Cererê”, samba-enredo da Imperatriz no Carnaval do ano seguinte.
Uma espécie de mantra na vida de Zé, a frase se tornou um portal para o grande sucesso do compositor e da escola da Zona da Leopoldina – não à toa, tornou-se o título do enredo da São Clemente. O verso é o ponto central de tudo que será apresentado na Passarela do Samba.
“A história dele é imensa. Procuramos pegar as melhores situações, composições e momentos para levar à Avenida. Quando ele veio para o Rio com a família, teve um sonho com uma cigana sereia que soprou em seu ouvido a frase ‘que grande destino reservaram pra você’. Ele guardou isso. Quando foi em 1971, nas disputas de samba para o carnaval de 1972, ele usou essa frase. O samba ganhou uma grande notoriedade ainda na disputa. Foi o primeiro samba-enredo a participar de uma trilha sonora de novela. Com essa explosão, a Imperatriz fura a bolha das quatro escolas da época. Essa frase deu notoriedade para a vida dele enquanto compositor e para a própria escola”, explica.
Um baluarte do carnaval carioca e do samba, Zé escreveu inúmeras canções com Martinho da Vila e João Nogueira, seus parceiros de jornada. Ao todo, o artista assinou 13 sambas-enredos na agremiação da Zona da Leopoldina e possui mais de 800 composições gravadas.
Feliz e emocionado pela homenagem, o sambista disse a Bruno que a São Clemente era um dos destinos reservados pela cigana sereia para a vida dele. Zé também contribuiu na elaboração da obra, mas não fez qualquer exigência. A Rainha de Ramos também terá um momento no desfile e vai ser representada em uma das alegorias.
“Ele está tão feliz que não palpitou, disse para eu fazer o que meu coração estava pedindo. Quando mostrei os figurinos e apresentei os projetos, ele ficou muito emocionado. Deu ok em tudo e me deixou muito à vontade. Desde a construção do enredo à produção ele tem sido uma pessoa muito importante com seus conselhos e experiências. Zé Katimba sempre fala de amor e um dos amores da vida dele é a Imperatriz. A escola terá sua alegoria”, conta o carnavalesco.
O desfile da São Clemente também marca a estreia de Bruno de Oliveira como carnavalesco de uma escola da Marquês de Sapucaí. Ele iniciou a carreira no mundo do carnaval em 2006, na própria agremiação de Botafogo, como estagiário de figurinos. Na Imperatriz Leopoldinense, se especializou na área e também passou pela Unidos de Padre Miguel. Foi em 2020, na Caprichosos de Pilares, que Bruno assinou o seu primeiro carnaval. Para ele, estrear no Sambódromo sob o comando da Preta e Amarela com um enredo sobre Zé Katimba é motivo de muita responsabilidade e desejo de retribuição: “Parece que as coisas se encaixaram para este momento”.
“Aqui foi o lugar em que comecei meu primeiro emprego, e agora estou começando como carnavalesco na Marquês de Sapucaí. Eu falo para o Zé que esse título do enredo serve para mim, porque estou chegando na agremiação como carnavalesco com uma homenagem ao fundador da uma escola que me profissionalizou no carnaval. É muito trabalho e ansiedade para tudo dar certo, além da responsabilidade que é levar para a Avenida um enredo sobre Zé Katimba. Eu quero retribuir a oportunidade que a São Clemente está me dando e fazer um excelente trabalho. É uma responsabilidade dupla, espero poder contribuir com as notas máximas na busca pelo retorno ao Grupo Especial”, revela Bruno.
Além da vida de Zé, o grande trunfo para a Avenida é a presença do artista, que estará no abre-alas da escola, representando a cidade de Guarabira em festa. Bruno, apesar de ser um carnavalesco relativamente novo, acredita que o tratamento refinado e as fantasias leves são características de seu trabalho que não podem ficar de fora do desfile da São Clemente.
“Eu sempre pensei em introduzir fantasias mais leves nas escolas de samba, de acordo com os moldes que são feitos os figurinos do carnaval. A São Clemente me ajudou a trazer esse pensamento. Também estou buscando dar um tratamento mais refinado e delicado, que é algo que sempre gostei e estou podendo introduzir aqui na escola”, explica.
Conheça o desfile da São Clemente
A São Clemente será a sexta escola a desfilar no sábado de Carnaval. A agremiação vai levar para a Avenida três alegorias e um tripé. Ao todo, serão 17 alas e cerca de 1700 componentes. Para contar a história de Zé Katimba, o enredo foi dividido em três setores.
Setor 1: “Começamos o primeiro setor com Guarabira em festa. Vamos celebrar a vida do poeta, presente com seus conterrâneos e pedindo a benção de Nossa Senhora da Luz para agradecer por tudo que ele conseguiu enquanto um grande contribuinte da música popular brasileira”.
Setor 2: “É a musicalidade e seus diálogos com os frutos musicais que nascem das múltiplas experiências da vida do Zé. Ele compôs obras que tinham uma conotação político-social, além de canções que retratavam o amor em diversas formas. O grande sucesso musical vem através das composições que ele fez para Imperatriz durante a carreira. Também vale lembrar que o Zé Katimba foi inspiração para o personagem interpretado por Grande Otelo na novela ‘Bandeira Dois’. A sua composição para o Carnaval de 1972 fez com que a Imperatriz pudesse participar da primeira trilha musical de uma novela. E devido ao sucesso da música, a escola conseguiu furar o bloqueio das quatro grandes agremiações da época”.
Setor 3: “É um mergulho dos sonhos infantis que nascem em Guarabira, através do conto da sereia com a frase ‘que grande destino reservaram pra você’, que é o título do enredo e a frase usada no samba de 1972 – que deu uma notoriedade para a sua vida. É o que faz a gente se ancorar com a conotação da história, sobrevoando todo o universo do nosso homenageado”.