Por Rafael Soares e fotos de Nelson Malfacini
O Salgueiro foi a terceira escola a se apresentar na Marquês de Sapucaí neste domingo de carnaval do Grupo Especial. A agremiação entrou com bastante força na avenida, com o público cantando forte o grande samba-enredo. A comissão de frente fez uma bela apresentação, com movimentos firmes, transformação de elementos e um ápice de emocionar, que traduziu muito bem o enredo. O casal de mestre-sala e porta-bandeira mostrou um número fabuloso, como já era esperado. Um bailado limpo, bonito e impactante. Mas logo depois, o carro abre-alas apresentou um problema de locomoção, gerando um buraco na frente da primeira cabine de jurados. As alegorias da escola apostaram muito nas cores verde, amarelo e vermelho, além da iluminação forte. Porém, o nível estético não alcançou o mais alto nível, com pequenas falhas de acabamento e repetição de elementos. As fantasias tinham um nível geral melhor, com uso mais detalhado das cores, e utilização de materiais alternativos e diferenciados. Entretanto, o enredo não se leu com clareza nelas, também pela semelhança nos símbolos e motivos. A parte musical da escola se apresentou muito bem, com ótima atuação do carro de som, comandado pelo intérprete Emerson Dias, além de uma cadência muito boa imposta pela bateria dos mestres Gustavo e Guilherme. A harmonia do Salgueiro foi muito boa, com a maior parte dos desfilantes entoando o samba com força. A vermelho e branco levou o enredo “Hutukara” para a avenida, em defesa dos povos originários., terminando em 1h08.
Comissão de Frente
Com o nome de “Ya Nomaimi! Ya Temi Xoa!”, a comissão de frente assinada pelo coreógrafo Patrick Carvalho trouxe um grupo de 15 componentes, com a maioria deles usando fantasias de indígenas, bem coloridas. Eles vinham dentro de elementos disfarçados de mata. Em determinados momentos, esses elementos eram fechados pelos componentes, se transformando em conchas e depois em animais. O pivô da comissão era um integrante que representava um yanomami. Eles se encontravam e dançavam com bastante firmeza e sincronia. O tripé em formato de grande árvore se aproximava e nele surgia uma criança yanomami. O indígena adulto interagia com ela e a protegia dos dois componentes que representavam agentes do desmatamento. Eles traziam armas de brinquedo nas mãos, que soltavam fogos frios. O tripé se abria em seu centro, e o indígena adulto escalava uma cápsula que protegia uma família yanomami. O enredo foi muito bem traduzido na comissão de frente.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Sidcley Santos e Marcella Alves, veio com uma fantasia de nome “Yakoana”, representando o pó alucinógeno utilizado nos rituais cotidianos dos xamãs na terra indígena Yanomami. A partir de sua inalação, os indígenas conseguem ver os xapiris, espíritos de luz protetores da floresta, que transmitem as mensagens de Omama através de cantos, colhidos das “árvores sábias” das partes mais remotas da Hutukara. A apresentação do casal foi de excelência. A fantasia toda em vermelho era muito bonita e bem acabada. A dança mostrou movimentos fortes, limpos e bem sincronizados. As interações entre os dois eram de muita beleza e cumplicidade, com sorrisos, troca de olhares e confiança. O número mesclou elementos mais tradicionais, com passos coreografados em alguns momentos do samba-enredo.
Samba-Enredo
O samba do Salgueiro tem uma letra muito forte e inspirada que descreve o enredo com excelência, um grande manifesto em defesa dos yanomamis e dos povos originários, com momentos de maior doçura na apresentação das crianças que conduzem o enredo. A melodia, também muito bonita e valente, traz várias nuances que valorizam o samba e ajudam a impulsionar o canto. Composto por Pedrinho da Flor, Marcelo Motta, Arlindinho Cruz, Renato Galante, Dudu Nobre, Leonardo Gallo, Ramon Via13 e Ralfe Ribeiro, a obra musical teve ótimo rendimento na avenida. O intérprete Emerson Dias mostrou um belo desempenho ao cantar o samba, com força e empolgação, embalado pela bateria dos mestres Gustavo e Guilherme.
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Harmonia
A comunidade do Salgueiro teve um canto de alto nível em seu desfile. O principal trecho entoado pelos componentes foram os refrãos da obra. Mas toda a extensão do samba era bem cantando por todos. A imensa maioria das alas mostrou grande volume no canto. E isso se manteve do início ao fim do desfile. Merecem destaque as alas “Waka, o Tatu-Canastra”, “Colheita da Banana” e “Yoasi, o Criador da Escuridão”. A grande qualidade da obra musical foi fundamental para esse desempenho. No carro de som, Emerson Dias teve uma exibição de alto nível, conseguindo aliar sua conhecida empolgação com a potência necessária para a condução. Os cantores de apoio deram ótima sustentação ao canto.
Evolução
A evolução da escola foi de bom ritmo durante a passagem pela Sapucaí, fluido, sem lentidão ou correrias. Os desfilantes mostraram muita força e empolgação para cantar o samba e brincar o carnaval. Entretanto, logo na primeira cabine de jurados, que é um módulo duplo, o carro abre-alas apresentou um problema para se locomover, o que ocasionou um buraco considerável. Isso foi corrigido pouco tempo depois, mas o erro foi notório. O restante do desfile transcorreu de forma tranquila. A agremiação encerrou o desfile em 68 minutos.
Enredo
O Acadêmicos do Salgueiro apresentou o enredo “Hutukara”, um grande manifesto em defesa da terra e dos povos originários, seguindo a ótica cosmológica da etnia Yanomami. Para eles, Hutukara (o céu original a partir do qual se formou a terra) é que mantém todo ser humano vivo, juntamente com os rios e a floresta. Os Yanomami têm profundo conhecimento da floresta tropical em que vivem, das espécies vegetais nela existentes e das formas como podem ser aproveitadas.
A partir da abertura de canteiros de obras no período da ditadura militar, e a posterior invasão de garimpeiros, um grande choque epidemiológico foi gerado, resultando em muitas perdas através da malária e de infecções respiratórias, além da destruição dos leitos dos rios e poluição de suas águas. Em meio à tragédia, o Salgueiro se coloca como meio para identificação da beleza e da cultura desse povo, ressaltando suas particularidades, a fim de valorizar a história do Brasil.
O quesito se mostrou um dos problemas da escola, pois a leitura do enredo não foi facilitada pelas alegorias e fantasias no cortejo. A repetição de elementos, símbolos e cores fez com que a história contada parecesse não evoluir durante o desfile. No fim, a escola ainda colocou a ala de pessoas que fecha o desfile à frente da bateria. Gastou-se muitos setores para a ambientação do povo yanomami, e a defesa desse povo contra os males do homem branco que a escola propunha não se percebeu com tanta intensidade.
Fantasias
O conjunto de fantasias do Salgueiro foi de bom nível, com uso mais variado das cores em comparação às alegorias. Além disso, a utilização de materiais alternativos se fez bem presente, gerando boas e criativas soluções. Na maioria, eram fantasias volumosas e detalhadas. De forma geral, o acabamento era bom, com leves falhas em poucas alas, nada que preocupe a agremiação. Porém, a leitura do enredo não foi facilitada, por conta da repetitividade já mencionada. Na beleza, destaque para as alas “Pesca”, “Oscar Yanomami” e “Guarani Kaiowá”. Na originalidade, destaque para a fantasia dos passistas, que fez uso de pedaços de garrafas plásticas, proporcionando belo efeito.
Alegorias
O conjunto alegórico da escola foi marcado pelo acabamento correto, salvo algumas exceções. Porém, a repetitividade nas cores e principalmente nos elementos prejudicou o quesito. O carro abre-alas, intitulado “Hutukara: A Nova Floresta”, apresentou o universo cosmológico do povo Yanomami sobre a criação da terraonde vivem. Na sequência do desfile, a segunda alegoria do Salgueiro, de nome “Amoa Hi: A Árvore dos Cantos”, simbolizando a visão Yanomami de que durante o transe xamânico, os xapiris se comunicam através de cantos, buscados na árvore dos cantos.
O terceiro carro da agremiação, intitulado “A Aldeia Watoriki”, retratava a maior aldeia do território Yanomami, que se situa no extremo nordeste do estado do Amazonas, perto do seu limite com o estado de Roraima. O tripé intitulado “Comedor de Terra” representava uma retroescavadeira estilizada como um animal e uma grande boca. A quarta alegoria da escola, de nome “A Tragédia Yanomami”, simbolizava a exploração do garimpo ilegal, iniciada durante os governos militares, que trouxe malefícios para o povo Yanomami.
O quinto carro alegórico da agremiação, intitulado “A Beleza Yanomami”, retratava a beleza e a força desse povo, que nada contra a correnteza da destruição. A sexta e última alegoria do Salgueiro, nomeada “Por um Brasil Cocar”, representava um grito de exaltação ao Brasil originário, através da arte indígena. Quase todas se apresentavam nas cores verde, amarelo e vermelho. O acabamento era apenas correto na maioria dos carros, mas algumas falhas foram vistas, como um rasgo em uma escultura do abre-alas e parte de um braço de outra escultura quebrado no quarto carro. A solução estética da quinta alegoria, ao representar um rio em um telão de led, não fez muito sentido.
Outros destaques
A bateria do Salgueiro, comandada pelos mestres Gustavo e Guilherme, teve um ótimo desempenho. O andamento adotado se mostrou perfeito para embalar o samba enredo. Bossas e convenções bastante adequadas e bem encaixadas ao samba, injetando muita energia nos componentes, que conseguiram cantar e brincar com bastante força e alegria.