Representando Santo Antônio, o santo na qual irmã Dulce era devota, a bateria da Unidos da Ponte trouxe uma fantasia predominantemente marrom, com um adereço na cabeça que remete ao ‘corte’ de cabelo do Santo, sandálias rasteiras em outro tom de marrom e componentes de diversas religiões convivendo em harmonia e alegria.
Componentes como Vinicius, ritmista que desfila na escola desde sua infância, pois é morador de São João de Meriti, tem a família dentro da escola e se identifica enquanto umbandista. Para Vinicius, é importante a Ponte trazer a diversidade religiosa num momento em que o Brasil está registrando o aumento de denuncias de casos de intolerância religiosa e racismo.
“Estar com um enredo que aborda a religiosidade em um momento de muita intolerância religiosa no mundo, é importante para mostrar ao mundo todo o como é possível o combate a intolerância”, declarou Vinicius ao site CARNAVALESCO.
“Eu sair vestido de Santo Antônio é maior barato também, porque enquanto umbandista, eu acredito que eu estar com essa fantasia é um símbolo de que é possível se amar e se respeitar. O amor vem antes de qualquer coisa”, completou Vinicius.
Depois de dois anos sem carnaval, o enredo religioso e a fantasia de Santo Antônio desperta lágrimas de uma colega de bateria de Vinicius, a tocadora de cuíca Maristane. No entanto, ela faz questão de frisar que é um choro de alegria e não de dor.
“Quando eu coloquei a fantasia e me dei conta do enredo e que o carnaval ia voltar, eu fiquei com vontade de chorar, mas não chorar de dor, chorar de alegria, né? Isso é diferente de chorar de tristeza”, contou a ritmista ao CARNAVALESCO.
Para a ritmista, representar o santo no qual irmã Dulce era devota, é levar para avenida a importância e a beleza da fé.
“Eu acredito que a mensagem do enredo é a importância da fé. Acima de tudo temos que ter fé, porque ela é importante demais para nosso bem-estar, sabe? Eu penso que para esse carnaval de 2022, não importa quem vai ganhar ou quem vai perder, ou não sei, o que ta valendo e nosso enredo traz isso é estarmos bem e estarmos uns com os outros”, disse Maristane.
O carnaval voltou com alegria, com a expectativa de ser o carnaval do século e essa harmonia e conforto dos ritmistas da Ponte com o seu enredo, são fundamentais para o sucesso de uma escola de samba que pretende desfilar na Avenida.
Conversando com os componentes da escola, fica claro o quanto diversidade é a cultura do carnaval e como o carnaval de 2022 é símbolo da união.
“Eu não tenho religião, mas vejo muita intolerância no Brasil, então fica evidente como nosso enredo é válido e necessário”, disse Vitor de Oliveira, tocador de surdo que desfila a 3 anos na escola.
“Sou católico, mas não sou muito religioso. Vejo que no Brasil tem muita intolerância sim, principalmente as religiões de matrizes africanas. Penso que a população precisa repensar suas relações e fico feliz de estar num enredo que busca trazer isso para o público”, afirmou Luan.
A ala das baianas foi incorporada ao carnaval ainda no ano de 1930 buscando uma forma de homenagear as chamadas tias do samba, que abrigavam os sambistas em suas casas, na época em que o samba ainda era marginalizado por todo o país.
No Rio de Janeiro, a ala deve conter obrigatoriamente 70 componentes e, apesar de
não ser um quesito principal, contabiliza para o quesito fantasia. Maria do Socorro, que desfila na ala das baianas há 5 anos, em entrevista ao CARNAVALESCO comentou sobre a importância dessa ala para escola.
“A ala das baianas é a alma da escola. A bateria é o coração pulsante e nós, a alma. Infelizmente não temos um quesito só para nós, mas o importante é contribuir para a escola e trazer uma representação e contribuição tão importante para o
enredo deste ano.”
Este ano, a ala das baianas da escola de São João de Meriti trouxe em sua fantasia uma representação mais do que especial para a composição do enredo em seu desfile. Com o nome “Sob as bênçãos de Nossa Senhora, a mãe de Deus”, representando assim, o ingresso da Irmã Dulce na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, onde realizou suas primeiras obrigações religiosas como noviça.
Valdirei Dutra, em seu primeiro ano desfilando, destacou a importância da fantasia para o enredo apresentado.
“Nós viemos representando o local onde a Santa Dulce pôde fazer suas primeiras obrigações. Onde a história dela começou, desde seus primeiros passos para hoje se tornar essa força para nossa fé, se tornando assim uma figura canonizada.”
A ala das baianas foi a primeira a passar pela Sapucaí e trouxe uma representação crucial da fé católica: Nossa Senhora, inspiração para o nome da Congregação em que Dulce ingressou. A escolha da fantasia para a ala das baianas, uma das
principais alas de uma escola, homenageou uma das pessoas mais acolhedoras, assim como conta sua história. A fantasia veio à Sapucaí leve, prática e de fácil manuseio, com cores que chamam atenção para uma das alas que mais tem destaque na escola, comentou Zelia Silva de 71 anos em entrevista para o site CARNAVALESCO.
A décima sexta ala da Unidos da Ponte a passar pela Sapucaí nesta quarta (20) foi a dos Romeiros – Peregrinos da Fé. As fantasias foram idealizadas e criadas por Rodrigo Marques e Guilherme Diniz, carnavalescos trazidos de volta para 2022 pelo trabalho realizado em 2019 com a volta da escola para a Sapucaí, tinham como objetivo representar a
devoção dos fiéis à Irmã Dulce.
A palavra Romeiro tem sua origem dos peregrinos que vão à Aparecida do Norte, Roma e a outras cidades que são conhecidas como santuários. Pessoas que dedicam, principalmente os feriados católicos, a sua devoção ou alguma promessa
que deve ser paga aos santos. Os romeiros saem em carros enfeitados, carruagens, em cavalos ou a pé e durante todo trajeto, vão fazendo festa e pregando a fé.
Em entrevista para o site CARNAVALESCO, Arlete Soares, além de devota de Dulce, também é devota de São Francisco de Assis, comentou sobre as promessas que são feitas e sua importância para a fé religiosa.
“A minha fé com a fantasia que eu estou carregando, tem tudo a ver. Tenho depressão e o açúcar está alto, comprei o terço da Santa para pedir que ela me ajudasse e, com isso agora meu açúcar está instável. Então, mais do ninguém
posso dizer o quanto as promessas e essa devoção à ela é justa e necessária.”
Irmã Dulce é a primeira Santa Brasileira e carrega consigo diversos seguidores e fiéis até os dias atuais. Por ser de Salvador, Dulce ganhou destaque, inicialmente em território baiano, e ficou ainda mais conhecida ao cuidar e ajudar qualquer pessoa que cruzasse seu caminho, principalmente, as que estavam doentes. Jussara Novaes, que é nascida e criada no mesmo bairro da Ponte, em entrevista ao Carnavalesco, destacou sobre o que representa, principalmente, para as mulheres.
“A Dulce foi uma mulher, além de tudo que ela representa, ela também mostra a força feminina, nos dá ainda mais garra. Com essa situação difícil que nós passamos recentemente, com a fé, nós conseguimos superar e estamos aqui hoje”.
O samba-enredo que conta com partes que destacam as boas intenções de Irmã Dulce, como por exemplo “Fez da bondade, tua peregrinação”, consegue explicar porque a santa brasileira possuía tantos fiéis. Assim como Dulce foi importante para a expandir a fé católica.
“A irmã Dulce sempre teve um coração puro, sempre buscando atender os mais necessitados. Principalmente no Nordeste, achei muito importante trazê-la à Sapucaí, já que é a primeira Santa brasileira”, destacou Sônia Soares.
Terceira escola a desfilar na Marquês de Sapucaí nesta quarta-feira 20 de abril, a Unidos da Ponte apresentou o enredo ‘Santa Dulce dos Pobres – O anjo Bom da Bahia’. Colorida, a escola deixou para o seu último carro a pintura nas características cores azul e branco da escola. A alegoria mostrou a pluralidade religiosa do Brasil e uma homenagem ao ator Paulo Gustavo, devoto da santa.
Na frente do carro um pequeno devoto carregando a imagem da irmã Dulce, contornando toda a alegoria há uma referência às fitas do Senhor do Bonfim facilmente encontradas pelo centro de Salvador, capital da Bahia. Também nas laterais foi possível identificar a famosa pomba da paz. Na traseira foram colocadas diversas imagens do ator Paulo Gustavo e na parte superior duas esculturas, uma de irmã Dulce e a outra de Paulo Gustavo. Entre as esculturas, um belo portão, simbolizando a entrada do céu.
Esse carro que carregava a mistura religiosa e de origens que existem no Brasil, despertou alegria entre os componentes da escola e trouxe a esperança e pensamentos de melhoria da realidade em que estamos inseridos, como conta o componente Eduardo Martins ao site CARNAVALESCO.
“Primeiro o carro está lindo. Quanto a pluralidade, eu acredito que o carnaval é uma espécie de resgate das crenças e origens. O carnaval mostra que todo mundo é filho de Deus, todo mundo pode viver em paz e é isso o que representa esse carro. Esse carro lembra a gente de ajudar sem olhar a quem”, disse.
O carro e enredo da escola também são capazes de tocar e despertar o diálogo a respeito da saúde mental do ser-humano. No primeiro carnaval após os dois anos de paralização por conta do coronavírus, a psiquiatra Cristiane Souza falou ao site CARNAVALESCO sobre como a religião pode ser importante para a saúde do ser humano.
“Eu gostaria de dizer que eu estou muito feliz de estar desfilando nesse enredo, pois enquanto psiquiatra eu tenho percebido que a religião vem ajudando bastante as pessoas a encontrarem o bem-estar. Nos últimos dois anos os casos de desequilíbrio vêm aumentando e por isso é bom ver o carnaval mostrando diversas religiões” afirmou Cristiane Souza.
Também desfila na Ponte a professora Andrea. Oriunda da Guiana Francesa, veio ao Brasil para entender mais sobre sua ancestralidade, negritude e as múltiplas identidades que formam nosso povo. Para Andrea, o enredo que traz irmã Dulce, não toca especialmente no seu lado religioso, todavia, a sensibiliza em sua identidade.
“É a crença de que tudo que quisermos fazer em conjunto é possível”, resumiu.
A Acadêmicos do Cubango levou para avenida o enredo “O amor preto cura: Chica Xavier, a mãe baiana do Brasil”, pelas mãos do carnavalesco João Vitor Araújo. Muito presente na memória dos brasileiros pelas constantes aparições em novelas, a baiana radicada no Rio de Janeiro na década de 50, trocou Salvador pela Cidade Maravilhosa para estudar arte e se aprofundar na atuação.
E é justamente neste período da vida da atriz que o final do primeiro setor e início do segundo se debruçam. A ala de número 5 trazia um espetáculo marcante na historiografia do teatro brasileiro e consequentemente na vida de Chica Xavier. Esta ala homenageava a montagem de “Orpheu Negro”, escrita por Vinicius de Moraes e estrelada pela grande homenageada da Cubango. O figurino em tons de rosa e branco trazia detalhes do cartaz original da década de 50 e se destacava pela leveza dos materiais.
Pelo menos é o que os próprios integrantes da ala relataram, como a estreante na Sapucaí Isadora.
“Fiquei feliz porque a roupa representa o teatro, a peça Orfeu da Conceição. Eu adoro tudo relacionado à arte. Achei a roupa bem leve e acho que tá tudo muito bonito. É muito importante essa coisa da representatividade. Foi muito merecido esse enredo para ela. É a minha primeira vez na avenida, o samba tá na ponta da língua e eu tô muito animada”, vibrou a moradora de Maricá.
Exalando cuidado com a fantasia e os componentes, a presidente da ala de número 5, Rosemary Dias não deixou de destacar a saudade em pisar na avenida e a vontade do cubanguense que é “cria” em estrear no Grupo Especial.
“Esse carnaval, foi atípico, com muita dificuldade. Eu acho importante a gente falar de negritude para acabar com todo esse preconceito contra o negro. Gosto da Porto da Pedra, gosto da Viradouro, mas eu sou Cubango. Se ela descer ou se ela for para o Especial, não importa, eu sou Cubango. A hora que ela for para o especial vai ser maravilhoso, estamos esperando a nossa oportunidade”, disparou a torcedora.
Logo depois da ala das baianas, a segunda alegoria trazia toda a majestade do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, palco que foi o berço da histórica montagem. Mais uma vez, a emoção tomou conta do componente que se engajou no significado do enredo e fez questão de desfilar na Cubango para homenagear a vida da atriz. É o caso do ator e arte educador Hélio Xavier que abriu espaço na maratona de escolas que vai desfilar para a verde e branco de Niterói.
“Por isso eu fiz muita questão de desfilar pela Cubango. Pelo teatro e por Dona Chica. Já fiz de tudo nessa vida artística. Hoje eu sou professor de artes e eu não largo a arte nem por um decreto e ela nos representa na missão de viver de arte sendo preto nesse país. O teatro é uma cachaça, tem muito perrengue, mas a gente gosta. Estamos aqui por ela”, destacou o artista.
Um show de criatividade, acabamento e bom gosto, assim pode ser definido o conjunto de fantasias do Acadêmicos do Cubango nesta primeira noite de desfiles da Série Ouro. Porém, o capricho visto nas alas não se repetiu nos carros, todos passaram com problemas de iluminação na avenida, além de falhas no acabamento, o que compromete a luta da escola pelo título e o tão sonhado acesso ao Grupo Especial. Além das fantasias, a escola apresentou uma comissão de frente emocionante e bem coreografada, o casal de mestre-sala e porta-bandeira, Diego Falcão e Aline Flores, também merece destaque, além da bela fantasia, o bailado foi gracioso e ambos demonstraram bastante entrosamento. Apresentando o enredo “O Amor Preto Cura: Chica Xavier, a Mãe Baiana do Brasil”, assinado pelo carnavalesco João Vitor Araújo, a Cubango homenageou a atriz Chica Xavier e foi a segunda escola a cruzar a passarela do samba na primeira noite de desfiles da Série Ouro. A verde e branca de Niterói terminou sua apresentação com 54 minutos.
A comissão de frente era intitulada “Aos Pés da Jurema Sagrada”, foi dirigida e coreografada por Fábio Batista. A escola apostou em uma narrativa de fácil leitura e ao mesmo tempo com coreografias arrojadas, o elemento alegórico representava a própria Jurema, a árvore sagrada dos Caboclos, uma componente representava a atriz Chica Xavier, grande homenageada do enredo,os outros integrantes da comissão representavam Caboclos, Orixás e Filhas de Santo. O tripé tinha quatro partes, formando assim quatro cenografias diferentes, a árvore girava e em cada parada era revelada uma entidade, Exú, Oxossi, Obaluaê e por fim, trouxe Iansã no mesmo corpo de Chica, neste momento, em frente ao primeiro módulo de jurados, a integrante não conseguiu se vestir a tempo e a árvore virou para o júri com ela ainda se trocando, um problema parecido foi visto no módulo seguinte, na última apresentação a bailarina se apresentou segurando a saia, apesar do incidente, nesse momento o público nas frisas e arquibancadas aplaudiram com bastante entusiasmo. No último movimento da apresentação, Obaluaê abriu os caminhos para o casal de Mestre-sala e Porta-bandeira entrarem em cena, mais um momento que arrancou aplausos do público.
O início forte visto na comissão de frente seguiu com o casal de mestre-sala e porta-bandeira, Diego Falcão e Aline Flores, a fantasia representou a Bahia e todo o sincretismo que envolveu a vida de Chica Xavier, ambos tinham o branco como cor predominante, a fantasia de Diego remetia a símbolos católicos, como a pomba do Divino Espírito Santo e alguns objetos barrocos, presentes em diversas igrejas da capital baiana. Já a indumentária de Aline era estilizada de filha de santo, com a tradicional penca de balangandãs na saia, em alusão aos adornos de metal com símbolos de fé e de culto aos deuses afro-brasileiros. Na dança, foram observados movimentos oriundos da umbanda, candomblé e uma mistura entre o bailado tradicional e passos coreógrafos. A dupla, em seu primeiro ano juntos empunhando o pavilhão verde e branco da Cubango, esbanjou sintonia e sincronia, não faltaram movimentos com respostas rápidas, trocas de gracejos e giros precisos. O casal passou de maneira impecável por todos os módulos, a apresentação deles contou ainda com guardiões, a fantasia deles representava entidades místicas a fantasia tinha extremo bom gosto.
Ao longos dos últimos anos a comunidade do Cubango se notabilizou por cantar com bastante afinco, os ensaios realizados na Amaral Peixoto mostraram resultado, do início ao fim foi possível notar os componentes cantando bastante, destaque para ala 1 – “Baianas da Roça da Sabina: Quituteiras e Lavadeiras”-, e também para a ala 13 “A Luta Antirracista: Fundação Palmares, que era coreografada. A ala das baianas veio no segundo setor da escola com uma roupa predominantemente branca, as matriarcas evoluíram com graça e cantaram bem o samba, com destaque para os refrões. A ala dos passistas esbanjou samba no pé, vestidos com uma roupa com muita estamparia, eles evoluíram e cantaram com bastante firmeza durante todo o desfile. O destaque negativo fica para poucos integrantes em algumas alas do final da escola que não estavam em sintonia com o restante dos componentes, mas nada que tirasse o brilho do canto da escola.
Enredo
O carnavalesco João Vitor Araújo foi o responsável pelo enredo “O Amor Preto Cura: Chica Xavier, a Mãe Baiana do Brasil”, a agremiação levou para avenida quatro setores, não focando apenas na lista de papéis que Chica desempenhou no teatro, no cinema e na TV, mas sim tendo como eixo o principal o seu papel central de mulher preta inserida em uma sociedade machista e racista. As alegorias e principalmente as fantasias conseguiram passar com clareza a história que era contada, o primeiro setor retratou a terra natal de Chica Xavier, a Bahia, foi possível observar o entrecruzamento de elementos do catolicismo popular com o culto aos orixás. O segundo setor passou pelas conquistas de Chica Xavier no mundo das artes cênicas, o terceiro retratou a luta da atriz pelo acesso à educação formal, até que o último finalizou com uma mensagem de respeito e tolerância, simbolizando que o amor de Chica é infinito e transcende a vida terrena.
Evolução
A evolução da escola se mostrou coesa do início ao fim, os componentes desfilaram com bastante empolgação. Não foi observado nenhum descompasso, mesmo a escola sendo técnica e organizada, dentro das alas foi possível notar as pessoas felizes, brincando e se divertindo. As alas que mais se destacaram foram: a ala dois, “Baianas da Roça da Sabina: Quituteiras e Lavadeiras”, coreografada e com adereço de mãos, os componentes evoluíram com bastante empolgação, o mesmo vale para a penúltima ala, “O carnaval cura: Chica Xavier, o enredo do nosso samba”, a fantasia tinha asas esvoaçantes e os brincantes se divertiam. O ponto negativo fica por um pequeno espaçamento visto na última cabine de julgadores, a primeira ala, “Baianas da Roça da Sabina: Quituteiras e Lavadeiras” seguiu e o abre-alas demorou um pouco para alcançar.
Samba-Enredo
Considerado no pré-carnaval como um dos bons sambas deste ano, a obra composta por Cláudio Russo e parceiros teve um bom rendimento, com o experiente Pixulé no comando do carro de som o canto da escola foi constante, ainda que em alguns momentos não tão intenso, e sem aquele momento de grande explosão. Uma das partes de mais destaque foi a que antes do refrão principal: “Na pedra fria/ no pé do morro/ dizem que mora um velho lá”, em um momento que a bateria fazia também uma bossa.
Fantasias
Sem qualquer sombra de dúvida foi o grande destaque do desfile. Poucas vezes se viu a escola tão bem vestida na Sapucaí. Certamente vai ser um dos melhores conjuntos de fantasias deste ano, João Vitor Araújo conseguiu soluções diferentes nas alas e o resultado foi uma escola extremamente bem vestida e sem cansar os olhos. Foi tanto bom gosto que fica difícil citar alas que se destacaram, porém, pode-se falar das alas “Dia de Reis, 6 de janeiro”, “Orfeu da Conceição”, “Ervas que curam” e a ala de baianas, que veio no setor das artes cênicas representando a obra Tenda dos Milagres, toda em branco, as matriarcas da escola desfilaram com uma belíssima fantasia.
Alegorias e Adereços
Sem dúvida, o quesito foi o grande calcanhar de Aquiles da escola, muitos problemas foram vistos, a primeira alegoria trouxe elementos do catolicismo popular com o culto aos orixás e passou completamente apagada por toda a avenida. O segundo carro da escola, que representava as artes cênicas, passou apagado por quase toda a avenida, porém, acendia em frente a cabine dos jurados. O terceiro carro também passou apagado. Além dos problemas com iluminação, o acabamento precário foi visto em todas as alegorias, no carro três a parte de cima tinha alguns ferros aparentes.
Outros destaques
A bateria da escola comandada por Mestre Demétrius Luiz representou os Griôs e levantou a Sapucaí por onde passou, os 220 ritmistas realizaram várias bossas durante a passagem da escola. A rainha Mariane Marinho e a madrinha Maryanne Hipólito esbanjaram beleza, simpatia e muito samba no pé, próximo ao setor 10, as musas sambaram ao lado do prefeito Eduardo Paes, o que arrancou aplausos de todo o público.
Na luta pelo acesso ao Grupo Especial, a Acadêmicos do Cubango apostou no enredo “O amor preto cura: Chica Xavier, a mãe baiana do Brasil” para arrematar o caneco da Série Ouro. Desenvolvido pelo carnavalesco João Vitor Araújo, o enredo enalteceu a trajetória da atriz e yalorixá, falecida em agosto de 2020, após uma carreira de sucesso, no teatro, cinema e tv.
Com forte predileção por enredos de temática afro, a verde e branco de Niterói não economizou na emoção ao abordar a vida da atriz e trouxe familiares da atriz e outros artistas negros para desfilar na última alegoria da escola. É o caso da também atriz e neta de Dona Chica, Luana Xavier. A atriz fez questão de relembrar outros grandes nomes que passaram pela avenida e celebrou a trajetória da grande mãe baiana.
“A minha avó junto com tantas outras, junto com Léa Garcia, com Zezé Motta, aliás todas foram enredo, essas mulheres abriram muitos caminhos para gente. Elas tiveram força e garra para lutar por um espaço, a gente tem o dever de dar continuidade a esse legado. O povo preto existe e resiste. Eu penso que existem muitas homenagens que um artista, uma pessoa importante para a cultura possa receber na vida. E no Brasil, talvez a maior delas seja uma pessoa se tornar enredo de escola de samba. Então sem dúvida esse é o ápice da carreira de Chica Xavier, estar aqui representando a força e o axé que é Chica Xavier, foi um dos dias mais marcantes da minha vida”, confessou Luana.
Quem também esteve presente na alegoria foi o ator, diretor e dramaturgo, Rodrigo França. Muito amigo da família e admirador do trabalho da atriz, o premiado diretor sublinhou a força da representatividade de Dona Chica em sua carreira.
“Eu lembro de vê-la em cena na novela Renascer fazendo um papel muito aquém da grandeza dela. E sem dúvida, ela, Grande Othelo e todos outros inspiraram a minha trajetória”, relembrou França que também será homenageado pela Beija-Flor.
A safra de 2022 tem como marca uma grande quantidade de enredos de temática negra. Somente na série Ouro que é composta por 15 escolas, mais da metade das agremiações optou por enredos afro. Este fato rendeu ao carnaval deste ano o apelido de “carnaval mais preto dos últimos tempos”, por muitos desfilantes da concentração da Cubango.
Esta particularidade do ano de 2022 causa muita alegria aos componentes. Como é o caso da atriz, jornalista e influencer Maíra Azevedo, a Tia Má.
“As escolas de samba, assim como os blocos afros tem o papel de educar por meio da ludicidade. Que coisa importante a gente está tendo agora: conhecer a história dessa mulher. Quem estiver desfilando nessa escola de samba precisa entender como ela abriu portas. Para eu ser uma mulher preta reconhecida estar dando essa entrevista, foi fundamental que ela estivesse fazendo novela. Na época dela era impossível pensar que uma mulher preta, com a cara preta pudesse estar interpretando uma yalorixá. Dona Chica Xavier é nossa ancestral que hoje a gente bate a cabeça”, afirmou veementemente a jornalista.
Quem fez coro a Tia Má e esbanjava satisfação e alegria ao subir na última alegoria para desfilar foi a cheff e apresentadora Andressa Cabral. Filha do mesmo orixá que Dona Chica Xavier, a apresentadora felicitou esta semelhança e endossou a opinião de Maíra Azevedo, quanto à importância da cultura de matriz africana estar na avenida.
“Estamos aqui falando de uma Eborá, uma ancestral potente. Estamos falando de uma mulher de yansã e eu sou de yansã, isso me aproxima muito do enredo. Isso para o povo preto é muita importante, me traz uma força, uma resiliência. Eu fico imaginando a luz da pouca vivência que eu tenho. Eu passei por muita coisa, profissionalmente falando, principalmente no meio da gastronomia. Existe uma demonização de quem tem orgulho de quem é da religião. Imagino o que essa mulher não deve ter passado. Quantas acusações foram feitas? Quanta coisa ela passou. Mas orixá deu força a ela para ela semear muitas coisas. E nós somos os frutos”, celebrou Andressa Cabral.
Segunda escola a pisar na avenida, a Acadêmicos do Cubango luta pelo acesso à elite da folia. No último desfile a escola conquistou a quinta colocação.