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Matriarcas do samba, baianas do Salgueiro encarnam rezadeiras

A Acadêmicos do Salgueiro desfilou nas primeiras horas de terça na Marquês de Sapucaí. Nesse carnaval, a escola levou à avenida o enredo “Salgueiro de corpo fechado”, sobre a busca pela proteção espiritual. As baianas representaram as rezadeiras e erveiras, matriarcas que aplicam sua sabedoria e esforço em prol da saúde religiosa da população.

“A proposta da fantasia traz um sincretismo religioso, com um pouquinho de cada religião. É a baiana tradicional, do jeito que eu queria. Eu gosto de baiana assim, com roda e pano de costa. Tem que ter responsabilidade, ter carinho, carisma, apego. Se não tiver isso, para mim não pode ser baiana”, pontuou a presidente da ala Tia Glorinha.

Tia Glorinha

As baianas abraçaram a criatividade do carnavalesco Jorge Silveira, que, através da abstração religiosa, proporcionou uma viagem pelos diversos Brasis.

“O enredo é muito bonito, muito bem escrito, muito bem desenvolvido. Ele é propício para o momento que a gente está vivendo. A gente está precisando ficar com o corpo fechado mesmo, se cuidar espiritualmente. Nós vamos receber umas ervas, que nós vamos passar na avenida limpando tudo e fechando o corpo nessa avenida”, comentou a técnica de enfermagem Elizabeth Garcia, de 55 anos.

Elizabeth

“Hoje é a minha estreia no Salgueiro. É um sonho desde os meus 3 anos de idade. A minha mãe me deu uma fantasia de baiana quando eu era criança. Ela é salgueirense e eu cresci com esse amor pelo Salgueiro. Meu grande sonho era estar aqui hoje. Eu estou muito feliz. Está muito bonito”, complementou.

“É muito lindo, muito lindo mesmo. Não é um enredo, é um mantra. Há muitos anos atrás, não tinha médico, mas havia rezadeiras e benzedeiras. As crianças eram levadas para combater doenças e trazer a cura”, pontuou a costureira Maria de Fátima da Silva, de 64 anos, que também estreou em 2025 na Academia do Samba.

Maria de Fatima 2

“A gente está perpetuando a nossa ancestralidade. Os nossos ancestrais vieram para o Brasil e trouxeram essa cultura de benzimento, de rezas. Trouxeram para cá e a gente está dando continuidade. As baianas abrem a escola, elas exaltam a escola, como se tivesse uma preparação da escola para entrar”, encerrou a educadora social Janaína Marcelino, de 59 anos. Janaína completou, nessa segunda, oito carnavais pelo Salgueiro.

 

Beija-Flor Carnaval 2025: galeria de fotos do desfile

Tijuca Carnaval 2025: galeria de fotos do desfile

Vila Isabel encerra desfile botando o Caldeirão para ferver com alegoria que espanta o medo e celebra a alegria

Na segunda noite de desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro, a Vila Isabel levou para a Avenida um espetáculo de fantasia e assombração com seu último carro alegórico intitulado ‘’O caldeirão vai ferver’’ misturando personagens do imaginário popular brasileiro com elementos do Dia das Bruxas, a escola transformou a Marquês de Sapucaí em um grande baile de alegria e mistério.

‘’A gente faz uma grande festa para encerrar com um clima lá em cima como a Vila merece, é um carro super astral, você encontra personagens de todos os tipos, mas é uma energia bem legal’’, relata Cátia, de 58 anos, mediadora da Fundação Adosório, desfila na Vila Isabel 3 anos.

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O carro trouxe figuras como o Saci, a Cuca e o Boitatá em um encontro inusitado com bruxas, espantalhos e fantasmas. A paleta de cores vibrantes, os efeitos de iluminação onde o medo e a diversão se encontraram em perfeita harmonia.

‘’Quando a gente era criança, a gente tinha medo da bruxa, do saci, do curupira e hoje está se transformando em alegria, que é o Carnaval. O índio, o pirata, o Billy Jack, o Chucky, as bruxas, de bate-bola, nós viemos em uma composição bem grande, bem diversificada’’, relata Cátia, de 47 anos, componente da escola desde 2019.

Segundo o assistente do coreógrafo Fábio Costa, responsável pelo carro, a ideia era brincar com o lúdico e ressignificar o terror.

‘’Observando a mistura do carro é bem positiva, nós temos um grande caldeirão de bruxa, ela vem dentro de uma grande abóbora e ao mesmo tempo ela encerra em alto astral o desfile com a bandeira da paz, que é a bandeira da Vila. A gente conseguiu mesclar essas duas coisas. A gente precisa ter coragem para enfrentar os nossos medos e através da alegria que o Paulo Barros criou para esse carro, a gente consegue superar esse medo que nem é tão medo assim’’, declara o assistente Airton.

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Os integrantes da escola foram peças fundamentais para dar vida ao conceito.’’ É muito surpreso para a gente, esse é meu primeiro ano, é a primeira vez que eu vou desfilar  na alegoria e a gente vai alegrar com surpresas na avenida. A gente vem trazendo muita alegria, querendo levantar a Sapucaí’’, declara Michael, supervisor, de 32 anos.

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O carro alegórico final da Vila Isabel encerrou o desfile com um misto de encanto e surpresa, deixando no ar a sensação de que o Carnaval é, acima de tudo, um espaço para a imaginação voar livre. A mistura de elementos culturais, a criatividade da equipe e a animação dos integrantes fizeram dessa alegoria um dos momentos mais divertidos da noite.

O trem fantasma da Vila Isabel arrepia e encanta na Sapucaí

A Vila Isabel chegou à Marquês de Sapucaí com um abre-alas que prometeu arrepiar o público e transformar a avenida em um grande parque de diversões. Sob o comando do carnavalesco Paulo Barros, o carro “Embarque nesse trem da ilusão” trouxe a adrenalina e o mistério de um trem fantasma, misturando medo e diversão em uma viagem carnavalesca pelo imaginário popular.

O carro, que impressionou pela grandiosidade e pelos detalhes assustadores, contou com elementos que remeteram ao universo dos filmes de terror e dos parques de diversões. Caveiras, esqueletos e fantasmas tomaram conta da estrutura, criando uma atmosfera que brinca com o medo, mas sem perder a essência alegre e festiva do carnaval.

A adrenalina do trem fantasma na avenida

Tainara Santos, de 18 anos, uma das destaques da escola, descreveu a sensação de desfilar no carro como única. “Ele passa um medo, mas ao mesmo tempo é incrível ver todo mundo se divertindo. O carnaval é isso: você começa assustando, mas no final todo mundo está sorrindo e brincando”, disse. Para ela, as caveiras e os esqueletos presentes no carro são os elementos que mais chamam a atenção. “Elas são divinas, mas dão medo. É como se fossem os restos de um fantasma, algo que ficou para trás”, completou.

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Célia Viana, cabeleireira de 55 anos, também destacou a emoção de desfilar no carro. “É uma adrenalina muito grande. Eu não tenho medo de assombração aqui, porque é Carnaval, é outro nível. Em casa, nem pensar!”, brincou. Para ela, o carro conseguiu traduzir a sensação de um trem fantasma de forma impactante. “É emocionante, dá um friozinho na barriga”, afirmou.

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O significado das caveiras e a transformação do medo em alegria

Rosely de Paula, de 55 anos, destacou que o carro é especial não apenas para os desfilantes, mas para toda a escola. “Ele vai deixar a avenida com muita energia. É o resultado de meses de ensaios e dedicação”, disse. Para ela, as caveiras e os elementos assustadores representam a essência do enredo. “É como se fosse um parque de diversões, mas com a magia do Carnaval. O Paulo Barros sempre surpreende, e esse ano não foi diferente”, completou.

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Roberta Nogueira e Marcelo Sandrini, coreógrafos do abre-alas, explicaram que o desafio foi transformar pessoas comuns em artistas capazes de transmitir a emoção do enredo. “A gente pega donas de casa, mecânicos, pessoas que não são do mundo artístico, e as transforma em estrelas. É isso que faz o Carnaval ser tão especial”, disse Roberta. Marcelo complementou: “O carro não é para assustar, é para divertir. É uma grande festa, como deve ser o Carnaval”.

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O abre-alas da Vila Isabel mostrou que o carnaval é, acima de tudo, uma festa que une medo, alegria e fantasia. Com um carro que mistura o susto do trem fantasma com a diversão de um parque de diversões, a escola de Noel conseguiu traduzir em cores, movimentos e emoções ao estilo Paulo Barros.

Sou eu malandragem de corpo fechado! Última alegoria do Salgueiro retrata Zé Pilintra

A Acadêmicos do Salgueiro foi a terceira escola a desfilar na madrugada de segunda para terça na Marquês de Sapucaí, com o enredo “Salgueiro de corpo fechado”. A escola apresentou uma verdadeira viagem pelo mundo das práticas mágico-religiosas do povo brasileiro. O sexto e último carro mergulhou nas ruas da Lapa e na figura espiritual do Zé Pilintra, associado à malandragem e boemia.

“A gente sabia que teria uma Lapa no desfile, mas queria fugir dos Arcos da Lapa como a única representação possível do bairro. A gente pensou em trazer o santuário do Seu Zé Pilintra e a escadaria Selarón, que é um símbolo da Lapa muito bonito. A gente traz a figura do Zé Pelintra meio que espiritualmente no carro, porque é uma figura sem rosto, sem corpo. O que está ali é mais a energia do Zé Pelintra, que é uma escultura dos braços e a cartola dele”, explicou o integrante da equipe de criação Allan Barbosa, de 24 anos.

Allan

“A gente vem no carro da Lapa, representando o povo da rua. É o retorno. O Salgueiro fez toda uma viagem de vários setores, desde o inícios dos rituais, como chegou o ritual no Brasil. Aqui a gente retorna para o Rio de Janeiro, falando sobre a umbanda, sobre o fechamento de corpo no Rio de Janeiro, por isso essa relação com a Lapa. Nós somos as Pombas Giras. Temos também os malandros fazendo parte do nosso carro”, disse a enfermeira Bianca Barbosa, de 32 anos, em seu sexto carnaval pelo Salgueiro.

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“A alegoria fala sobre o povo da rua, os malandros, as pombas-giras, as damas da noite. Tem até uma escadaria Selarón da Lapa também, que os malandros vão estar ali. A gente vai fechar o desfile com chave de ouro”, afirmou a administradora Carolina Florim, de 25 anos, dos quais 16 foram dedicados à Academia do Samba.

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Para além da atmosfera de liberdade e divertimento, o carro reverenciou o histórico intérprete da escola Quinho, que faleceu em janeiro de 2024.

“Esse desfile todo, na verdade, é uma celebração da própria história do Salgueiro. A gente traz vários símbolos caros à escola nesse desfile e esse último carro é mais um desses símbolos. A alegoria traz uma homenagem ao Quinho. O Quinho, em uma entrevista que ele deu, falou que ele passou por uma doença, onde ele foi no terreiro e ele fez um pedido a uma pomba gira, que era a pomba gira arrepiada. E essa pomba gira devolveu a voz a ele para ele. Como forma de gratidão, essa pomba gira pediu que ele sempre lembrasse dela nos desfiles. A forma que ele teve de lembrar dela todos os desfiles era dando o grito de ‘Arrepia’”, compartilhou Allan.

Animados, os componentes adiantaram detalhes da alegoria minutos antes de entrar na avenida.

“Temos uma performance que vocês vão gostar”, disse Carolina, de forma enigmática.

“Nós vamos fazer uma coreografia em cima de uma escadaria representando a escadaria de Santa Teresa. Vai dar o que falar, com certeza. Vai ter uma grande surpresa também no final desse carro. Desde dezembro, antes do Natal, a gente  começou a ensaiar”, finalizou o professor do Ensino Fundamental João Vitor Silva, de 29 anos, em sua primeira vez na escola.

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As Baianas da Vila Isabel: Guardiãs Espirituais do Carnaval de 2025

No coração do desfile da Unidos de Vila Isabel, a ala das baianas assumiu um papel que vai além da tradição e da beleza das fantasias. Em 2025, com o enredo “Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”, do carnavalesco Paulo Barros, elas ganharam mais destaque como as guardiãs espirituais da escola, carregando consigo amuletos, rezas e patuás que protegem a agremiação e afastam as energias negativas. A força, a fé e a ancestralidade dessas mulheres guiou a Vila Isabel na Marquês de Sapucaí.

O CARNAVALESCO conversou com as baianas da escola sobre a fantasia que trouxe elementos de proteção contra as assombrações. Verinha, presidente da ala das baianas, explica que os amuletos são a base da proteção espiritual. “Tem figa, tem cruz, tem búzio, tudo o que está presente no ritual da baiana. Estamos benzendo a escola na abertura do desfile com esses símbolos”, disse a veterana. O giro da baiana, segundo ela, é uma forma de espantar o mal. “Se gira para a direita, espanta as coisas ruins. Se gira para a esquerda, traz coragem. Nosso giro está afastando tudo de negativo”, declarou.

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A fantasia das baianas é um retrato dessa força espiritual. Verinha, que está há 21 anos na ala, não esconde a emoção ao falar do trabalho do carnavalesco Paulo Barros. “Ele tem um carinho enorme pelas baianas. Diminuiu o peso das fantasias, e elas estão lindíssimas. É uma honra proteger a escola”, afirmou.

Para Eloá Oliveira Santos, de 37 anos, desfilar na ala das baianas é mais que uma tradição: é um legado familiar. “Desfilo desde pequena, e para mim, ser baiana é uma gratidão. É uma honra e um dever porque meu bisavô, minha avó e minha mãe fizeram parte dessa história. Seguir esse caminho é uma responsabilidade e uma alegria imensa”, declarou. Ela destaca que a fantasia traduz a força dos amuletos e da fé. “Cada detalhe, como o trevo da sorte e a figa, representa proteção e dedicação. É isso que a gente traz para a avenida”, afirmou.

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Cléo Alves, de 50 anos, está em seu terceiro ano como baiana na Vila Isabel. Para ela, a fantasia é uma representação da ancestralidade e da espiritualidade. “Tem o olho grego, a figa, a estrela… Cada símbolo traz uma energia de proteção e fé”, explicou. Cleo acredita que o giro da baiana é uma forma de espantar as energias ruins. “É a força da mulher baiana, guerreira e cheia de fé. Isso não tem como duvidar”, afirmou.

A emoção de desfilar na avenida, para Cléo, vai além do carnaval. “É um momento de gratidão. Minha mãe está comigo após um princípio de AVC e minha irmã se recupera de uma depressão. Hoje, só tenho a agradecer e mandar as energias ruins para longe”, disse emocionada.

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Em 2025, a ala das baianas da Vila Isabel guiou a escola com sua energia protetora. Cada giro, cada amuleto e cada detalhe da fantasia carregam a força de uma tradição que une fé, ancestralidade e amor pela agremiação.

Maculelê e Caxambu: O Salgueiro Exalta a Cultura Negra na Avenida

A tradicional ala do Maculelê veio na cabeça da escola, afirmando as manifestações populares de cunho religioso afro brasileiro. Representando o Caxambu, também conhecido como Jongo, a ala performática relembra uma dança da comunidade negra que surgiu durante o período colonial, especialmente entre os escravizados nas lavouras de café. O Caxambu reflete a resistência e a preservação das tradições africanas no solo brasileiro.

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Os caxambuzeiros antigos seguiam rituais que começavam com a oferenda dos tambores às almas ancestrais. Logo atrás da ala, veio o tripé “Vem No Tambor da Academia” que, além de relembrar o último enredo campeão do Salgueiro, tinha a professora e ilustre salgueirense Helena Theodoro, representando o “Matriarcado Salgueirense”.

Em entrevista ao CARNAVALESCO a professora Helena contou suas percepções sobre o que uma escola de samba representa para a história de um povo, a importância de se falar de ancestralidade na avenida e o impacto das escolas de samba fora do Brasil.

“Para mim, escola de samba é o maior tesouro que a comunidade negra criou para poder contar nossa história, falar da nossa cultura, falar das nossas origens, coisa que a gente não aprende na escola normal. Agora que a gente está lutando, eu na universidade, trabalhando com filosofias africanas, e eu fui a primeira filósofa negra a falar disso. O carnaval é você transformar tudo o que o seu povo está falando, de sua ancestralidade, de suas tradições, de sua cultura e agregando as pessoas daquela comunidade. Isso tudo você tem na escola de samba. Hoje é a culminância de um ano inteiro de integração e de colaboração de pessoas em diferentes áreas. É na pintura, é na concepção do enredo, é costurando, bordando, dançando, cantando, compondo. Isso dá um sentido de alegria à vida, mostrando que o centro da cidade é lá no subúrbio, a Zona Sul, que é a periferia, porque somos nós que criamos cultura e a escola de samba é um dos maiores fenômenos do mundo. Todas as pessoas querem copiar o que acontece com a escola de samba. Eu estive na Inglaterra e eu vi em Notting Hill a escola de samba que foi criada pela Estácio de Sá. Essas escolas de samba internacionais são todas de imigrantes, pessoas sozinhas e que durante um ano inteiro se aglutinam com a escola de samba, formam uma família extensiva e foi isso que a comunidade negra inventou no Brasil, retomar as suas origens, as suas tradições e usar sua memória ancestral que sempre foi negada pela Europa, que via a gente como um balde vazio, mas a gente não é, cada criança que nasce traz as suas memórias ancestrais. É um ancestral que volta. Então, a ancestralidade é muito importante.

Os componentes da ala do Maculelê, liderados pelo Carlinhos do Salgueiro, explicaram como a dança do Caxambu está refletida na performance deles na avenida.

“O Caxambu tem muita expressão, muita força. Conta, retrata uma história e conta justamente a história que o Salgueiro vem representando. Temos muitos movimentos grandes e fortes. A nossa força está toda demonstrada e o maculelê sempre foi uma ala coreografada que expressa isso, integridade, paixão pela dança, primeiramente”, disse a artista Eduarda Eloise, de 25 anos, que desfila há 8 na ala.

“A gente vem falando de uma manifestação cultural, que é o Caxambu do Salgueiro, e automaticamente isso traz muito para a questão do nosso enredo. Que está falando de ancestralidade, de fechamento de corpo, tudo isso que vem representado na nossa ala. A gente vem puxando a escola com toda a ancestralidade, então a memória de baianas, nossos avós, então quando a gente fala de ancestralidade, já puxa muito a nossa emoção, família. E nada mais justo do que esses tripés de Xangô na nossa frente, protegendo a escola e segurando a nossa força”, contou Márcio Daniel, vendedor de 27 anos, que desfila na ala do maculelê há 4.

“Este ano a gente resgata a nossa ancestralidade na época do Brasil colônia, até do próprio Morro do Salgueiro, que teve uma relação muito grande com o Caxambu, com a história negra, até mesmo com a religiosidade no Rio de Janeiro. Viemos de vermelho também, que é a cor de Xangô, o nosso padroeiro. Xangô é o nosso rei maior e é a ele que a gente deve todo nosso carinho, nosso respeito e a nossa proteção, é ele que nos protege e também fecha o nosso corpo. E vamos ter muito Caxambu na nossa dança, temos movimentos joelho com joelho, casais e tudo mais. As saias também são muito características, vai ser bem visível. Não foi fácil aprender, foram 8 meses de ensaio, mas valeu a pena”, contou Yuri Vieira, de 22 anos, que trabalha com marketing digital e desfila há 6 anos pelo Torrão.

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Sobre a sua presença no tripé, Helena Theodoro contou como recebeu o convite para vir no meio da ala do maculelê, a sua relação ancestral com o Salgueiro e como a escola lhe concedeu mais senso de identidade.

“E representar matriarcas, as mais velhas e a ancestralidade africana, para mim, é algo muito gratificante. Nos meus 81 anos, eu me sinto muito feliz com isso. O Salgueiro me procurou perguntando se eu aceitava. Eu digo, “é lógico que sim!”. A minha família era toda salgueirense, as minhas lembranças de infância são todas com o meu primo Daron do Salgueiro, com o Dondon que jogava no Andaraí, com toda uma família sempre ligada ao samba, eram negros urbanos e que tinham muito orgulho da sua história, e que gostavam de fazer festa, como dizia o Beto Sem Braço. A melhor coisa, quando a gente não tem dinheiro, é fazer festa. E a escola de samba é a festa de gente que não tem dinheiro, mas tem muita alegria, tem muita criatividade e, principalmente, tem muita alegria de estar junto com outra pessoa e aprender com aquele que é diferente. Seja ele mais velho, seja ele branco, amarelo ou azul. A gente gosta de coletivo, de aglutinar. São as diferentes alas que compõem uma comunidade. E preserva o território. Cada Escola de Samba representa um lugar. E como se vive nesse lugar? Quais as cores desse lugar? E como se canta nesse lugar? Cada samba enredo fala de um lugar. Eu, quando fui à África pela primeira vez, eles perguntaram qual era a minha tribo. Aí eu disse que não tinha tribo no Brasil. Eles falaram que todo mundo tem tribo. A tribo é o lugar onde você mora. Que caracteriza a sua vida e as coisas que você diz que te representam. Aí eu parei para pensar e eu digo, não, eu tenho tribo, sim. Eu sou da tribo carioca, tijucana, salgueirense. E foi um dos dias mais felizes da minha vida. E eu nunca mais deixei de me situar como carioca, tijucana, salgueirense”.

A ancestralidade, representada nos ritmos, cores e danças, reafirmou a força da comunidade negra e sua história. No compasso do Caxambu e sob a proteção de Xangô, a escola mostrou que tradição e inovação caminham juntas. Foi um tributo à memória, à fé e ao poder do povo salgueirense.

No abre-alas, a força do passado: Salgueiro celebra sua herança afro

Um enredo afro religioso é a cara do Salgueiro, isso é inegável. A dúvida que sempre fica no ar é como ele será retratado na avenida e quais signos a escola irá apresentar. Um símbolo mais que representativo sobre o tema é a ancestralidade negra do Salgueiro. Ela, que foi a pioneira em enredos afros, com o Quilombo dos Palmares, em 1960, levou em 2025, a sua velha guarda no abre-alas “Firma ponto ao sentinela, pede a bênção pra vovô”.

Todo trabalhado no vermelho e branco e adornado com pimentas e vários outros elementos de proteção religiosa, a alegoria não saudou sua ancestralidade apenas com sua velha guarda em cima do carro, mas no centro estava uma escultura de um preto velho com um pilão, que saúda e relembra o desfile de 1992, “O Negro Que Virou Ouro Nas Terras do Salgueiro”, quando a escola apresentou uma representação semelhante em seu abre-alas.

A presidente da velha guarda e fundadora do Salgueiro contou ao CARNAVALESCO que a presença da velha guarda no abre-alas é a tradução fiel da essência do Salgueiro.

“Eu, como presidente, achei muito bom a velha guarda vir no carro, ainda mais no abre-alas, é uma coisa que nunca aconteceu na Velha Guarda. Mas eu, particularmente, gosto de riscar o chão, mas para a ala é bom. Ainda mais do lado do nosso Preto Velho, que marcou a nossa história há um tempo e voltou para somar, sendo esse tema de enredo, ele não podia ficar por fora. Hoje estamos abrindo o desfile, mas se eu estiver com a minha comunidade do Morro de Salgueiro, posso abrir ou fechar o desfile, mas melhor ainda é abrir. Ainda mais nesse carro que tem Preto Velho, está cheio de pimenta, cheio de coisa para fechar o corpo, vamos levar proteção, alegria e tudo que a gente tem direito”, contou Maria Albano, de 85 anos, mais conhecida como Caboclinha.

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Alicerces da escola, as pretas velhas do Salgueiro vieram em cima do carro representando a herança ancestral do Morro do Salgueiro.

“Eu tenho quase 50 anos de Salgueiro, estive aqui com a escola quando esse preto velho desfilou pela primeira vez e agora venho do ladinho dele. Essa escola tem muita história. Nós estamos aqui representando as pretas e pretos velhos protegendo o Salgueiro. É a primeira vez que eu venho no abre-alas, estou achando tudo maravilhoso, vamos com muita fé, muita sorte para sairmos desse jejum”, falou Marli dos Santos, aposentada, de 77 anos.

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“Eu estou muito feliz e emocionada por estar aqui nesse carro, a nossa velha guarda é quase toda preta, então representar essa entidade de proteção é sensacional. O carro é a cara do Salgueiro, todo lindo, cheio de mandinga para a gente fechar o corpo na avenida e ser campeão”, declarou Maria do Carmo Moura, aposentada de 78 anos.

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Ao lado do carro, veio um grupo performático, as ‘Erveiras do Salgueiro’, representando uma série de conhecedoras dos mistérios sobre plantas comestíveis e ervas medicinais. Evocando também o conhecimento ancestral da natureza, as entidades protetivas, defumando e limpando as energias para chamar espiritualmente a proteção.

“O carro está maravilhoso, incrível. E a gente vem aqui abençoando no chão, ao lado do carro, mas abrindo o desfile também como as erveiras, abençoando o carro, o caminho da escola ao lado dessa grande equipe aí que é a velha guarda. Dentro do enredo e da proposta do carro, a gente retrata a defumação, o abrir das energias por meio das ervas. Quando você chega no terreiro, eu não sou da religião, mas eu sei que as ervas são muito importantes para os ritos de fechamento de corpo em todos os rituais da religião afro-brasileira. E ter a presença da velha guarda abrindo a escola como guardiã dessa memória, dessa ancestralidade salgueirense, não é nada mais do que providencial. A gente sabe que o Salgueiro é uma escola bem macumbeira e abri o desfile com essa ancestralidade, é muita energia”, disse Alessandra, tecnóloga em estética que é salgueirense desde criança, mas está desfilando pela escola pela primeira vez.

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Mais do que uma alegoria, o Salgueiro fez da avenida um terreiro de celebração, onde cada detalhe exalava força, fé e ancestralidade. No abre-alas, a velha guarda não apenas desfilou, mas reafirmou a história de um povo que segue firme, de cabeça erguida, fazendo do samba um ato de resistência.

Beija-Flor de Nilópolis revive “Ratos e Urubus” em um dos momentos mais emocionantes do Carnaval 2025

A Beija-Flor de Nilópolis preparou um dos momentos mais aguardados do Carnaval 2025, a recriação do lendário desfile Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia, originalmente apresentado pela escola em 1989, sob a assinatura do carnavalesco Joãosinho Trinta e do mestre Laíla. A homenagem no terceiro setor da escola com ala coreografada e alegoria, não apenas resgata um dos maiores marcos da história do carnaval brasileiro, mas também reafirma a capacidade da festa de provocar e emocionar.

‘’Para gente que já está na escola há muito tempo, é muito lindo ver esse cenário. Essa representatividade que eles estão fazendo e essa grande homenagem ao mestre Laíla que é muito merecedor’’, declara Elisa, de 42 anos, componente da ala.

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O desfile de 1989 foi um divisor de águas na forma como o carnaval era percebido. A Beija-Flor levou para a avenida um enredo que abordava a marginalização e a miséria, trazendo uma estética inovadora ao transformar o lixo e a decadência em luxo e grandiosidade. O grande símbolo desse enredo foi a alegoria de um Cristo mendigo, que precisou ser coberto com um plástico preto após ser censurado pela Igreja Católica. A cena se tornou um dos momentos mais icônicos do Carnaval carioca, acompanhada da célebre frase de Joãosinho Trinta: “Quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta é de luxo.”

As gerações mais jovens da escola que não viram a história sendo feita nos anos 80, absorveram esse legado através de estudo sobre o enredo e contação de histórias dos familiares. ‘’Eu já tinha ouvido falar antes do desfile, porém nunca tinha visto. Então, quando eu assisti, minha família, mesmo que todo mundo torce pela Beija Flor há anos, foi comentando comigo, falando quanto impactante é está representando, está vindo de Ratos Urubus. Eu gostei bastante, apesar da fantasia ser uma fantasia que nós não esperávamos, porque como é ala coreografada, porém eu gostei e fiquei muito surpresa’’, relata Julia Manhães, de 19 anos, componente da ala e estreante no desfile da Beija-flor.

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A proposta do desfile, que misturava crítica social e arte com impacto visual, conquistou o público e entrou para a história, apesar de a Beija-Flor não ter levado o título naquele ano. Mais de três décadas depois, a escola revisita essa narrativa em um momento de celebração ao legado de Laíla e sua parceria com Joãosinho Trinta.

‘’Em 1989 foi muito emocionante porque pega justamente numa parte bem uma memória afetiva minha, acabei de conversar aqui com a colega da ala que o meu irmão saiu, né, nessa ala em 89 e por ser um desfile muito emblemático, político, me toca muito. Eu fiquei muito emocionada e fiquei com mais vontade ainda de sair, porque eu só fiquei sabendo que era essa ala no dia da audição que eu participei’’, declara Eliza, de 42 anos, componente da ala.

 

A preparação para essa revisitação no carnaval de 2025 foi intensa e no formato que Laíla exigia. ‘’A gente está 4 meses ensaiando, se dedicando, a Beija-Flor ela é escola que o canto é impecável, o Laíla implantou isso também e a gente continua, a gente sai com o legado dele e continua fazendo, a gente que foi aluna dele, porque a gente aprendeu muito com ele, a gente continua fazendo o que ele nos ensinou. Tem que cantar o samba mesmo todinho, não pode errar a letra, nenhuma, nada, nenhuma letra, nenhuma vogal, nada’’, afirma Edilene, de 40 anos, contadora que desfila na escola há 15 anos.

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A escola apostou na emoção e na memória afetiva para conquistar o público e os jurados, reafirmando sua posição como uma das grandes potências do samba.

‘’Eu acho importante, até mesmo por conta do Cristo e a mensagem que a gente vai passar, eu acho que faz uma mensagem importante e que, infelizmente, naquele ano não ganhamos, mas esse ano eu acho que a gente tá vindo muito mais forte, não só a nossa aula, mas como outras também.

Acredito que a emoção vai ser até maior, porque vai relembrar de como aconteceu antigamente e vendo hoje tanto para mim quanto para outras pessoas aí Então vai ser muito maior’’, finaliza Julia Manhães.

 

O desfile, sem dúvida, é um tributo à genialidade de Joãosinho Trinta e à capacidade do Carnaval de contar histórias que transcendem a festa, emocionando e fazendo refletir. Seja pela nostalgia ou pela força da mensagem que ainda ressoa nos dias de hoje, Ratos e Urubus tem tudo para marcar a avenida mais uma vez.