InícioGrupo EspecialMilton Cunha reflete sobre sua carreira e o carnaval na atualidade

Milton Cunha reflete sobre sua carreira e o carnaval na atualidade

Milton Cunha é um dos sambistas mais relevantes do carnaval carioca. Produtor cultural, organizador de eventos e pensador da nossa festa, ele está presente na cobertura dos ensaios de técnicos do Grupo Especial pelo Rio Carnaval, na função de comentarista dos desfiles do Rio de Janeiro, na Rede Globo, e apresentando diversas lives com o carnaval como protagonista. O carnavalesco reverenciado começou na Beija-Flor, em 1994, e fez sua carreira visando ter espaço como comunicador. Essa última tarefa foi conquistada em 2013 quando pediu um espaço na TV Globo. Milton Cunha explicou para o site CARNAVALESCO a pretensão de mudar de carreira.

Fotos: Matheus Vinícius/Site CARNAVALESCO

“Era um plano desde sempre. Eu chego no Rio, em 1982, para ser ator e diretor. Aí eu trabalho com a noite, com Chico Recarey e desfiles de moda, conheço Anísio [Abraão David] e ele me bota no Carnaval em 1993. Eu disse assim: ‘Milton, fica uns anos aqui, mas volta a estudar, faz mestrado e doutorado. Quando tu puder, Milton, te manda, porque teu projeto é a TV, a fala’. Por isso eu animava a quadra, eu era um carnavalesco que subia em palco. Eu sempre quis a luz e o microfone. Eu sempre quis essa papagaiada. Mesmo carnavalesco, eu fazia jornal: eu tive uma coluna 6 anos em O Dia, eu fazia rádio, eu fazia Leda Nagle, ‘Sem censura’. Eu nunca saí da comunicação. Quando chegou 2010, eu disse ‘chega’. Fiquei desempregado entre 2010, 2011 e 2012. 3 anos desempregado e eu não desisti. Em 2012, eu bati nas costas do Miguel Athayde, diretor da Globo, e disse ‘Eu quero uma chance’. Eu digo, hoje, passados 60 anos da minha vida, que eu cumpri exatamente os meus tempos, os meus ciclos. Tem a virada de sair de Belém do Pará. Tem a virada de entrar no Carnaval. E tem a virada de 2012 e 2013, eu estou no lugar que eu sempre quis estar”, reflete Milton.

A meta do paraense agora é crescer na televisão. Com um carisma inegável, a pergunta sobre ter mais espaço para um conteúdo autoral e com a sua cara se faz necessária. Cunha sonha em levar o carnaval de escola de samba para outros contextos e outras culturas brasileiras e provocar esse choque cultural positivo.

“Acredito que o público pode sonhar com um programa de cultura popular, não só de carnaval. Eu vou muito bem com artesãos, com mendigos, com bordadeiras. Eles vão adorar, porque eu sou muito solto, muito brincalhão. Seria um programa de bom humor sobre o povo brasileiro. Claro que eu enfiaria em todo esse programa, sempre, um sambista, uma baiana, um artesão. Eu faria uma linguagem que seria o diálogo dos sambistas com o resto do Brasil e suas festas populares. O samba e o maracatu. O samba e o boi de Parintins. O samba e a polca do Rio Grande do Sul. Eu acho que daria maior pé”, exemplificou ele.

Milton e as lives

Nos tempos de pandemia e indecisão sobre o carnaval, as lives no YouTube e no Instagram foram as responsáveis por manter o coração do folião batendo. Com a inovação dos mini-desfiles e outros eventos ao vivo para o povo do samba, Milton Cunha despontou com uma figura importante para comunicar o Carnaval. Hoje, ele ancora as lives dos ensaios técnicos do Grupo Especial, diretamente no setor 3 da Sapucaí, com uma equipe de repórteres na pista. Isso é a tecnologia em prol da ampliação do alcance do carnaval.

“A tecnologia está nos dando cada vez mais condições de escapar dos grandes canais, porque cada um tem o seu canal. Com essa nova janela, quem ganhou foi o público. Não podendo ir à Sapucaí, não tinha como desligar a TV aberta para ver. Agora a gente tem um leque de olhares sobre o ensaio, sobre a quadra”, comentou Cunha.

“Essa transmissão dos ensaios é um sonho antigo da Liesa, do Gabriel David e meu. A Globo nunca vai me colocar para ancorar isso, eu ia ficar ali e os jornalistas iam ficar de âncora. Então minha chance era o Gabriel e era isso que ele me deu, porque ali eu imprimo um olhar da minha experiência, eu chamo as minhas repórteres e vou imprimindo um ritmo meu. A Globo, no ano seguinte, já me chamou para fazer o Multishow. Acaba que a live, essa nova tecnologia, é uma porta fantástica para novos comunicadores. Eu fico vendo as lives para catar gente do samba que fale e seja interesse, porque o segredo é colocar alma, não pode ser só técnico e ter boa voz. Sim, as lives podem melhorar, as tecnologias também, mas que bom que já existe esse canal para nós nos colocarmos como sambista e comunicador”.

A volta da “normalidade” e o futuro

Segundo Milton Cunha, o Carnaval passou por anos muito difíceis até chegar ao primeiro carnaval com certa normalidade, que será o de 2023. Na sua retrospectiva, ele aponta a instabilidade da gestão do prefeito Marcelo Crivella (de 2017 a 2020) e a pandemia de Covid-19 que impediu os desfiles em 2021 e os adiou em 2022. Depois de 3 anos, o Carnaval volta a ser celebrado na data correta marcada no calendário. Essa percepção não deixaria de refletir na evolução estética das escolas de samba.

“Nós sobrevivemos à intolerância do bispo, ao vírus e aos cancelamentos. Com esses cancelamentos, surgiram novos produtos que foram ótimos. [Parafraseando Annik Salmon e Gui Estevão] A dor que pariu a pandemia pariu soluções e saídas para fazermos novas coisas. Eu espero uma consciência que essa diversão, esta cultura de bloco, baile e Sapucaí é importantíssima para gente sobreviver enquanto cidade. Na hora que a cidade do Rio perder o ‘tchica tchica bum’, como ela perdeu na pandemia que não tinha quadra, não tinha botequim, ela perde a identidade. Este ano é a retomada da consciência de que esse período momesco define a identidade carioca”, disse.

Para o futuro das concepções de desfile, Milton considera que não há mais espaço para evocar preconceitos como racismo, machismo, homofobia e etarismo e exaltar a branquitude. “Esse Carnaval de museu, de endeusamento da branquitude, já foi. Eu não quero nunca mais que eles tirem 10 em Enredo. É preciso que os enredos e os sambas tragam a modernidade. É preciso que as escolas sejam socialmente observadoras desse estilhaçar de valores. Não dá mais para ficar na Princesa Isabel”.

Nessa esteira, Cunha considera que enredo bom precisa ter uma conexão com o público por sua simplicidade de narrativa. Ele exemplifica por meio da facilidade do entendimento do enredo que Rosa Magalhães e João Vítor Araújo desenvolveram para 2023 sobre a chegada dos búfalos na Ilha de Marajó, no Pará. Para Milton Cunha, os enredos e os sambas precisam ser mais “povão” e mais diretos através de temáticas populares. Outro aspecto que impactou a arte de fazer carnaval foi a abertura maior para entender a comunidade em que as agremiações estão inseridas.

“Houve uma revolução a partir de 2015 quando as escolas caíram em si, primeiro, na importância das comunidades. Houve uma varredura das alas comerciais. Isso esquentou os ensaios de rua e eles passaram a ser um programa da cidade. Com o esquentar das propostas de ensaios e valorização da comunidade, os artistas tiveram a liberdade de propor coisas que tem a ver com a cara do nosso povo. Acho que estamos vivendo uma fase áurea, uma fase dourada, das escolas de samba”, argumentou Milton.

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