Um momento de muita religiosidade, alegria, fé e emoção. Após um ano sem carnaval e outro sendo fora de época, ocorreu no último sábado a tradicional lavagem da Marquês de Sapucaí. Sob forte chuva, que foi muito bem-vinda e animou ainda mais os participantes, a Passarela do Samba foi lavada para trazer energias positivas, axé e um ótimo carnaval para todos. O evento encantou os presentes e emocionou quem estava na Avenida.

O cortejo foi aberto após a leitura de um texto de Claudio Vieira, que foi feita pelo locutor Vanderlei Borges, onde pediu a benção de Deus e homenageou Milton Gonçalves, Glória Maria e Manoel Alves. No aquecimento, o poder da religiosidade se destacava entre os amantes do carnaval com cantigas para Orixás Oxóssi e Osun, além de pontos para Exu, que foram cantados pelo mestre Kotoquinho e ecoados por todos na Sapucaí. Em sequência, foi tocado o samba “Tá escrito”. Dando início aos sambas históricos, Dudu Nobre começou cantando o samba-enredo “No mundo da lua”, de 1993 da atual campeã, Acadêmicos do Grande Rio, seguido por “A Grande Constelação das Estrelas Negras”, do carnaval de 1983 da Beija-Flor e “Orgulho de ser Niterói”, do enredo de 2014 da Viradouro.

O presidente da Liesa, Jorge Perlingeiro, discursou agradecendo às escolas, ao poder público e pelo carinho dos presentes, dando início, assim, ao ritual. “Já está tudo preparado e teremos grandes desfiles”, disse Perlingeiro. O diretor de carnaval da Liesa, Elmo José dos Santos, radiante, atravessou a Avenida junto da bateria e, eufórico, falou que esse será o maior carnaval de todos os tempos.

“Uma imensa felicidade. O pai Oxalá mandou água. Papai Exu também mandou água para lavar para que a gente possa fazer o maior carnaval de todos os tempos. E o maior barato: o prefeito foi até o final da Sapucaí com a gente. Que felicidade! A chuva veio para abençoar e lavar tudo que é ruim,” enfatizou Elmo.

Antes da entrada das baianas, o prefeito Eduardo Paes discursou homenageando Laíla, onde falou sobre a importância do carnavalesco e dirigente para o carnaval carioca. “A gente saúda esse cara que transformou o carnaval carioca e deixou a sua marca. Que Deus faça com que a memória de Laíla permaneça entre nós e que ele possa inspirar todos os desfiles das escolas de samba daqui para frente. Laíla vive, Sapucaí!”, disse Eduardo Paes.

A imagem de São Sebastião, que representa Oxóssi nas religiões de matriz africana, abria o desfile, sendo seguida pelos casais de mestres-salas e porta-bandeiras e das baianas, que em nenhum momento deixaram a chuva atrapalhar. Na voz, Dudu Nobre iniciou cantando o hino da cidade do Rio de Janeiro em ritmo de samba e , ao longo da Avenida, cantou diversos sambas históricos das doze escolas do grupo especial. Em entrevista ao site CARNAVALESCO, Dudu lembrou sobre a pluralidade religiosa que é a lavagem da Sapucaí.

“Muita água, meu ‘cumpadi’ (risos). Muita água, mas foi fantástico como sempre. A gente fica muito feliz de poder estar aqui. É uma celebração do samba e religiosa, dentro do samba. É um sincretismo muito maravilhoso e bacana. Para mim, poder participar novamente é uma glória. Estou muito feliz mesmo, de coração. É sempre uma alegria poder reencontrar os amigos e estar aqui, se banhando, para poder chegar no carnaval com a alma lavada. A chuva veio para abençoar”, disse Dudu Nobre.

Com o início, a chuva apertou ainda mais ajudando a lavar, literalmente, a Marquês de Sapucaí. Ao longo de toda a Avenida, o sincretismo entre as religiões resultava em um cortejo de muita emoção contagiante. As baianas Fatima Malaquias – de 64 anos – e Vera Lúcia, duas das fundadoras, falaram sobre a importância da lavagem da Sapucaí, que já se tornou uma tradição que antecede o início do espetáculo carioca.

“Essa lavagem é a abertura do nosso carnaval com as nossas baianas. Eu e a Vera Lúcia (que estava ao lado) somos umas das vinte baianas fundadoras, que todo ano fazem a lavagem e abrem o carnaval. Ela é importante para tirar A chuva ajudou a lavar e veio abrir outras portas, trazendo muito axé para todos nós”, contou dona Fátima.

baianas

“Para mim é muito importante nós estarmos aqui. São 13 anos de lavagem e isso é muito gratificante. De três anos para cá, são muitas águas que vem lavando e tudo vai se transformando”, completou a baiana Vera Lúcia.

Entre os sambistas e grandes personalidades do mundo do samba que estavam presentes, o site CARNAVALESCO conversou com alguns deles para saber o balanço e a importância deste tradicional ritual que marca o início do maior espetáculo popular do mundo.

O mestre Casagrande, que conduziu a bateria ao longo do ritual, falou sobre a expectativa após a lavagem e ressaltou a importância dos outros mestres de bateria que marcaram presença no ritual e agradeceu a todos que, mesmo debaixo de chuva, chegaram juntos neste dia tão especial.

“Literalmente lavagem, lavamos mesmo, graças a Deus. Esperamos que Oxalá nos abençoe. Hoje foi muito bom e legal, a galera compareceu, inclusive os outros mestres de bateria. Gostaria de deixar publicamente esse meu agradecimento a eles, ao pessoal da Liesa – Seu Elmo – a RioTur. Foi legal a rapaziada ter vindo e, mesmo debaixo de chuva, a galera colaborou bastante e com isso mostramos uma união muito grande,” ressaltou o mestre de bateria da Unidos da Tijuca.

Um dos nomes mais conhecidos através do mundo do carnaval, Selminha Sorriso, porta-bandeira da Beija-Flor, comemorou após o cortejo e disse que a chuva ajudou para trazer boas energias no carnaval deste ano.

selminha dudu

“A lavagem foi a que Deus quis. Foi a vontade dos Deuses do samba para que acontecesse dessa forma. Se essa tradição sobre a chuva procede, que ela leve tudo de ruim para bem longe de todos nós. Que essa chuva traga tudo de bom para nós – um carnaval de muita paz, amor, felicidade, alegria… Eu costumo falar que tudo é como tem que ser. A chuva lavou a Marquês de Sapucaí para semana que vem, quando teremos o maior espetáculo a céu aberto começa aqui e em mais alto estilo. Que vença a melhor escola”, disse Selminha.

Se para quem acompanha a lavagem há anos o cortejo foi emocionante, quem dirá para alguém que ama o carnaval mas nunca tinha pisado na Marquês de Sapucaí. Assim foi para Jomar Junior, de 40 anos e morador de Belém do Pará que acompanhava da frisa. Ele contou que sempre acompanhou o espetáculo do carnaval, mas, pela primeira vez, pôde ver de perto.

jomar

“Primeira vez que eu venho no desfile. Uma experiência maravilhosa e fantástica. Aos 40 anos eu realizei meu sonho de pisar na Marquês de Sapucaí, Graças a Deus. Estou muito feliz. Acompanho sempre o carnaval, inclusive no site Carnavalesco, e vou continuar acompanhando o carnaval sempre, mesmo longe. Cheguei com o pé direito. Literalmente na lavagem da Sapucaí. Lavagem maravilhosa com as bençãos de São Sebastião e a Nossa Senhora também. Foi tudo maravilhoso e perfeito. Faça chuva ou faça sol, estamos aqui para prestigiar o nosso carnaval. Não vou conseguir assistir aos desfiles aqui porque não consegui folga no trabalho. Mas ano que vem vou programar as minhas férias para estar aqui tranquilo e com bastante tempo para aproveitar os desfiles”, empolgado, contou Jomar.

Com cinco décadas de carnaval, Loya Santos, de 76 anos, já foi presidente de ala na Beija-Flor de Nilópolis e conhece bem o cortejo. Segundo ele, o mais interessante foi acompanhar a alegria dos componentes e de quem estava nas arquibancadas.

loya

“A lavagem foi linda. Com toda chuva a gente viu a alegria do povo brasileiro. Todo mundo rindo, alegre e sem se incomodar em se molhar. É muito lindo esse glamour do povo carioca que vimos aqui na Marquês de Sapucaí hoje. A chuva veio literalmente para lavar tudo. Acredito que amanhã não vá chover, porque vem a Beija-flor, o meu amor (risos).”

Assim como a lavagem de 2020, a que ocorreu neste sábado foi marcada pelo dilúvio no Sambódromo. Com muito samba no pé, muita disposição e com a benção das santidades, os sambistas evidenciaram a sede que estão para realizar um dos maiores carnavais da história.