O samba paulistano ganhou uma nova casa. No último domingo os moradores da Barra Funda, um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, quando o assunto é carnaval, passaram a conviver com a comunidade da Tom Maior, que agora habita a Rua Luigi Grego, número 196. A Vermelho e Amarelo inaugurou sua quadra em evento aberto ao público, que contou também com o lançamento do samba-enredo para o desfile de 2024.
A quadra, localizada dentro de um antigo galpão às margens das linhas de trem da CPTM, foi condicionado após intenso trabalho que contou com apoio da própria comunidade ao longo de duas semanas, assim que o espaço foi liberado para funcionamento. A nova casa da Tom Maior fica em uma região que não é muito distante da sede de sua madrinha, Camisa Verde e Branco, o que significa que a escola fundada no Sumaré fincará raízes em um lugar já acostumado a respirar o samba e com muitas histórias para contar.
Da Feira Moderna ao novo lar
Uma escola de samba ganhar como presente em seu cinquentenário uma casa para chamar de sua faz o coração de qualquer apaixonado por carnaval bater mais forte. Quem dirá o coração de Airton Edno, o Coronel, membro da velha-guarda que faz parte da Tom Maior desde a sua fundação, em 1973, no bairro do Sumaré?
“Nossa escola realmente sempre sofreu muito por não ter seu lugar próprio. Desde a sua fundação sempre mudando de bairro, de quadras, ruas, ensaiando nas ruas direto. Mas mantendo sempre uma união, e essa união que mantém a escola grande até hoje”, declarou o baluarte.
Coronel relembrou os primeiros anos da Tom Maior ao falar do segredo para manter a comunidade unida por todos esses anos encarando constantes desafios.
“Essa união vem da humildade, que vem desde a fundação da escola em que várias pessoas se uniram dentro do bairro do Sumaré e ensaiavam dentro de uma feira livre, que era a Feira Moderna, lugar coberto que servia como local de ensaios da escola”, recordou.
Mesmo entre aqueles que são relativamente novos na escola, a alegria refletida no olhar foi contagiante. As baianas Isabel Evangelista, de 66 anos, e Teresa Cristina, 55, que há três anos dedicam seu amor à Tom Maior falaram sobre estarem de casa nova.
“Felicidade total de ter um ambiente, uma quadra para chamar de sua, não ter que usar uma quadra emprestada para ensaiar. A expectativa é melhorar ainda mais, mais e mais. Agregará para todos que virão aqui”, afirmou Teresa.
“Me sinto feliz, né? Será tudo de bom! A união, que é muito forte, muito grande entre eles. Agora com essa nova quadra mais ainda. Todo mundo reunido em um só lugar, que é nosso. Graças a Deus, agora vai”, completou Isabel.
Presente de um patrono entregue pelo destino
O presidente e mestre Carlão emocionou o público que compareceu à inauguração da quadra em seu primeiro discurso no palco ao recordar o passado e agradecer o esforço empenhado por todos para realizar o sonho da comunidade da Tom Maior. Questionado sobre o sentimento de ter a nova quadra, ele destacou que o investimento para tal ocorreu de modo a não prejudicar o desenvolvimento dos trabalhos da escola para o Carnaval 2024.
“É a realização de um sonho. É uma comunidade que tem 50 anos e está todo mundo feliz. Esse projeto é independente do carnaval. Você não pode tirar um centavo da verba do carnaval, porque depois não vai ser competitivo. Daí eu e mais dois sócios fizemos e está entregue para a escola”, disse.
Bruno Freitas, que faz parte das direções de carnaval e harmonia da Tom Maior, dedicou um agradecimento especial e contou detalhes sobre o processo que tornou possível para a escola ter a sua quadra em um espaço de tempo menor do que o esperado.
“Isso foi um presente, literalmente, do nosso patrono Alberto, que é um cara sensacional. Era um espaço que ele estava negociando para 2025, e tinha uma perspectiva para o ano que vem. O negócio andou, o imóvel não podia ficar fechado, a gente resolveu… Vamos em duas semanas reformar e deixar no jeito? O que era para ser um ensaio improvisado, tem banheiro com piso, tem luz, está tudo maravilhoso, a sensação de pertencimento desses mutirões, pessoal que se engajou e que veio, é extraordinário”, explicou.
Gerson Silverstone fez uma declaração em tom de desabafo sobre o sentimento da Tom Maior, enfim, ter a sua casa. O diretor de harmonia também explicou o que irá mudar nos trabalhos da escola a partir de agora com a nova quadra.
“É uma emoção muito grande porque é um sonho que a escola tinha há muito tempo. Já estávamos cansados de ser taxados como ciganos, ouvir que não tínhamos comunidade, que era um catado de pessoas que iam desfilar. Hoje, estamos provando que temos comunidade, sim. Inauguramos a nossa quadra e vamos vir muito fortes para esse carnaval. A gente tinha uma comunidade muito grande para conseguir ensaiar. Tínhamos que ensaiar em pontos específicos de São Paulo, íamos até a ala para fazer ensaio de canto. Só tínhamos um domingo para fazer duas horas de ensaio por semana. Isso era muito pouco. Mesmo assim, tivemos grandes resultados. Conseguimos, na pista, fazíamos bons trabalhos e bons desfiles. Com certeza, agora, com a nossa casa, vamos aumentar o número de ensaios e, com isso, vir muitos mais fortes”, declarou.
Formada das famílias que se uniram pelo caminho
Parte da bem-sucedida equipe de harmonia da Tom Maior, Silvia Ribeiro, que há 14 anos faz parte da escola, na inauguração da quadra esteve encarregada de receber o público na porta junto das baianas, que benzeram todos que passavam pelo arco adereçado no estilo do enredo de 2024 da Vermelho e Amarelo. Ela falou sobre a alegria da comunidade realizar o sonho de ter a sua casa.
“É um sentimento de alegria, de felicidade. A Tom Maior é uma escola de família, onde podermos trazer nossos filhos, netos, os amigos, mas não tínhamos o nosso chão, o nosso espaço. Graças a Deus, hoje estamos vendo esse sonho se realizar. É um sonho que a gente idealizou por muito tempo, e hoje está sendo enfim concretizado”, declarou.
Silvia exaltou uma característica especial da Tom Maior ao longo da sua história. A atual comunidade da escola é oriunda do vínculo formado em meio aos tantos endereços aos quais a agremiação se fez presente.
“A Tom Maior, embora não tivéssemos uma quadra, tem uma comunidade que não é mais só do Sumaré, onde ela foi fundada. Por todos os lugares onde ela passou, as pessoas vieram, abraçaram a ideia, e mantivemos esse pessoal com muita união e respeito. Onde você colocar o pé em uma quadra, onde quer que a gente esteja, é uma comunidade. Foi à base de muito respeito, muita humildade, e essa união que permitiu o pessoal continuar. Hoje está aí, a alegria de todo mundo, maravilhados porque hoje a gente tem um chão”.
A diretora está otimista em relação ao futuro da escola, e projeta o estabelecimento da Tom Maior entre as grandes do carnaval de São Paulo.
“Acho que a Tom Maior é uma escola que vem batendo na trave já há alguns anos. Nosso enredo esse ano é um enredo belíssimo, maravilhoso e o nosso samba é muito bom. Nossas fantasias já estão sendo confeccionadas. Estamos vindo numa crescente e o que a gente espera esse ano é levantar o caneco. Deixar a Tom Maior em um patamar onde ela tem que ficar, porque ela é uma escola de Grupo Especial e que veio para ficar. Nosso trabalho, trabalho é esse. Nós não somos melhores e nem piores do que ninguém. Nós somos uma escola diferente porque temos união e respeito ao nosso povo, a nossa comunidade”, concluiu Silvia.
Túlio Roberto Dias manifestou orgulho da tragetória da escola ao longo de 27 anos seguindo, vivendo e amando a Tom Maior. Era morador do Sumaré em 1996, onde conheceu o eterno presidente Marko Antônio da Silva, hoje homenageado com seu nome sendo dado à nova quadra da agremiação.
“Sentimento é igual ao das pessoas que batalham por um teto, por um respeito social. Aquela coisa de poder chegar em casa e falar “é minha”. E hoje eu acho que o sentimento do Vermelho e Amarelo, do Tom Maior de coração é esse: Temos uma casa”, disse.
Para Túlio, a vibração proporcionada pela escola é o que fez a diferença ao longo de tantos anos, e acredita que a família Tom Maior, agora com a nova quadra, passará a contribuir não apenas para a própria comunidade que já a acompanha, como também poderá agregar para a sociedade como um todo na forma de projetos sociais.
“Acho que é a vibe, porque a vibe não escolhe endereço. Ela pode ser na Zona Sul, na Zona Leste, e obviamente temos muita dificuldade em criar uma identidade. Mas eu acho que é que nem está acontecendo hoje. Pessoas que às vezes nem sabem muito da história da Tom Maior, mas é uma vibe que é para frente. Agora eu acho que é, como qualquer família, como a que temos em casa ou em uma empresa. Quando você adquire um solo, você consegue fazer projetos sociais e outras vertentes além de um carnaval. Acho que a escola de samba tem um projeto que é socialmente falando, que é incluir a sociedade em cima. Hoje podemos falar: Vem, vem para esse endereço, que você poderá vir para uma casa cujo endereço é da Tom Maior”, finalizou.
Fim de um estigma e o começo de uma ambição
Se empolgação é o que não falta para o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Tom Maior, formado por Ruhanan Pontes e Ana Paula, em um dia tão especial não poderia ser diferente. A dupla participou ativamente dos preparativos para a inauguração da quadra, e falou sobre os sentimentos envolvidos.
“É gostoso, depois de passar por tantos lugares, ter um espaço fixo até que enfim. Deixar de ser cigano. Acho que ter um espaço fixo assim é poder nos unirmos mais. A escola poderá se juntar mais. Quando uma escola não tem um espaço físico próprio dela, fica tudo mais disperso. Apesar da escola já ser uma família muito unida, acho que agora a gente vai conseguir se aconchegar melhores, concentrar a nossa energia em um lugar. Nosso chão estará aqui, nossa energia estará aqui. A Tom Maior é isso aqui, tudo ficará guardado aqui”, citou Ruhanan.
“É participar da conquista. É um sentimento de felicidade, de ver a comunidade toda trabalhando junta naqueles mutirões. A gente percebe que está todo mundo na mesma vibe. É incrível”, definiu Ana Paula.
Entre os desafios que agora fazem parte do passado, o casal citou a questão da reunião para os ensaios, mas também exaltou a capacidade da escola de agregar novas pessoas para a comunidade ao longo do caminho.
“Acho que era mais pela concentração das pessoas. Buscar todas as alas para um espaço aberto era um pouco mais difícil. O custo para montar um ensaio na rua acho que era um pouco mais caro, com um custo fixo toda semana com ônibus, som, carros. Acho que essa era a maior dificuldade da escola”, comentou Ana Paula.
“Uma coisa que o Carlão falou. A Tom Maior nasceu no Sumaré, mas ela é de São Paulo, do Brasil. Passamos por vários lugares, mas conseguimos conquistar corações e pessoas em vários lugares diferentes, e agora essas pessoas passarão a se concentrar aqui. Acho que foi bom passar por esses diferentes lugares, porque conquistamos muita gente e agora trará aqui para a Barra Funda essa gente toda”, disse o mestre-sala.
A prioridade para o futuro da Tom Maior com a nova casa, na visão de Ruhanan, é dar à escola aquilo que, na sua opinião, há tantos anos vem merecendo. Descontraído, o dançarino falou com empolgação sobre o que deseja para a comunidade.
“Ser campeão do carnaval, oras. Como assim? Ano passado ainda está engasgado aqui! Ser campeão do carnaval, é isso que eu quero. Precisamos por estrelas nesse pavilhão. Está faltando uma estrela ali. Uma não, várias, mas a primeira, se Deus quiser, vem agora. Com respeito a todas as coirmãs, mas está na hora de colocar uma estrelinha no pavilhão da Tom Maior. Eu gosto muito de enaltecer o trabalho do Carlão aqui na diretoria da Tom Maior. Eu acho que é um trabalho diferenciado. Eles sabem lidar com as pessoas, conversar com as pessoas, tratam bem com as pessoas, estão sempre preocupados em como falar, chegar nas pessoas. Acho que isso é muito interessante, e quando isso se faz com carinho, com amor, o resultado tem que vir. Uma hora vem”, concluiu o mestre-sala.
Responsável por uma linha de enredos variada e rica nos detalhes, o carnavalesco Flávio Campello manifestou orgulho de fazer parte de um momento tão marcante para a história da Tom Maior, relembrando relatos do passado e exaltando a importância da atual gestão para acabar com os estigmas que marcavam a escola.
“Olha cara, a gente fazer parte de um momento tão especial de uma escola de samba, como é o caso de conquistar uma quadra. Ainda mais a Tom Maior, que desde que cheguei no carnaval de São Paulo, a quinze anos atrás, só se dizia que a Tom Maior é uma escola que não tinha um solo, terreiro, estava sempre ensaiando em vários lugares. E essa gestão do Carlão ter dado esse grande passo, no primeiro ano de mandato oficial dele, como presidente, que é passar para a escola de samba, uma quadra de papel passado. Onde a escola vai ter realmente, pela primeira vez, nesses 50 anos, um chão que ninguém vai tirar a escola, onde vai permanecer, fincar raízes, isso é muito especial”, declarou.
Para o coreógrafo da comissão de frente, André Almeida, a Tom Maior agora possui meios para criar o que é necessário para tornar a escola ainda mais grandiosa.
“A Tom Maior está vindo nesta luta a muito tempo, eu vi um post do nosso presidente no Instagram que falava ‘a Tom Maior já teve 12 endereços diferentes em um curtíssimo espaço de tempo’, hoje a gente ter o nosso espaço, nossa quadra. É muito importante para nós criarmos, de novo, assim, a nossa identidade, a identidade da escola, criar raiz, e ter um espaço para ensaiarmos, nosso. É totalmente diferente. Pois a gente pode ter uma agenda de ensaio, são vários departamentos que precisam de espaço para ensaiar. Então acho importante ter o nosso espaço, casinha, e hoje a inauguração da nossa quadra, esse espaço novo, recebendo tanta gente do carnaval de São Paulo, vindo prestigiar nossa festa, nossa casa, é muito importante. Isso tudo que está aqui, foi feito com muito carinho por todos os componentes. Eu mesmo vim aqui ajudar a pintar a quadra, a comissão de frente também participou, pois acho importante participarmos deste momento. Pois é um momento histórico para a Tom Maior. E estamos começando projeto novo, casa nova, faz toda uma diferença ter nossa quadra”, disse.
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