Se havia alguma dúvida que a comunidade salgueirense tinha comprado a briga de fazer o samba da Academia 2023 funcionar na Sapucaí, os questionamentos foram por terra no ensaio técnico. Como o que já se tinha visto nos ensaios nas ruas Maxwell e Conde de Bonfim, a escola cantou no treino oficial em alto e bom som a obra escolhida para este carnaval. Em um ensaio que o canto da comunidade foi sem dúvida o maior destaque, a comissão de frente de Patrick Carvalho foi também protagonista. Com muito respeito ao público sambista que lotou a Sapucaí para o ensaio, o Salgueiro apresentou uma comissão que interagia com o público, divertida, devidamente fantasiada e maquiada e com um clímax. Casal e bateria também fizeram grandes apresentações e a Vermelha e branca não teve problemas de evolução no desfile de preparação que teve duração de 1h08. Em 2023, o Salgueiro será a quinta escola a desfilar na primeira noite do Grupo Especial com o enredo “Delírios de um Paraíso Vermelho”, que está sendo desenvolvido pelo carnavalesco Edson Pereira. * VEJA AQUI FOTOS DO ENSAIO

“Acho que a execução aqui no final da escola foi muito boa. A escola balançando, todo mundo feliz. O propósito foi atingido. Tenho reunião com a diretoria essa semana para ver os pontos do ensaio técnico. Agora é entregar na mão de Deus. A escola cantar, cantar, cantar. Criticaram muito a gente, agora tiveram que engolir. Chegar no dia 19 e fazermos o nosso papel”, afirmou Julinho Fonseca, diretor de carnaval.

Harmonia

Mordida pelas críticas que o samba e a escola em geral receberam no pré-carnaval, a comunidade salgueirense cantou muito, de forma intensa, em alguns momentos até com um pouco de raiva, sobretudo no refrão principal que era mais voltado para o orgulho da escola. E houve também uma química com o público. Muitos salgueirenses nas frisas e até torcedores de outras escolas estavam cantando a obra na Marquês de Sapucaí. Até os segmentos como comissão, bateria e baianas se fizeram presente neste canto. Alas coreografadas como a que vinha logo atrás da baianas que tinham componentes de anjinhos e diabinhos também foram destaque.

Difícil achar alguém da escola que não estivesse cantando o samba. Entre as alas que se destacaram, logo no começo do Salgueiro, a que vinha logo após o Abre-alas, com os componentes com balões na mão e a logo depois com pompons nas mãos. Mais para o final, destacam-se uma ala que trazia leques e uma outra com pipas. Sem ter Quinho cantando ao seu lado no carro de som do Salgueiro neste carnaval, Emerson Dias se guardou bem com sua experiente equipe de vozes e pode “brincar” bastante com o samba da Academia.

Deixando terças e vocalizações mais para a ala feminina, Emerson apostou na correta condução do samba, aproveitando para inflamar os componentes sempre que podia, sem atrapalhar o desenvolvimento da música na Avenida e sem fugir tanto da letra. De longe se ouvia os gritos de “Vai Salgueiro”, “Canta Academia” e “é pra cantar com raiva” que ajudaram na empolgação do salgueirense.

“Na minha opinião, em questão de energia e entrega da comunidade, o funcionamento do samba foi muito bem. O povo cantou e pulou carnaval. Achei um dos pontos mais positivos do ensaio técnico. A harmonia foi muito boa hoje. Não existe canto sem ritmo, da mesma forma que não existe ritmo sem canto. A gente procura sempre estar junto, conversar e pensar na estratégia ideal. Sempre fizemos isso, e nos damos muito bem”, disse Emerson Dias, elogiando o entrosamento com a bateria.

Samba-Enredo

A obra de Moisés Santiago e companhia teve um desempenho muito satisfatório na Sapucaí. O andamento, introduzido pelos ritmistas da Furiosa, comandados pelos mestres Guilherme e Gustavo, fez com que a obra fosse bem cantada pelos foliões e tivesse seus momentos de explosão. Os dois refrões pegam bastante e tem um sentido de condução mais para frente, de ataque, que eram cantados pelos componentes de uma forma intensa e precisa. Tanto o “Vermelha paixão salgueirense”, quanto “No meu sonho de Rei” explodiram na Avenida.

Outros trechos que eram cantados com maior intensidade eram “Basta de violência e opressão”, e “Quem será pecador…”. A simplicidade da letra e sua melodia que lembra um pouco algumas obras passadas do Salgueiro facilitaram e muito a assimilação pelos foliões que demonstraram a mesma familiaridade com o samba nos ensaios de rua. Emerson Dias e o carro de som da Academia também valorizaram a obra sem fazer grandes intervenções em termo de terças, vocalizações, ou cacos, fazendo com que a melodia se sobressaísse.

Comissão de Frente

Renovado para este carnaval, referência do quesito nos últimos anos, Patrick Carvalho levou para Sapucaí uma comissão digna de elogios por fugir do óbvio e tentar entregar algo a mais para um ensaio técnico. Estava bem ensaiada, devidamente fantasiada e maquiada, foi divertida e mexeu com o público. As fantasias davam um tom ao mesmo bucólico e fantasmagórico. Os bailarinos vestiam roupas de época, porém maquiados dos pés a cabeça nos tons em preto e branco. Um único personagem conservava o colorido e justamente apresentava a figura de um soberano, um rei, que parecia ser assombrado pelas outras figuras.

Uma estrutura de metal com uma escada enorme e uma pequena sacada servia tanto para o rei subir quanto para o restante dos personagens realizarem uma performance na escada que dava um efeito muito interessante pelo preto e branco que se misturava nos movimentos dos dançarinos. No final o rei subia no ponto mais alto e interagia com o símbolo da agremiação na sacada. O único ponto a reparar foi a coroa do personagem principal e um chapéu de outro componente que caíram durante a apresentação no primeiro módulo de julgamento. Mas nada que tenha estragado uma grande performance com mostrou grande dedicação e carinho com o público do ensaio técnico.

Mestre-sala e Porta-bandeira

Desde 2014 juntos no Salgueiro, de Sidclei Santos e Marcella Alves não é preciso falar sobre o entrosamento que já é notável há alguns anos. O que se viu na pista foi mais uma vez uma dupla em plena sincronia, com um ótimo entendimento de movimentos e efetividade de sempre. Muito elegante, o mestre-sala vestia um terno preto com o paletó com estampa de flores vermelhas e carregava um leque que lhe dava maior aprumo e configurava ainda beleza aos movimentos. Sidclei parecia deslizar pela Avenida, tamanha a plenitude de seus passos, que eram intensos, riscava o chão a toda velocidade, mas ao mesmo tempo com singeleza, delicadeza, precisão. Mas sem perder a força e com o sorriso que lhe é característico.

Já Marcella vestia o já tradicional, mas não menos elegante, vestido vermelho com uma saia que produzia um bonito efeito quando a porta-bandeira realizava seus giros e rodopios. Um dos grandes momentos da dança acontecia quando Marcella acariciava o rosto do mestre-sala configurando toda a sensualidade e leveza que a dança do casal também deve sempre ter. No geral foi uma coreografia mais tradicional, baseada na sincronia da dupla, sem pontuar tanto os trechos do samba.

“A gente vem com a mais pura verdade exatamente para testar deslocamento, desenho coreográfico, condicionamento físico. Já tentamos colocar um pouco da velocidade que vamos usar com a fantasia. Não adianta dançarmos numa velocidade aqui, e no desfile oficial desencaixar esse tempo. Então, fazemos todo o treinamento de encaixe para simular. A gente só não vem de fantasia porque os tempos são outros, as coisas estão difíceis e a escola precisa aproveitar o material. O balanço de hoje foi muito positivo, graças a Deus”, comemorou a porta-bandeira.

“A torcida do Salgueiro está presente em todos os momentos, nas redes sociais, nos ensaios do morro. A gente carrega essa grande energia. A nação salgueirense está conosco, como você pode ver hoje, a Marquês de Sapucaí de vermelho e branco. Eu e Marcella estamos completando dez anos de parceria, somos privilegiados por estarmos defendendo a escola dos nossos corações. É uma emoção imensa dividir isso com as pessoas, e buscamos sempre representá-las na nossa dança”, garantiu o mestre-sala.

Evolução

O Salgueiro passou na Sapucaí com boa fluência, bom ritmo, em uma evolução bastante de acordo com o andamento do samba, sem correrias, mas não deixando de mostrar força e garra por parte dos componentes, e não deixando a escola parada por muito tempo. Não se observou buracos ou grandes espaçamentos na evolução da comissão em relação ao casal e às baianas que viam logo em seguida. A saída da “Furiosa” do primeiro recuo e a entrada e saída do segundo também aconteceram de forma satisfatória.

Após as baianas, a segunda ala da escola era coreografada com anjos e diabinhos, que se misturavam entre si e interagiam com um enorme elemento alegórico que representava uma maçã. Ao longo do desfile, entretanto, a aposta da agremiação pareceu ser na espontaneidade com os componentes em geral brincando carnaval, sem coreografias muito elaboradas. Mas, alguns trechos do samba eram pontuados com alguns pequenos gestos corporais ou com as mãos pelos desfilantes como no “Basta de preconceito”, e “Tá no sangue da gente”.

Outros destaques

A “Furiosa” comandada pelos mestres Guilherme e Gustavo foi muito ovacionada pelo público em cada setor que passava e principalmente quando apresentava as bossas, sempre gerando frisson nas retomadas. A rainha Viviane Araújo, um grande ícone do carnaval carioca, esbanjou simpatia e o samba no pé de sempre fantasiada na figura de Eva com uma maçã e uma serpente na cabeça.

“Tivemos um ensaio no setor 11 essa semana e foi muito positivo. Hoje nos deixou a sensação do que veremos no desfile. Conseguimos ter uma melhor percepção do andamento, afinação, pegada e levada de tarol e caixa. Assim, o balanço de hoje é muito positivo e agora é esperar o desfile, porque a bateria está pronta. O que temos é manter a batucada para o dia do desfile. A rapaziada trouxe hoje uma batucada muito gostosa, uma batucada com malandragem, sabe? Essa batucada contagia a avenida”, apontou mestre Gustavo.

“A gente sabe que o dia do desfile é mais tenso, mas hoje conseguimos brincar bastante. Isso é muito legal. Inclusive, a gente fala com os ritmistas que o ensaio é para curtir mesmo, se divertir, porque na hora da avenida é importante estarmos leves e sabendo tudo o que precisamos fazer. O que estamos buscando fazer é só manter viva uma característica marcante, mas sem deixar de lado a marca do Guilherme e Gustavo. Levamos de positivo a energia da bateria. Hoje a bateria passou com swing, batucada solta. É uma galera que passa muito perrengue. Muita gente mora longe, tem quem more até em outra cidade, ter a energia e a vibração lá em cima é fundamental para manter a batucada de malandro que a gente quer ouvir”, completou mestre Guilherme.

Logo antes dos ritmistas, os passistas vieram com uma vestimenta fazendo referência a Adão e Eva. O coreógrafo Carlinho veio como uma fantasia similar, porém no início da escola, próximo ao elemento que representava uma maçã.

Antes do esquenta, o intérprete Quinho deu o grito de guerra da Academia levantando o público e sendo muito aplaudido, houve quem chorasse, pois por problemas de saúde, o artista esse ano não pode estar junto na preparação e não dividirá o microfone com Emerson Dias no desfile oficial. O cantor Xande de Pilares veio a frente da escola assim como o mascote “Sabiá ” que interagiu bastante com o público.

Na parte final do desfile uma ala tinha os componentes com roupas que imitavam as vestes das baianas, porém feitas de material reciclável em uma tonalidade mais escura. A busca por um carnaval sustentável tem sido uma das ideias levantadas e reforçadas pelo carnavalesco Edson Pereira, que também participou do ensaio próximo ao presidente André Vaz.

Colaboraram Allan Duffes, Luisa Alves, Isabelly Luz e Walter Farias