A Barroca Zona Sul foi a terceira escola a se apresentar na noite desta sexta-feira, dia 17 de fevereiro, pelo Grupo Especial do Carnaval 2023. Com destaque para a criativa comissão de frente e a harmonia surpreendente em meio à chuva torrencial que caiu ao longo do desfile, a Faculdade do Samba encerrou sua apresentação em uma hora e três minutos. A Verde e Rosa desfilou este ano com o enredo “Guaicurus”. * VEJA AQUI FOTOS DO DESFILE

Comissão de Frente

A comissão de frente da Barroca retratou a chegada do antropólogo Darcy Ribeiro, nos Anos 1940, na tribo Kadiwéu, um dos povos remanescentes dos antigos Guaicurus. Foi através deles que Darcy aprendeu sobre a lenda que conta a origem dos povos indígenas, criados por Gô-Noêno-Hôdi. Os Guaicurus eram renegados pelos outros povos, e vendo essa situação o pássaro lendário Carcará os abraça sob sua proteção, mas também persuade os Guaicurus a demonstrarem sua superioridade através da força, como o “Grito que amedronta a floresta”.

Uma coreografia de fácil entendimento, que ilustrou de maneira quase cartunesca a forma como os Kadiwéu receberam Darcy Ribeiro. A interpretação foi de alto nível, com os personagens se encaixando ao longo das três passagens do samba de maneira didática e agradável. Uma excelente forma de se iniciar um desfile, e como a chuva só começou enquanto o grupo cênico passava pelo quarto módulo, dificilmente o clima será responsável por perda de pontos, o que pode ser de grande valia no conjunto final

Mestre-Sala e Porta-Bandeira

Marcos Costa e Monalisa Bueno desfilaram com fantasias representando “A Maldade do Carcará”. O casal teve desempenho límpido ao longo dos primeiros módulos, com sincronia polida e encaixe de mãos preciso e veloz nos momentos em que fizeram. Mesmo já chegando no quarto módulo, quando a chuva se tornou muito agressiva, a dupla passou a adotar uma estratégia de dança técnica e mesmo assim não falhou, com minueto bem aplicado e giros terminados com precisão. Ótima atuação geral do primeiro casal da Faculdade do Samba.

Harmonia

O que poderia ser considerado um quesito preocupante para a Barroca se tornou importante trunfo conforme a chuva foi caindo. Com o público animado e disposto a continuar no lugar, os componentes da escola elevaram o nível de canto, que já estava bom no início do desfile. O canto apresentou desempenho positivo o bastante para encorajar a bateria a fazer um apagão já para a metade final do desfile, com resposta muito bem encaixada por todo o coral. É de se parabenizar ver como a comunidade da Zona Sul se manteve firme até o fim da apresentação.

Enredo

Assinado pelo carnavalesco Rodrigo Meiners, o enredo da Barroca conta a história dos índios Guaicurus desde as lendas sobre suas origens, contadas por Pajés ao longo da história, passando pela época da colonização da América do Sul até os últimos registros conhecidos desse povo que foi traído pela Coroa Portuguesa após a Guerra do Paraguai, onde tiveram papel fundamental na vitória do Brasil.

A leitura do enredo ao longo do desfile não foi comprometida pela chuva, mesmo nas alas que tiveram plumas prejudicadas. As alegorias formaram um bom conjunto com os demais segmentos e permitiram a construção de uma narrativa fácil e didática. É mais um quesito forte a favor da Faculdade do Samba.

Evolução

A chuva atrapalhou o bom andamento inicial do desfile da Barroca. Os diretores de ala e alegoria tiveram dificuldades em manter seus componentes em um andamento constante, o que causou algumas aberturas de espaço contundentes na metade final do desfile. Apostando em uma estratégia pouco usual nos dias de hoje, a bateria “Tudo Nosso” veio posicionada após o segundo carro da escola, o que forçou o primeiro casal a ficar um tempo considerável diante de um dos módulos de julgamento, expondo-os a um tempo maior de análise do jurado que o habitual. O desfile terminou com 1 hora e 3 minutos, sem a escola precisar acelerar o andamento para fechar dentro do tempo limite.

Samba-Enredo

A Barroca Zona Sul conseguiu mais um samba para a sequência de grandes obras lançadas pela escola nos últimos anos. Com um estilo forte, de canto valente e elevado, ganhou ainda mais valor na voz do intérprete Pixulé, que se dá muito bem com esse tipo de samba. A letra é assinada pelos seguintes compositores: Thiago Meiners, Claudio Mattos, Sukata, Morganti, Tubino, André Mattos, Thiago Savanna, Wilson Mineiro, Julio Alves, Rodrigo Alves, Silvio Ribeirinho, Fernando Negão e Pixulé.

O samba funcionou muito bem ao longo de toda a apresentação. Com algumas vozes fazendo cacos ao fundo lembrando marcha de guerra, e somando a isso a própria chuva torrencial, causou uma ambientação bélica digna da ludicidade do Carnaval.

Fantasias

As fantasias apresentadas pela escola através das alas representaram personagens e registros da história dos Guaicurus, passando pela guerra contra os europeus e guaranis até os capítulos que narram a Guerra do Paraguai.

Alas que contavam com plumas naturais, como as de número 5, 7 e 13, foram bastante comprometidas pela chuva, ao contrário das fantasias que apostaram em penas artificiais, que se mantiveram intactas. De geral, apesar da simplicidade, as fantasias eram de fácil leitura e permitiram aos componentes brincarem o Carnaval sem percalços. Destaque para as fantasias que antecederam a alegoria da Guerra do Paraguai, que estavam impecáveis.

Alegorias

As alegorias da Barroca ilustraram diferentes cenários da época da colonização. Uma jornada iniciada pelo Abre-alas, representando as expedições em busca do suposto Eldorado, passando pelo luxo do Forte Coimbra que foi tomado pelos paraguaios e culminou na famosa Guerra do Paraguai, chegando à guerra propriamente dita e encerrando com um clamor pela preservação do Pantanal.

Conforme passaram pela Avenida, as alegorias ganharam em grandeza. Retrataram o enredo de forma adequada, e graças à inusitada ambientação se tornaram ainda mais atrativas aos olhares do público, que vibrou ao longo da passagem delas. O quesito que deu 40 pontos em 2022 pode render novamente um resultado positivo para a Faculdade do Samba.

Outros destaques

A chuva que caiu ao longo do desfile foi tão forte que em muitos momentos comprometeu a própria visibilidade do desfile em sim. Ventos fortes empurrando as águas, com poças se formando nas laterais da pista desafiavam os olhares menos atentos. Os pés dos ritmistas da bateria “Tudo Nosso” nos fundos do recuo chegaram a ficar submersos, numa cena vista por poucos, mas certamente surreal.

O grande destaque do desfile foi a bravura da comunidade da Barroca Zona Sul, que fez o seu melhor e encarnou o espírito dos guerreiros Guaicurus conforme a situação se tornava mais agravante. Não é fácil desfilar sob tanta chuva, mas o desempenho da Faculdade do Samba nessas condições merece ser reconhecido como um feito comovente do espetáculo do Carnaval de 2023.