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Artistas participam de debate que trata o Carnaval de 2018 como foco de mudança na narrativa dos enredos

Seminário na Uerj teve as presenças dos carnavalescos Leandro Vieira, Leonardo Bora e Jack Vasconcelos

O Instituto de Artes da Uerj, em parceria com a Revista Caju, deu início esta semana ao seminário “Escritas do Carnaval” que neste primeiro encontro já contou com um time de peso da folia. Participaram da mesa os carnavalescos Leandro Vieira, da Imperatriz Leopoldinense, Leonardo Bora da Grande Rio, e Jack Vasconcelos, do Paraíso do Tuiuti. Também convidado, Gabriel Haddad, da Grande Rio, não pôde participar por conta de compromissos em São Paulo. O seminário faz parte de um processo de formação de estudantes do Instituto de Artes da UERJ que vai desaguar na cobertura crítica e ensaística do Carnaval 2024 na Revista Caju.

Fotos: Lucas Santos/CARNAVALESCO

A ideia para este primeiro evento foi discutir o ano de 2018, importantíssimo na história recente do país e também na dos enredos para desfiles de escolas de samba. Uma das organizadoras do evento, Daniela Name, ligada ao Instituto de Artes da Uerj, explica o motivo da escolha destes profissionais do carnaval para este primeiro encontro.

“Essa mesa de três carnavalescos, que tem uma formação acadêmica, é apenas uma faceta do carnaval que nós vamos abordar aqui. Se torna representativa pelo corte que nós demos, que é 2018. É um corte específico, que é o carnaval de 2018 , em que nós consideramos que há uma guinada narrativa, uma transformação paulatina, ao longo de três anos, principalmente no quesito enredo, ele vai de 2018 a 2020, e acreditamos que não existiriam outras equipes, estou aqui para argumentar, que pudessem representar melhor no meu entender essa guinda, além dessas três representadas por estes artistas e seus colaboradores. E 2018 é um ano em que a história da arte se encontra com a história do Brasil de forma muito aguda. Temos o assassinato da Mariele, um disco importante da Elza Soares, proibição da exposição Queermuseu pelo então prefeito Marcelo Crivella e um extensa campanha de fakenews por parlamentares”, entende Daniela.

Aos alunos do curso de História da Arte da Uerj, os carnavalescos relembraram um pouco de como foi a produção artística e de pesquisa daqueles desfiles, se atentando também ao contexto histórico e político que vivia o Rio de Janeiro e o Brasil, como um todo naquele período. Vice-campeão pelo Paraíso do Tuiuti, em um desfile histórico e para muitos, campeão daquele ano, Jack Vasconcelos foi o primeiro a dividir suas lembranças.

“Aquele enredo partiu de um ponto muito simples que foi o pedido do presidente (Renato Thor) de falar alguma coisa sobre o aniversário da Lei Áurea. Nem muito profundo. Ele me perguntou se dava alguma coisa. A gente estava saindo de um enredo que abordava a Tropicália e já tinha um gancho para a sátira. Quando comecei a pesquisar esse assunto da Lei Áurea, me veio muitos outros assuntos atrelados, vieram muitas outras questões que eu achei importante debater. Inicialmente o enredo nasceu para abordar as questões trabalhistas. Isso foi puxando vários outros assuntos como construção de preconceito, construção de uma série de relações, tensões políticas vieram à tona, questões econômicas, virou uma coisa enorme. E no enredo você sente que há uma crescente de assunto no enredo. No final, a gente traz para as pessoas um retrato daquilo que estava rolando naquele momento no Brasil”, analisa o artista.

Jack relembra que inicialmente teve dificuldade ao fazer o recorte do enredo, mas que com o passar do tempo o tema começou a cada vez mais entrar nas questões do próprio dia a dia de trabalho até mesmo do carnaval.

“Era muito difícil a gente fazer de uma forma recortada, por isso também acho que a gente teve que ir tão longe na história. Era uma relação diretamente ligada ao poder. O enredo tinha que deixar claro que isso não era apenas história do passado, ainda está rolando. E a gente de uma certa maneira também era usado nesta máquina para alimentar este monstro. Eu lembro que a porta-bandeira, por exemplo, era uma roupa que representava uma costureira escravizada com um monte de roupa na saia e o mestre-sala era como se fosse um figurão de uma grande marca. Eu acho que muito do sucesso do desfile foi porque a gente acabou alcançando o que a gente queria, se comunicar com o grande público. Contar histórias é o que eu mais gosto do enredo. Se eu não tiver uma história boa para contar eu me sinto mal. Eu gosto de me comunicar”, revela Jack.

Um dos maiores sucessos daquele desfile do Paraíso do Tuiuti e que chamou mais a atenção do público foi o carro que trazia uma caricatura do presidente na época Michel Temer, através de um destaque vestido de vampiro, apresentando a relação de poder e trabalho e como os políticos. A fantasia “manifestoche” também trazia uma crítica a como o povo muitas vezes era usado pelos políticos.

“O ‘manifestoche’ foi aquela coisa que quando eu desenhei eu pensei que aquilo poderia dar “galho”. Mas vou botar e ver se alguém vai falar alguma coisa. Na escola ninguém falou nada e a gente foi botando. Eu lembro que a gente fez o protótipo e muita gente não entendia direito do que se tratava, quem entendia tinha aquele olhar sacana de ‘você tem certeza que vão fazer isso?’. A gente teve uma visita de um ministro, porque vazou em uma coluna que a gente ia ter uma caricatura ridicularizando o Michel Temer, e não era verdade, não era uma escultura. E nessa visita, o diretor da época, o Thiago Monteiro, mostrou que não havia escultura, era um destaque só que ninguém falou nada. Eles estavam procurando uma escultura. Dissemos: escultura não tem, e ponto (risos). A figura satírica do então presidente era uma coisa alegórica de carnaval, era uma piada, e a gente sabe que hoje em dia a questão da piada está muito estranha. A gente fez uma sátira de carnaval pela questão dos políticos que há uma confusão muito grande entre gerir o nosso dinheiro e eles serem dono dele”, explica Jack.

Mangueira 2018 trouxe forte crítica política e preparou o caminho para 2019

O segundo a falar aos alunos do Instituto de Artes da Uerj foi Leandro Vieira que apresentou suas memórias sobre o carnaval de 2018, na época pela Mangueira, e inicialmente procurou desfazer a premissa de que o carnaval daquele ano seria apenas uma crítica ao corte de verbas das escolas de samba operado pelo na época prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella.

“Muita gente reduz o carnaval de 2018 como o desfile em que a Mangueira e o Leandro fizeram uma provocação ao Crivella porque ele cortou a verba do desfile das escolas de samba. Quando que na verdade o contexto tem um pouco disso, mas tem outros gatilhos. O Crivella já dava sinais anteriormente que compreenderia mal a questão do carnaval. Em 2017 ele já não vai na entrega da chave da cidade, interrompendo uma tradição histórica. Alguns meses depois anunciou um corte e uma campanha, uma chantagem, tipo ‘prefere dar dinheiro para o carnaval do que para cheche?’. Politicamente já era o avanço de um discurso que nos anos seguintes já seria aprofundado, esse pensamento muito raso, de espalhar a incompreensão. Mas, o estopim para eu pensar esse carnaval foi o fato da Liesa na época ter se posicionado no sentido de que se não vai ter o dinheiro, também não vai ter o carnaval. Tem essa atitude de barganha. Por isso o enredo é batizado com um trecho de uma marchinha famosa ‘Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco’. Era uma resposta ao prefeito, mas também à liga que organiza o desfile. Como eu tenho uma ligação forte com o carnaval de rua, sempre compreendi mal essa postura de quem pensa às vezes que a escola de samba fala em nome do carnaval da cidade. Parece que a Liga fala em nome de todo mundo”, explica Leandro Vieira.

O atual carnavalesco da Imperatriz Leopoldinense, campeão do carnaval de 2023, explicou que sua fascinação pelo carnaval de rua pode ser colocada em sua obra e que aquele desfile estava em grande sinergia com os anseios da cidade e o discurso bastante afinado com as outras manifestações da folia carioca.

“Uma coisa que é muito recorrente do meu universo de trabalho é essa questão do carnaval de rua, é frequente. Eu tenho uma ligação inicial muito mais forte com o carnaval de rua do que com o carnaval das escolas de samba. Eu pensei então em organizar um desfile em que a valorização da tradição carnavalesca da cidade, o modo de brincar não seja inicialmente impactado pelo corte de verbas. E pra mim a concepção deste carnaval foi muito feliz porque naturalmente mergulhei no universo que mais gosto. Foi esse diálogo com os blocos da cidade. E achei também legal que a organização do meu discurso foi muito afinada com o discurso dos blocos de rua da cidade. A crítica ao Crivella não foi uma coisa exclusiva do meu discurso com a Mangueira. A máscara do Crivella foi a mais vendida, os blocos fizeram músicas em sátira e deboche ao Crivella. E no meu desfile pensei em não fazer escultura nenhuma, mas na malhação de Judas por saber o quanto aquilo incomodava. Foi algo de muito feliz para aquele ano, principalmente por olhar para o carnaval daquele ano e ver a rua fazendo o mesmo”, acredita o carnavalesco.

Bora e Haddad conseguem colocar em prática enredo guardado por anos

Em um ano que é tratado como guinada histórica de enredos pela organização do Seminário, outro desfile que ganhou bastante destaque não veio do Grupo Especial. Ainda poucos conhecidos de quem vivia apenas o carnaval da Sapucaí, mas bastante já observados dentro do universo da Intendente Magalhães, Leonardo Bora e Gabriel Haddad faziam sua estréia no Sambódromo, produzindo o carnaval da Cubango, com o enredo “O rei que bordou o Mundo”, na antiga Série A, hoje Série Ouro. Leonardo Bora conta que o enredo que trouxe o artista Arthur Bispo do Rosário para a Sapucaí, já era pensado desde anos atrás.

“Esse enredo começa a ser pensado em 2012. Essa ideia surgiu durante a Bienal de São Paulo, pois o Bispo do Rosário era um dos homenageados daquela edição. Nós visitamos a exposição mais especificamente pelo Bispo, pois já estava em nosso sistema artístico e carnavalesco. Em 2017 recebemos a proposta da Cubango, que estava em um momento muito delicado, vivenciando uma crise política interna bastante significativa e afundada em dívidas. O cenário financeiro da escola era absolutamente precário. Havia uma promessa de patrocínio que acabou não saindo e foi pedido um novo enredo. E pensamos, não tem outro, é hora do Bispo do Rosário. Na época a gente ouviu uma coisa que já me aborreceu muito e hoje eu acho graça, de que aquele enredo era muito difícil, muito conceitual, façam uma coisa mais simples. E isso para gente nunca fez sentido, a obra do Bispo é perfeitamente ‘decodificada’ por qualquer pessoa. Ela tem algo que não se explica, e essa coisa que não se explica é o que nos fascina como artistas. Aí que entra essa coisa espectral, fantasmagórica. É uma obra lacunar, os dados biográficos do Bispo são escassos”, analisa o atual carnavalesco da Grande Rio.

Leonardo revela que as dificuldades financeiras acabaram sendo também um combustível para que a dupla vivesse um carnaval de reinvenção que os aproximou da própria história artística do Bispo do Rosário.

“Esse enredo rendeu parcerias com alguns museus e foi um processo muito festivo. E quando foi anunciado o enredo a comunidade do Cubango se sentiu muito tocada e representada pela história do Bispo do Rosário, e isso se refletiu no Barracão. Mas a gente encontrou um cenário muito difícil financeiramente e tivemos que trabalhar a partir da desconstrução que também era muita a ótica do trabalho do Bispo. Por isso fazia muito sentido também esse enredo, pois a obra falava de reconstrução, transformação, da possibilidade de você subverter toda uma lógica de repressão, normatização e desconstruir. Tivemos muitas poucas esculturas feitas do zero, indo nesse sentido da recriação, de vasculhar os estoques das lojas de tecido e aproveitar os tecidos que eram vendidos até sem nome, eram chamados tecidos rústicos e englobavam uma grande diversidade de materiais. Alguns já vinham deteriorados, já tingidos pelo tempo e foram ressignificados”, explica o artista.

Também nessa guinada de enredos proposta pela organização do Seminário “Escritas de Carnaval”, o desfile da Cubango de 2018 também teve uma parte bastante política ao se condenar a tentativa de retorno de parlamentares aos “tratamentos” desenvolvidos por manicômios, local em que o próprio artista chegou a passar uma parte de sua vida após um surto psicótico.

“O último carro trazia a frase “Manicômio nunca mais” pois era um símbolo de regimes fascistas e havia esse debate sobre a volta dos manicômios, por isso trouxemos essa mensagem no final”, sintetiza Leonardo Bora.

O desfile da Cubango gerou três exposições sobre o Bispo do Rosário em museus diferentes. No final do encontro, com o auditório do Instituto de Artes da Uerj lotado, o evento foi encerrado abrindo para perguntas em que os alunos puderam ter um contato maior com a construção e a pesquisa de enredos por parte dos carnavalescos. A ideia é que outros encontros com profissionais do carnaval, não necessariamente carnavalescos, aconteçam e exista esse debate entre a universidade e o universo do carnaval das escolas de samba.

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