Escolas de samba da Zona Leste de São Paulo, tradicionalmente, costumam cantar muito forte no Anhembi. Na noite de quinta-feira, a única escola da região no carnaval de 2023 honrou a tradição da localidade: com um chão bastante forte, a Acadêmicos do Tatuapé se destacou em quesitos ligados ao samba-enredo. Com o enredo “Tatuapé Canta Paraty. Patrimônio da Humanidade!”, a azul-e-branco terá observações a fazer quanto ao recuo da bateria.
Samba-Enredo
Em mais um samba elogiado pela crítica e pelo público para o Carnaval 2023, o Tatuapé fez o primeiro ensaio técnico da agremiação com bastante força no canto. A ala musical, capitaneada por Celsinho Mody, intérprete da agremiação, e mestre Higor, comandante da “Qualidade Especial”, como de praxe, elevaram ainda mais o já competente samba-enredo. O resultado foi visto não só na passarela como nas arquibancadas: se o público presente era pequeno, eles corresponderam ao que era proposto na pista.
Um dos destaques da canção é o começo é o “êêêê” antes do verso “bate o sino da capela”, que é marcado pela “Qualidade Especial” com um apagão. Como um período tão simples pode se transformar em algo tão poderoso? Higor explica: “Na verdade, é uma questão que a gente trabalha muito com harmonia da escola e detectamos essa parte como se fosse uma explosão. Estamos apostando muito nessas questões, trabalhando há um tempo. E a gente tem a felicidade de estar desfilando com grandes sambas. Tem partes que nos dá oportunidade de fazer esse tipo de trabalho, da Harmonia mostrar o trabalho que eles fazem que é maravilhoso. É um conjunto: não existe bateria ou Harmonia. É um conjunto e isso levamos muito a sério lá dentro. O resultado está aí. Por sinal, o ponto chave do ensaio foi a junção da nossa escola. Você vê que uma questão que pode passar despercebida, tão simples, um ‘êêêê’ vira uma explosão na avenida. É o conjunto da nossa escola, realmente”, destacou.
Mais emocional, Celsinho destacou o sentimento por cantar tal canção. “Primeira coisa que a gente faz é música com alegria. Em segundo é isso que a gente viu, tentamos dar o nosso melhor soltando o coração. Aí depois só vamos ver o que aconteceu com vídeo, porque a gente solta coração no meio da roda”.
Uma música tão forte pode render ainda mais? Alguns integrantes do carro de som acreditam que sim. “Eu vou dizer o seguinte. A escola tem um canto que é espetacular. Se melhorar, a gente vai para a Lua. Então, vamos melhorar. Vamos chegar na Lua”, brincou André Ricardo. “Só fazendo um adendo em um detalhe que estávamos falando aqui hoje, que a Lua está crescente. Se a gente corta cana, no dia seguinte ela cresce mais rápido. Então amanhã vai crescer muito mais coisas”, completou Douglas Chocolate. André Ricardo prometeu ainda mais para o segundo ensaio técnico da agremiação: “O módulo musical do Tatuapé é realmente bem trabalhado. É uma coisa feita à exaustão, e acredito que nós vamos cantar muito mais dia 05, dobrado, com certeza. Pode ter certeza de que vamos dobrar”, destacou.
Harmonia
Com um time tão afinado no som, a escola correspondeu quase que à perfeição na pista. No primeiro setor, destaque para a Velha-Guarda da escola, que teve bastante força no canto. A escola, que tradicionalmente canta bastante, teve ainda mais força graças a algumas artimanhas da bateria da escola. Marcando algumas partes do samba com bossas e até mesmo apagões, os componentes cantavam ainda mais alto quando tais situações aconteciam. Até mesmo as arquibancadas respondiam.
Após o abre-alas, o canto tornou-se linear e bastante forte de todos os componentes. A resposta foi satisfatória também para Higor: “Nós tivemos um ensaio muito satisfatório. Nós gostamos não só da questão da bateria, mas a escola toda teve um desempenho satisfatório. Agora é afinar os detalhes, temos mais um ensaio para o dia 17. Se Deus quiser, vamos fazer um grande desfile, para a escola ter um grande resultado”, declarou.
Apesar da boa resposta, um detalhe chamou atenção. Logo após a entrada da bateria no recuo, Eduardo Santos, ex-presidente solo e atualmente integrante do comitê de presidência da escola, falou “o canto precisa ser mais alto” para uma integrante do staff. A resposta foi imediata, e todos os componentes tiveram ainda mais força ao executar a canção.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Completando vinte e quatro anos de parceria e desde 2012 na Acadêmicos do Tatuapé, Diego Silva e Jussara Souza, mais uma vez, tiveram boa exibição na passarela. Variando giros nos sentidos horário e anti-horário e com vento razoavelmente fortes, a dupla começou a exibição fazendo coreografias de acordo com o andamento do samba-enredo, aproveitando para girar mais na frente das cabines dos jurados. Um detalhe é que, em comparação aos demais casais de mestre-sala e porta-bandeira, eles ficaram mais distantes um do outro.
Também vale destacar a sincronia entre eles. A parceria de longa data, quase completando um jubileu de prata, certamente ajuda a entender quando o giro começa, quando é hora de bailar ou de desfraldar o pavilhão na hora correta – por sinal, uma única vez, a centímetros da faixa que encerra a passarela, Diego teve uma leve hesitação ao realizar o desfraldamento; como tal local não conta mais com jurados, não é algo que deva preocupar sobremaneira o casal, de atuação segura. Ambos vieram com roupas (e não fantasias) em dourado, com detalhes pretos.
Um detalhe a ser observado que não necessariamente envolve o casal: por vezes, surgia um espaço bem considerável entre eles e a comissão de frente – Diego e Jussara vinham logo depois dos primeiros integrantes da escola. Não foi possível identificar se tal espaço era proposital ou se era o espaço para um tripé.
Na visão de Jussara, o calendário foi bastante amigo com o casal: “Foi dentro das nossas expectativas. Nos sentimos privilegiados, porque os ensaios gerais já começaram e agora, quase chegando em fevereiro, estamos fazendo o primeiro ensaio. Tivemos um tempo para estar acertando dança, postura, tudo dentro do planejamento. Hoje foi satisfatório, dentro do que a gente vem planejando para apresentar no grande dia”, pontuou.
Diego corroborou o que a dupla comentou: “Foi dentro das nossas expectativas, como a Ju falou. Claro que sempre tem uma coisa ou outra para corrigir, mas ainda temos tempo para fazer essas correções. Nós somos muito perfeccionistas, e essas correções são justamente por isso. O tempo a gente tem, mas dentro do contexto geral, foi dentro das nossas expectativas”, destacou.
A autocrítica da dupla, por sinal, é latente. “Nos apegamos muito nas paradas de cabeça, para ficar mais sincronizadinho. A gente gosta dessas coisas. É só mais essas marcações mesmo. Da parada no recuo, o que fazer ali, nós estamos nos preparando. No mais, só nesses pontos mesmo”, destacou Jussara.
“Nós gostamos muito de fazer; virou a cabeça para a direita? Os dois tem que virar para direita ao mesmo tempo. São esses detalhezinhos que a gente se apega muito e que temos para fazer correção, mas nada de muito maior. Graças a Deus a gente viu aqui hoje tudo que propusemos a colocar aqui na pista para fazer no grande dia, conseguimos com êxito”, completou Diego.
Para finalizar, Jussara deixou claro que as condições climáticas preocupam: “Eu vim rezando da concentração até aqui. É difícil, é bem difícil. E é até bom ter de certa forma esse vento, para podermos ensaiar para o grande dia. A Tatuapé é a segunda escola de sexta-feira, então geralmente tem vento. Se Deus quiser não irá chover, mas deu para segurar”, torceu.
Comissão de Frente
Sem tripés e fantasias, os componentes fizeram uma coreografia sem grandes ousadias. Na maior parte do tempo, eles marcaram o samba fazendo coreografias ligadas à canção, mudando de postura diante das cabines de jurados, quando desenvolviam atos mais complexos.
Vestidos com uma camisa relativa ao setor, cada um dos componentes possuía dois adereços: um adorno na cabeça, com uma estrela dourada; e uma espécie de asa para cada um deles – alguns em tons alaranjados, outros com temática azul e branca, cores da agremiação. A exceção era uma integrante com uma espécie de tiara especial e saia longa branca (todos os demais utilizavam calças brancas), que parecia ter destaque na coreografia – que, por sinal, nos dois “atos”, era bastante leve e sem movimentos tão bruscos.
Em alguns momentos após a passagem da comissão de frente pela Arquibancada Monumental, um único integrante destacava-se pelo canto. Os demais ou não cantavam ou não tinham tanta força assim ao executar a canção.
Aproveitando-se do pouco público nas arquibancadas do Anhembi, Leonardo Helmer, coreógrafo do setor, aproveitava para fazer correções diretamente na voz.
Evolução
Certamente o quesito no qual a Acadêmicos do Tatuapé tem mais pontos a se observar no segundo ensaio técnico. E nem foram tantos pontos de destaque (negativo) assim, apenas um que é o calcanhar de Aquiles de diversas agremiações: a entrada do recuo na bateria. A agremiação inteira ficou em suspenso por cerca de três minutos. Em tal tempo, já com a Qualidade Especial inteira recuada, a ala subsequente teve uma evolução bastante morosa para ocupar o espaço – que ficou, por cerca de oitenta segundos, apenas com as destaques. Cada ala tinha um adereço distinto (bexigas, pompons e etc) para trazer dinamismo à movimentação de cada componente.
Outros destaques
– Dois integrantes da escola entraram, um de cada lado, tão logo a agremiação começou o ensaio técnico. Sempre próximos da comissão de frente, eles caminhavam com passos extremamente curtos enquanto a escola cantava forte e diversas cenas aconteceram. Perguntados pela reportagem, eles destacaram que estavam, sim, marcando algo – mas não revelaram o que era.
– As roupas de alas da escola tinham, além da numeração, o nome de cada uma delas. A reportagem agradece.
– “A Qualidade Especial” voltou para a avenida à frente do último carro, de dois casais mirins de mestre-sala e porta-bandeira e de uma derradeira ala.
– Já citado, Eduardo Santos vibrou bastante com os casais mirins da escola.
– O samba da Acadêmicos do Tatuapé caiu nas graças, também, do carro de som da escola. Ao encerrar a entrevista com a reportagem, ao perguntar qual tinha sido o ponto mais alto do ensaio técnico, Celsinho chamou os demais integrantes do carro de som e começou a falar: Vou mostrar para você. Aqui na ala musical da Acadêmicos do Tatuapé todo mundo canta, todo mundo toca corda, todo mundo toca e canta percussão. Canta percussão, bate corda e samba pandeiro. E vamos assim…”, antes de emendar o refrão principal da canção.
– Mestre Higor aproveitou para trazer informações sobre a bateria: “Vamos desfilar com 240 componentes, nós temos duas bossas e dois apagões. As duas bossas acima de dezesseis compassos que é o que pede, então começa fazer a bossa e parece que não acaba mais”, destacou.
– Até mesmo Diego Silva se surpreendeu com o canto da comunidade: “É sempre lindo ver a força que a nossa comunidade tem. Eu sou suspeito em falar, mas para mim o que tem de mais bonito na Tatuapé é a comunidade da Tatuapé. É uma comunidade que se entrega dentro da pista. Você não vê um componente olhando para a Lua, você não vê um componente tirando um barato. É todo mundo focado no objetivo, todo mundo explorando o samba, para que todo mundo tenha o mesmo objetivo no dia do desfile”, finalizou.
Colaboraram Lucas Sampaio e Gustavo Lima