SINOPSE DO ENREDO: “NÃO HÁ TRISTEZA QUE POSSA SUPORTAR TANTA ALEGRIA.”

´´DEPOIS DA ENERGIA ELÉTRICA, DA ENERGIA ATÔMICA,
SÓ UMA TERCEIRA ENERGIA CHAMADA ALEGRIA
PODERIA REALIZAR GRANDES EVENTOS. “
(A GENIALIDADE PROFÉTICA DE JOÃO JORGE TRINTA).

CORAÇÕES À ESPERA:
– QUE SERÁ DO CARNAVAL?
QUESTIONAM OS SAMBISTAS NA FESTA DA PENHA, NO OITO DE DEZEMBRO DE 1918, SÉC. XX.

DAVID BUTTER, JORNALISTA E PESQUISADOR DO CARNAVAL, DESCREVE:

´´À ÉPOCA, A FESTA DA PENHA ERA UM TERRENO DE TESTE PARA CANÇÕES, ONDE SE ESBARRAVAM FIGURAS DAS SOCIEDADES, DOS RANCHOS, DOS BLOCOS E DA INCIPIENTE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. PARA LÁ, MUDAVA-SE POR ALGUNS DIAS, A PEQUENA ÁFRICA, COM AS TIAS BAIANAS E SUAS BARRACAS“.

O MATINAL O PAIZ, EM 03 DE MARÇO DE 1919, DESCREVE:

´´O CARNAVAL NÃO MORREU. VINGOU-SE GLORIOSAMENTE DAS RESTRIÇÕES QUE O PASSADO LHE IMPÔS NA GUERRA E PRESTOU UM ÓTIMO SERVIÇO DE FAZER ESCURECER A VISITA MACABRA DA ´ESPANHOLA`. “

EXTINTA A DOR DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL. ASFIXIADA A GRIPE ESPANHOLA. FINDO O ANO DE 1918.

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SINOPSE
1919.

´´ E o Mundo não se acabou. “
(O carnaval de 1919 foi uma das inspirações para o compositor Assis Valente – música eternizada na voz inesquecível de Carmem Miranda).

Os cronistas dos principais jornais da cidade assinam como PIERROT as notícias matinais que prenunciam a Chegada do Carnaval. No jornal O Malho, a charge do cartunista Hélios Seelinger revela em nanquim traços de saudosos foliões esquecidos do imaginário popular. Momo deixa de ser tratado como Rei, é elevado aos céus para ser glorificado como Deus, no dia 1º de março de 1919.

Confino a tristeza, me despeço das trevas. Rompo o isolamento de uma infinda solidão. Calçadas testemunham passos contidos, janelas se entreabrem. Inebrio-me com os ares do Marca-meu-Coração. A Casa das Fazendas Pretas retira os fardos de um luto elegante, que vestiu a dor dos últimos tempos – em seu lugar o lume dos brocados, das rendas e cetins. Entrelaço o olhar nas fitas métricas da Boutique Le France, recebendo os primeiros foliões. Céu desenhado por varais de ventarolas da Casa Buis, na Rua do Ouvidor. A nova dama do cabaré se faz presente nas esquinas da Avenida Mem de Sá, seguindo o legado da cafetina Alice Cavalo de Pau, dizimada pela gripe. Sou um PIERROT em recesso das redações de jornais. Faço parte da nata da sociedade que se prepara para o último baile pré-carnavalesco do Clube dos Democráticos. Evoco a vingança da vida!

´´…Assim é que é, viva a folia!
Viva Momo, viva a troça!
Não há tristeza que possa
suportar tanta alegria. “
(Canção de baile do pré-carnaval dos Democráticos, Autor Desconhecido, 1919).

O carioca instaura a desforra da peste na primeira manhã de um carnaval. Ensaio um canto a contemplar a concentração dos préstitos das Grandes Sociedades: a Barca da Vitória, do Clube dos Democráticos; a Hespanhola, do Tenentes do Diabo e o icônico Chá da MeiaNoite, dos Fenianos. Parto no Bonde da Vingança para a Praça da República, conduzido pelo popular Jamanta – desvairado folião a retomar a nossa delirante fantasia de viver, levada por espíritos revoltosos. Esbarro nas Cocotas Emplumadas e me embriago num ardente xarope de Calibrina. Desfaço a melancolia de uma face mal-ajambrada, que revela o sorriso envolto à alegria do bloco Carões mascarados.

Nas ondas da Avenida Beira-Mar, dou cor à angústia em folhas de papel crepom. Contemplo corsos engarrafados de flertes e melindrosas. Autos que figuram deusas ávidas, despertando o olhar sensual do jovem Nelson Rodrigues. Bandas marciais fanfarram por coretos e boulevards ao denotarem o traço Art Decò de J.Carlos. Numa das esquinas da Rio Branco, de um bar, exclama um folião: – Chegou o Caveirinha! Mestre que driblou a morte a desfraldar seu pavilhão, no primeiro desfile do Cordão da Bola Preta. Peço exílio a milhares de corações aglomerados no Bloco do Eu Sozinho – cortejo que rendeu ao folião Júlio Silva, 53 memoráveis carnavais. Nas matinês, o moleque mestiço com chapéu de jornal Tico-Tico, em que retrato o Rio em palavras e desenhos. O beijo na serpentina declara um amor que se desdobra nas batalhas de flores da Avenida Central.

Reside em mim a eterna fantasia de um palco reanimado. Pernaltas vibram cornetas, que prenunciam os bilhetes dos grandes bailes de clubes e theatros. Escadarias conferem um refinado bailado, sacadas preenchem vivências que revelam a fúria de uma metrópole em festa.

Orquestras animam valsas, dando um baile em qualquer tristeza. Bombons adoçam sentimentos. Na luz da ribalta, o equilíbrio dos artistas do Circo American-France. Figuras macabras de um salão (diabinhos, morcegos, bruxas) curvam-se à sombra de aplausos aos heróis da Cruz Vermelha. Descortino lembranças heroicas de vestes bordadas por sagradas
mãos do caldeirão da Praça Onze.

O carnaval é do corpo e o samba é de alma preta. Na Pequena África, reverencio as tias curandeiras que extirparam o mal da gripe de centenas de baianos e mestiços. Borboletas Negras clamam a transformação para uma sociedade igualitária. Guerreiros Paladinos empunham lanças tribais pela legitimidade do samba – que se faz o principal gênero musical do carnaval. O folclórico Grupo Caxangá, de João Pernambuco, germina a criação dos Oito Batutas. Entraram Donga, China e Pixinguinha – a primeira linhagem de sambistas. O lenço negro caído dos sobrados dá lugar ao colorido de estandartes dos ranchos. Evoco o Senhor da Cura! Cubra-nos com suas palhas! Que teu xaxará afaste de vez todas as mazelas que vierem tocar os sambistas.

O único contágio possível? A alegria.

´´A alegria estava entre nós,
era dentro de nós que estava a alegria.
A profunda e silenciosa alegria. “
(´´Sonhos de uma terça-feira gorda“, de Manuel Bandeira).

Ar libertário na manhã de um último dia de carnaval. Um Rio em transe, de almas cantantes, em uma catarse de alegria. ´´Desmascaro“ um Rio que o próprio Rio não conhecia – esperança para os dias atuais. Volto aos dias calorosos, dos abraços afetuosos como todo carioca preza. Corpos que se transpassam, mãos que se unem nos reencontros familiares–Folião-Original a exorcizar toda saudade. Figuram tribos ébrias, corações perambulantes em estado de graça. Euforia que não derrubou a sabedoria dos foliões mais antigos a procurar, na Quarta de Cinzas, os seus. Pulsa no epicentro da capital, o Destemidos do Conselheiro, que clama revanche a se ouvir do outro lado da Baía de Guanabara.

Aportam na enseada os revanchistas da Cidade Sorriso, lançados dos corredores da Barca XIX, Nictheroy-Rio. Alguns ensaiam um funambulesco banho de mar. Outros desembarcam sonhos de uma apoteótica travessia de balão. Sob um sol estridente, esvaíam-se cantoria adentro, embalados pelas composições do poeta barretense Zé de Matos. O Rio de Janeiro, memorável, desperta com a emoção que formaria, mais tarde, o chão da Unidos do Viradouro.

Adormeço em meio aos últimos foliões resignados: eram trapeiros que carregavam palmos de confetes e serpentinas de uma troça sem fim. Quarenta toneladas de uma folia que teve papel histórico. Retomar a vida pela alegria no maior carnaval de todos os séculos.

´´Na Quarta-feira de Cinzas,
o Rio despertou convicto
de que vivera
o maior Carnaval de sua história. “
(´´ Metrópole à Beira-mar, o Rio moderno dos anos 20“, de Ruy Castro).

Estou me guardando para quando o carnaval chegar.
(Autoria Enredo, Texto) Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon – Carnavalescos

* Tributo à Marie Louise Nery (Nossa eterna Eneida). História do Carnaval Carioca:

Barca da Vitória – Alegoria ao fim da 1ª Guerra Mundial; Borboletas Negras – Bloco feminino que desfilou na Praça Onze em 19; Calibrina – Famosa cachaça; Carões – Foliões humildes, mascarados improvisados; Casa Buis – Armazém de artigos carnavalescos; Casa das Fazendas Pretas – Loja de tecidos; Caveirinha (Álvaro Gomes de Oliveira) – Fundador do Cordão da Bola Preta; Caxangá – Grupo carnavalesco de inspiração afronordestina, de João Pernambuco; Chá da Meia-Noite – Alegoria da lenda urbana de um chá mortal oferecido na Santa Casa de Misericórdia; Cocotas Emplumadas – Bloco de homens travestidos de Galinhas (revanchistas à dita curativa canja de galinha); Destemidos dos Conselheiro – Grupo de Zé-Pereira da Saúde/Gamboa; Folião-Original – O folião eleito o mais animado; Funambulesco – adj. excêntrico, brincalhão; Guerreiros Paladinos – Bloco de homens pretos da Cidade Nova; Hespanhola – Carro alegórico de leque espanhol; Jamanta (Zé Cordeiro) – Condutor ferroviário do antecessor Bonde da Morte; Marcameu-coração – Famoso lança-perfume; Préstitos – Apresentação, desfile; Trapeiros – Catadores de papel; Xaxará – Cajado de Omulu (orixá da cura); Zé de Matos – Compositor de Carnaval do Largo do Barreto.

(Pesquisa) Marcus Ferreira, Tarcísio Zanon e Igor Ricardo
(Revisão textual) Henrique Pessoa

(Agradecimentos especiais)
Aos nossos atuais PIERROTS.
David Butter, Ruy Castro.

CASTRO, Ruy. Metrópole à Beira-mar, o Rio Moderno dos anos 20, Capítulo: O carnaval da guerra e da gripe. Companhia das letras, 2019
BUTTER, David. O carnaval de 1919. – Em lançamento
SILVEIRA, Leandro. VIUG, Matheus. DELMAR, Winnie. Antigamente é que era bom: A Folia Niteroiense entre 1900-1986
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado. Música Popular Brasileira. Paracatu Ed. Rio de Janeiro Ano 2006
BASTOS, Rafael José de Menezes. “Les Batutas, 1922: uma antropologia da noite parisiense”, in Revista Brasileira de Ciência Sociais, V. 20, nº 58, São Paulo, Junho 2005
RIO, João do. A alma encantadora das ruas, Companhia das Letras, 1997.
CONY, Carlos Heitor. “O carnaval da gripe”, in Folha de S. Paulo, 25/02/2001
BRITO, Nara de Azevedo. “La dansarina: a gripe espanhola e o cotidiano na cidade do Rio de Janeiro”, In Hist. cienc. saúde-Manguinhos [online], 1997, V. 4, n.1 (p.11–30)
DOS SANTOS, Ricardo Augusto. “O Carnaval, a peste e a ‘espanhola”, in História, Ciências, Saúde — Manguinhos, V. 13 (1) jan.-mar. Ano 2006 (p. 129–158)
SCHATZMAYR, Herman G. e CABRAL, Maulori Curié. “A virologia no Estado do Rio de Janeiro: Uma visão global”, FIOCRUZ, Ano 2012 (p. 57–62)
ARAÚJO, Hiram. Carnaval, Seis Milênios de História. Rio de Janeiro, GRYPHUS, Ano 2002
CAVALCANTI, Luciano Marcos Dias. O Carnaval na poética de Manuel Bandeira, in Darandina, Revista eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Letras/UFJF, V. 2, (1), 2010 “Pixinguinha/Sinhô: Dados artísticos”, in Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira
GONÇALVES, Renata de Sá. Os Ranchos pedem passagem — O carnaval no Rio de Janeiro do começo do século XX, Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de PósGraduação em Sociologia e Antropologia — PPGSA da Universidade Federal do Rio de Janeiro (p. 81–98)
VELLOSO, Mônica Pimenta. As tias baianas tomam conta do pedaço: Espaço e identidade cultural no Rio de Janeiro, in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, V. 3, n. 6, 1990
DA SILVA, Thiago Rocha Ferreira. Eu quero é botar meu bloco na rua: a construção de uma cidadania da festa no carnaval de rua do Rio de Janeiro”, Tese de Doutorado em Geografia — UFRJ/IGEO/PPGG, 2013
Segundo o Jornal dos Sports (descrição sobre a música de Assis Valente): https://jornaldossportsusa.com/bd-news/1920-apesar-de-todos-os-sinais-o-mundo-nao-seacabou/

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