“Eu sou um corpo. Um ser. Um corpo só. Tem cor, tem corte e a história do meu lugar. Eu sou a minha própria embarcação. Sou minha própria sorte”.
(Trecho de “Um Corpo No Mundo” de Luedji Luna)
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AOS COMPOSITORES E COMPOSITORAS
É com muita alegria que damos início a essa etapa tão importante para a criação do desfile de uma escola de samba. Para o ano de 2026 vocês terão a nobre missão de transformar o texto do enredo “Das Mais Antigas do Mundo, o Doce e Amargo Beijo da Noite” no samba que irá ilustrar o desfile do G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra.
Ratificamos nosso entusiasmo em mais uma vez poder doar ao carnaval a possibilidade de todos os sambistas e expectadores deste espetáculo serembrindados com um enredo que transforma a Porto da Pedra em ponte para toda sociedade conhecer detalhes preciosos de personagens que sempre foram marginalizadas pela hipocrisia que dita regras sociais. Nossa intenção não é realizar uma ode a prostituição, ou como diz Lourdes Barreto: “normalizar a causa”. Buscamos na história dessas mulheres o doce e o amargo das suas vivências, como elas foram retratas pela arte, e por fim, a luta por valorização de quem atua no que popularmente é chamado de “vida”.
Nas páginas seguintes vocês encontrarão os textos que fazem parte da construção teórica deste carnaval. Este é o primeiro contato entre o enredo e a criação musical. Recomendamos a leitura completa, com atenção, deixando claro que a narrativa textual abrange todos os pontos importantes da história que será transformada em desfile.
Observação importante: De forma alguma limitaremos a criatividade das parcerias, ideias sempre serão bem-vindas, desde que, não fujam ao tema. Buscamos um samba forte, aguerrido, que cada componente e sambista cante alegria. Pensem neles! Confiamos no potencial poético de cada um de vocês que acreditou na escola, no enredo e no concurso. Qualquer dúvida estamos à disposição.
Boa sorte na disputa!
Mauro Quintaes
Carnavalesco
Diego Araújo
Enredista
Justificativa
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Porto da Pedra, com imensa satisfação, apresenta aos sambistas e aos admiradores do carnaval carioca, seu enredo para o Carnaval 2026.
O tigre de São Gonçalo historicamente sempre se permitiu a coragem de levar para a Avenida Marquês de Sapucaí enredos que abordassem temáticas com figuras que foram colocadas à margem da história pela sociedade. Foi assim com as pessoas com transtorno mental, os ladrões e o povo da rua, por exemplo. Está em nossa veia carnavalesca a ousadia!
Neste ano nos reencontramos com um enredo que ficou guardado por muito tempo. Tempo este que foi necessário para que ele não fosse considerado um símbolo de vulgaridade reforçando estereótipos enraizados na sociedade. Encaramos esse desafio com a certeza de que nossa missão enquanto escola de samba sempre será ser a voz do povo, sem amarras ou preconceitos.
Pedimos licença às donas da magia. Todas as Marias! Que guardem e abram os caminhos para nós e as personagens exaltadas neste cortejo carnavalesco. Do sagrado e do profano. Do luxo e da pobreza. As faces retratadas em todas as artes. Seremos a voz da luta de quem está na “vida” por tantos motivos que não nos cabem julgamento, mas, o abraço que acolhe.
Elas estão vindo feito mariposas da noite! Enluaradas, enfeitiçadas, aguerridas e empoderadas. E antes de amanhecer, elas deixarão na alma e nos corações de cada um de vocês a marca do inesquecível. Elas são os amores proibidos e…
Preparem-se para o prazer de receber,
“Das Mais Antigas da Vida, o Doce e Amargo Beijo da Noite”
Sinopse
“Boa noite, pra quem vem de longe
Boa noite, pra quem tá chegando
Boa noite, pra moça bonita
É pra ela que eu tô cantando
7 rosas vermelhas, lá na encruzilhada
É lá que essa moça mora, é lá que ela dá risada…”
Mulher. Palavra que emana poder. Meu corpo é a encruzilhada que veste o preto mistério sobre a luz das estrelas. Meus traços são faíscas incandescentes de desejos. Rubro ardor de loucura. Nos meus lábios, a vermelha tentação que beija a alma dos que ousam provar o deleite destas carícias.
Mulher. Atiço a poeira da magia. O ferro em brasa. O fervor do dendê. O perfume que exala pelas ruas. Boa noite para elas! Donas da magia que comandam essa avenida. Dama das rosas. Ponteira de aço firme nessa esquina da resistência feminina.
“À minha Senhora hei de cantar
Poesias escritas para além-mar.
Dourada, de doce sorriso
Além da compreensão humana, o divino sentido…”
Sagrado? Ora, tenho dons celestiais! A beleza que desnuda os pudores humanos. Dancei com sátiros nos bosques, me banhei no cálice dos prazeres divinos dos rituais, sou face feminina dos sonhos deíficos que acalentam os corações humanos que buscavam carinho.
Profano? Ora, visto-me de realidade! Os seios banhados com champanhe são as taças do desejo que cortejam as vontades da realeza. E tempos depois, por estas terras de onde não haveria temores, minha estrela se apagou e renegada de minha pátria, polaca perdição do cais. Estava aqui, no manguezal da labuta meretrícia, degradada entre o luxo e a pobreza. O bem e o mal de tantos!
“…E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos…”
Sou dona dos amores não correspondidos e do amargo da solidão. Forjada para lida das mãos que tocam meu corpo. Meu colo é teu carinho, afago da perdição das almas. Vivo a vida entre a lâmina fria da realidade e o perfume das flores que despetalam promessas neste velho cabaret.
Arreda, homem! Sou a feiticeira sedutora de Araxá que a sociedade conservadora não pode calar. Sou as asas da imaginação de um escritor, um anjo entre a pureza e a perdição. Sou a voz que não se cala, a baiana fervorosa, sou o suspiro que ecoa nos corredores do velho cortiço. Sou mulher- dama, o machado forte, os lábios da doçura do cacau.
Sou eu! Encontrei proteção no fio da navalha do desordeiro herdeiro das sete coroas que me acolheu. Satã das bonecas e da malandragem que travestiu o “balacochê” na Lapa boemia. Sou eu, sim! Maria que homem nenhum tomba! Do agreste fui expulsa e enfrentei o julgamento da perpétua moralidade. Sou um furacão de liberdade e rebeldia, o amor proibido, riscado por Deus e que ninguém rabisca.
“Baby!
Dê-me seu dinheiro que eu quero viver
Dê-me seu relógio que eu quero saber
Quanto tempo falta para lhe esquecer
Quanto vale um homem para amar você…”
Mulher da vida, é preciso falar! É preciso que vocês me ouçam. Nós somos mais que corpos a serem tocados. Sou mulher do lar, por que não? Sou feita de sonhos e esperanças que um dia partiram para o mundo, e nas voltas desse mundo, algumas não retornaram.
Entenda que sou profissional! Não sou objeto, sou cidadã com meus direitos e deveres. Eu luto pelo que você discrimina. Meu corpo não é objeto de exploração, abuso e violência. Minha voz não é do medo que cala, é da luta que persiste, e nem mesmo abominada, desiste!
Sou chique! Desatei os nós do preconceito costurando a verdade de tantas que ditaram elegância no cenário da moda. Vidas em retalhos que vestiram arte. Estou aqui! Por mais que esteja à margem da história, não irão mais nos invisibilizar, eu sou a íris multicolorida de igualdade e liberdade.
A ciência é parceira na prevenção e o cuidado. Minha proteção é a sua satisfação! Conecto suas fantasias aos meus segredos mais delirantes, te enlouqueço, você me deseja, eu obedeço. A tecnologia nos aproxima, o mundo e o prazer ao toque de uma tela.
Sou fascinante mariposa noturna. Só voo à noite, pois dela sou de todos os tempos, rainha! A luz da lua me guia por esses caminhos da vida. Quenga, rameira, meretriz, messalina, acompanhante. O amargo e o doce. Gabriela, Lourdes, Cleide, Rachel, Vivi, Indianarae, Monique e todas as outras que são da luta. E antes que finde esta madrugada, sairei voando por aí…
Sou a liberdade imoral rechaçada pela hipocrisia,
O proibido que habita os seus sonhos,
O pesadelo que assombra sua mente,
O desvario, a luxúria e a provocação.
Sou um corpo na multidão observada,
Mulher que você julga a conduta,
E tentas vezes put…ah, puta mesmo!
Sou eu sua fantasia liberta nesse carnaval,
De garras afiadas num delírio sensual,
O beijo da noite que te enlouquece,
Nos meus braços você adormece,
Mas te deixo quando dia amanhece.
Você promete me tirar desse lugar,
Sou a flor do sereno,
Sou o veneno e a cura,
A fatal que não se esquece.
Créditos / Enredo
“Das Mais Antigas da Vida, o Doce e Amargo Beijo da Noite”
Carnavalesco: Mauro Quintaes
Enredista: Diego Araújo
Referências Musicais
Ponto de Pomba-gira – Domínio Popular
Trecho de “Poema à Afrodite” de Lykaios
Trecho de “Resposta ao Tempo” de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc
Trecho de “Garoto de Aluguel” de Zé Ramalho
“Boate Azul” de Benedito Seviero e Tomaz
“Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” de Odair José
Referências Bibliográficas
ALENCAR, José de. As Asas de um Anjo: comédia em um prólogo, quatro atos
e um epilogo. Rio de Janeiro: Editores Soares e Irmão, 1860.
AMADO, Jorge. Gabriela, Cravo e Canela. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
AMADO, Jorge. Tieta do Agreste. Rio de Janeiro: Record, 1977.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
BARRETO, Lourdes. Puta autobiografia. São Paulo: Claraboia, 2023.
LEITE, G. Filha, Mãe, Avó e Puta: a história de uma mulher que decidiu ser prostituta. Rio de Janeiro: Objetiva. 2009.
PRADO, Monique. Putafeminista. Edição Português. 2018.
Referências Audiovisuais
Hilda Furacão [minissérie]. Direção: Glória Perez. Produção: Globo, 1998.