A União de Maricá divulgou na noite desta segunda-feira a sinopse do enredo “O cavalo de Santíssimo e a coroa do Seu 7”, de autoria do carnavalesco Leandro Vieira. Em 2025, na Série Ouro, a escola vai fazer uma grande homenagem ao Seu 7 da Lira, Exu Sete Encruzilhadas que tinha como médium a mãe de santo Cacilda de Assis, em busca do acesso ao Grupo Especial.

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Arte: Rodrigo Cardoso/Divulgação Maricá

Conheça a sinopse:

O cavalo de Santíssimo e a coroa do Seu 7

Ouvem-se as palmas, as gargalhadas, as cantigas e tudo é um misto de fé e festa. A energia da umbanda une todo filho de fé em uma espécie de corrente perfumada pelo benjoim que queima na brasa do carvão. Um cambono grita “laroyê”. Outro, “mojubá Exu”! Outros tantos, “saravá!”.

Por ora, as rosas vermelhas estão depositadas na tronqueira do ilê. Em desfile, a tronqueira nos serve de abre-alas. Uma espécie de casa onde os catiços exibem seus corpos quase nus como guardiões e protetores de nossa entrada. Uma casa de quimbanda. De Pomba-giras. De Seu Tranca Rua. De Seu Marabô. E, como diz a canção, onde Seu Tiriri também se faz morador. Junto às imagens, entre as lâmpadas vermelhas e as ofertas, os pontos riscados se mostram eternizados em ferro torcido. Ferro que se cruza. Marcado em fogo e solda. Assentamento e encruzilhada.

Derramando o axé de um terreiro – localizado em Santíssimo, Zona Oeste do Rio de Janeiro – a tronqueira protege o ilê comandado por Cacilda de Assis, para que os guias da mãe de santo possam baixar na Avenida. Assim, em estado de fantasia, Vovó Cambinda ganha o corpo das baianas. Na sequência, pra bradar e estremecer a terra, quem desce na gira como quem desbrava a mata é a Cabocla Jurema. “Jureminha” – indígena menina – reina e dança com seu cocar de penas herdado de Tupinambá.

Adiante – de saia encarnada, diadema e enfeitada com joias falsas – quem baixa para ser presenteada com o perfume das rosas é a Senhora Audara Maria. A pomba-gira de Cacilda; a Rainha do Oricó; a dona das rosas vermelhas e enamorada daquele que baixa na madrugada de sábado para domingo – de cartola e capa – diante do congá de Santo Antônio.

Este, a estrela da casa. Aquele que deu fama ao lugar. Um exu sete encruza e mandingueiro que se autoproclamou rei e dono de quatro coroas: Rei da coroa da Lira; Rei da coroa do delogum (o jogo de búzios); Rei da coroa do carnaval e, como bom cachaceiro, Rei da coroa da palha da cana.

Exu adivinho. Um encantado lendário batizado José das Sete Liras e advindo de um tempo em que não se contava o tempo. Filho carnal de pai com descendência grega e mãe africana. Um exu carola, devoto de Nossa Senhora, que festejava seu aniversário no dia de Santo Antônio. Filho espiritual de Nanã Buruquê com Oxalá. O irmão caçula de Omulu e Ogum de Locó que, ao desencarnar, encantou-se em uma espécie de fidalgo com apreço por capa, calças, bordados, jaquetão de veludo, botas e cartola.

Exu violeiro e suburbano a quem os doentes recorriam buscando suas mandingas de cura. Um exu curandeiro que cuspia cachaça e lançava fumaça como antídoto contra o mal. O médico dos pobres. O psicólogo dos mais humildes. O recurso derradeiro para quando a medicina não oferecia mais recurso. Aquele que, quando não sara, cura. Não à toa, ganhou fama de terreiro em terreiro, de gira em gira, de boca em boca, como o Doutor Saracura.

Exu festeiro. Um batuqueiro que canta e dança. Que entra em campo ostentando seu manto rubro-negro. Que, quando trabalha, corre encruzilhada pra “matar” o caô no peito; driblar a demanda, marcar o inimigo, cabecear e marcar gol. Uma espécie de Fio Maravilha que vem de Aruanda. Um flamenguista declarado que gargalha e espalha o riso inflamando o coro que canta junto da charanga: “Exu é Flamengo, eu também sou…”

Catiço papo firme e cachaceiro. Que bebe litros. Litros de marafo transformados em uma espécie de água ardente que benze. De água que passarinho não bebe. De abrideira. Álcool que, quando aspergido pela boca, cai como líquido sagrado e bendito sobre a casa cheia. Cheia de mil. De duas mil. De cinco mil pessoas que cantam juntas e, por isso mesmo, o mal não encontra passagem.

Um exu pop star que, por fazer tanto sucesso – e sua fama espalhar-se além da conta – teve o transe de seu cavalo incorporado transmitido pela TV para o Brasil. Ao vivo, vestindo a vontade da entidade que nela se manifestava – de capa, calça e cartola – Mãe Cacilda de Assis encheu-se de pinga para cuspir seu marafo mágico sobre músicos, assistentes de câmeras e outros tantos que emprestaram seus corpos para Exus e outras entidades se manifestarem diante das câmeras do programa de José Abelardo Barbosa, o Chacrinha.

Àquela altura, Seu Sete estava com tudo e não estava prosa. Ele, em pessoa, explodiu a audiência na TV no último domingo de agosto de 1971. Ninguém quis bacalhau, nem a buzina do velho guerreiro teve tanto sucesso quanto o Exu que fez as chacretes virarem no santo e a energia da lira se espalhar de tal modo que – vejam só – dizem que um general linha dura não pôde conter que uma Pomba-gira baixasse em sua casa para fazer sua esposa gargalhar no sofá da sala.

Rei do Carnaval, Seu Sete da Lira não deixava passar os dias de folia. Ele, que fez do samba e da marcha seu material de trabalho, sabia que a alegria era um santo remédio. Quando o calendário marcava o mês de fevereiro, Seu Sete baixava para lançar confete e serpentina. Vestia-se de verde e rosa. Enfeitava-se de paetês azuis e bordados brancos enquanto fazia a multidão cantar: “Vem chegando a madrugada, ô / O sereno vem caindo / Cai, cai, sereno devagar / Meu amor está dormindo…”

A gira de Seu Sete estava transformada em um grande baile a céu aberto. A alegria desmedida era o seu ebó para o carnaval que se aproximava. Contra ele, ninguém podia e os malandros dos becos e dos blocos da cidade eram sabedores. O poder de suas mandingas era um assunto que se estendia das bocas da Zona Oeste até o Catumbi. Não à toa, num samba de embalo, a turma do Bafo da Onça pôs-se a cantar: “Você botou meu nome na boca do bode / Eu sou filho do Seu 7 / Comigo você não pode / Você botou / Você mesmo vai tirar / É uma ordem do Seu Sete / Você tem que respeitar…”

Folião dos bons, certa vez, Seu Sete incorporou em Mãe Cacilda para desfilar numa farra carnavalesca que tinha como sede a Avenida Rio Branco. De vermelho e preto, os foliões seguiram aquele que era o dono das mais festivas encruzilhadas junto ao Bloco da Lira. Na ocasião, o Exu cintilava nos paetês de seu terninho dourado e sua capa encarnada enquanto comandava a festa na rua. Com sua turma fantasiada, e charuto entre os lábios, Cacilda de Assis atravessou sete encruzilhadas entre a chuva de confetes e as serpentinas que saudavam o rei que brincava na terra.

Uma mistura molhada de suor com marafo. Sambas e marchinhas como aquelas que eram cantadas em suas giras. Estardalhaço de bexigas de bate-bolas estourando contra o asfalto. O remelexo das cabrochas. A fumaça que subia da boca de um Exu que soltava a sua gargalhada estridente e sonora como o toque de um clarim que anuncia tanto o começo quanto o fim da festa.

Para encerrar, deixo aqui a informação de que Seu Sete da Lira não baixa mais. Não desce em curimba nem se coloca a saracotear pelos terreiros. Sua banda lhe chamou. Cumpriu sua missão no tempo em que Mãe Cacilda de Assis cumpriu a dela. Entretanto, duvido que, diante de uma farra festiva como o desfile que se anuncia, ele não esteja à espreita, buscando mais uma vez seu cavalo para – quem sabe – o transe que vai colocá-los juntos novamente.

Na encruza, quando o relógio marcar meia-noite e o canto do Aquicó (do galo) anunciar que o sábado de carnaval chegou, desejo que tudo se transforme em gargalhada e música, tal qual o “ôme” gostava, para que ele possa trabalhar. Evoê, laroyê e saravá!

Pesquisa, desenvolvimento e texto: Leandro Vieira.

BIBLIOGRAFIA:

O fenômeno Seu Sete da Lira – Cacilda de Assis a médium que parou o Brasil / Autor: Cristian Siqueira / Editora: Edições BesouroBox / Ano 2020.

Umbandas: Uma história do Brasil / Autor: Luiz Antonio Simas / Editora: ‎Civilização Brasileira / Ano 2021.

DISCOGRAFIA CONSULTADA E RECOMENDADA AOS COMPOSITORES:

LP “Tambor 7” / 1970 / Cacilda de Assis / Gravadora Odeon.

LP “Esse Também Ninguém Segura” / Bloco Carnavalesco Bafo da Onça / 1970 / Gravadora Okeh.

LP “Seu 7 Saracura, cura minha dor” / 1970 / Tenda Espírita da Cabocla Jurema / Gravadora Equipe.

LP “Sete Rei da Lira” / 1971 / Cacilda de Assis / Gravadora Odeon.

“Exu é Flamengo” – Marcha de Cacilda de Assis, Marinho Lima e Cláudio Paraíba lançada por Gracinda Miranda nos anos sessenta

“Vem chegando a madrugada” – Samba de Noel Rosa de Oliveira, Zuzuca do Salgueiro e Francisco Scarambone lançado nos anos sessenta.