A Estação Primeira de Mangueira se orgulha da rainha de bateria que tem. Há 10 anos à frente da Surdo Um, Evelyn Bastos tem a felicidade de ser uma rainha nascida e criada na comunidade e liderar a escola de samba mirim Mangueira do Amanhã. Durante sua trajetória, mostra a importância de ser uma pessoa politizada e representativa para outras mulheres pretas e faveladas.
Ao site CARNAVALESCO, Evelyn conversou sobre a função social de rainha de bateria e a ampliação de mulheres da comunidade no cargo. Além disso, ela falou sobre a liderança de Guanayra Firmino e Cátia Drumond, únicas presidentes mulheres atualmente comandando escolas de samba do Grupo Especial, no Rio de Janeiro.
O que representa ser rainha de bateria da Mangueira?
Evelyn: “Eu estou indo para o meu décimo ano em 2023 e até hoje eu não consigo definir o que é ser rainha da Mangueira. Com certeza, para mim é uma dinastia, é o lugar que já foi da minha mãe, o lugar que já foi majoritariamente de mulheres da comunidade. E para mim é uma representação da identidade das mulheres do Morro da Mangueira. Eu acho que ser nascida e criada no Morro da Mangueira tem um peso muito especial para estar à frente da bateria porque eu vejo nos olhares de mulheres oriundas da favela ali do morro o quanto elas se sentem representadas. Eu acho que por isso é tão primordial para mim falar sobre elas, ser por elas.”
Você sempre foi uma personagem nos desfiles do Leandro Vieira e agora como será?
Evelyn: “O Leandro é meu amigo. Eu tive um carnavalesco e ganhei um amigo para a vida toda. A gente tem uma afinidade muito grande. Ele me permitiu ser eu mesma na frente da bateria, me usar como voz, uma representatividade que fala. A entrada do Gui [Estevão] e da Annik [Salmon] me deixa também esse presente de continuar sendo quem eu sou, trazendo de forma livre a mensagem que eu quero trazer. Eu continuo com essa liberdade e agradeço muito à Estação Primeira de Mangueira por me permitir fazer uma arte livre. Eu acho primordial para o artista ser livre e se sentir livre. Sou completamente livre aqui na minha nação para ser quem eu sou e para sempre transmitir a mensagem que eu acho essencial.”
Como você analisa a entrada das meninas de comunidade como rainhas de bateria?
Evelyn: “Nós chegamos em um momento que “era uma vez” a era das celebridades na frente da bateria. A gente vê as meninas periféricas e do subúrbio dominando esse lugar que é por direito delas. A gente tem uma vitória ancestral e acredito que muitas outras rainhas foram usadas para abrir esse portão. Tivemos a Raíssa [de Oliveira] que ficou 20 anos à frente da bateria; chegou um momento que só tinha ela praticamente de rainha de comunidade. Há nove anos atrás ou oito, quando eu comecei a trazer isso para a rede social, ainda não tinha uma massa falando a mesma língua. Hoje tem. A gente tem 90% dos sambistas pedindo mulheres oriundas do seu lugar à frente da bateria. Então, nós temos essa vitória. A vitória do povo com a gente e dessa expansão do protagonismo preto feminino à frente das baterias de escola de samba.”
Você é uma sambista que traz assuntos da sociedade para dentro da escola de samba. Ainda falta esse debate em todas as agremiações?
Evelyn: “Eu acho. Eu acho que a figura da rainha de bateria, quando se fala de uma rainha de comunidade, é uma figura feminina, preta e favelada. Tem uma interseccionalidade que faz com que muitos preconceitos sejam para nós. É uma figura que retrata todo esse preconceito. Então precisamos sempre falar sobre isso. Como eu disse, eu acredito muito na representatividade, mas uma representante que fala tem um peso muito maior, porque está abrindo portas. Além de abrir portas, estamos colocando coragem em mulheres que têm o mesmo retrato que nós, a mesma imagem. Empoderar essas mulheres é a nossa missão. Quando eu digo empoderar, é fazer com que elas se sintam à vontade para serem elas mesmas. Quando eu trago o body cavado e a nudez para a frente da bateria e muita gente fala “A Evelyn hipersexualiza a imagem dela”, mas quem hipersexualiza é sempre quem vê. A sensualidade não é um problema. Se tornar sexualidade é um problema do outro e não meu. Eu acho muito importante trazer essa imagem que provoca essa discussão e, ao mesmo tempo, eu vou ter uma pauta, eu tenho uma pauta para falar. É um corpo nu que traz uma pauta. Eu acho muito importante as pessoas não só verem, olharem. Ser sensual não é um problema. Eu gosto de ser sensual, mas eu gosto de trazer uma sensualidade com uma pauta, algo que gere discussão, que gere desconforto em quem é tão conservador e que expanda pensamentos.”
Hoje, você é presidente da Mangueira do Amanhã. O que projeta passar dentro da escola e o que pensa do futuro do carnaval no geral?
Evelyn: “Eu vim da Mangueira do Amanhã. Quando eu me entendo por gente, eu já estava na Mangueira do Amanhã. Ela faz parte da minha história e da minha construção. Ela era um presente para mim. Eu tive uma infância muito difícil e ela sempre me proporcionou uma alegria e uma realização muito grande Eu sei que hoje muitas das crianças que estão na Mangueira do Amanhã passam pelo mesmo que eu passei. Eu quero fazer com que o samba coloque esperança no coração delas. Eu quero que sejam sambistas que tenham consciência social, que sejam expansivas. Hoje, a gente traz muitos debates que até as crianças estão trazendo para elas mesmas. Hoje, nós temos uma rainha de bateria que foi da Mangueira do Amanhã. Que os mestres-salas foram da Mangueira do Amanhã. Que a porta-bandeira foi da Mangueira do Amanhã. Os dois mestres de bateria foram da Mangueira do Amanhã. Eu quero que daqui a dez anos, a Mangueira esteja com o mesmo cenário.”
Ainda temos poucas mulheres nas presidências das escolas, apenas Cátia Drumond na Imperatriz e Guanayra Firmino na Mangueira. Gostaria de ser presidente da Mangueira?
Evelyn: “Eu sou muito do destino. Eu deixo o destino me levar. Eu me sinto muito tranquilo, porque eu acredito que a gente nasce predestinado à alguma coisa. Quem sabe um dia? Esse cenário de ter a Guanayra e a Cátia como presidentes é um cenário novo no samba. Tê-las como líder é muito importante para nossa revolução, porque o sempre foi revolucionário. Ter mulheres presidentes faz parte dessa revolução. Elas são um marco e acredito que daqui para frente vamos ver cada vez mais mulheres presidentes, mulheres liderando. Eu acredito também em uma mulher dentro da Liesa. Acredito que a mulher faz diferença. Ter mulheres no lugar de liderança é muito importante para a evolução da nossa sociedade. Como o carnaval é tão revolucionário, talvez um dos ambientes mais revolucionários, eu acho que a gente precisa disso.”
Qual é o balanço que você faz até agora da gestão da Guanayra?
Evelyn: “A Guanayra é uma mulher como eu, nascida e criada na Mangueira. Mulheres pretas nascidas na favela têm duas opções na vida: ou você luta muito ou você luta muito. Só isso. Ela é uma mulher que está sempre construindo, que está trazendo a comunidade cada vez mais para dentro da escola. Está fazendo uma gestão brilhante. As gestões passadas também foram brilhantes e ela já fazia parte de gestões passadas. Ela está fazendo uma gestão brilhante! Eu sou fã, admiradora de muitos anos e me espelho muito nela. Acho ela uma mulher incrível. É uma gestão que tem tudo para ser campeã, inclusive. Estamos trabalhando para ser campeã. Está um carnaval lindo, gigante e talvez uma dos maiores carnavais que vamos ver dentro da Mangueira. Tem tudo para dar certo!”