A Unidos de Padre Miguel comemora, em 2023, o décimo ano de Vinícius Antunes e Jéssica Ferreira, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, e do coreógrafo da comissão de frente, David Lima, na escola. Esses anos foram um período de muita troca de afeto, carinho, dedicação, superação e trabalho em equipe que os levaram até esse momento de festejar uma década.
Apesar do marco de 10 anos, Vinícius Antunes, de 30 anos, já tem 23 anos de escola. Ele foi criado na quadra da vermelha e branca da Vila-Vintém, com a família muito próxima das atividades da agremiação. “Eu sempre fui da escola. Falar da Unidos de Padre Miguel é falar da minha vida. Cresci ali dentro. Meus avós eram da escola, assim como meus tios e tias. Viver aquela atmosfera para mim era muito importante. Eu posso dizer que minha formação enquanto homem a Unidos ajudou. Cada senhorzinho da velha-guarda, cada baiana com um conselho”, relata o mestre-sala.
Já Jéssica Ferreira, com 32 anos hoje, chegou na UPM em 2013 para o Carnaval de 2014 para ser porta-bandeira e foi recebida com muito carinho e amor. Anteriormente na Renascer de Jacarepaguá, foi para Zona Oeste empunhar o pavilhão da agremiação que conta com uma comunidade forte e participativa.
“É uma responsabilidade muito grande porque a escola tem uma comunidade sempre presente e a gente não representa só a escola, nós representamos a comunidade toda. A responsabilidade é grande, mas a gente faz com muito amor e muito carinho, porque é assim que eu fui recebida na comunidade e na escola. Eu tento o máximo retribuir”, disse a porta-bandeira.
O trabalho de ser o primeiro casal de uma escola de samba por tanto tempo faz com que haja, de fato, laços afetivos fortes com a comunidade. Não é diferente com Vinícius e Jéssica. A quadra da Unidos se tornou a segunda casa e família de ambos.
“As pessoas não veem, mas a gente trabalha o ano inteiro. É como se fosse minha segunda família. Estamos sempre na comunidade e na escola com as mesmas pessoas. Eles já me conhecem muito bem. Por isso a responsabilidade é muito grande e o prazer também, eu faço a minha arte com muito amor. Como existe esse laço, o amor dobra. Nós fazemos com amor porque conhecemos todo mundo que está ali. Não tem como ser de outra forma”, comentou Jéssica.
Vinícius reflete também reflete sobre com essa passagem de 10 anos: “Eu nunca imaginava ficar tanto tempo assim à frente de uma agremiação, dançando com a minha porta-bandeira. Quando eu olho para trás, tudo que a gente já passou de bom e não muito bom, na alegria e na tristeza, no dia a dia, foi muito intenso. Eu sou um felizardo por ter sido escolhido para viver esses 10 anos de parceria com a Jéssica defendendo o pavilhão da escola. Quero viver mais, quero aprender mais”.
Desde que Vinícius e Jéssica se tornaram primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, a Unidos de Padre Miguel chegou ao vice-campeonato da Série Ouro, antigo Grupo de Acesso A, três vezes (2015, 2016 e 2020). Como sempre estão ameaçando subir para o Grupo Especial e o público já criou essa expectativa, não teria como haver outra visão de futuro para a dupla.
“A expectativa para esse Carnaval e para os próximos é a melhor possível. A gente tem trabalhado firme, pesado, com muita garra, para a nossa comunidade, para que esse grito de campeão saia! Estamos no foco total para conseguir esse título que está engasgado”, reforça Jéssica Ferreira. “Estamos sempre lutando pelo melhor. O pessoal do barracão, o David [Lima] na coreografia. A gente cobra mesmo. Eu falo para ele: ‘Vinícius, vamos embora, tem que ensaiar agora’. Todos unidos com um só um propósito”.
E desistir de alcançar esse título da Série Ouro não está nos planos de Vinícius Antunes. “Algumas pessoas podem até falar que depois de 10 anos vai bater um sentimento ruim, mas a gente não desiste, a gente não tem essa. A expectativa é sempre altíssima, sempre a melhor! Nós temos companheiros muito bons: David [Lima], nosso coreógrafo da comissão de frente, os carnavalescos, o diretor de Carnaval, a comunidade. Estão todos na mesma energia e com o mesmo propósito de botar a UPM onde ela merece. Ela já está pedindo passagem há um tempo. É muito bom trabalhar em uma empresa assim que tem ambição no melhor sentido da palavra e acaba nos contagiando também”, projetou Vinícius.
A Unidos de Padre Miguel será a quinta escola a desfilar na noite de sexta-feira, 17 de fevereiro. O enredo “O Baião do Mouros” sobre a influência árabe na cultura nordestina é de autoria da dupla de carnavalescos Edson Pereira e Wagner Gonçalves. Para bailar com fluidez, a conexão mestre-sala e porta-bandeira e carnavalescos precisa ser bem afinada.
“É muito bom ter carnavalescos que escutem o casal e aceitem a nossa opinião. Eles são muito flexíveis. Sem contar que eles são muito competentes. Eles são perfeitos”, disse Jéssica sobre Edson e Wagner.
“Não conhecia o Wagner, mas já tinha ouvido falar muito sobre ele. Agora veio trabalhar conosco na nossa agremiação, sempre quando dá ele está acompanhando. Carismático!” elogiou Vinícius. “Na hora de reproduzir nossas fantasias, eles observam muito nossas características para propor uma fantasia com a característica do casal Vinicius e Jéssica”.
Desfiles inesquecíveis
Em 10 anos de história, não teria como esquecer de carnavais memoráveis que esse primeiro casal. Em 2020, por exemplo, os dois desfilaram carecas para defender o pavilhão e o enredo “Ginga” sobre capoeira. Passaram também por momentos tristes, como a torção do tornozelo de Jéssica durante o desfile de 2017. Desde 2014, viveram alegrias, tristezas e superaram tudo junto e com o apoio da comunidade de Vila Vintém.
Estar como mestre-sala era seu sonho de menino e Vinicius Antunes realizou em 2014. Naquele ano, Edson Pereira levou para a Avenida o “Decifra-me ou te devoro: Enigmas – chaves da vida” e ficou marcou a memória afetiva do mestre-sala. Mas o Carnaval de 2017 entra como um tema delicado e por isso inesquecível.
“O acidente de 2017 ficou, mesmo que negativamente, fotografado. A gente fala poucas vezes sobre esse assunto porque ainda é um pouco sensível. Apesar de ter tanto tempo, mexeu bastante”, comenta Vinícius.
Depois do acidente, Jéssica Ferreira teve que passar por fisioterapia e reforço muscular para poder voltar no Carnaval de 2018. O incentivo da comunidade foi um gás necessário para ela estar firme e forte para desfilar no ano seguinte. Além disso, a chegada de profissionais, como o preparador físico e a psicóloga, auxiliaram na volta do casal para a Marquês de Sapucaí.
“Foi muito difícil porque temos pouco tempo para o próximo Carnaval. Eu corri atrás de tudo que eu podia para me recuperar. Com muito amor e carinho, todo mundo estava me apoiando, a escola, a diretoria, a comunidade. Eu consegui pegar forças para fazer tudo que eu precisava para no próximo desfile eu estar lá de novo. A força veio da comunidade, do meu mestre-sala, da minha família e do amor que eu tenho pela dança. Fiz fisioterapia, fortalecimento e consegui um preparador físico para me acompanhar e vir 100% para o próximo ano”, explicou a porta-bandeira.
Não tem como negar que a volta para a Passarela do Samba seria um momento memorável para Jéssica. Depois de todo o processo de recuperação, ver a faixa escrita “Final” foi uma recompensa inestimável para a porta-bandeira. Em 2018, a Unidos de Padre Miguel desfilou o enredo “O eldorado submerso: Delírio Tupi-Parintintin” e conquistou o 2º lugar na Série Ouro.
“Eu lutei muito para estar naquele ano. Eu falei: ‘Eu preciso ver a faixa do final’. E eu vim super bem, estava super leve, me recuperei totalmente. Quando eu vi a faixa do fim, eu desabei. Foi um desfile muito marcante”, lembrou Jéssica.
Em quesito fantasia, a porta-bandeira lembra que a roupa de estreia em 2014 foi algo que ela nunca tinha visto. “Foi uma fantasia bem diferente do que eu tinha visto. A saia era diferente. Eu nunca tinha visto aquela estrutura de fantasia. Eles botaram coisas novas para ficar mais leve. Por isso, ela ficou mais marcada para mim”, disse Jéssica Ferreira.
Vinícius Antunes acredita que a fantasia de 2020 entrou para a história por conta do cuidado artesanal envolvido na sua construção. “Modéstia à parte, nossa escola sempre vestiu seus casais muito bem. Eu gostei bastante da fantasia de 2020, da capoeira, em que viemos carecas. A fantasia era cheia de miçangas, bordado à mão. Eu amo todas, mas essa é um destaque”, relembrou o mestre-sala
Uma década de David Lima
No mesmo ano que Jéssica Ferreira e Vinícius Antunes chegaram à Unidos de Padre Miguel, o coreógrafo David Lima também estreou na agremiação no comando da Comissão de Frente. Com uma veia inovadora e vontade de surpreender desde os ensaios de rua e técnicos até o desfile oficial, o coreógrafo tem uma sensação de dever cumprido depois desses dez anos.
“O que passa na minha cabeça é que a cada ano precisa melhorar, mas uma sensação de dever cumprido. Quando eu fui convidado em 2013 para vir para a escola, os diretores e o presidente me pediram uma proposta diferente. Eles falaram: ‘Precisamos mudar a frente da escola, precisamos trazer uma cara nova para a Comissão de Frente; vai ser um desafio’. Desafio é comigo mesmo! Meu nome é Desafio. Eu trouxe, na primeira apresentação que eu fiz na quadra, quando me apresentaram, eu levei 22 bailarinos dançando uma coreografia para o samba passada e a comunidade foi abaixo. Eles ficaram surpreendidos com o que viram. Eu consegui cumprir o que pediram”, contou Lima.
David imprimiu uma característica irreverente e de surpresa para as comissões de frente da UPM. Por exemplo, para um ensaio técnico, o coreógrafo levou um grupo de mulheres nordestinas que durante a evolução faziam o parto suas crianças. Essa marca registrada, já deixa o público ansioso para saber as novidades que ele trará para Avenida a cada ano. Outro aspecto importante do seu trabalho é levar a comissão de frente para os ensaios de rua. É um registro do seu trabalho na escola, agora se vê de forma mais frequente nos ensaios das coirmãs.
“Hoje, a Unidos representa a realização de um trabalho. Tudo que eu idealizei na minha vida profissional no Carnaval ela conseguiu me atender, ela conseguiu viajar nas minha ideias. A confiança que a escola me deixa e a liberdade que ela me dá fazem toda diferença. A Unidos é uma escola que vem grandiosa desde a comissão, tirando pelo elementos cenográficos, pelas fantasias. Às vezes, o artista tem uma ideia muito boa, mas a escola não compra aquela proposta. Graças a Deus, aqui, esse casamento com a escola e com os carnavalescos funciona muito bem”, disse David Lima.
A sua estreia foi marcada por uma renovação de energia da Unidos de Padre Miguel. Segundo David Lima, a partir de 2014, a escola se mostrou cada vez mais aguerrida. “Ela sempre se mostrou aguerrida, mas foi um desfile que ela mostrou a potência que ela tinha. Eu costumo dizer que a escola tem uma capacidade gigante de estar no Grupo Especial por mérito dos profissionais. Em 2014, a escola ligou uma chave”, recordou o coreógrafo.
Apesar do objetivo de se superar todos os anos, uma coreografia de comissão de frente que ficará para sempre em sua memória é a de 2017. O enredo daquele ano era uma homenagem ao orixá Ossain. Além disso, o trabalho de 2015 interpretando Ariano Suassuna foi uma missão que o deixou orgulhoso.
Em 2023, ele tem o ineditismo de trabalhar com o carnavalesco Wagner Gonçalves, dupla de Edson Pereira, que já um veterano na escola. David Lima acredita que precisa haver um bom casamento entre os carnavalescos e a comissão de frente em prol da fluidez da entrega de um bom Carnaval. Os carnavalescos têm mostrado um cuidado especial com essa abertura da escola. David apresentou três propostas que foram avaliadas e uma foi aprovada pela dupla. É essa proposta aprovada que será lapidada e constantemente avaliada por esse trabalho em equipe.
A Unidos de Padre Miguel inteira vibra nessa vontade de levar a escola para o Grupo Especial, e não seria diferente com o coreógrafo David Lima.
“A minha expectativa é levar a escola para o Grupo Especial. Estamos trabalhando bastante há três meses de ensaio. Finalizando agora essa questão do elemento cenográfico. Eu quero atender tudo aquilo que foi pedido pela escola, alcançar as quatro notas 10 e chegar no Grupo Especial”, finalizou o coreógrafo.