A Unidos do Viradouro trouxe todo o lirismo do carnaval de 1919 para mais uma vez fazer um desfile com alto padrão de qualidade tanto na parte visual como nos quesitos de chão. A comissão de frente, outro destaque, aliou boa coreografia com efeitos surpreendentes e emocionou ao entregar a chave da cidade voando pela Sapucaí direto até o Rei Momo no alto do elemento cenográfico que representava o mundo renovado pós pandemia. As alegorias eram enormes e as fantasias bastante volumosas. A escola não errou em evolução e apresentou uma boa harmonia. Com o enredo “Não há tristeza que pode suportar tanta alegria”, a Viradouro foi a quinta escola do primeiro dia de desfiles do Grupo Especial encerrando sua apresentação com 67 minutos. * VEJA FOTOS DO DESFILE
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Comissão de frente
Coreografada e dirigida por Alex Neoral e Marcio Jahú, a comissão “E o mundo não se acabou” apresentou como como personagem central o pierrô, figura ilustrativa do espírito folião carioca. Na apresentação, ele enfrentava um mundo trevoso, dominado pela passagem da Gripe Espanhola. Os componentes que representam esse mal em suas expressões corporais, tinham movimentos estilizados da cultura hispânica, misturados com outros mais articulados, desconstruídos e bem-humorados. Como efeito, as caveiras desciam o maxilar em expressão de pavor gerando muitas reações no público.
Em seguida, o pierrô invocou “A Chegada do Carnaval de 1919”, representada pelo elemento cênico que traz a mudança da atmosfera pandêmica para a luz emanada dessa folia histórica. E a dança torna-se aérea e acrobática, expressando leveza e plenitude. Durante a apresentação, o pierrô protege um baú que contém o seu bem mais precioso: o Carnaval. Dentro dessa caixa, a chave da cidade, grande simbolismo na folia, como a esperança e retomada da alegria.
Por fim, o Carnaval consegue se vingar das restrições que o passado lhe impôs quando essa chave voa do pierrô na pista em direção ao Rei Momo que surgia na alegoria transformada, mais alta e imponente cheia de luz. Na pista outros pierrôs também apareciam para brindar o público com o retorno da maior festa popular. Realmente uma comissão que aliou coreografia, efeitos e principalmente, passou a mensagem positiva do enredo.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal, Julinho Nascimento e Rute Alves, vestiu a fantasia “Lumière, meu Rio!”, Representando luz sobre o momento trevoso que a sociedade carioca atravessava. “À luz do celeste” (Sol e Lua) intitulou o tema do primeiro baile pré-carnavalesco do Club dos Democráticos daquele ano. A mistura do prateado com o preto na fantasia estava bem incorporada ao início da agremiação. Na coreografia, a dupla mostrou muita sincronia em uma coreografia bastante intensa.
Em alguns momentos da dança, os dois abaixavam em reverência e levantavam rapidamente girando de braços dados com velocidade, mas elegância. Alguns pontos do samba eram bem marcados nos passos como “se afastou o mal”, em que faziam alusão a se jogar algo para o lado. Também no trecho “Fui ao terreiro, clamei: Obaluaiê”, com um passo afro. O ponto negativo aconteceu em frente à primeira cabine quando o sapato de Julinho saiu durante a apresentação.
Harmonia
A comunidade da Viradouro que já vinha cantando bastante no ensaio do pré-carnaval manteve o bom nível, não se percebendo alas com a maioria dos componentes sem cantar o samba. A interação com o público aconteceu e o trecho anterior ao refrão principal “carnaval te amo, na vida és tudo pra mim” ficou como o verso da escola cantado com maior intensidade na Sapucaí. O refrão principal “assinado um pierrot: apaixonado…” também se destacou no canto. Entre as alas que mais cantaram estavam “guerreiros paladinos”, do quinto setor, “os oito batutas”, “que além do infinito o amor se renova” e “banho a beira-mar”.
Enredo
O enredo ” Não há tristeza que pode suportar tanta alegria” apresentou uma ode à alegria de viver trazendo uma narrativa marcadamente histórica, linear, entrelaçada por uma via de sentimentos universais: a alegria, a liberdade e a esperança. O Rio de Janeiro enfrentou, no fim de 1918, a passagem da pandemia da gripe espanhola, que dizimou os sonhos de inúmeras famílias, fazendo brotar a insegurança na não realização da folia. Dividido em seis setores, o início trazia a representação da elite carioca que vestiu luto elegante durante a pandemia de gripe espanhola.
Em seguida, a escola apresentou os cariocas se vingando da morte, através do deboche no Carnaval de 19, e a vitória sobre a gripe. No quarto Setor a escola agradeceu aos principais heróis que defenderam a vida durante a pandemia. Depois, a Viradouro trouxe a Pequena África, onde acontece o Carnaval mais democrático da capital com foliões mais humildes reverenciando a negritude e o orixá da cura. Por fim, o último setor da escola referenciou o 5 de Março de 1919, com o Rio de Janeiro despertando em uma Quarta-Feira de Cinzas solar, evidenciando também que era no bairro do Barreto, em Niterói, que acontecia o mais importante carnaval da cidade sorriso. Em geral, a Viradouro trouxe fantasias de fácil leitura, aliou irreverência e emoção para contar a história e demarcou as mudanças nos setores com o estilo das fantasias e paleta de cores.
Evolução
Apesar de trazer um desfile grandioso com seis alegorias e dois tripés, além de um elemento cenográfico gigantesco na comissão de frente, a Viradouro teve uma evolução fluida, sem correrias, sem significativas paradas. Também não se observou alas emboladas, e as fantasias mais volumosas não chegaram a gerar nenhum problema de deslocamento. A se destacar a presença de coreografia em algumas alas como “os oitos batutas” e a primeira ” “dou um baile nas trevas” com os integrantes abaixando no trecho do samba “agradecer a saúde”.
A Viradouro também trouxe alguns grupos performáticos como “Linha de frente da Cruz Vermelha” e “Cirque American-France”, que fazia referência ao picadeiro presente no título da fantasia e no final do desfile “Circo de Março de 1919” que formava com algumas peças a mensagem “carnaval te amo, na vida és tudo pra mim” e a data também citada no samba.
Samba
O samba, que gerou muita discussão no pré-carnaval, passou a sua mensagem, teve um andamento um pouco mais acelerado com o trabalho da “Furacão Vermelho e Branco” de mestre Ciça, o que evitou que a obra ficasse arrastada, ajudando na evolução da escola. As vozes de apoio estavam bem entrosadas, deixando o intérprete Zé Paulo Sierra mais à vontade para trazer os seus costumeiros cacos e gritos de incentivo aos componentes. Uma das frases que mais ganhou destaque no pré-carnaval 2022, “carnaval, te amo, na vida és tudo pra mim” eram entoado com bastante vigor pelos componentes e o público em geral.
Fantasias
As fantasias da Viradouro foram outro ponto alto do desfile. Volumosas em sua maioria, faziam com que as alas tomassem a pista por completo em largura. E não pareciam oferecer limitações de movimento para os componentes, além de serem de fácil leitura. Importante citar também, o trabalho destacado de maquiagem em praticamente todas as alas, algo que já vem sendo comum nos desfiles da agremiação. No início, a ala “dou um baile nas trevas”, completamente escura, conversava esteticamente com os guardiões do casal que estavam no mesmo tom. As fantasias traziam as máscaras dos profissionais de saúde que foram resignificadas, virando adorno carnavalesco no carnaval de 1919.
O desfile começou a ganhar mais tons mais claros na ala das baianas “La dansarina”, de vermelho, personificando elementos da cultura hispânica. Do terceiro setor, o destaque ficou para “elite dos corsos”, em tons de laranja e rosa. No quinto setor com as fantasias trazendo mais a religiosidade de matriz africana, há destaque para a ala “guerreiros paladinos” representando um herói errante e destemido. Por fim, o sexto setor foi mais um brinde ao bom gosto com a ala “os trapeiros”, em tons de dourado representando figuras que surgiram na quarta-feira de cinzas envoltos em um mar de confetes e serpentinas, expressando a felicidade daquele carnaval de 1919.
Alegorias
A escola trouxe um conjunto alegórico arrebatador com muita beleza, luxo e tamanho. Foram seis alegorias e dois tripés. O carro Abre-alas “Segui seu olhar numa luz tão linda” apresentou o primeiro baile pré-carnavalesco do Club dos Democráticos, que teve como tema o Sol e a Lua, a alegoria era bem iluminada em tons mais claros e trazia pessoas presas em argolas girando durante todo o percurso da Passarela do samba. A se comentar um ou outro detalhe de acabamento na traseira do carro que poderia ter sido mais caprichado. Outro destaque, o tripé do segundo setor, representava o suposto remédio dado aos convalescidos pela Gripe Espanhola.
O quinto carro, trabalhado em tons de palha, “Fui ao terreiro, clamei Obaluaiê” trazia o orixá que contribuiu espiritualmente na cura da peste, a escultura da entidade era muito grande e se movia. E não podendo deixar de ser citado, o sexto carro “acordes virão da Viradouro”, o maior em largura, trazia a barca da revanche “Nictheroy-Rio”, levando ao congraçamento entre cariocas e niteroienses. Nas laterais, golfinhos, símbolo do estado do rio, giravam em uma boia. O vermelho da Viradouro e o tons de dourados compunha a belíssima alegoria. A segunda alegoria “o passageiro do talvez” passou na Sapucaí com algumas lâmpadas apagadas.
Outros Destaques
Os “harmonias” da Viradouro vieram vestidos de médicos em uma homenagem aos grandes heróis da pandemia. A bateria de mestre Ciça veio de “tropa do caveira” representando dois dos principais parceiros do fundador do Bola Preta . Mestre Ciça veio de Caveirinha, homenageando o fundador Álvaro Gomes de Oliveira, e a rainha de bateria, a atriz Erika Januza, representava a “Rainha do Bola”, musa que inspirou os fundadores na primeira apresentação do cordão em 1919.
A Furacão Vermelho e Branco realizou uma bossa com destaque para o naipe de pratos fazendo alusão ao ritmo das bandas de coreto. No quinto carro que homenageava o orixá da cura, mulheres jogavam as “Flores de Obaluaê” para limpar, descarregar e curar todas as mazelas. O único carro trazia um balão acima do grande barco que finalizava o desfile.