Por Rafael Soares e fotos de Nelson Malfacini
A União da Ilha foi a quarta a se apresentar na Marquês de Sapucaí neste sábado de carnaval da Série Ouro. A tricolor insulana levou o enredo “Doum e Amora: Crianças para Transformar o Mundo” para a avenida. A União da Ilha entrou com muita força na avenida. Já na comissão de frente foi apresentado um ótimo trabalho, em um número cheio de significado e representatividade. O casal de mestre-sala e porta-bandeira foi destaque, ao mostrar um bailado forte, limpo e veloz, com belas coreografias. O samba-enredo foi fortemente entoado por todo o conjunto da escola, resultando em uma harmonia de excelente nível. A bateria deu uma verdadeira aula de ritmo e de bossas, com alta qualidade musical, impulsionando ainda mais a agremiação, que também teve no carro de som uma atuação firme e competente. A evolução se mostrou muito fluida e compacta, sem qualquer tipo de problema. A parte plástica da escola esteve em ótimo nível nas alegorias, que eram altas, de muito bom gosto, coloridas e bem iluminadas. O padrão geral das fantasias era bom, mesmo com soluções mais simples, e interessante uso de cores. Entretanto, algumas alas tiveram pequenos problemas na execução dos figurinos, o que pode ocasionar leves penalizações.
Comissão de Frente
Com o nome de “Bate o Tambor pro Erê, para os que Vieram e para os que Virão”, a comissão de frente assinada pelo coreógrafo Márcio Moura trouxe um grupo de componentes pretos, com homens, mulheres e duas crianças. A maioria dos integrantes usava uma fantasia bem no estilo afro, com motivos bem característicos e cabelos black estilizados. O par de jovens representava Doum e Amora, ela com vestido vermelho, laço de fita e cabelo black aberto, ele com roupas brancas e chapéu na cabeça. Um outro integrante representava Obatalá, com pintura corporal branca, saiote branco, e carregava um globo do planeta Terra.
A maioria do grupo dançava no chão, com bom ritmo e sincronia, também fazendo poses e retornando à dança. As duas crianças eram cercadas e colocadas em destaque. Em determinado momento, fantoches pretos surgiam do pequeno tripé em formato de caixa, também estilizado de forma africana, e com o retrato de Amora. A palavra ‘Respeito’ também era formada em um painel. Quando a menina entrava pela porta do tripé, havia uma troca, surgindo uma outra integrante, adulta vestida de branco, com colares e adereço na cabeça. Muito simbolismo esteve presente na apresentação.
Mestre-Sala e Porta-Bandeira
O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Thiaguinho Mendonça e Amanda Poblete, veio com uma fantasia de nome “Etún”, representando a galinha de angola, maior símbolo de iniciação e individualização nas religiões de matrizes africanas. Com uma indumentária belíssima, a dupla mostrou um bailado de excelente nível. Amanda exibiu bastante expressividade nos sorrisos e olhares, além de velocidade e limpeza nos movimentos. Thiaguinho a cortejou com muita classe e beleza nas interações. A dança mesclou momentos mais tradicionais, com passos coreografados de acordo com o samba, usando bem a pista. No refrão de meio, os giros rápidos e seguidos de Poblete levantaram o público da avenida. Na primeira cabine, o mestre-sala teve um leve desequilíbrio na parte final da apresentação, mas nada que comprometa.
Samba-Enredo
O samba da União da Ilha tem uma letra forte que descreve bem o enredo, retratando a cultura afro-brasileira e a luta antirracista, com momentos de maior doçura na apresentação das crianças que conduzem o enredo. A melodia é pesada e valante, com bonitas variações para representar o mundo infantil e impulsionar o canto. Composto por André de Souza, John Bahiense, Ricardo Castanheira, Leandro Pereira, Leandro Augusto, João Assis, Flávio Stutzel e Vagner Alegria, a obra musical teve excelente rendimento na avenida. O intérprete Nêgo mostrou um notável desempenho ao cantar o samba, embalado pela bateria de mestre Marcelo Santos.
Harmonia
A comunidade da União da Ilha teve um canto muito forte em seu desfile. Os principais trechos entoados pelos componentes foram o refrão principal e o refrão de meio, mas é importante destacar que toda a obra tinha ótimo volume. A harmonia foi bem consistente entre todas as alas do cortejo. É até difícil destacar alas que tenham cantado mais, tamanha foi a qualidade de defesa do quesito. Merecem citação as alas “Nossos Personagens” e “Asas da Liberdade”.
Evolução
A evolução da agremiação foi bastante fluida durante a passagem pela Sapucaí. Imprimindo um ótimo ritmo de desfile, o quesito foi defendido de forma compacta durante todo o tempo. Não houve qualquer mudança brusca de passada ou abertura de buracos na pista. Além disso, os componentes estavam muito animados, cantando e brincando com espontaneidade e potência. A escola encerrou o desfile em 54 minutos com muita tranquilidade.
Enredo
A União da Ilha do Governador apresentou o enredo “Doum e Amora: Crianças para Transformar o Mundo”, um grande manifesto antirracista através do olhar infantil, utilizando a educação e o amor como armas nesta importante luta. As fantasias e alegorias foram de facilitada leitura, com materiais simples, símbolos e elementos bastante reconhecíveis e de comunicação com o público. A mensagem foi transmitida com força e clareza, indicando um belo trabalho do carnavalesco Cahê Rodrigues em sua narrativa.
Fantasias
O conjunto de fantasias da União da Ilha se mostrou simples em materiais, mas com boa leitura e bem acabadas em sua maioria. Brincando bastante com o uso das cores, o carnavalesco ainda conseguiu produzir figurinos chamativos e divertidos. A fantasia das baianas chamou muito a atenção. Outras que merecem destaque foram “Olorum”, “A Dança da Criação” e “Nossas Brincadeiras”. Entretanto, algumas fantasias mostraram problemas de execução, como as dos guardiões do casal de mestre-sala e porta-bandeira e a da ala “Nossa Força e Coragem”, que ficou bem diferente do projeto, sendo muito simplificada. O quesito é um ponto de atenção para a escola.
Alegorias
O conjunto alegórico da escola foi marcado pela imponência, altura, colorido e iluminação. O carro abre-alas, intitulado “Doum pelo Orun dos mistérios do Axé”, trouxe a representação do personagem em seu lar. Cercado de nuvens, a escultura central representa Obatalá. Os cavalos marinhos, símbolos da escola, aparecem representando seres míticos da fé. A alegoria era muito bonita, bem acabada e com excelente iluminação, realçando todo o trabalho. A escultura central era bem alta, chegando a 15 metros.
Na sequência do desfile, a segunda alegoria do Sereno, de nome “Viva o Encontro no Aiyê! É Festa de Erê!”, simbolizava a felicidade do encontro entre Amora e Doum, com os dois brincando na comunidade em que ela mora, além da presença de tambores batidos para os ibejis e para os erês. Um carro também bem alto, mostrando um colorido muito bonito e com ótima iluminação.
Por fim, o terceiro e último carro da agremiação, intitulado “Baobá, teu Legado é Imortal! Educar para Transformar!”, retratava um baobá imortal plantado por Doum e Amora contra todo racismo e toda desigualdade, representando o legado da transformação pela educação antirracista e da valorização da negritude. Seguindo o mesmo padrão, a alegoria era alta, bem acabada, original, colorida e iluminada, contando com telões de led, que funcionaram bem.
Outros destaques
A bateria do mestre Marcelo Santos teve um desempenho impecável no desfile da Ilha. Impressionou o ritmo adotado pelos ritmistas, que se mostrou perfeito para a execução do samba-enredo pelos cantores e pelos componentes da escola. Além disso, as bossas foram de grande qualidade musical, ousadas e perfeitamente executadas, gerando grande impulso para o cortejo e ótima comunicação com o público.