No segundo ano à frente do carnaval da Unidos da Tijuca, Jack Vasconcelos resolveu retratar a Baía de Todos os Santos, de um jeito peculiar e próprio que já vem fazendo com os enredos que escolhe. Jack vai tratar uma região de muita cultura e espiritualidade, de uma forma lúdica, concatenando as histórias e os aspectos presentes na narrativa através do olhar das próprias águas da baía. Depois da complexa e criativa construção narrativa do enredo sobre o guaraná no carnaval passado, o carnavalesco agora se deslumbra com um enredo que tenta fugir da concepção óbvia chamada de C.E.P e dar vida a toda a multiplicidade cultural da Baía de Todos os Santos, região de muitos encantos naturais do estado da Bahia, mas também da pesca e da população ribeirinha, das lendas e da religiosidade, da música, e das festas. Depois de enredos sobre o guaraná, a arquitetura, Miguel Falabella e a música norte americana, a Baía de Todos os Santos era um tema que já se comentava muito dentro da escola e logo após o último desfile ganhou força.
“Desde o final do carnaval passado, já se ventilava por aqui uma ideia de se fazer algo sobre a Baía de Todos os Santos, porque isso é natural de às vezes nas escolas a gente ter alguma ideia de enredo que a gente acaba discutindo em comum no corredor, ou alguém da diretoria que conhece alguém que foi em algum lugar e aí acabam vindo algumas ideias. E da Baía de Todos os Santos era um que estava bem forte, e o presidente Fernando Horta me perguntou se eu tinha alguma preferência de tema para o próximo ano e eu acabei externando a minha vontade de fazer o da Baía. E foi o escolhido e a gente desenvolveu”, revela o carnavalesco Jack Vasconcellos.
E para esta produção, Jack conta que durante o processo de pesquisa conheceu muito de um pedaço de Brasil que até então para ele era desconhecido, mesmo que fosse falado em outras esferas e outros ambientes externos ao carnaval. O artista define também que conhece um pouco mais do Brasil a cada trabalho que desenvolve.
“A gente no eixo Rio e São Paulo às vezes acha que conhece tudo de todos os lugares, aí toda vez que eu viajo para outro lugar fora daqui eu me surpreendo e vejo que a gente não sabe nada de Brasil. Eu já tinha levado um ‘tapa’ de Brasil quando eu viajei para Fortaleza para pesquisar sobre o Bode Ioiô no Tuiuti, e levei outro quando fui para a Baía de Todos os Santos. Porque são lugares que te trazem uma carga, um peso histórico e até energético muito grande. A experiência que eu tive na Baía de Todos os Santos foi quase espiritual. Eu viajando pelas Ilhas, em algumas cidades que a gente teve oportunidade de conhecer também para enriquecer a pesquisa, a carga de informação e de peso histórico mesmo, coisas antigas, coisas que você nem imaginava que poderiam acontecer e que aconteceram e as provas estão lá é impressionante. Uma coisa é você ler em um livro, ler em um artigo em site, mas quando você vê a parte da história do seu país ali na sua frente, materializada em um objeto, numa ruína, ou em um instrumento musical que foi trazido de um outro lugar do mundo alguns séculos atrás, isso muda a pessoa, muda a visão que a gente tem do nosso país, do país que eu vivo. A visão do país que eu nasci muda a cada ano em que eu faço um carnaval. Nela vão sendo anexadas mais coisas. É maravilhoso. E aconteceu muito isso o tempo inteiro”, entende o carnavalesco.
Jack Vasconcelos explica como aconteceu a viagem a Baía de Todos os Santos que foi fundamental para que o artista pudesse reproduzir de forma mais certeira e precisa as maravilhas da região baiana.
“Passei quatro dias intensos lá. Eu acordava de manhã super cedo e a gente chegava no hotel muito tarde e no dia seguinte tinha outra viagem, outro lugar. Eu, por exemplo, passei um almoço no restaurante escola do SENAC e eles me deram uma aula de história da Bahia através da comida, das coisas que eu ia comendo, eles iam explicando o prato, como, quem trouxe e o que misturou com o que. O tempero era indígena que misturou com o africano que veio daquela região. Só isso já daria um enredo. Foi maravilhoso. Sou muito grato ao universo, a vida, por ter me proporcionado essa oportunidade de fazer essa viagem com essa atenção que eu tive lá. A gente foi muito bem tratado. Foi uma atenção absurda que eles deram pra gente e o apoio que deram depois em termos de material, de pesquisa, que é impressionante”.
Enredo pode ter pontos comuns com outros carnavais, mas com a visão única
A Unidos da Tijuca não será a única agremiação a falar de uma temática que está ligada territorialmente ao estado da Bahia. A Mangueira, em 2023, levará para a Sapucaí os cortejos afros do estado, enfatizando um toque feminino. A Bahia, aliás, sempre esteve muito presente no carnaval carioca, na produção dos enredos, pela proximidade cultural e até religiosa que a cultura baiana tem com a cultura do carnaval em si, e do carnaval carioca propriamente dito. Mas, a Azul e Amarela da Zona Norte, vai trazer para este desfile uma visão diferente da região, em primeiro lugar com um recorte territorial bastante específico, e também com um olhar para o enredo e para a narrativa bastante peculiar do carnavalesco Jack Vasconcelos.
“Nós não estamos falando do estado da Bahia, falamos sobre a Baía de Todos os Santos, isso já dá um recorte bem específico, porque a gente está falando de uma região. Acho que é possível que os enredos se beijem em alguns momentos, natural. Eu não costumo pensar no que o outro está falando para fazer diferente. Eu faço do jeito que eu acho que deve ser feito para o meu enredo ser entendido. E eu acho que o que diferencia nosso enredo de outros que falaram de Bahia no geral é muito a questão da abordagem. A gente está falando sobre a região da Baía de Todos os Santos, e quem conta essa história é a própria água da Baía de Todos os Santos. Isso já dá um visual diferenciado porque sempre tem alguma coisa que liga como se a água estivesse te falando sobre aquilo. Não é tão compromissado com o real. A gente conseguiu uma narrativa lúdica para o visual da escola, para poder abordar as passagens do enredo”, esclarece o artista.
Parte estética não deve seguir desfile do carnaval passado
Sobre a parte estética, Jack, que foi muito elogiado pelo o que apresentou na Tijuca em 2022, afirma que o público não deve esperar uma continuação plástica porque a temática é completamente diferente, inclusive a visão dos narradores é completamente distinta.
“Eu costumo ser empregado do enredo. Eu boto a minha percepção artística a serviço do enredo. Acho que a gente sempre fica com um pouco da experiência do que a gente fez antes, isso acaba permanecendo nos trabalhos, porque a gente aprende com as experiências, mas é uma outra história. Então não faria sentido eu continuar com a mesma pegada porque não é o Curumim Kauê que está contando essa história. Aquela era a visão do Kauê contando o enredo. Através do filtro artístico do Jack, mas era o curumim, o olhar dele contando aquela história. Como agora é o olhar das águas da Baía de Todos os Santos contando a história dela”, define Jack.
Muitas vezes retratado com um carnavalesco tropicalista pelos temas e o uso de cores, Jack confessa que gosta mesmo de um trabalho colorido desde que conectado com a temática do enredo.
“Eu gosto de ter a fantasia que eu vá mudar de enredo para enredo. Eu sei que isso não é possível cem por cento. A gente sempre vem de alguma coisa, é natural. Mas, eu tive o Kauê no ano passado, contando a história do guaraná, que foi um visual de carnaval que deu muito certo aqui. Só que eu não posso repetir essa linguagem porque o meu narrador então é outro. Eu tenho outro personagem contando outra história. Aquela linguagem já não serve para cá. Então eu vou estudar e vou experimentar outras coisas para que a Baía de Todos os Santos seja entendida como Baía de Todos os Santos e não como o Kauê contando essa região. Acho que falam de tropicalismo por causa da cor. Eu gosto muito de colorir tudo. Mas eu acho que a cor é uma ferramenta de comunicação muito potente. O Carnaval por si só a gente já espera muito colorido. Acho que cor é fundamental no diálogo com o público e no visual”, explana o carnavalesco.
O artista acrescenta, ainda falando da parte plástica do desfile, que não procura desenvolver estereótipos para a sua forma de fazer carnaval. Segundo o carnavalesco há espaço para o moderno e para o tradicional.
“Acho que podemos ter uma Tijuca de tudo um pouco. Tradicional, mas com inovação. Não tenho essa neurose, não fico perseguindo ‘Ai! eu preciso ser inovador’, não. Acho que as ideias quando são boas vão acontecer. Pode ser uma ideia antiga, e está sendo revisitada. Porque nada é novo. A gente sempre vai partir daquilo que a gente já viu antes. Tudo é inspirado em alguma coisa que você já viu na vida em algum momento. É um processo evolutivo”, acredita o artista da Unidos da Tijuca.
Enredo é trunfo, mas escola tem outras grandes apostas para este carnaval
Sempre muito elogiado, a construção e o desenvolvimentos dos enredos por parte do Jack de forma criativa mas também clara é sem dúvida um grande trunfo da Unidos da Tijuca. O fato de ter escolhido um tema tão rico em cultura e diversidade também pode render um grande desfile. Mas Jack Vasconcelos acredita que a agremiação também vai ter outras armas, principalmente a vontade que a comunidade tem demonstrado nos ensaios para cantar o samba e evoluir com alegria.
“A gente tem um enredo muito bom, a gente tem quesitos muito bem ensaiados e preparados para o desfile. O desfile da Tijuca como um todo acho que será muito bom. A gente tem componentes apaixonadíssimos pela escola, eles nem cantam, gritam o samba-enredo. Isso é uma coisa tocante, dá alma para o que a gente faz aqui. A gente trabalha em objetos inanimados, e aí eles vão ganhar vida lá na Sapucaí. Saber que eles vão ganhar essa vida toda, é incrível. Até a gente do barracão está ansioso com o desfile, porque a gente sabe que vai ser incrível”, aposta o artista.
E o casamento entre Tijuca e Jack vai se desenrolando bem em seu segundo ano. O artista conta que já está bastante adotado à agremiação e que tem desenvolvido uma relação muito boa com os segmentos, diretoria e comunidade
“Trabalhar na Tijuca é muito bom porque tem uma vibe muito sossegada, um negócio bacana. Eu tenho liberdade para trabalhar mas também sei que tenho os meus limites porque existe um diretor de carnaval que também tem a área de atuação dele, eu respeito o espaço do Casagrande, da presidente da ala das baianas, que tem tal necessidade com a roupa, passistas a mesma coisa. Eu me sinto respeitado e também respeito. E a gente dialoga bem e faz um bom projeto”, conclui o carnavalesco.
Conheça o desfile da Unidos da Tijuca
Para 2023, a escola do Morro do Borel vai levar para a Sapucaí cinco alegorias, sendo o abre-alas acoplado, dois tripés, mais o elemento cenográfico da comissão de frente. O contingente é de cerca de 3200 componentes e 28 alas. O carnavalesco Jack Vasconcelos esclareceu mais sobre os setores do enredo “É onda que vai… É onda que vem… Serei a Baía de Todos os Santos a se mirar no samba da minha terra”.
Abertura: “Kirimurê, no primeiro capítulo a gente fala da prisão dos tupinambás. Contamos a origem da Baía de Todos os Santos”.
Segundo Setor: “É o capítulo que fala sobre o povo que existe desde o descobrimento pelos europeus até a construção do sentimento de pertencimento da população que vai acabar nascendo, vai se encontrar ali”.
Terceiro Setor: “A gente fala da religiosidade que já são os frutos desses diálogos e a gente tem a relação com a religião de forma muito particular, essa troca da africanidade com o católico, com o indígena”.
Quarto Setor: “A gente fala da relação da população ribeirinha com a Baía de Todos os Santos. A tradição da pescaria, das marisqueiras, da produção destes lugares e como se transita nessa baía, como vão parar nos mercados e nas feiras”.
Quinto Setor: “A gente fala sobre a natureza, citamos as ilhas e a relação do meio ambiente com as lendas”.
Sexto Setor: “O processo de carnavalização das festas e essa relação deles com as festividades, com a alegria”.