A segunda escola a desfilar no sábado, dia 10 de fevereiro, a Tom Maior vai cantar “Aysú: Uma História de Amor” e sob comando do carnavalesco Flávio Campello. O enredo é baseado no mito grego de Orfeu e Eurídice, assim surgiu o novo formato indígena que será contada pela agremiação que busca o primeiro título do carnaval em sua história. Com quatro anos na agremiação, e o terceiro carnaval, pois em um dos anos não teve desfile devido a pandemia, Flávio Campello vai cada vez soltando mais o seu estilo nos enredos e desenvolvimento artístico. Em conversa com o site CARNAVALESCO, no barracão da escola localizada na Fábrica do Samba, contou sobre os detalhes que serão apresentados na avenida.
Surgimento de Aysú durante as férias
O enredo surgiu durante as férias do carnavalesco entre o carnaval 2023 e 2024, aquele período curto que os profissionais do samba tiram para relaxar. O artista, Flávio Campello costuma estudar bastante e ter ideias, em uma delas se deparou com a história de Orfeu, assim surgiu Aysú…
“Aysú surgiu após o carnaval 2023, eu tirei umas férias, precisava tirar 30 dias de férias e geralmente quando eu tiro férias eu costumo ler muito, ouvir muita música. Eu sempre gosto muito de estar nessa vibe e eu acabei mergulhando um pouco na atmosfera de Vinícius de Moraes que é um grande compositor, o famoso poetinha como todo mundo conhecia e é um cara que por um acaso me deparei nessa loucura que foi minhas férias em relação a isso. Que eu me embebedei de Vinícius de Moraes com uma obra do Orfeu da Conceição. E essa obra Orfeu da Conceição, ela deu aquele start na minha cabeça no sentido assim, cara, o Vinícius foi genial em transformar esse mito europeu, esse mito que nasceu na Europa, um mito grego e depois transformado em ópera, que a ópera inclusive mais antiga em atuação até hoje, né? Que ali é Orfeu. Falei o Vinícius conseguiu transformar esse mito numa atmosfera do carnaval do Morro carioca, dessa coisa toda do negro da favela, tocava violão… E eu falei cara foi uma genialidade essa sacada e eu falei ‘o mito nasceu europeu, branco, ele se empreteceu com Vinícius de Moraes, está na hora dele ganhar um outro Tom”.
Neste novo tom, o carnavalesco resolveu trazer um tema que está bem atual no Brasil devido a inúmeros fatores: “Que os povos originários na época da minha de férias, ali depois do Carnaval, estava em alta, né? Porque o atual governo ele acabou inserindo muito essa questão dos povos originários na própria gestão dele e a gente viu que têm ministra que é representante dos povos originários, então comecei a perceber o quão importante seria de repente fazer um enredo onde nós pudéssemos fazer uma exaltação aos povos originários. Então a partir daí surgiu a ideia de transformar o mito de Orfeu em ‘Aysú uma história de amor’. Onde o Orfeu ganha uma denominação chamada Abaeté no nosso enredo e a nossa Eurídice europeia ganha traços indígenas transvestidos de Anahí. Então são dois personagens protagonistas do mito que a gente abrasileirou no Brasil, no Pindorama, antes dos portugueses, então o nosso mito começa ali em 1499″.
Mergulhando no enredo cheio de mitos
O carnavalesco da Tom Maior, Flávio Campello, mergulhou bastante nas histórias dos mitos, não somente dentro de Orfeu, e na grega, mas sim na mescla com outras mitologias. Assim, desenvolvendo seu enredo para o próximo carnaval.
“Todos os mitos eles se encontram de uma tal maneira que me fascinou bastante no desenvolvimento desse enredo. A gente tem deuses na mitologia grega que ganharam uma roupagem romana que você percebe que tem mais identificações egípcias, nórdica, própria indígena. Então, você percebe que os mitos eles sempre têm uma versão mitológica que parece que é uma versão padrão onde as divindades se assemelham muito e a partir daí a gente começou na pesquisa do enredo a fazer adaptações de personagens que existem no mito de Orfeu grego e adaptando nesses mitos indígenas. Por exemplo, Ticê e Anhangá são os deuses do nosso enredo do submundo. Temos víbora do mito grego que acabou se transformando aqui na Boiúna, que é uma grande cobra lendária dos povos originários. Então começou a reescrever esse mito com essa temática totalmente indígena. Uma adaptação respeitando obviamente todos os mitos e religiosidades dos povos originários. Então é um enredo que assim eu agradeço a Tom Maior por ter me proporcionado esse presente. Porque eu adorei desenvolver esse enredo, desde o primeiro momento quando eu apresentei para a escola, eles adoraram também a ideia, eu via que as pessoas ficaram muito curiosas em saber de que maneira que a prática desse desfile iria ser feita e quando eu apresentei o projeto todos eles perceberam que nós vamos levar para Avenida uma grande Aldeia. Então é isso que a gente quer transformar no Anhembi no dia 10 de fevereiro, queremos fazer um carnaval onde os povos originários estarão presentes em todas as fantasias e em todas as áreas, alegorias, sempre com alguma referência cultural e com alguma referência na arte indígena. Tô muito feliz com esse presente que a Tom Maior me proporcionou!”.
Ópera na Tom Maior?
Apostando na mescla de cores vibrantes e obscuras de acordo com o setor e a história sendo contada, teremos uma ópera de Orfeu no Sambódromo do Anhembi. O carnavalesco Flávio Campello contou um pouco sobre o trabalho que vai para a avenida e elogiou o samba-enredo escolhido.
“Nós apresentaremos esse carnaval como uma forma de Ópera. Costumo dizer que a inspiração para o desenvolvimento disso foi inspirado mesmo numa ópera e eu acabei me aprofundando um pouco. Vi alguns vídeos das montagens da Ópera de Orfeu que até hoje na Itália está sendo encenada e eu pude perceber essas questões de mudanças de cor, de cromática para se falar de um certo momento do mito. E graças a Deus, parece que desde quando a gente começou o concurso do samba-enredo, quando nós escolhemos esse samba-enredo que vai ser cantado pela multidão da Tom Maior que a gente sabe que é um samba que já está arrepiando. Percebo que até o samba conseguiu entender numa versão melódica, as nuances de cores que eu vou levar para Avenida. Tenho cores vibrantes, quando precisam ser vibrantes, eu tenho cores mais obscuras onde preciso ser mais obscura e eu termino o carnaval com a explosão. E essa explosão de cor que eu termino o carnaval é justamente para demonstrar que esse mito por ter sido uma tragédia porque na verdade esse mito ele não tem um final. Vamos transformar esse mito no final feliz, eu quero que a Anahí e Abaeté vivam felizes para sempre. A gente vai proporcionar no desfile um final feliz finalmente para Orfeu e Eurídice”.
Vale lembrar que em 2022, o Flávio Campello trouxe o Pequeno Príncipe do Sertão, também uma adaptação de uma história europeia para a realidade brasileira. Além disso, também usando uma referência adaptada por brasileiros.
Abre-alas promete impactar no Anhembi
Com o selo Flávio Campello, as alegorias virão grandiosas como costumam ser nos trabalhos do carnavalesco.
“Olha, eu só posso adiantar uma coisa: o nosso abre-alas medimos com a questão das acoplagens, gerador e tal, ele vai chegar aos 70 metros de comprimento. Então as pessoas podem esperar uma alegoria gigante como eu gosto de fazer como eu fazia no Império. Sempre gostei muito de alegorias grandiosas, gigantes assim, quando entra na avenida que criam um certo impacto e esse ano retomou essa questão e estou muito feliz com isso e ao mesmo tempo triste. Porque eu não tenho mais espaço no meu barracão”.
Conjunto de visual é o trunfo para o carnavalesco
Sempre perguntamos para os carnavalescos em relação ao trunfo do desfile, e para o artista da Tom Maior, o momento chave na verdade é um conjunto de fatores visuais.
“Pela primeira vez, eu não tenho um momento, de verdade, esse desfile ele está com características tão diferente de alegoria, uma diferente da outra. A gente está com uma pegada mais artística, mas respeitando essa coisa do artesanato indígena no nosso carro dois. Tem um abre-alas que tem um encantamento de cores. Temos um carro três que é um carro mais obscuro, que aquele carro que fala do abismo da saudade. Nós temos uma Boiuna, nós temos uma escultura de chão que tem 15 metros de altura. Então a gente tem aí alegorias que cada uma tem uma característica muito diferente da outra e ao mesmo tempo eu creio que nossos grandes trunfos seriam, talvez essas alegorias. Acredito que cada alegoria vai transmitir aquilo que o samba fala, né? Principalmente melodia quando tem a parte mais tenebrosa, obscura, o samba tem aquela caída. Então as pessoas vão se identificar com aquilo na alegoria. Quando o samba tem uma explosão, a gente percebe isso na explosão que aquela alegoria representa, a paleta de cores. O visual conjunto que a gente está levando para a Avenida eu acho que será o grande trunfo da gente”.
Cinco setores contarão Aysú no Anhembi
A Tom Maior terá cinco setores para contar seu enredo na avenida do Anhembi, e o carnavalesco Flávio Campello contou cada um.
Setor 1: “Comissão de frente vamos fazer o encontro dos três mitos, né? Então a gente na comissão vai tratar ali do mito grego, do mito do Morro da Favela, do carnaval e do mito indígena. Nós teremos o encontro das três raças que eu costumo brincar assim na comissão que fala desses três mitos. Temos uma ala de baiana que é o meu xodó, eu acho que é uma ala que me encanta desde a hora que a gente construiu até porque cada fantasia da baiana tem cerca de 500 penas de pato, que a gente fez todas elas manualmente cortando, ou seja, é uma fantasia totalmente indígena. Porque ela é vem representando obviamente a protagonista do nosso enredo a Anahí e nós temos a primeira ala da escola que eu gosto demais que é o Abaeté que é o personagem quando ele recebe a flauta. É uma abertura que eu acho que tem tudo a ver, sabe? Acredito que ela vai emocionar ali a abertura. Temos uma alegoria, um abre-alas que é gigante e tá com umas cores maravilhosas. Eu amo. Temos um jacaré de 30 metros de comprimento. Então esse jacaré, ele é todo articulado para fazermos o movimento desse jacaré. Vamos ter vinte pessoas dentro do jacaré. Estou muito feliz com esse visual que a gente criou para abertura da escola”.
Setor 2: “Temos um segundo setor que fala do mito de Arapiá e Numiá que a gente se inspirou inclusive no samba raízes de Vila Isabel que eu falei pô, esse mito que o Max fez ali na Vila Isabel falando de Arapiá e Numiá, e as Quatro Estações e tal, é um mito triste. Porque fala que aquele caminho que Numiá e Arapiá tomaram, levou a um rumo que abalou tanto o casal como os filhos, né? Então esse mito mostra o quanto o amor pode ser traiçoeiro. Quando você deixa a essência de ‘Aysú’, do amor, de lado e passa a deixar a cobiça, a ambição, a sede pelo poder tomar conta disso tudo você acaba perdendo a essência dos sentimentos. E Arapiá e Numiá foram castigados sendo cada um transformado no sol e na lua e os quatro filhos, eles acabaram se separando onde cada um por anos ficavam apenas governando por três meses. Ou seja, a família foi toda destruída, disseminada por conta disso, desse erro do amor”.
Setor 3: “E aí mostramos que o cacique quando conta este mito mostra para Anahí e Abaeté que eles jamais podem seguir esse caminho, né? E aí você percebe no terceiro setor que a gente já começa a mudar um pouco a paleta, começa a ficar sombria, que é quando começamos a mostrar para o público a perda de Abaeté para Anahí. É quando a Anahí cai num abismo da saudade quando a Anahí leva a picada da boiuna. Então a gente tem uma escultura de Chandoré, tem as culturas de Guarandirô que é o Deus da noite, então é um carro mais obscuro”.
Setor 4: “Tem o quarto setor que é o setor que fala que com como o Abaeté perde a sua amada, ele acaba perdendo automaticamente a vontade de tocar aquela flauta. Porque aquela flauta que mantinha toda a harmonia entre os mil povos que existiam aqui no Brasil e com o deixar de tocar a flauta. Começam a surgir coisas dentro do nosso pindorama que acabaram refletindo até hoje para a gente. Eles veem os Caraíbas surgindo no grande oceano, começam a ver que os Caraíbas trazem o sangue para o solo, o sangue para as águas do rio”.
Setor 5: “Fechamos no quinto setor com um Despertar de Monã através de ser tocado pelo sentimento de ‘Aysú’. Ele fala para Abaeté, precisamos muito de você para poder proporcionar novamente a harmonia entre os mil povos entre essa terra que eu criei, preciso que você volte a tocar flauta e eu tenho um uma proposta para te fazer. Vou te dar uma terra que eu criei que é o Ybymarã, que é uma terra sem males, que é uma terra onde todo mundo vive feliz, todo mundo tem esperança e vou deixar vocês dois viverem felizes para sempre, mas como uma condição você nunca deixa mais de tocar sua flauta. Nosso carnaval é isso, é um carnaval onde a gente transforma um mito de Orfeu e Eurídice de Abaeté e Anahí com um final feliz”.
Uma história de amor também entre Flávio Campello e Tom Maior
Terceiro carnaval do Flávio, e seria o quarto, são quatro anos na agremiação e assim como o enredo, também tem sido uma história de amor: “É uma escola que me conquistou, né? O Carlão é um cara que na minha opinião é um exímio administrador, um gestor incrível, é um cara que me conquistou no período inclusive da pandemia. Pois na pandemia eu vi que muitas escolas não tiveram condição de manter a ajuda para os profissionais, às vezes tinham que depender até da cesta básica que as escolas conseguiram arrecadar foi um momento muito difícil. E o Carlão ele nunca me deixou desamparado. Até no momento mais difícil da minha vida que foi ali quando ouve a Bendita da pandemia eu fechei na Tom Maior no finalzinho de março e quase um mês depois eu estava internado em coma, entubado e etc… E o Carlão desde daí ele nunca me abandonou, sempre esteve comigo sempre me dando todo o suporte que eu precisava, então é um cara que além de presidente eu considero como um grande amigo, né? Criamos uma relação de amizade bacana. É um cara que vem aqui no barracão todos os dias, ele tem uma sala dele aqui no terceiro andar e ele está pelo Barracão. Quando ele não está, ele está na sala dele, então é um cara que está presente. E ele está se esforçando ao máximo para garantir o maior desfile que a Tom Maior já fez, que é o que ele está orgulhoso, ele bate no peito, quando ele vê as coisas, ele fala ‘nunca pensei que nós iríamos chegar na Avenida desta maneira’. Porque ele percebe o quanto valeu a pena saber cada investimento, cada centavo investido na escola. Então eu creio muito que ele na minha opinião vai proporcionar juntamente com a nossa equipe de trabalha aqui o maior desfile desses 50 anos de Tom Maior”.
Ficha técnica:
Alegorias: quatro (cinco setores)
Componentes: 1.700
Alas: 17
Tripés: 2
Diretor de barracão: José Adelson David (Gordo)
Diretor de ateliê: Assis Motta