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Série Barracões SP: Camisa Verde e Branco busca retomada com enredo que dá voz a ‘Invisíveis’

Tradicional escola de samba do carnaval paulista contém nove títulos do Grupo Especial, mas não disputa o mesmo desde 2012. Buscando a retomada para a elite, o Camisa Verde e Branco tem como enredo ‘Invisíveis’, a ideia é trazer vozes que são caladas pela constituição e assim virá no seu conjunto alegórico e de fantasias. É a terceira escola a desfilar no domingo, 19 de fevereiro, no Grupo de Acesso I.

Na visita no barracão do Camisa Verde e Branco, na Fábrica do Samba II, o carnavalesco Renan Ribeiro contou sobre a ideia do enredo em dois momentos: “O enredo nasce a partir do momento que tenho uma visão que o carnavalesco tem uma função além de cultural, agente de cultura, tem uma função de cronista social, porque marcar o período, é meu jeito de pensar. E estamos passando por um período que questões sociais se esticaram, foram levadas a consequência muitos sérias. E as distorções sociais se tornaram fatores muito evidentes no dia a dia, então baseado no momento político que vivemos e como isso tem interferido no dia a dia, senti a necessidade de falar sobre essas distorções sociais, baseado nos direitos sociais e usando o artigo sexto da constituição. Onde diz que é direito de todo mundo brasileiro, educação, saúde, moradia, trabalho, segurança pública, enfim uma série de direitos, que o estado não cumpre. Daí não falo de governo, de política partidária, falo de política social e daí eu baseado em série de leituras, sociologia, antropologia, faço esses estudos sobre movimentos sociais que buscam fazer as leis serem cumpridas nesse vácuo da constituição”.

Complementando sobre o enredo, o jovem carnavalesco do Camisa, reforçou para o site CARNAVALESCO sobre trazer ‘Invisíveis’, apenas um nome no título, mas que diz muito sobre o que irá contar nesta temporada.

“E Invisíveis nasce baseado em cima de um livro, do escritor Léo Pessoa, que chama ‘Pessoas Invisíveis’, a visão é que o cidadão se torna invisível a partir do momento que algum dos seus direitos não são cumpridos. Então a partir do momento que o Judiciário, que é o guardião da constituição, não cumpre a função de fiscalizar o cumprimento da lei, alguém vai se tornar descoberto, e a partir disso alguém vai se tornar invisível frente a constituição, dai nascem os invisíveis, em pessoas que servem o sistema enraizado nas pessoas. Uma máquina institucionalizada, que desde 1500 vem sendo construído esse modelo social, dos ricos, cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. O brasileiro vem de geração em geração resistindo a essas distorções sociais, o grande pensamento do enredo invisíveis é o questionamento, tudo é feito em cima de questionamento”.

Nomes importantes estudados e a ideia do enredo

Contextualizando toda a história de seu enredo e através de nomes importantes que aparecerão no desenvolvimento de cada setor do Camisa Verde e Branco no Anhembi. Renan Ribeiro revelou as fontes de estudo e o que pretende abordar neste trabalho.

“No texto falo que o Camisa em 2023 vem perguntar, indagar, questionar e interrogar. Até onde a gente aguenta, até onde isso vai e quantas mais pessoas irão lutar por isso. Com base nas perguntas, a escola vem respondendo quem são esse povo, esses invisíveis, pessoas que nasceram no meio dos invisíveis que conseguiram fazer com que esse direito fosse cumprido. Tenho Irmã Dulce pelo direito à saúde, Paulo Freire na educação, Orlando Villas-Bôas nos direitos dos povos originários, Zilda Arns no direito das crianças, Lélia Gonzalez nas questões raciais, Marielle Franco pela segurança pública e Betinho pela alimentação. Então são tantos brasileiros que nasceram e estiveram com a vida missionada em cumprir suas missões sociais e o enredo nasce a partir disso”.

Curiosidades na pesquisa

Muito estudioso e gosto pelo processo de pesquisa, Renan Ribeiro descobriu situações de personagens da história que se cruzaram em lutas. Formando assim uma ‘trincheira’, nome utilizado pelo carnavalesco do Trevo.

 

“Acabei vendo que várias histórias se cruzam, de várias militâncias, que tenho chamada de trincheiras que se cruzam. A maior delas, para mim, que é o personagem brasileiro, a figura que encerra o desfile é Betinho, que trouxe para mim esse instinto brasileiro missionado de força interna, que apesar de tudo contra todo dia. Que ainda é um país que preza a alegria, não é um povo melancólico, não é um povo que sabe lidar com a tristeza com melancolia. Mesmo tendo sido atacado durante séculos, diariamente ainda tem essa luta. Betinho é uma figura central do enredo, é um símbolo do enredo, ele esteve em todas as lutas, todas as trincheiras, ele talvez seja essa linha que vai amarrando todas essas lutas sociais”.

Alegorias de uma forma visando o público e as cores

Com uma visão que talvez seja um pouco diferente do carnaval atualmente, que visa grandiosidade, tamanho, Renan Ribeiro foca muito no público, e de todos os setores possam acompanhar o seu projeto artístico. Contou um pouco sobre a execução e como virá o Camisa em 2023.

“As alegorias diminuíram em relação ao ano passado, que tivemos um abre-alas com tamanho bem considerável. Neste ano me ocupei em diminuí-las, para tornar as alegorias em uma proporção mais humana. As alegorias do Camisa não tenho focado em tamanho e tenho focado mais em distribuição de pessoas, agregar linguagens artísticas em cima da alegoria com parte plástica, cênica, coreográfica, gosto de misturar isso. Carros são cenários, penso carro alegórico como um cenário deste cortejo que se apresenta no desfile, então parte do princípio que os atores que estão em cima ocupem dessa alegoria de forma a torná-la viva, e mostrar todos os planos dos espectadores, desde a cadeira de pista até a monumental que todo mundo tenha contato com alegoria de forma ampla, degustar de forma plena, a alegoria. Minha preocupação neste ano é focar na questão cenográfica, todos os carros têm essa cara mais cenográfica”.

Em relação às cores que trabalhou, claro, o verde é um que inicia todo o processo. Mas ao longo do desfile vai mudando, e contou como será o estilo do Camisa Verde e Branco no desfile sobre os Invisíveis.

“Naturalmente se eu fizer o Camisa sem verde, eu morro, mas assim, respeito muito questões identitárias, como ela se vê, se sentir representado, o Camisa Verde ter cara do Camisa Verde. Abertura da escola, gasto todos os meus lápis verdes, tons de verde, na frente. Mas neste ano bem mais, no ano passado usei outras cores, uma paleta mais abrangente, tem no meio do desfile, posso dizer que começa e encerra muito Camisa Verde. Mas no meio tem paletas de cores, outras, até para poder ilustrar a diversidade que tem nas camadas sociais. E daí a representação. Me apego muito a cor, gosto muito de misturar cor, então me atentei muito no meio do desfile em dar essas sensações até por um estudo semiótico que gosto de fazer, com questões cromáticas e as sensações que podem causar no espectador. Então essa minha pré-disposição ficou à vontade para trabalhar no meio. Mas a cara é o Camisa Verde, de verde”.

Ponto chave do desfile

O carnavalesco deu sua opinião sobre os momentos que deve mexer com o público na passagem do Camisa Verde e Branco no desfile de 2023. É sempre um momento complicado, afinal, o artista é quem cria toda a obra, então destacar um momento geralmente mostra que é difícil para o mesmo, mas Renan Ribeiro destacou com tranquilidade os pontos que destaca.

“Temos alguns pontos dentro do desfile que gosto de chamar atenção. Para frente da escola, abertura, forma que o personagem invisível é apresentado, principalmente no abre-alas, onde tenho quantidade de pessoas grandes. Onde tenho um conceito visual diferente do tradicional de abre-alas, é um ponto legal, a quantidade de pessoas e como elas se distribuem dentro do carro e como se tornam vivas. A bateria representando a reforma agrária, é um ponto muito importante para mim. Mas dentro de todo o desfile, até por uma questão de narrativa, a presença de dona Nita Freire, no carro 2, é uma coisa muito marcante e extremamente simbólica para o desfile. Nos seus mais de 90 anos de idade, a predisposição dela, a alegria em participar, perguntar, a curiosidade dela de estar por dentro do projeto. A satisfação de novamente estar falando de Paulo Freire dentro do carnaval, que já foi citado algumas vezes, foi enredo em São Paulo, então acho isso legal. A presença do MST, e do Padre Júlio Lancelotti, torna simbólico isso em um nível de transcender, e de tornar o desfile um manifesto. É isso que quando junta pessoas que são extremamente na luta, isso deixa de ser um desfile, espetáculo e passa ser um manifesto de verdade”.

Renan Ribeiro como carnavalesco

Jovem, Renan Ribeiro começou sua trajetória de carnavalesco em São Paulo, em 2022 assinou o enredo do Camisa junto com Leno Vidal. Mas em 2023 assina todo o projeto. Conquistou títulos no carnaval de Santos, à frente da União Imperial, conquistou os títulos em 2018 e 2019. Contando sobre o seu estilo, o dia a dia no barracão, o carnavalesco do Camisa Verde e Branco relatou.

“Calmo, né Luciano?”, e o Luciano responde ‘posso falar?’. No meio da interação e brincadeira com o diretor do barracão, Renan Ribeiro contou: “Sou muito calmo, paciente, quando tem que chamar atenção, chamo. Mas sem perder a educação, elegância, sou paciente, tenho muita certeza do que estou fazendo. Certeza que não digo nem em questão profissional, de falar que sei muito bem o jeito que estou fazendo o carro, tecido, a cor, nem é essa questão, mas acredito no meu pensamento, meu jeito de fazer, no que acredito ser o papel do carnavalesco, a função e a forma de atuação dele. Acredito cegamente que o caminho é esse, e me dá segurança de dizer que o caminho é por aqui. Agora dentro do projeto, tenho o vício de querer saber tudo, gosto de não ter surpresas, gosto de saber o que está acontecendo na ala, casal, comissão de frente, quero saber, não quero saber só de barracão e fantasia, quero saber tudo, porque penso no espetáculo como conjunto, então gosto de saber de tudo. Profissionalmente seria um carnavalesco enxerido e um profissional paciente, tem que ter”.

Contando setor a setor da escola

Setor 1: “Setor introdutório da escola, o primeiro setor, que na verdade seria uma justificativa do meu TCC, da minha tese, quanto aos invisíveis. Então no setor apresento para o público e júri, que são os invisíveis, como nascem, a quem servem e onde eles vivem, onde eles se encontram na sociedade. Neste setor é onde apresentamos o personagem invisíveis, esse povo invisível”.

Em relação aos outros dois setores, no caso Setor 2 e 3, o carnavalesco Renan Ribeiro vê com olhos diferentes e explicou o contexto.

“A partir dali não tenho divisão de setores, os dois setores de desfile que seria, depois do carro abre alas, não tenho divisão narrativa, é contínuo até o final do desfile. A partir do carro abre-alas, começo a me aprofundar na discussão sociológica, buscando esses heróis que nascem no meio do povo, apresentando e respondendo os questionamentos. Então começo apresentar a bateria que vem atrás do abre-alas e até o último carro, vem respondendo questões sociais, questionando outras tantas coisas. E até o final do desfile, no final, na última alegoria, eu digo até que o desfile do Camisa termina, mas o enredo não acaba. Pois a luta é contínua, eterna, vem mais de 523 anos de brasileiros, e não vai acabar agora”.

“Desfile termina, mas não acaba. Olhar para o futuro, quem é que vai levar daqui para frente. Quantas Marielle’s, Padres Julio’s, quantos Freis Davi, terão que nascer daqui para frente, para a luta continuar. Na mão de quem está o futuro, como será. E o desfile termina com essa pergunta, que não quer calar, como o samba diz ‘até quando a pobreza vai sustentar a riqueza de homens que assolam o país. Então aquele personagem apresentado lá no início do desfile, no final questiona o daqui para frente quem vai cuidar do povo”.

Recado para comunidade

“A maior virtude de uma escola de samba como Camisa Verde e Branco, mais de 100 anos de história dentro do carnaval. Sendo embrião, a sênior do carnaval de São Paulo, a maior virtude dela é que depois de cem anos ainda continuar cumprindo sua função. Não se vende a fórmulas, e a algo carnaval comercial, midiático. Continuar acreditando que enredo tem que contar histórias, nós ainda temos que dar voz às pessoas, escola de samba nasceu para isso, nasce como uma célula de cultura infiltrada dentro das comunidades para dar voz às pessoas marginalizadas, empurradas para fora do centro e dos privilégios sociais. E escolas de samba nascem no início do século com essa função, mais de cem anos depois o Camisa continua nesta trincheira, ainda lutando, e ainda sendo por muitas vezes é invisível dentro no carnaval, tratado como uma escola invisibilidade, não competitiva. Escola desestruturada, com diversos problemas financeiros, isso tudo na visão de um carnaval vendido, que se vendeu a um formato não carnavalesco, e o Camisa só segue na função dele. O que tenho que falar para minha comunidade é dar os parabéns, pois eles acreditam muito que carnaval tem que ser do jeito que carnaval é. O Camisa Verde paga um preço muitíssimo alto por ser o que é e não ter se vendido. O que tenho a falar para a comunidade é que assim, são meus parceiros, sou componentes igual eles são. Esperem o Camisa Verde na sua plenitude no dia 19 de fevereiro, do jeito que tem que ser, com a comunidade com cara de comunidade, escola de samba com cara de escola de samba e se apresentando como escola de samba”.

Abordando um pouco sobre o que comentou acima, Renan Ribeiro em seu espaço livre pediu que o carnaval tenha mudanças: “Acredito que precisa ter um movimento e uma discussão sobre os moldes do carnaval, para não ter uma extinção do carnaval. Vejo hoje, dentro das escolas e de público, um futuro fatídico para escola de samba como foram os corsos, cordões, ranchos, outros movimentos carnavalescos que foram instintos e passaram por um processo de destruição, acredito que o carnaval está tomando esse mesmo rumo, infelizmente. Daí passa a ser uma cultura de segunda ordem, quando no nosso país, sempre foi a nossa maior vitrine cultural para o mundo. E hoje se tornou uma matéria de segunda ordem. Acredito que precisamos sentar e discutir isso daí, como está fazendo e qual rumo está tomando. Sejam as escolas comerciais perdendo os seus clientes, as escolas tradicionais perdendo o seu povo, o movimento que está acontecendo é perigoso, se nem for pensando de forma a escola de samba voltar a ser atrativa e orgânica, estamos fadados ao fracasso e se nem mudar o rumo, o navio está rumo para o iceberg”.

Ficha técnica
Alegorias: 3
Alas: 13
Componentes: 1.000
Diretor de barracão: Luciano Leite
Supervisor de fantasias e atelier: Renan Ribeiro e João Victor Ferro

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