A equipe do site CARNAVALESCO visitou o barracão da atual campeã do carnaval de São Paulo, Águia de Ouro, e viu de perto todo o desenvolvimento do projeto de desfile da escola para 2022. A agremiação irá para a avenida com o enredo: “Afoxé de Oxalá – No ‘Cortejo de Babá’, Um Canto de Luz em Tempo de Trevas”. Sidnei França, carnavalesco responsável pelo desfile, explanou o enredo.
“Esse enredo, é inspirado na canção de Luiz Antônio Simas, que é um intelectual brasileiro, ligado às brasilidades. É um escritor, professor, compositor, poeta, jurado do estandarte de ouro e é um cara muito referenciado, principalmente nos assuntos ligados à brasilidade, como futebol, umbanda, candomblé, samba e carnaval. Enfim, ele é um cara que tem a alma carioca muito aflorada e ele compôs ‘Afoxé de Oxalá’, que é uma canção que utiliza dos fundamentos do candomblé, utilizando o orixá Oxalá como uma salvação para a humanidade perdida. Então, o que a Águia de Ouro vai fazer é carnavalizar essa música. Obviamente, eu tive que fazer algumas adaptações de construção de narrativa para que quando as pessoas assistam o desfile e entendam como uma peça de teatro que tenha começo, meio e fim”.
Crítica social fará parte do desfile
O enredo em que a escola irá desfilar para buscar o seu bicampeonato, tem a autoria completa do carnavalesco Sidnei França e, dentro de toda a pesquisa para desenvolver o desfile, segundo o artista, falar de ancestralidade no meio de todo esse enredo, reflete na atualidade.
Realmente tudo é opinativo e deve-se refletir. Em um mundo descrente de tudo, onde vivemos em guerras, a figura de Oxalá pode se fazer presente em orações. Uma entidade tão amorosa, curaria todo o mal que nos cerca.
“O que mais me fascinou na pesquisa, veio da canção do Simas, que é o quanto falar de ancestralidade é atual. Como eu disse, eu utilizei da figura de Oxalá para no último setor do desfile, falar sobre preconceito, discriminação e intolerância. Olha como você vai lá na ancestralidade para enxergar uma figura mítica para dialogar com necessidades do mundo atual. Ter mais entendimento de um com o outro. Quando se fala em ancestralidade, parece que ficou lá em um mundo que não nos cabe mais. No entanto, quando você vê essa força praticada nos terreiros de candomblé em 2022, interagindo com a atualidade, eu acho isso muito rico”.
Ancestralidade atual, desfile colorido, samba-enredo e canto da comunidade são as principais apostas
Em 2020, a escola da Pompéia, apresentou dois setores imponentes e luxuosos em seu desfile. O carro abre-alas, entrou na avenida cheio de detalhes e muito colorido. Dessa vez, o carnavalesco destacou que não será diferente. A questão multicor se fará presente. Além disso, a Águia de Ouro irá misturar a ancestralidade com o atual. Também, segundo o artista, o canto da comunidade e o samba-enredo são as forças da agremiação.
“Esse desfile vai ter alguns códigos visuais que vão prender as pessoas, onde elas vão ver uma forma bacana de combinar o afro com a atualidade. Elas vão esperar coisas como palha, búzios, máscara, que são coisas características de enredo afro. Claro que vai ter, mas com o passar do desfile, vai ficando cada vez mais contemporâneo e mais moderno. Acho que isso é um elemento a se destacar. Outra coisa que eu usei em 2020 e vai ter neste desfile, é muita cor. Águia virá muito colorida, vibrante e eu acho que isso vai ‘acender’ o desfile. Outro elemento também é o samba. A escola canta muito, mas esse samba em especial, tem toda uma emotividade que vem da africanidade e tem uma letra muito própria para o que o enredo precisa, que é pedir paz”.
Sidnei França destacou a ala das baianas, o casal de mestre sala e porta-bandeira e a segunda alegoria do desfile. “Acho que têm vários momentos (de destaque). As baianas vão passar muito bacanas pela beleza da fantasia, mas também pela representatividade do que elas vão ter no enredo. Apresentam Orum-Aiyê, o céu e a terra. O primeiro casal e o carro dois. Das quatro alegorias, a segunda, acho que vai ter a estética menos óbvia. Não estou falando de bonito ou não. Estou falando de uma proposta visual diferente do usual. Vai ter um certo choque. Não importa se é positivo ou negativo.
Carnavalesco marcou sua história na agremiação por escrever o primeiro título da história da Águia de Ouro
Logo de cara, a identificação de Sidnei com a comunidade da Pompéia foi nítida. Foi muito bem recebido e conseguiu obter todo o respaldo necessário da diretoria para executar o seu melhor desfile. E deu certo. Conseguiu entregar um desfile digno em 2020 e levou o seu primeiro caneco para a escola.
É fato que um carnavalesco não ganha carnaval sozinho, mas é responsável por grande parte do que se vê em um desfile de escola de samba. Queira ou não, Sidnei França marcou o nome dele na história da agremiação e é o carnavalesco responsável pelo primeiro e único título da Pompéia.
“Dos meus 2 aos meus 36 anos de idade, eu fui de uma mesma escola de samba, que é a Mocidade Alegre. Fui da ala das crianças, de adultos, fui para a diretoria da Solange quando ela assumiu, fiz parte da comissão de carnaval, diretoria carnaval até virar carnavalesco. Ganhei quatro campeonatos: 2009, 2012, 2013 e 2014 na Mocidade Alegre, fui para a Vila Maria e Gaviões e não deu certo. Ganhar esse último carnaval serviu para eu pensar que tenho a oferecer. Eu era um menino da Mocidade Alegre que quando saiu de lá, não conseguia me achar. Então, a Águia de Ouro me deu essa oportunidade de desenvolver um trabalho do jeito que eu gosto, com a calma que eu tenho, pesquisas, que acabou funcionando e teve o resultado esperado para todos. É honroso para mim saber que eu tenho o nome na história da escola como carnaval ganho no Grupo Especial. Tenho um carinho muito grande pela comunidade, que é uma escola familiar, organizada, disciplinada, de pessoas alucinadas pelo pavilhão. É uma comunidade muito engaja e dedicada com os propósitos. Ser coroado com o título e ver a emoção dessas pessoas na apuração, não tem preço. Pessoas da velha-guarda me agradecendo e falando que aguardou tanto por esse momento. Isso é espetacular”.
Dentro do carnaval paulistano, é inegável que Sidnei França está na primeira prateleira dos carnavalescos. O artista já assinou doze desfiles e já tem 5 títulos no currículo. Em 2009, logo em sua estreia na comissão de carnaval da Mocidade Alegre, já venceu. Dentro disso, Sidnei pregou humildade e mostrou todo o seu amor à folia de São Paulo
“Eu cresci em escola de samba. Minha mãe era passista da Mocidade Alegre e eu acompanhava sempre. Minha primeira memória não é de festa de aniversário, viagens ou de escola, e sim dentro de uma escola de samba. A escola de samba está na minha construção. Quando eu voltava de férias da escola, minha redação era sobre carnaval. Eu olho pra Nenê, Peruche e Camisa, eu lembro da minha infância, porque eu comecei na Tiradentes. Na pandemia teve muitas lives e eles sempre me perguntavam se eu tenho vontade de trabalhar no Rio de Janeiro e eu falo que não. Minha identidade é muito paulistana e eu acho que tenho muito que fazer no carnaval de São Paulo. Então, se um dia eu não for mais carnavalesco, eu continuo sambista acima de tudo”.
Conheça o desfile
Setor 1
“Oxalá interferindo a favor da humanidade. Oxalá é o senhor da criação e da vida. Diz a lenda africana, que o ar que nós respiramos, é o sopro da vida dado por Oxalá. Então, nesse setor, vamos mostrar Oxalá agindo na Terra a favor da paz. Ele encontra um planeta arrasado, caótica e começa a atribuir com suas qualidades de um ser supremo. Começa a derramar compaixão, empatia, esperança. Cada ala vai mostrando como Oxalá vai agindo para corrigir as mazelas da humanidade perdida”.
Setor 2
“Quando a gente chega no segundo carro, ele vem representando o amor de Oxalá pela natureza, porque ele criou a vida na Terra. Ele tem amor por sua própria criação. Por exemplo, visualmente falando, nós vamos ter muitos caramujos, que é um animal de Oxalá. É um animal lento, porque Oxalá é um orixá idoso, anda curvado e o caramujo é associado por ser lento e ter um casco nas costas. Vamos ter água, terra, fogo e ar, que são os elementos da natureza. Toda a questão da natureza, estará nesse segundo carro”.
Setor 3
“Depois a gente sai dessa questão ampla da vida e do amor para começar de fato a entrar na maneira de como Oxalá é celebrado. Principalmente no Brasil e mais especificamente na Bahia. Vamos mostrar a Bahia como o portal do novo mundo. Os orixás juntos com os escravos chegaram no Brasil e formaram o candomblé. A gente mostra como a Bahia mostrou e ensinou a cultuar Oxalá. Também aparecem outros orixás. A história de Ogum com Oxalá, Iemanjá, Oxóssi, Iansã. Então, nessa terceira parte, vamos mostrar como Oxalá é visto no Brasil.
Setor 4
“Nesse fechamento do desfile, dei um tom mais crítico e social. A gente deixa de falar de natureza e passa a falar de hoje. Como o mundo está atualmente e como Oxalá pode ser a salvação. Vamos falar sobre intolerância religiosa, preconceito racial, discriminação de gênero. A gente começa a mostra ala por ala, que Oxalá é presente nos dias atuais nessa questão de corrigir uma sociedade que é doente. Vamos mostrar o público GLS, igualdade de gênero, a questão das pessoas que atacam os terreiros de candomblé e umbanda. Mostrar como Oxalá que é um orixá supremo e paciente, amoroso, cordial, pode agir a favor da humanidade hoje e quebrar esses preconceitos hoje.
Ficha técnica
Alegorias: Quatro
Componentes: 1800
Dois casais mestre-sala e porta-bandeira
16 alas e quatro grupos cênicos
Diretor de barracão Raimundo – (Rai)
Decoração de fantasias – Jaqueline Meira