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Série ‘Barracões’: Porto da Pedra traz cultura indígena e mensagem política usando Júlio Verne como condutor

Mauro Quintaes volta onde tudo começou para fazer um carnaval leve, educativo e politizado

Há 10 anos na Série Ouro, a Unidos do Porto da Pedra vai brigar para voltar ao Grupo Especial com o enredo “A Invenção da Amazônia” desenvolvido pelo carnavalesco Mauro Quintaes. Ele está de volta ao carnaval carioca depois de passar cinco anos no paulista, onde passou por Peruche, Dragões da Real e Império da Casa Verde.

Neste ano, a escola de São Gonçalo vai apresentar um desfile inspirado no livro de Júlio Verne chamado “A jangada”, de 1881. O livro é ambientado na Amazônia brasileira e a jornada feita pelos protagonistas apresenta com uma riqueza de detalhes a cultura amazônica. A partir da ficção, Mauro Quintaes elaborou um enredo que vai do ficcional ao político, do misticismo à conscientização.

Fotos: Matheus Vinícius/Site CARNAVALESCO

“O que me impressionou foi o Júlio Verne, um escritor do século XIX, conhecer a geografia e a cultura do povo amazonense e da Amazônia como um todo. O que me veio à cabeça? Ele imaginou e inventou uma Amazônia. A partir desse mote, eu joguei para o Diego Araújo, historiador e pesquisador, e ele desenvolveu esse enredo tendo como alavanca a figura do Júlio Verne. Foi uma maneira de encaixar uma figura que é muito contemplada em termos de futuro e de estética e amarrar aos povos amazônicos”, explicou o carnavalesco.

A partir da curiosidade de Quintaes e da pesquisa de Diego Araújo, o enredo foi apresentado ao presidente de honra da agremiação, Fábio Montibelo, que já conhecia a história homenageada. O livro do francês traça um caminho do Peru até Belém, do Pará.

Para a história contada na Avenida, Mauro colocou Verne e seus personagens para encontrar personalidades contemporâneas. Entre os três escolhidos está a escritora Zeneida Lima, responsável por dissertar sobre os Caruanas em “O mundo místico dos Caruanas da Ilha de Marajó”, que rendeu um enredo para a Beija-Flor em 1998. A segunda personagem que o autor encontra é a pajé Baku, indígena sateré-mawé, única mulher a assumir a liderança da sua tribo. E, por último, Júlio Verne conhece Tonzinho Saunier, cronista, poeta e historiador de Parintins, que representou os povos ribeirinhos.

“Como tem três carros, eu escolhi três personagens da Amazônia. A gente monta essa viagem até o Júlio Verne e seus parceiros chegarem a essa Amazônia folclórica, dos bois, dos ritos, dos personagens”, conta Quintaes.

A proposta é ir além de um desfile plasticamente bonito. Mauro quer que o público veja na Sapucaí a Porto da Pedra informativa e política, já que falar da Amazônia na atualidade envolve diversos aspectos territoriais e ambientais. No terceiro carro, haverá homenagens às pessoas que batalharam e batalham pela preservação do meio ambiente e da cultura indígena.

“Eu tenho que ter um grito político no último carro, principalmente agora. Eu trago as figuras da Irmã Dorothy, Chico Mendes, Dom Phillips e Bruno Pereira. Eles vão estar em evidência. Nas laterais do carro, eu trabalho com imagens políticas indígenas. A escola está fazendo um esforço para trazer lideranças indígenas, lideranças politicamente ligadas à cultura indígena e ao conceito humanitário dos povos indígenas amazonenses. Esse vai ser nosso carro político. É a resposta que a Porto da Pedra tem a obrigação de dar e eu, enquanto carnavalesco, não posso me omitir”.

Irmã Dorothy, Chico Mendes, Dom Phillips e Bruno Pereira foram assassinados por serem ambientalistas relevantes na luta contra a exploração ambiental e genocídio indígena. Os compositores do samba da Porto da Pedra referenciam Bruno Pereira ao colocar no seu refrão um cântico que o ativista entoou em um dos seus últimos registros antes da sua morte: “Warrãna-rarae, Warãna-rarae. Mari-nawa-kenadêe”.

“Transformar esse canto no refrão foi maravilhoso. No primeiro momento as pessoas recuaram um pouco porque pode ser difícil de cantar. E, hoje, nós vemos que foi muito certo ter isso no samba, porque no ensaio a comunidade canta de uma maneira absurda. Você sente uma energia diferente na escola”, relatou Mauro.

Liberdade artística

A cobrança dentro da Porto da Pedra é fazer o melhor. A agremiação, nos últimos anos, tem estado entre as primeiras colocadas da Série Ouro, mas não tem conseguido o passaporte para o Grupo Especial. Quintaes conta com a fluidez e a liberdade para construir seu Carnaval nesta etapa da sua carreira, aspectos que são concedidos a ele para elaborar um carnaval diferenciado para a vermelho e branco.

“A cobrança é ‘vamos fazer o melhor’, ‘vamos fazer o mais bonito’, ‘vamos fazer o diferente’. Se olhar os carros, dá para ver que é bem diferente do carnaval anterior. Talvez esteja bem diferente das escolas do próprio grupo pela dificuldade financeira. Eu estou aqui no barracão todos os dias, inclusive nos domingos à tarde. Interajo com todo processo criativo do barracão. Estou muito à vontade”, comentou Mauro.

Com o apoio da escola e da Prefeitura de São Gonçalo, o carnavalesco está construindo seu carnaval do zero. Esculturas e estruturas das alegorias foram feitas para esse desfile, em vez de reaproveitar produções já existentes como outras escolas costumam fazer.

“Evidente que eu na figura do carnavalesco e entendo a Série Ouro como eu entendo, eu não vou querer fazer um carnaval com despesas absurdas. Eu faço sempre ‘das quatro linhas’ da escola financeiramente”, disse Mauro Quintaes.

Um dos trunfos do desfile será a plástica empregada nas fantasias e alegorias. Saindo da estética gigantesca de São Paulo, o carnavalesco busca dessa vez criar cenários ao longo do Sambódromo.

“[Esse desfile] é como se fosse cartão de visita. Eu não faço carro alegórico de galãozinho e de pingentes pequeninhos. Eu faço grandes cenários. Meu foco é sempre uma cenografia. Eu trabalho luz e forma como se fosse um cenários. Então eu tenho quatro cenários”, explica Mauro.

Com o enredo tem também um viés de conscientização, a criação fez a escolha de não usar penas verdadeiras na maioria dos componentes. Só usarão penas reais de faisão as musas e o casal de mestre-sala e porta-bandeira.

Volta para o Rio

Após passar três carnavais na Unidos da Tijuca (entre 2015 e 2017), Mauro Quintaes dedicou cinco anos da sua carreira exclusivamente ao Anhembi. Seu melhor resultado em São Paulo foi o vice-campeonato pela Dragões da Real com o enredo “A invenção do tempo. Uma odisseia em 65 minutos”. Em 2023, ele volta para a Porto da Pedra, que já foi sua casa e onde teve bons resultados, por exemplo, a classificação para o Grupo Especial em 1995. A vinda para o Rio de Janeiro ocorreu quando ele decidiu parar a carreira de carnavalesco.

“Nesses meus cinco anos de São Paulo, eu tive momentos muito bons e momentos muito ruins. Eu estava muito sozinho, tinha acabado de sair de uma COVID depois de 16 dias na UTI e estava muito debilitado. Eu resolvi parar. Falei: ‘Não vou fazer mais. Vou para o Rio, cuidar da minha vida e do meu filho. Vou fazer outras atividades paralelas ao Carnaval’. Minha ideia era não fazer mais barracão. No entanto, eu recebo uma ligação do presidente, já com as malas prontas. Era o Fábio me fazendo o convite”, conta o carnavalesco.

Entre 1995 e 1998, enquanto carnavalesco iniciante, Mauro começa a ganhar reconhecimento pelo esforço empreendido na Porto da Pedra. O novo chamado do presidente Fábio lhe pareceu um sinal de que haveria algo a mais a ser feito pelo Tigre. Nesse momento, ele está em uma fase feliz e prazerosa no trabalho rodeado de amigos.

“Eu começo aqui, minha carreira decola a partir da Porto da Pedra. Eu faço Caprichosos de Pilares, depois faço Porto da Pedra, vou para o Especial e faço o ‘Um Carnaval dos Carnavais’. Faço os ‘loucos’, a escola vem em quinto lugar e toma aquela paulada com ‘os ladrões’. Realmente foi enredo fora de época, hoje talvez funcionasse melhor. E aí eu parto para Salgueiro, Viradouro, Mocidade… A história da Porto da Pedra se confunde um pouco com a minha história. A escola estava surgindo e eu também estava surgindo. Se eu começo aqui, quem sabe eu não termino aqui também?”, disse o artista.

Confortável com a volta ao carnaval carioca, Quintaes pretende fazer um desfile mais alegre e com menos rigor, como é exigido na Terra da Garoa. Ele quer terminar sua carreira no Rio de Janeiro, prezando pela liberdade criativa.

“São Paulo é um universo completamente diferente do Rio. Aqui eu posso arriscar materiais, posso inventar. Lá existe um rigor de material por conta do tempo que o carro fica exposto. Aqui no Rio, eu posso usar materiais mais à vontade, tem um leque de opções muito maior. A questão das dimensões altera muito. Lá eu cheguei a fazer carros de 18 metros de altura com 22 de comprimento e isso compromete a estética. Eu trago de São Paulo uma visão de acabamento diferenciada, mas, principalmente, eu trago a vontade de não fazer muita coisa que eu fazia em São Paulo. Quero fazer um carnaval mais carioca, mais livre plasticamente falando, um carnaval que eu posso trabalhar melhor a luz porque em São Paulo é muito iluminado, que eu posso mover as alas. O carnaval do Rio é um carnaval mais molecão. A Marquês de Sapucaí é muito mais alegre que o Anhembi. No mais, eu tenho muito carinho pelas escolas que eu passei em São Paulo, em todas eu ganhei alguma coisa”, declarou o carnavalesco.

Conheça o desfile da Porto da Pedra

O Tigre de São Gonçalo será a quinta escola a desfilar no sábado de carnaval da Série Ouro. Durante sua exibição na Marquês de Sapucaí, vão passar três carros, um tripé e 19 alas contando essa viagem fictícia de Júlio Verne pelo Rio Amazonas em sua jangada futurista. Mauro Quintaes descreveu a estrutura:

Setor 1: “A abertura é bem indígena, com as baianas em vermelho e preto. O carro abre-alas é a jangada que mistura essa mecânica do Julio Verne com a coisa rústica do ribeirinho, da construção da jangada, que mistura o passado e o presente. Tem a figura do tigre. Não tem tigre na Amazônia, mas tem na Porto da Pedra”.

Setor 2: “Quando eu vou para os povos que fazem fronteira com o [rio] Solimões, na parte de cima da Amazônia, eu fiz a escolha, em termo de alegoria, dos Incas, que me deu um retorno mais plástico. Eu trabalho um templo Inca. Eu trouxe um escultor específico de São Paulo, o Zico”.

Setor 3: “Depois vai para a parte do folclore. Eu falo dos bois, da matinta pereira, dos botos. São os personagens do imaginário amazonense. Vem um pequeno tripé com alguns personagens”.

Setor 4: “Fecha com uma grande celebração. É uma celebração política, cultural, regional. É um abraço do povo do Rio de Janeiro a essa cultura indígena”.

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