A Mocidade Alegre pisará no Sambódromo do Anhembi em 2022 fazendo uma pergunta que não quer calar. “Quelémentina, cadê você?”. Tal questionamento é o título do enredo em homenagem a cantora Clementina de Jesus. A resposta será desvendada ao longo do desfile da escola do bairro do Limão, na forma de uma homenagem que exaltará a importância dessa mulher na representação da africanidade do povo brasileiro.
Rainha Ginga, Quelé, ou até mesmo “Mãe”, são algumas das diferentes formas de carinho e respeito utilizadas por amigos e fãs para se referir a Clementina de Jesus da Silva. Filha de pai senegalês e de mãe que, assim como ela, nascida na cidade de Valença, interior do Rio de Janeiro. Demorou mais de meio século, mais precisamente 63 anos, para iniciar sua carreira na música, sendo descoberta nas caminhadas até a praia do compositor Hermínio Bello de Carvalho, enquanto cantava na Taberna da Glória, na capital carioca.
Quem foi Quelé? Entendendo a proposta do enredo
A ideia da Morada do Samba é fazer a coroação de Clementina e seu legado, narrando a jornada da cantora, que acompanhou de perto os primeiros passos da Portela, mas que, quando se casou com Albino Pé Grande, se mudou para o Morro da Mangueira e pela verde e rosa foi arrebatada. O carnavalesco Edson Pereira contou sobre como a ideia dessa homenagem nasceu.
“Assim que eu finalizei o último ano de carnaval da Mocidade Alegre, eu percebi que é uma escola muito movida a emoção. Esse é o ponto de partida da Mocidade Alegre. E aí eles me pediram que sugerisse um enredo, e já existia na minha cabeça a ideia de fazer um enredo sobre Clementina de Jesus. Eu acredito na força de Clementina, e acho que ela não foi reconhecida em vida como a grande mulher que ela é. Morreu como uma pessoa pobre, muito pouco reconhecida ainda. Só depois que morreu que ela foi reconhecida. Então o que a gente quer agora, com a Mocidade, é coroar a Negra Quelé como Rainha Quelé”.
A Rosa dos Palcos da voz de navalha
Ainda criança, Clementina se mudou para a capital carioca, onde viveu por muitos anos no bairro de Oswaldo Cruz. Aprendeu rezas e cânticos ancestrais acompanhando o trabalho de sua mãe ganhadeira, que era o nome popularmente dado às escravas que lavavam roupas para comprar a própria alforria. Músicas que cantou ao longo de toda sua vida, e as quais não abandonou nem quando foi enfim revelada para o grande público.
Em seus primeiros anos de carreira, Clementina de Jesus se apresentou no show Rosa de Ouro ao lado de artistas consagrados como Paulinho da Viola e Nelson Sargento, e que foi dirigido pelo mesmo Hermínio Bello de Carvalho que a revelou. Sua voz ficou conhecida por ecoar belas músicas em um tom que não escondia os tantos anos da vida humilde que sempre levou. Essa simplicidade encantou Edson durante suas pesquisas para o desenvolvimento do enredo.
“O que mais achei interessante foi saber que uma mulher com tanta simplicidade, tanto conhecimento, tantas coisas para nos ensinar, tinha tanta humildade. Isso valorizou muito mais o trabalho em si”.
‘Fui feita pra vadiar’
Todas as línguas passam por constantes transformações ao longo dos anos. A palavra “vadiar” se consolidou apenas pela referência a pessoas que não fazem nada de útil, relevante, produtivo. Mas teve tempos que, ao dizer que alguém vadiava, era o mesmo que dizer que essa pessoa apreciava a vida de forma despreocupada. Essa era uma característica da personalidade da artista que inspirou o compositor Candeia a escrever a música “PCJ”, cuja sigla significava Partido Clementina de Jesus, e que foi imortalizada na parceria entre Quelé com Clara Nunes. O samba da Mocidade Alegre faz referência a versos dessa canção no seu refrão do meio.
A prece no cantar da Filha de Zambi
O público que comparecer ao Sambódromo do Anhembi apreciará, ao conhecer a trajetória de Clementina de Jesus, como era o estilo de vida dos primeiros descendentes de escravos libertos, que nasceram na mesma época que Quelé, apenas poucos anos após a assinatura da Lei Áurea.
Conheceremos a jornada de uma mulher que não foi muito diferente do que conhecemos de pessoas que fazem parte do dia a dia de uma escola de samba. Clementina deu seus primeiros passos na Mangueira, mas também desfilou em blocos, participou do grupo Folia de Reis, e viu a Portela se tornar escola muitos anos antes de ter sido revelada como artista. Muitos sambistas irão se reconhecer nas fantasias das alas e nas alegorias do desfile da Morada do Samba. Edson Pereira sabe que fez uma grande escolha de enredo, e vê nessa identidade o grande trunfo a ser aproveitado pela escola.
“É a comunidade inteira da Mocidade, que abraçou e aceitou muito bem esse enredo. A escola está organizada, e eu acredito muito que será um grande desfile.”
Em função da pandemia, o carnaval de 2022 contará com um menor número total de alegorias e desfilantes por escola, mas o tempo de desfile está mantido em até 65 minutos. A presidente Solange Bichara quer agraciar o público com diferentes surpresas, e pede a todos para ficarem atentos.
“Como viremos com a escola muito mais compacta, e o tempo de desfile é o mesmo, com um desfile mais calmo várias coisas irão acontecer. Mas aí eu vou pedir para vocês ficarem de olho”.
Ficha técnica:
Enredo: “Quelémentina, cadê você?”
18 alas
4 Alegorias + 1 Tripé
2800 componentes