A Estação Primeira de Mangueira terá a dupla de carnavalescos Guilherme Estevão e Annik Salmon pelo segundo ano consecutivo. Após se destacarem nos carnavais da Série Ouro, com trabalhos no Império da Tijuca e no Porto da Pedra, respectivamente, ambos foram contratados para desenvolver o desfile do ano passado da verde e rosa. Seguindo a linha de seus enredos, eles apostaram novamente na temática negra e feminina ao levar “As Áfricas que a Bahia Canta”, mostrando a musicalidade e a cultura carnavalesca da Bahia influenciada pela africanidade. Contando com um grande samba, a escola fez um bom desfile e garantiu uma vaga no desfile das campeãs com o quinto lugar. Entretanto, algumas críticas foram feitas ao trabalho plástico da dupla, no sentido em que a agremiação exige o melhor de seus artistas. Para elevar ainda mais o nível, os dois apostaram alto em uma homenagem para Alcione, uma das maiores cantoras da música brasileira e ilustre mangueirense, com diversos serviços prestados para a escola. Mas se engana quem pensa que o enredo será uma simples sucessão de fatos históricos de forma cronológica. Os carnavalescos seguirão dando ênfase ao que norteia seus trabalhos: O aspecto social e a representatividade preta e feminina, traduzidos com maestria por Alcione em sua vida e carreira. Além disso, a fé da artista estará muito presente, não apenas na religião, mas também na família, nos amigos, nas instituições e nas forças do bem.

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Foto: JM Arruda/Divulgação Mangueira

Para continuar a série de barracões do Grupo Especial para o carnaval 2024, o site CARNAVALESCO entrevistou Guilherme e Annik, que explicaram como nasceu a ideia de levar para a avenida esta homenagem para Alcione:

“Essa ideia de falar da Alcione, acho que qualquer um tem essa vontade. Quando a gente veio para a Mangueira, eu e Guilherme, cada um já tinha um enredo, então a gente juntou e fez o enredo passado. Mas a gente já conversava sobre o enredo da Alcione, de falar da Alcione em algum momento. E a presidente também tinha essa vontade, várias outras pessoas da Mangueira também sempre falavam, os torcedores da Mangueira pediam para o enredo ser Alcione. Mas no final do carnaval passado, quando pintaram o Negro Muro perto da quadra, foi um dia a gente foi gravar. Estava eu, Guilherme e a Sthefanye, a nossa pesquisadora, e quando a gente se deparou com aquela pintura com várias imagens da vida da Alcione, a gente se olhou e foi como se fosse um sinal para que o próximo ano teria que ser o enredo da Alcione. Aí a gente começa a pesquisar, começa a estudar 50 anos da Alcione, e começa a busca para que seja esse enredo. Então, quando a gente renova na Mangueira, que a gente vai sentar com a presidente, com a Guanaíra, e conversa com ela, ela já pergunta, vocês têm enredo? A gente já falou que sim, sobre a Alcione. Ela disse que era esse o momento e fechamos. Foi muito rápido para a gente fechar essa escolha aqui com ela sobre a Alcione. E a gente vai até a casa da Alcione conversar com ela para saber se, de fato, ela ia aceitar ser enredo, ser homenageada. Porque ela tinha essa questão. Vai que ela não aceita. A gente foi com aquele clima meio tenso. Pensando se ela iria aceitar ou não, mas ela aceitou numa boa, ficou super feliz, ficou muito lisonjeada. Até pouco tempo ela falava que ainda não tinha caído a ficha. Ela acha a Mangueira muito maior do que ela, Eu acho que não tem essa questão de tamanho, de proporção, de grandiosidade, porque a Alcione é um monstro. Ela é enorme, ela é a Mangueira. Ela mesmo fala que o sangue é verde e rosa. Foi muito feliz a gente ter decidido que seria esse enredo para esse ano, e está com uma aceitação grande”, disse Annik.

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Por ser um grande ícone da música popular brasileira, muitos aspectos da vida de Alcione já são de conhecimento público. Porém, os carnavalescos da Mangueira afirmaram ter se surpreendido com várias histórias da cantora que serão abordadas no desfile da escola:

“Eu acho que o mais imediato foi entender a atuação da Alcione em Mangueira. A gente sabia que ela fundou a Mangueira do Amanhã, a relação que ela tinha com a escola, mas, por exemplo, a gente não sabia que ela organizava as festas de debutantes do morro, que abastecia os feirantes do morro para eles conseguirem gerar sustento. Que várias das crianças foram pela primeira vez no fast food por conta da Alcione, que ela trazia ônibus e levava essas crianças para casa dela, e fazia comida para elas, a famosa farofa de Neston dela. Ela levava muito dessas crianças para os shows dela. E aí tem uma relação que é muito íntima com várias pessoas aqui da escola. A cada momento que você conversa com as pessoas, você vai descobrindo olhares de Alcione diferentes e isso não está na biografia que possam escrever dela ou na entrevista que fazem na TV, está na vivência do mangueirense. É uma relação muito diferente de homenageado porque está ali no seio deles e que de fato convive com aquela comunidade. A Alcione ia para o morro brigar com quem estava deixando o filho não ir para a escola. Ela ia brigar com o pai para puxar a orelha dos meninos e fazer de fato eles se estimularem a estudar, senão eles não desfilavam. Ela tinha uma relação de madrinha. Muita gente chama ela de madrinha, e de alguns ela é madrinha de fato, de ir nos batismos dessas crianças. Tem um aspecto ligado à própria relação da Alcione com a sua ancestralidade, com a sua própria negritude. A Alcione fez uma viagem para a África e lá entende ver aquele povo como se fosse o povo do Maranhão. E aí ela se de alguma maneira olha para a sua própria origem e se reafirma como uma mulher negra, vai influenciar a própria maneira de vestir, de usar os seus cabelos. A Alcione foi um ícone de moda também. Olhar esses 50 anos de carreira é olhar diversas faces de Alcione e entender para além do morcegão, da loba, do faz uma loucura por mim. É entender essa Alcione dos anos 70, dos anos 80, dos anos 90, que são várias faces. Essa própria questão da religiosidade da Alcione, todo mundo sabe que ela é católica, ela tem a relação dela com catolicismo, mas ela tem uma espiritualidade muito ampla, e isso foi muito importante. Ela mostrou muito para a gente, por isso que chamou muita atenção. A partir do momento que a gente pergunta para ela sobre o que é mais importante, a gente achava que ela falaria a música e a família, mas ela falou da fé. Então, isso é de fato latente para a gente. E tem essa questão do olhar do Maranhão da Alcione, a partir dela a gente pôde descortinar determinados aspectos do Maranhão que não foram contados ainda na avenida. Então, a maneira como o carnaval do Maranhão se dá, como as escolas de samba do Maranhão que quase não são faladas, a relação com as festas regionais, a importância de fato do boi, entendendo todas as especificidades desse boi, seus sons, seus sotaques”, falou Guilherme.

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Foto: JM Arruda/Divulgação Mangueira

Sobre as conversas com Alcione para explicação do enredo, Guilherme e Annik afirmaram que a artista não fez nenhum tipo de exigência. Os carnavalescos preferiram não revelar em que ponto Alcione virá no desfile da Mangueira, mas confirmaram que muitos outros artistas amigos da cantora e parentes virão ao longo do cortejo da escola:

“A única coisa que ela pediu foi que o pai dela fosse reconhecido como João Carlos. Porque a gente colocava até então só João. O pai dela tem um protagonismo muito grande. Eu acho que não teve nada muito específico, porque de alguma maneira ela foi conduzindo tudo aquilo. Ela foi mostrando a importância da família dela. Eu acho que a única coisa que ela sempre fala nas entrevistas dela não pode faltar a Mangueira, e não vai faltar, porque de fato ela e Mangueira hoje são uma coisa só. Mas foi só isso, ela não fez grandes exigências. Onde ela virá no desfile é surpresa. Vem amigos dela espalhados pelo desfile, a ideia é que essas pessoas que foram importantes para a vida delas também estejam marcadas nesses momentos no desfile. Vem gente do Maranhão, vem gente da música de uma maneira geral, vem a família dela, só que eles vão estar espalhados por esses momentos do desfile, então para além de terem convidados, eles são também integrantes de alguma maneira dessa contação da história”, disseram Annik e Guilherme.

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A dupla se mostrou muito apegada a todos os setores de seu desfile ao conversar com a nossa reportagem, mas ambos revelaram um momento específico em que apostam muito. Além disso, disseram que irão trazer uma alegoria bem diferenciada para o desfile da Mangueira:

“Eu acho que a abertura da Mangueira é muito forte. A gente tem, de alguma maneira, um resumo de um pouco da história e, de alguma outra maneira, um lado da Alcione que é pouco difundido. Então, a gente aposta muito. Eu acho que toda entrada é importante, mas esse ano em especial vai ser muito importante por isso, porque eu acho que reúne uma série de elementos fortes da vida da Alcione, que emocionam ela própria, e eu acho que também buscam emocionar o público”, revelou Guilherme.

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“Eu também aposto na entrada, a gente está com uma entrada muito forte. A gente vai trabalhar com a emoção. Mas eu acho que o setor também que a gente fala da musicalidade é um setor que o público vai identificar de imediato por conhecer as músicas. Ela está cantando e retomando várias. E eu acho que a gente está com umas alas muito bonitas. A gente fez um trabalho muito bacana esse ano, de novidade, de trabalho de pesquisa para a gente levar um figurino bem diferenciado. Tem um setor que a gente virá com alas bem fortes e alegoria também, que a gente vem trabalhando um momento diferente, um tipo de carro diferente para a Mangueira, então acho que são esses dois momentos, a abertura e esse setor também”, apostou Annik.

Os carnavalescos da Mangueira se destacaram no grupo de acesso levando temas de grande importância social e de muita representatividade negra e feminina. E isso se perpetua na verde e rosa. Estevão disse que enxerga muitas similaridades no enredo sobre Alcione com outros enredos desenvolvidos por ele e por Annik:

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“Eu acho que acaba que o enredo da Alcione tem um pouquinho de quase tudo que ela fez antes, por exemplo, no Porto da Pedra. É mais um enredo feminino. É um enredo de uma mulher negra. E eu acho que isso também tem muito a ver comigo no Império da Tijuca. Eu fiz um enredo sobre educação, Alcione era professora. Eu fiz um enredo sobre resistência a partir do quilombo e eu acho que Alcione é isso. Quando ela passa a militar também pela importância da musicalidade brasileira, representa isso. Acaba que tudo vai se conectando, assim como se conecta também com o enredo do ano passado da Bahia. Desde que a gente chegou na Mangueira, a gente tem um olhar que é muito bacana sobre esse protagonismo feminino em diversos aspectos dentro da escola. Porque eu acho que é um momento que a Mangueira vive também. Um outro olhar sobre a importância dessas mulheres, porque é uma escola essencialmente feminina, só que hoje essas mulheres estão exercendo funções de poder, funções de relevância e numa escola que foi construída na base dessas mulheres. A gente está falando de Zica, de Nema, hoje a gente tem Guanaíra, a gente tem Annik, a gente tem Bisteka, a gente tem Sthefanye, tem tantas mulheres que estão nesse momento, de fato, dando coordenadas para a Mangueira. Acho que o enredo da Alcione, de alguma maneira, se aproxima nisso. Mas a gente tenta, a cada enredo, estar buscando um olhar diferente do nosso próprio trabalho, para mostrar essa pluralidade que a gente é capaz de desenvolver, mas tendo sempre, de alguma maneira, um núcleo afetivo que se encontra naqueles enredos”, falou Guilherme.

Embora estejam juntos há apenas dois anos, o convívio intenso e diário para o desenvolvimento dos carnavais já fizeram com que Annik e Guilherme se conhecessem muito bem. Os dois revelaram o que consideram como principal característica de seu parceiro de trabalho:

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“Em primeiro lugar é a paciência dela. Ela tem muito mais paciência do que eu. E isso é importante, porque é o que vai equilibrando a gente. Mas eu acho que esteticamente a Annik é uma carnavalesca que tem uma noção de volume visual muito bom e muito forte. Isso marca na característica dela. Ela é bem mais volumosa. Nesses dois anos, a gente está sempre buscando equilibrar isso. E isso é muito gostoso, porque a gente cria a quatro mãos, de fato. Também tem sempre um pensamento de que o que está sendo criado está sendo pensando com a cabeça do outro também, tentando agradar pelo que você já conhece do outro. Isso é muito bacana, porque a gente sempre fala que a ideia aqui não é algo ter a cara do Guilherme e outra coisa ter a cara da Annik. Tem que ter a cara dos dois. Eu acho que isso é muito bacana, porque já mudou muito do meu próprio jeito de fazer carnaval, essa noção do volume visual e de como aquilo vai se manifestar na avenida é importante porque, de fato, uma escola volumosa é uma escola volumosa. Às vezes, você pode ter a melhor costura, o melhor babado, mas se aquilo ficar minguado na avenida, aquilo não funciona e eu acho que isso é muito bacana e desafiador”, disse Estevão.

“Ele é um gênio. Eu aprendo com ele diariamente, porque o Guilherme estuda e tem uma memória absurda. Às vezes eu não lembro nem dos meus trabalhos. Ele chega e fala que tal trabalho fui eu quem fiz lá na Tijuca e eu não lembrava. Ele lembra de detalhes, ele lembra de vários carnavais antigos. Às vezes, eu chego para ele e falo que estou com uma ideia de enredo. Ele lembra que já foi feito no carnaval tal, na escola tal. Acho que o ponto alto do Guilherme é isso. E fala muito bem, se expressa muito bem. É um artista incrível, completo. Eu sou muito feliz de estar trabalhando com ele, porque eu aprendo diariamente a fazer carnaval, por a gente construir junto. A gente brinca aqui que ele é o nosso Laíla. Porque ele tem isso de dominar, de querer decidir. Quando a gente fala de um líder, ele não se transforma em líder, já nasce líder. E isso o Guilherme é, ele tem essa liderança. Eu já trabalhei com Laila e eu vejo ele um futuro Laila. A gente vai nos ensaios de rua e ele quer ver se a harmonia está errada, se alguma ala não está cantando, e ele vai lá e se mete. Eu não tenho essa atitude, de fazer aquilo. Às vezes, estou olhando e percebo que não está cantando direito, e quando eu vejo ele está lá no meio da ala, gritando para cantar. A gente está em uma reunião, ele bate a mão na mesa, decide quando a reunião começa, decide quando a reunião termina. Isso é muito bacana, isso é dele. É legal trabalhar com gente assim, porque a gente divide as coisas. Realmente, você não fica sobrecarregado, porque ser carnavalesco sozinho já é uma escolha imensa, imagine no Grupo Especial e na Mangueira, com várias coisas pra você definir sobre material de fantasia e de alegoria, as demandas imensas de barracão, falar com a galera da comissão de frente, falar com funcionários, decidir orçamento para não estourar o que a escola tem. Ter essa dupla para a gente poder dividir isso é maravilhoso”, falou Annik.

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A Mangueira trouxe uma nova dupla para trabalhar na comissão de frente em 2024, Lucas e Karina. O carnavalesco Guilherme lembrou já ter trabalhado com ele no Império da Tijuca, enquanto Annik está conhecendo os dois para este carnaval. Ambos rasgaram elogios aos coreógrafos:

“É bom você ter um coreógrafo que de fato é atuante, e que está querendo trabalhar com você, que está querendo ouvir as pessoas, que está querendo negociar e que quer estar ali para fazer o melhor o tempo inteiro. E que estuda junto. Esse ano eu no Especial estou conhecendo mais a Karina, mas eu já trabalhei dois anos com o Lucas, que facilitava muito a vida. Annik que está tendo a experiência com os dois ao mesmo tempo. Então, isso também, de alguma maneira, facilita muito o trabalho, porque já tem uma proximidade, já tem uma relação intensa. Mas eles são coreógrafos que se dedicam muito, que estão aqui no barracão todo santo dia, que estão perguntando. A gente até brinca e diz que é melhor pecar pelo excesso do que pecar pela falta. E é muito bom isso. Acho que o reflexo disso vocês vão ver na avenida. Porque, de fato, como eu falei lá no início que eu aposto na entrada, porque isso é um dos aspectos. Eu acho que a entrada da Mangueira pela comissão de frente tem tudo pra ser muito bacana. É uma relação que se constrói também de amizade. É bom você ser amigo dos seus coreógrafos, porque você consegue caminhar da melhor maneira possível”, disse Guilherme.

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Foto: JM Arruda/Divulgação Mangueira

“Eu conheci o Lucas em 2010. Ele era componente da Priscila e do Rodrigo, eu estava na Tijuca com o Paulo. Ele tinha aquele jeito brincalhão, mas eu não tinha muita proximidade. Nunca tinha trabalhado junto e ele ainda era um componente de comissão de frente. E agora esse ano, de fato, poder trabalhar junto e ver ele liderando junto com Karina, com a responsabilidade que eles têm, com a liderança que os dois têm, de vir com ideias e comprar nossas ideias também, e a gente dividir esse processo criativo. E a maneira que eles executam está muito legal. Eu acho que tem tudo para ser um sucesso. E eles estão virados, porque o ensaio da comissão é de madrugada, e sempre durante o dia tem um dos dois aqui para ver como está sendo o processo do tripé, para alguma dúvida durante o dia mesmo, que é quando os profissionais estão trabalhando. Às vezes, estão os dois acabados aqui, porque estavam uma madrugada inteira ensaiando, mas estão no dia seguinte para dividir com a gente certas coisas. Isso é muito legal, é muito bom trabalhar com isso, porque você tem confiança. E eu acho que quando a gente tem confiança naquele profissional, que representa um quesito muito forte, que é a comissão de frente, já é meio caminho andado”, falou Annik.

Muito se diz que o carnaval passa por um momento artístico diferente, por conta de uma mudança no estilo dos enredos desenvolvidos, com maior grau de aprofundamento em suas pesquisas e defesas. A dupla de carnavalescos da Mangueira concordou com tal análise, mas lembrou que se trata de um espetáculo popular:

“Eu acho que é importante a gente ressaltar como a mudança do olhar para o enredo influenciou o carnaval todo. Não é à toa que hoje o quesito é o segundo que mais despontua, porque também acho que é uma cobrança do júri para esse sentido. Porque não é apenas você eleger temas, ou você escolher determinados aspectos a serem estudados. Você tem que ter coerência e coesão na maneira como você está conduzindo isso tudo. Obviamente que tem uma discussão de excesso de academicismo ou não, e eu acho que o papel de nós carnavalescos é conseguir equilibrar um tema que de fato vai despertar o interesse nas pessoas. Porque eu acredito que a escola de samba é extremamente pedagógica sim, as pessoas aprendem com escola de samba. Trazer elementos que vão agregar valor ao saber dessas pessoas é muito importante, mas a gente também tem que entender de que maneira vai conseguir transmitir esse conteúdo, porque é um olhar para o jurado, mas também é um olhar para o público. A gente não pode esquecer que a estamos em uma competição tem que agradar o júri, mas a gente também não pode esquecer que a somos parte de um instrumento cultural popular que é a escola de samba. A escolha dos temas é uma maneira de alavancar a qualidade do espetáculo. Eu acho que esse ano a gente tem uma safra de enredos muito bacanas. Querendo ou não, o enredo é também uma maneira que nos alavancou como artista, tanto a Annik quanto a mim, por sermos artistas que de fato pensamos em enredos nessa pegada de aprofundar, de trazer conteúdos bacanas e de tentar contar essa história de uma maneira clara para as pessoas. Tenho certeza que isso é um novo momento para o carnaval e que seja um momento eterno, porque a tendência é sempre aperfeiçoar tudo isso”, refletiu Guilherme.

“Eu acho que o desafio maior nosso como artista é pegar esses enredos mais explorados, mais estudados, e transformar isso em visual, que é o que aproxima a gente do público. É aquela identificação imediata, você estar vendo uma fantasia, você estar vendo uma alegoria, e você entender. O público que não tem o livro “Abre-Alas” para ler e saber o que é cada coisa, ele entender o que aquela ala representa, porque ela está passando dentro do enredo, o que aquela alegoria significa. Isso é o maior desafio para a gente como artista. É a gente conseguir ser transparente. Fazer com que a galera entenda, sem estar ali com o livro na mão”, completou Annik.

Conheça o desfile da Mangueira

A Estação Primeira de Mangueira vem para o carnaval de 2024 com 3.500 componentes divididos em 27 alas. Serão cinco carros alegóricos, um pede passagem e um tripé ao longo do desfile. O carro abre-alas será acoplado. A comissão de frente terá um elemento cenográfico. Em entrevista ao site CARNAVALESCO, os carnavalescos Guilherme Estevão e Annik Salmon detalharam o que será abordado em cada setor:

Setor 1: “A gente começa primeiro a entender que o enredo é conduzido por esse amanhã da Alcione, a construção disso e como ela vai influenciar, principalmente, a Mangueira do Amanhã de tantos outros sambistas. Então, a gente parte entendendo principalmente aquilo que ela considera como o primordial da vida dela, que é a sua fé. Como a sua fé influencia esse amanhã, entendendo que a fé da Alcione é uma fé múltipla, é uma fé em vários santos, entidades, amigos, instituições. A fé que ela tem é a fé nas forças do bem. Então, o primeiro setor da Mangueira é essa fé que conduz esse amanhã dela”.

Setor 2: “A gente vai para o segundo momento que mostra o que forma a Alcione uma artista popular. Então, é a cultura do seu Maranhão, a cultura da sua terra natal, que a molda como uma artista popular, a partir dessas vivências que ela teve desde sua infância e adolescência. Então, é essa condução do amanhã a partir da cultura popular da sua terra natal”.

Setor 3: “O terceiro momento que a gente apresenta são essas travessias que a Alcione faz para iniciar um processo de ser uma cantora, iniciar um processo de construir esse amanhã de sucesso, que está diretamente ligada a essa trajetória dela de sair do Maranhão e vir para o Rio de Janeiro. Entendendo que é uma jovem negra nordestina que vem para tentar sucesso na música e que tem um repertório inicialmente muito moldado pela musicalidade negra. Então, são nessas travessias que ela faz para construir o seu amanhã que ela se torna a nova voz do samba, ela se torna a primeira mulher negra a ser gravada como cantora”.

Setor 4: “O quarto momento que a gente traz é essa construção de amanhã de sucesso da Alcione como cantora, entendendo que o repertório e esse amanhã de sucessos dela se divide em dois momentos. Um primeiro momento é quando ela se consolida como uma voz do samba e ela canta samba de inúmeros subgêneros, o samba-canção, o samba de roda, o samba de fato. E depois tem o momento da carreira quando ela passa a apresentar o programa Alerta Geral, que é o momento em que ela se torna uma militante dentro da música e em diversos outros aspectos. Mas principalmente pela valorização da cultura popular brasileira. Então, é a partir desse momento que ela passa a pautar outras bandeiras dentro da sua musicalidade, como a questão do regionalismo, como a questão da própria ancestralidade dela e principalmente a pauta feminina. É a Alcione que passa a ser um reflexo da alma feminina brasileira a partir da sua voz. E ela, de alguma maneira, passa a ser a influência para tantas outras vozes femininas, para tantos outros amanhãs femininos da música.

Setor 5: “A gente encerra mostrando como a Alcione, que construiu esse amanhã dela de sucesso a partir de tudo isso, vai influenciar o amanhã de tanta gente dentro da Mangueira. Entendendo que o amor pela Mangueira para ela é um amor que começa ainda na infância dela lá no Maranhão, e que se torna de fato um destino para ela. Ela vem para o Rio de Janeiro para além de querer ser cantora, para ela encontrar essa escola de samba. E nessa escola de samba, ela entende que tem que ser mais do que uma cantora, ela precisa ser alguém que possa de fato ajudar essa escola, que vai atuar de fato nessa escola. E aí em 87 ela cria a Mangueira do Amanhã, e a partir disso ela de fato consegue consolidar aquilo que ela cantou durante a vida inteira, que é não deixar o samba morrer, é perpetuar essa memória da Estação Primeira, perpetuar essa memória de samba, e aí ser coroada uma das rainhas do samba”.