Após ficar injustamente em nono lugar da Série Ouro no Carnaval 2022, o Império da Tijuca aposta em uma dupla de carnavalescos com estilos diferentes, porém complementares, para compor o enredo deste ano: Junior Pernambucano e Ricardo Hessez. O primeiro império do samba vem com o enredo “Cores do Axé”, uma proposta que se inspira na documentação artística do pintor argentino Carybé sobre o Axé enquanto energia criadora, os orixás, os terreiros, a baianidade e as festividades.
“Inicialmente, o Junior chegou com uma proposta de enredo afro para a escola, que era a pegada dos enredos que ele fazia no Império da Tijuca que inclusive levou a escola para o Grupo Especial em 2013. Com o pensamento de um enredo afro, ele trouxe a temática do Axé. A partir da visão do Junior, a gente começou a fazer pesquisas. Assim, chegamos a referências do Carybé”, disse Ricardo Hessez.
Para unir as estéticas díspares dos integrantes da dupla, as obras de Carybé foram essenciais. O artista plástico argentino, mas de alma baiana, viveu no século XX, se encantou com a cultura afro-brasileira e foi uma figura importante porque pôs em tela e em escultura muitos elementos que faziam parte da tradição oral dos terreiros. A construção de um conceito de baianidade passou pelas suas mãos tanto quanto por outras renomadas personalidades, por exemplo, o cantor e compositor Dorival Caymmi, o fotógrafo Pierre Verger e o escritor Jorge Amado. Por isso ele foi escolhido para ser reverenciado pela escola.
O Império da Tijuca vai contar a trajetória da energia Axé desde a criação do mundo até o cotidiano pela ótica deste homenageado por meio de três carros alegóricos e um tripé, desfilando com cerca de 2500 componentes. A comunidade do Morro da Formiga está engajada com o enredo por conta da identificação com a narrativa elaborada e da qualidade do samba, segundo Hessez. O carnavalesco adiantou a descrição de uma das alegorias que representa a união da estética mais limpa e objetiva dele com a forma mais barroca de seu parceiro Junior Pernambucano.
“Tem um momento interessante no meio do desfile, no segundo carro da escola, que é justamente a visão de dois artistas diferentes. É uma homenagem aos assentamentos da escola, porque o assentamento é a fonte de Axé do terreiro. Nós temos um para Oxum e outro para Ogum. Assim, a gente exercita as duas características. Oxum ficou a cargo do Junior, que é mais barroco, e Ogum ficou mais à minha responsabilidade, que é parte de ferragem aparente, é um assentamento mais enferrujado. “Vai ser um desfile que vai mesclar essas duas imagens, esses dois modos de fazer Carnaval, acho que de uma forma, principalmente, muito colorida. Vai ser um desfile extremamente colorido”, afirmou Ricardo.
Um ponto de encontro chamado Carybé
Nome conhecido pelos foliões da Formiga, Junior Pernambucano está envolvido com escola de samba desde muito jovem, já que seu pai fundou uma agremiação na sua cidade natal Goiana, em Pernambuco. Veio fazer Carnaval no estado do Rio de Janeiro, em 2000, em Três Rios. Em 2013, ele ingressou nos desfiles da Marquês de Sapucaí estreando como campeão do Grupo de Acesso A pela verde e branco da Tijuca. Ele também foi responsável pelo enredo “Batuk”, de 2014, no Grupo Especial que encantou o público, mas não garantiu a permanência da escola na elite do Carnaval carioca. A experiência de Junior com essa comunidade é uma das coisas tranquiliza Ricardo Hessez em sua estreia na Sapucaí.
“Ter o Junior do meu lado é uma coisa muito positiva para mim, porque é uma pessoa que já tem uma experiência gigantesca principalmente com o Império da Tijuca. Então eu não cheguei na escola leigo, o Junior já me deixou a par do que a gente conseguiria fazer aqui. Apesar de estar nervoso, eu sei que vai ser [um desfile] muito legal e muito bonito”, comentou Hessez.
No Carnaval desde 2017, Ricardo Hessez já participou de desfiles como assistente, por exemplo, do carnavalesco Jorge Silveira durante quatro anos. Ele sabe que estrear na Sapucaí a responsabilidade é muito grande. No seu currículo, ele tem passagem por Viradouro, São Clemente, Botafogo Samba Clube e pela paulistana Dragões da Real.
“Eu trabalhei anos com Jorge Silveira, então ele é inegavelmente uma das minhas referências para fazer Carnaval, que é um Carnaval mais limpo [esteticamente]. Alex de Souza e Leandro Vieira são referências que eu levo. Eu sou o tipo de carnavalesco que gosta de ver o ferro, que gosta das formas limpas”, contou Ricardo.
O trabalho em equipe vai ser uma marca dessa dupla na Avenida. “A gente tenta unir o útil ao agradável. Eu faço a alegoria e o projeto e Junior compõe com o que é dele. Eu acho que o que controla essa situação toda é, justamente, o Carybé. Então temos três artistas trabalhando na escola de forma involuntária”, revelou Ricardo sobre a dinâmica desenvolvida pelos dois para colocar esse desfile da Passarela do Samba.
Conheça o desfile do Império da Tijuca
O Império da Tijuca será a sétima escola de samba de sábado a desfilar pela Série Ouro, ou seja, a penúltima escola do grupo. A agremiação virá com três carros alegóricos, um tripé e cerca de 3000 componentes para narrar a beleza do Axé como energia vital que transita por tudo, desde os orixás até uma concha de feijoada.
Setor 1: “Vamos falar do axé como força criadora, que movimenta, que passa de um para o outro, da energia. No começo, a gente brinca que o artista pinta de Axé essa tela em branco. O Carybé é esse artista. Só que mesclamos o Carybé com a história do enredo. Por exemplo, no começo, os orixás só vestiam branco, então vamos levar em consideração a tela em branco também. A partir dessa tela em branco a natureza surge, as cores surgem, os elementos surgem, e tudo isso foi documentado pelo Carybé. Nesse 1º setor, falaremos de mitologia. A mitologia através do Axé: o Axé criando a natureza, da natureza nascendo os orixás e dos orixás nascendo os preceitos do terreiro”.
Setor 2: “Os preceitos vão para o 2º setor da escola. Nos preceitos do terreiro, mostramos os personagens que compõem o terreiro, os instrumentos que compõem cada orixá e esses movimentos religiosos do terreiro, a música através dos ataques dos ogãs, as oferendas relacionadas aos orixás. Tudo isso emana Axé. Até chegar no assentamento do terreiro, que é uma homenagem a Oxum e Ogum para a escola”.
Setor 3: “A gente passa o Axé de dentro do terreiro para as ruas e para as ladeiras. A partir daqui a gente documenta festas da Bahia. Falamos da Lavagem do Bonfim, do 2 de Fevereiro, festa para Iemanjá, da festa para Xangô, que é São João. Esse é o 3º setor”.
Setor 4: “No 4º setor falamos do Axé enquanto troca. Depois dessa festa, tem o contato físico da dança, da capoeira, da dança dentro do Carnaval, do Axé que a gente sente dentro de uma escola de samba. A gente fala desse Axé compartilhado dentro da concha de feijão, que é um dos quadros do Carybé. Tradicionalmente, o Império da Tijuca tem uma festa em homenagem a Ogum, que é uma feijoada importante para a escola, e o Ogum é sincretizado com São Jorge. Através dessa concha de feijão distribuída pela baiana, cada conchinha de feijão contém um pouquinho de Axé e os preceitos da escola. E a gente fala também do pavilhão do Império da Tijuca. O pavilhão é a fonte do axé de cada escola de samba. Quando a porta-bandeira gira, ela está emanando e espalhando Axé. E tudo isso foi documentado por Carybé”.