Por Diogo Sampaio

Consideradas como as matriarcas do samba, as baianas são figuras emblemáticas, de grande representatividade para cultura e religiosidade afro-brasileira. No carnaval de 2020, a Porto da Pedra irá narrar a história dessas mulheres negras, que desembarcaram como escravas no cais do porto de Salvador, para posteriormente ganharam as ruas da cidade soteropolitana com seus tabuleiros, repletos de quitutes, até a vinda delas para o Rio de Janeiro, já depois de livres, trazendo seus ritos e ritmos para então capital do país.

Responsável por desenvolver o enredo “O que é que a Baiana tem? Do Bonfim à Sapucaí”, Annik Salmon recebeu a reportagem do site CARNAVALESCO no barracão da vermelha e branca de São Gonçalo. Durante conversa, a artista contou como foi sua chegada à escola. Na ocasião, a Porto da Pedra já havia definido a temática do enredo sobre as baianas e divulgado uma primeira sinopse, elaborada pelo historiador Alex Varela.

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“A chegada na Porto da Pedra foi boa, satisfatória. Gostei muito quando soube que ia falar sobre baianas: baiana do acarajé, quituteira, baiana do carnaval… E eu e o Alex Varela já trabalhamos juntos na Vila em 2006, ele escrevia para o Louzada (Alexandre Louzada, carnavalesco), de quem eu era assistente na época. Então, ele foi bem solícito, conversamos sobre toda a proposta do enredo, me passou tudo, mas ele só escreveu o primeiro texto. Toda a parte de defesa, de divisão de setores, de ala, de carro, foi comigo. Existia uma temática, um texto quando eu assumi, que foi divulgado na internet, mas que a gente mudou. Eu aproveitei bastante coisa do que ele escreveu, mas eu dei mais a minha cara. A sinopse que ele fez no início, estava dividida por setores, por exemplo. Eu refiz como texto único, que eu gosto mais. Quando ele escreveu, fez pensando em cinco alegorias, e a gente só têm direito a três, além de um tripé. Portanto, tive que mudar isso para se encaixar dentro do queria falar, enfatizar o que eu acho que é mais importante”, relatou.

Primeiro trabalho solo e retorno às divisões de acesso

O desfile da Porto da Pedra de 2020 será o primeiro trabalho solo de Annik Salmon na carreira. Até o ano passado, ela era membro integrante da comissão de carnaval da Unidos da Tijuca, no Grupo Especial. Para o site CARNAVALESCO, ela falou das diferenças entre trabalhar sozinha e em equipe.

“Trabalhar em comissão é aquilo: são vários artistas, com várias ideias, vários pensamentos, várias áreas estéticas, que tem de se juntar e entrar em um acordo para desenvolver o desfile. Então, a gente fica algo misturado. A prova disso é o ano passado, que teve muita mistura de estética diferente. Os anos que tiveram mais unidade foram no início, que eram com o Mauro (Quintães, carnavalesco) na comissão, uma pessoa ótima, que tem ideias muito boas. Já o ano do Miguel Falabella, em que ficamos eu, o Marquinhos (Marcus Paulo, carnavalesco) e o Hélcio (Paim, carnavalesco), foi o mais fácil de trabalhar, de criar, pois nós temos um entrosamento muito bom. Mas aquilo também, tem que ter a opinião de todo mundo e tal. Você tem que saber ouvir e tem que saber receber as ideias. Já quando está trabalhando sozinho, é o que você pensa e acabou. É claro que também existem profissionais que trabalham contigo, que podem vir a te dar uma ajuda. Quando as ideias são ótimas e vem para solucionar um dilema, eu sou a primeira pessoa a aceitar. Adoro gente participando”, afirmou.

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Anos antes da passagem na Unidos da Tijuca, Annik já havia tido um trabalho como carnavalesca, em outra comissão. Liderados pelo experiente Alexandre Louzada, ela, Carlos Carvalho, Ana Zerbini, Marlúcia Cruz e Lilian Walter Nicolau assinaram o desfile do Cubango de 2007, sobre o município de Paracambi, no extinto Grupo A, atual Série A. Na entrevista, ela comparou essa experiência com a atual.

“É muito diferente, porque lá quem assinava mesmo era o Louzada. Mesmo se tratando de uma comissão, tudo tinha que ter o aval dele. Na questão estrutural do grupo era até melhor na época. O barracão lá da Cubango era mais estruturado, tinha espaço recuado que dava para fazer escultura de fibra. Aqui tem que trabalhar tudo junto, é um aperto”, avaliou.

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Para carnavalesca, além da estrutura, outra diferença encontrada nesse retorno ao grupo de acesso foi referente a questão financeira. Por conta da falta de verba, gerada pelo corte completo do repasse da Prefeitura do Rio, Annik disse ter tido que apostar na reciclagem de materiais e na reutilização de esculturas para conseguir confeccionar o carnaval da Porto da Pedra.

“O grande lance, na Série A, é você ter a visão de reciclagem. É você olhar uma lata e ver que ela pode virar de repente um banco, por exemplo. Todo nosso trabalho aqui foi feito assim, porque a gente não tem muito recurso. Vamos fazendo e se adaptando com o quê tem. E mesmo assim, quase tudo que eu estou usando aqui de material, eu já usei na Tijuca. O diferente é reaproveitar as esculturas que já existe e transformá-las. No abre-alas, a gente tem quatro esculturas de mulheres que estavam largadas no barracão da Renascer. O corpo delas era verde, pintei para que ficassem com a pele negra e agora vai ser minha Iansã. Tenho três baianas no carro dois que estão com tabuleiro na cabeça, que são esculturas que já passaram por várias escolas, mas que só tinha a parte de cima do tronco. Adicionei uma saia e virou uma escultura enorme. Uma boneca que já rodou por vários lugares, a gente faz uma maquiagem, coloca um tabuleiro para turbante, veste e modifica. Dessa maneira eu nunca tinha trabalhado”, explanou.

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A mesma política de reaproveitamento também foi empregada na questão estrutural dos carros. No entanto, Annik frisa que houve algumas mudanças pontuais, visando crescer o tamanho e a volumetria das alegorias da escola, em comparação aos últimos anos.

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“Nossas alegorias não estão gigantes, mas estão do tamanho que tinha possibilidade, que a gente podia criar. Não tinha como a gente fazer chassis ou construir muitas coisas novas. Então aonde eu pude crescer, eu fui crescendo. É o caso das baianas de acarajé do segundo carro. Tem também uma escultura no último carro, que já tinha uma proporção grande, que eu mantive e estou crescendo ainda mais com elementos, acessórios”, explicou.

E o tigre?

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Indagada sobre o símbolo maior da agremiação, Annik não revelou muitos detalhes de onde e como virá o tigre. Mas avisou que será de uma maneira nunca antes vista na Marquês de Sapucaí. “Vai ser surpresa, mas posso adiantar que o tigre nunca veio dessa forma. Vai ser um diferencial, algo totalmente novo”, declarou.

Entenda o desfile

Quarta escola a desfilar na sexta-feira de carnaval, a Unidos do Porto da Pedra irá para Avenida com 21 alas, três alegorias (sendo o abre-alas acoplado) e um tripé. E apesar das mudanças no regulamento da Série A, a apresentação do enredo “O que é que a Baiana tem? Do Bonfim à Sapucaí” será dividido em quatro setores, como detalhou Annik Salmon para o site CARNAVALESCO.

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Setor 1: “O primeiro setor é das negras de ganho até as quituteiras baianas É nesse setor que falamos como é que as negras de ganho viraram quituteiras. São essas escravas que vieram e chegaram no Porto de Salvador, e ainda escravizadas, saíram às ruas para vender na condição de negros e negras de ganho, até se tornarem vendedoras de acarajé. Então, tem esse acarajé oferecido para o santo”.

Setor 2: “O segundo setor é a diáspora baiana e a pequena África do Rio de Janeiro. É uma parte ainda de Salvador, que são essas baianas que têm a proteção de Santa Bárbara, que participam da festa da lavagem das escadarias da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, tudo isso vindo para o Rio de Janeiro. É quando os negros já livres chegaram aqui, sobre a proteção de Oxalá. A gente fala da Tia Ciata, também baiana, quituteira, que nas festas de terreiro dela acontecia tudo, e foi aonde surgiu o samba. Então, fechamos esse setor com essas festas na casa da Tia Ciata, além da festa na Igreja da Penha”.

Setor 3: “O terceiro setor já são as taieiras e as procissões religiosas na cidade do Rio de Janeiro. As taieiras vinham na frente das procissões com uma dança, com um tipo de roupa que lembravam as baianas. Isso se comparava muito com as baianas do carnaval. E essas procissões sempre tinham a participação das baianas. O setor inteiro é uma grande procissão”.

Setor 4: “O quarto setor da escola são as alas de baianas das escolas de samba e a lavagem da Marquês de Sapucaí. Nesse setor, a gente vem falando dos homens que no início se vestiam de baianas, as baianas modernas, tem uma ala de passistas internacionais para representar as águas da Lavagem da Sapucaí e a última ala, em frente a última alegoria, são as baianas tradicionais representando essa lavagem da Marques de Sapucaí, homenageando todas as agremiações”.

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