Em 2023, o Arranco voltará a desfilar na Série Ouro do Carnaval carioca depois de 10 anos afastado da Marquês de Sapucaí. A agremiação vai abrir os desfiles do grupo na sexta-feira, 17 de fevereiro, trazendo uma homenagem a um sambista importantíssimo para sua história e para a história do Carnaval – Zé Espinguela. A narrativa vai passar pela ancestralidade e religiosidade que constituem o homenageado até chegar no legado que ele deixou para os dias atuais.
Segundo o carnavalesco Antônio Gonzaga, no primeiro desfile com sua assinatura, o nome de Zé Espinguela foi resultado do encontro de ideias entre ele e a presidente Tatiana Santos. A intenção era trazer um personagem importante para escola e que fosse de fácil conexão com público.
“Assim que a escola entrou em contato comigo, pediram para eu já ir pensando em algumas ideias para levar à reunião e avançar nesse quesito. Eu já achava desde o início que o Arranco, vindo da Intendente Magalhães, tinha que fazer um enredo que se conectasse com o público e se conectasse com a própria história como um momento de resgate para ela voltar a brilhar na Marquês de Sapucaí depois tantos anos no terceiro grupo. Eu encontrei a história do Zé Espinguela e eu achei incrível.
O Zé Espinguela é a história do Carnaval carioca e foi uma história que aconteceu aqui [na quadra do Arranco]. Eu fui pesquisar se o Arranco já tinha feito esse enredo. Como o Arranco nunca tinha feito isso antes? Não tinha sido. Quando cheguei para apresentar, a presidente perguntou: ‘Gonzaga, você já tem alguma ideia de enredo, porque eu tenho um enredo que eu quero muito fazer. Quero fazer o Zé Espinguela’. Era um desejo da escola, foi o enredo que eu pensei, então tinha que ser”, contou Antônio.
A história que Gonzaga contará narra, curiosamente, o primeiro concurso de samba entre os blocos que deram origem à Mangueira, a qual o protagonista é fundador, Portela, a madrinha que emprestou as cores ao Arranco, e Estácio de Sá, antiga Deixa Falar. Esse evento aconteceu no dia de São Sebastião, 20 de janeiro, onde hoje é a quadra da agremiação do Engenho de Dentro, na Rua Adolfo Bergamini. Além do evidente lado sambista de Zé Espinguela, o carnavalesco vai abordar outras facetas do homenageado: ele foi jornalista, escritor e líder religioso.
O carnavalesco acredita que a abertura, que falará de ancestralidade, e o último carro terão um grande impacto visual para o público pelo significado e estética objetiva. Gonzaga irá apostar em diversas propostas visuais para homenagear Zé Espinguela.
“Vamos começar com o que se entende por um afro mais tradicional. Depois trazemos esse afro para uma estética mais brasileira com estamparia. A gente usa muita fita, chita, fuxico. É uma pegada com cara de feito à mão tanto quando vai para parte mais carnavalesca, com pompom e retalho, quanto quando vai para o afro, com palha, uma costura mais marcada. Não tem muito paetê, é uma estética mais limpa”, revelou Antônio.
De compositor a carnavalesco
Apesar de estrear como carnavalesco em 2023, Gonzaga está no Carnaval há algum tempo. Começou como compositor no Salgueiro, sua dedicação às artes visuais e ao design chamou atenção da dupla de carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, quando eles assinavam o desfile para o Cubango. A parceria o levou para a Grande Rio, escola que foi vice-campeã e campeã em 2020 e 2022, respectivamente. Este ano, Antônio Gonzaga está mais afastado da Grande Rio, mas continua nessa divisão de tarefas entre o Arranco e a agremiação do Grupo Especial.
“Eu sempre fui muito ligado à produção artística desde criança. Sempre fui do desenho, da arte, da pintura. O samba-enredo foi a maneira que encontrei de entrar no Carnaval que sempre foi um universo que eu sempre fui apaixonado. Comecei a compor no Salgueiro, mas, paralelamente a isso, eu fazia minhas produções como designer, eu sou formado em Design, e postava nas minhas redes. Até que em 2018, para o Carnaval de 2019, o Gabriel e o Leonardo gostaram do meu trabalho e me chamaram para fazer a identidade visual do enredo do Cubango. A partir daí, eu pedia para frequentar o barracão, passei a ir todo dia e participar da produção mesmo da produção daquele Carnaval. No ano seguinte, eles foram para a Grande Rio e me convidaram para integrar a equipe de criação deles”, comentou Gonzaga.
Entre suas inspirações, além de Bora e Haddad, estão Joãozinho Trinta, Rosa Magalhães e Fernando Pinto, de quem comenta ser muito fã. Da experiência na campeã de 2022, ele aponta que leva para si muito mais que o aprendizado estético. Ele aprendeu o funcionamento interno de uma escola de samba, o relacionamento com os profissionais dos ateliês, ferreiros e marceneiros. “Se eu não tivesse passado pela Grande Rio, eu não conseguiria fazer o Arranco dar certo”, afirmou o carnavalesco.
Agora, em trabalho solo no comando do barracão do Arranco, Antônio Gonzaga fala sobre o nervosismo da estreia e o desafio que é defender o pavilhão azul e branco do Engenho de Dentro: “É um grande desafio [estrear na Série Ouro]! É muito desafiador, ainda mais no Arranco que é uma escola que estava há muito tempo afastada da Sapucaí. Ou seja, a escola também está se readaptando a essa nova realidade. Para todo mundo está sendo uma grande experiência e está sendo muito prazeroso”, afirmou Antônio. “Eu aposto muito no desfile. Eu acho que a gente tem um grande enredo, as fantasias estão legais, as nossas propostas de alegoria estão bem legais também; tudo pensado dentro da realidade da escola. E a escola está muito comprometida em fazer um grande Carnaval. Estou muito animado e ansioso, mas trabalhando à beça”, completou.
Conheça o desfile do Arranco
A azul e branco do Engenho de Dentro vai ser a primeira escola da Série Ouro a desfilar este ano. Com a responsabilidade de começar com pé direito os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, o Arranco vem com um tripé na comissão de frente e outro ao longo do desfile, três carros alegóricos, com até 1500 componentes divididos em 17 alas. O carnavalesco Antônio Gonzaga detalhou para o site CARNAVALESCO o desfile.
Setor 1: “A abertura do desfile são as raízes ancestrais do samba carioca e do Zé Espinguela. Trazemos as heranças africanas. O Zé Espinguela era um alufá, era um líder religioso que tinha um culto ao tabuleiro de Ifá. Então, logo na abertura, vêm as raízes, o tabuleiro, a ancestralidade do personagem”.
Setor 2: “A gente traz para uma realidade mais brasileira e para os bastidores do concurso que ele organizou. Trazemos os blocos de rua que ele frequentava no final dos anos 1920, os blocos de sujo e o Bloco do Arengueiros, que originou a Estação Primeira de Mangueira, a Deixa Falar, o Conjunto de Oswaldo Cruz, que deu origem à Portela. E fecha o setor com o dia do concurso, que é dia 20 de janeiro. Tem a ala em homenagem a São Sebastião, padroeiro da cidade, e uma ala que faz referência a Oxóssi. Depois vem o segundo carro sobre o concurso que ele organizou aqui [no espaço onde é hoje a quadra do Arranco de Engenho de Dentro]”.
Setor 3: “No 3º setor, nós partimos para outras vivências do Zé Espinguela. Ele era jornalista, tinha um ateliê de fantasias. Ele tinha uma relação com Villa Lobos, em que ele criava adereços para o Sodade do Cordão, um bloco que ajudou a organizar com Villa Lobos. E a vivência dele no Morro de Mangueira. A relação dele com Cartola e os baluartes da escola, a vivência dele no buraco quente. Todo esse setor é permeado pela vivência musical dele. Então termina o setor com a despedida dele, quando ele morre, e ele tinha escrito a música ‘Adeus, Mangueira’, uma música se despedindo do morro – esse é o tripé”.
Setor 4: “São as heranças que ficaram. É o Arranco completando 50 anos fruto de toda essa vivência, são as escolas de samba seguindo como quilombos de resistência. Nosso último se chama ‘Onde o samba é alforria’, que é uma grande celebração das escolas de samba e da herança delas para os próximos anos e para os nossos frutos”.