A Acadêmicos de Santa Cruz realizou uma justa homenagem ao ator, cantor e diretor Milton Gonçalves. A Verde e Branco apresentou na avenida o enredo “Axé, Milton Gonçalves! No catupé da Santa Cruz”. A agremiação da Zona Oeste se destacou com uma bela apresentação da bateria de mestre Riquinho, da sua comissão de frente e de seu conjunto alegórico. Porém, a escola pecou em evolução e harmonia, abrindo um buraco no setor 6, em frente a última alegoria. O desfile durou 53 minutos. * VEJA FOTOS
Comissão de Frente
A comissão de frente da Santa Cruz representou a dança do catupé e a coroação dos reis negros. O grupo foi composto por 15 integrantes, sendo um casal e 13 bailarinos, coreografados pela dupla Marcelo Chocolate e Marcelo Moragas. O bailado foi dinâmico, expressivo e vigoroso. Em certos momentos do desfile, o casal, que vestia uma roupa colorida e luxuosa, era erguido nos braços de outros componentes da comissão. Em outro trecho da dança, alguns bailarinos retiravam rapidamente um tecido de suas capas para vesti-lo do avesso no casal de reis negros, provocando um belo efeito.
No fim da apresentação, o casal se ajoelhava para receber uma coroa dos bailarinos, que se abaixavam em reverência à realeza. Nesse instante, com os integrantes de cabeça baixa, a parte superior dos chapéus formava a frase: Preto é rei. A coreografia recordou as poucas lembranças que Milton Gonçalves guardou da infância vivida em Monte Santo, cidade do interior mineiro onde ele nasceu. O catupé e a coroação dos reis é uma festa que acontecia na matriz, sob as bênçãos de Nossa Senhora do Rosário. A apresentação da comissão durou cerca de 1m55seg em frente ao módulo de julgamento dos quesitos.
Mestre-Sala e Porta Bandeira
O primeiro casal de Mestre-Sala e Porta Bandeira da Santa Cruz, Muskito e Roberta Freitas, desfilou com a fantasia de “Nobres africanos: Raízes ancestrais”. A família de Milton Gonçalves, por parte de pai e mãe, era descendente de negros escravizados. A roupa de Roberta era bem volumosa, com a saia toda revestida de penas de cor verde escuro, máscaras africanas, além de detalhes em laranja, marrom claro e preto.
A fantasia de Muskito veio na mesma tonalidade que a de Roberta, e contava ainda com uma capa laranja com losangos preto. Ambos traziam no costeiro um conjunto de penas marrom claro com pontas pretas.
O casal executou um bailado seguro e sem contratempos durante a passagem da escola pela avenida, apresentando com elegância o pavilhão da Santa Cruz. Sempre sorrindo, a dupla trocava olhares e se entendia a cada movimento. No trecho “Um santo, a cruz da liberdade/ A Santa Cruz é liberdade” ambos abriam os braços para enfatizar o sentimento de libertação descrito no enredo. A apresentação do casal em frente à cabine de jurados durou por volta de 1min50seg.
Harmonia
A Santa Cruz não conseguiu manter a mesma intensidade de canto em todas as suas alas. Tiveram um canto forte na passarela as alas: “A descoberta do cinema”, “Irmãos Coragem” e “O bem amado”. Já a segunda ala, “Um trem para São Paulo: Estação”, desfilou com vários componentes sem cantar a letra do samba por completo. As alas “Arena conta Zumbi” e “Paixão pelo Flamengo” também deixaram a desejar em termos de harmonia.
Enredo
A Santa Cruz abriu o desfile ressaltando a ancestralidade de seu homenageado, mostrando elementos da cultura mineira, estado de origem do ator. Antes da primeira ala de enredo, desfilaram alguns componentes de camisetas, em uma ala não prevista no livro “Abre-alas”. O segundo setor da escola abordou a infância e juventude de Milton Gonçalves, quando ele foi buscar melhores condições de vida em São Paulo. Em terras paulistanas Milton chegou a fazer vários “bicos”, como guardador de frutas, por exemplo, antes de iniciar sua carreira artística.
O fascínio de Milton com os palcos foi mostrado no terceiro setor da escola. Sua estreia nos palcos de teatro, em 1956, foi lembrada pela ala “Soldado de Chocolate”. Os ritmistas da bateria estavam vestidos de metalúrgicos, em alusão a peça “Eles não usam black-tie”. O último setor da Verde e Branco fez referência à boêmia carioca. As alas deste setor retrataram o amor de Milton pela Mangueira e pelo Flamengo. A defesa pela liberdade artística diante da censura da ditadura também foi lembrada em uma ala da escola. As novelas de sucesso que Milton atuou, como “O bem amado” e “Irmãos coragem” vieram representando os personagens vividos pelo ator.
Alegorias
O carro abre-alas da Santa Cruz veio lembrando das origens mineiras de Milton Gonçalves, trazendo além das cores da escola, verde e branco, um trabalho de acabamento em laranja e dourado. A coroa, símbolo da escola, foi toda entalhada em ébano. Uma escultura de Nossa Senhora do Rosário, junto a igreja matriz de Monte Santo, onde Milton, quando criança, assistia a coroação dos reis negros. Na parte frontal da alegoria, mães de santo e pretos-velho faziam parte da composição.
A segunda alegoria, toda em lilás, simbolizou o período em que Milton trabalhou em uma livraria em São Paulo, ainda adolescente. Uma espécie de coroação do ator pela soberana do conhecimento, a energia anciã de Nanã, retratada como guardiã dos livros em uma escultura frontal. A terceira e última alegoria da escola foi denominada “Oxalá e o bem amado Milton Gonçalves”, em referência ao personagem Zelão das Asas, que tinha o desejo de voar e, no final da trama, consegue realizar. Oxalá veio como símbolo da própria liberdade buscada por Milton ao longo da vida, coroando-o como rei e celebrando a liberdade de seu povo.
Fantasias
A primeira ala da Santa Cruz trouxe para a avenida os “Catadores de café em Monte Santo”. A segunda representou a ida de Milton à cidade de São Paulo, com seus integrantes vestidos de locomotiva. A ala “A descoberta do cinema” trazia estrelas prateadas nos costeiros dos componentes, provocando um belo efeito visual. A ala relembrou o encantamento do ator pela sétima arte. Mesmo sendo constante barrado nas sessões por nao estar “vestido adequadamente”, Milton cultivou sua paixão pelos filmes.
A ala das baianas veio simbolizando a sabedoria de Nanã, com uma elegante fantasia nas cores lilás, rosa e branco. As “Senhoras do Conhecimento” remetem ao período em que o homenageado desenvolveu o hábito da leitura ao trabalhar em uma livraria. A ala de passistas deu show na avenida trajada de “A corte de Zumbi”, em referência ao Quilombo dos Palmares.
Samba-Enredo
O samba-enredo composto por Samir Trindade, Junior Fionda, Elson Ramires e Rildo Seixas teve um belo rendimento na avenida. Apesar do canto não ter sido uniforme durante todo o desfile, os componentes entoavam os refrões com bastante empolgação. “Preto é rei!” e “Obá obá, Obara ôôô” foram os trechos da letra do samba que eram cantados com mais vigor pela comunidade de Santa Cruz. O carro de som liderado pelo intérprete Roninho enfrentou um pequeno apagão no sistema de som da Sapucaí, mas não comprometeu a harmonia da escola.
Bateria
A bateria comandada por mestre Riquinho sustentou o desfile da Santa Cruz, sem deixar de lado a criatividade. As bossas do samba foram executadas com perfeição e precisão. Em uma delas, no trecho “Obá obá, Obara ôôô”, os ritmistas reverenciavam o público enquanto os repiques seguravam o ritmo e voltavam na virada de dois, dando continuidade a bossa. Sem dúvidas, a Tabajara da Zona Oeste foi um dos pontos altos do desfile da Acadêmicos. A frente dos ritmistas veio a rainha da bateria Larissa Nicolau.
Evolução
A Santa Cruz começou seu desfile evoluindo bem, com a maioria de suas alas passando compactas. Porém, quando a bateria entrou no recuo, a escola acelerou o passo para cobrir o espaço deixado na avenida e o último carro não conseguiu acompanhar. Na passagem da alegoria pelo segundo módulo, acabou abrindo um buraco, que só foi corrigido no setor seguinte. As alas “A Paixão pelo Flamengo” e “O amor pela Mangueira” embolaram em alguns momentos do desfile.
Outros destaques
A musa Paula Lacer, com a fantasia “Sacerdotisa da rainha diaba”, conquistou o público com sua simpatia e samba no pé. Ela veio a frente da ala “A rainha diaba – uma revolução”, que remete ao personagem homossexual interpretado por Milton em filme homônimo, dirigido por Antônio Carlos da Fontoura. Com este trabalho, Milton Gonçalves é definitivamente reconhecido por seu talento e capacidade de debater temas de relevância estrutural e cultural.